“Catolicismo”, n° 411, março de 1985 (www.catolicismo.com.br)
A grande alternativa de nosso tempo
– dead? or red? –
na perspectiva da mensagem de Fátima
“Catolicismo” apresenta abaixo o penetrante prefácio que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira redigiu para a recente edição norte-americana da obra “As aparições e a mensagem de Fátima conforme os manuscritos da Irmã Lúcia”, de Antonio Augusto Borelli Machado. Estamos certos de que nossos leitores se beneficiarão lendo um texto que comenta, com tanta clarividência, problemas-chave do mundo contemporâneo, à luz da profética mensagem de Fátima.
As aparições e a mensagem de Fátima conforme os manuscritos da Irmã Lúcia sai agora em edição norte-americana. Publicado no ano de 1967 no Brasil, onde alcançou 19 edições, o livro circulou também em Portugal (em edição local), bem como no mundo hispânico (através de catorze edições em idioma castelhano) e na Itália (quatro edições). Transpôs ele igualmente os umbrais do mundo anglo-saxônico, onde foi transcrito nas revistas “Crusade for a Christian Civilization” de Nova York e “TFP Newsletter” de Johannesburg. Auguro acolhida também excelente para a presente edição.
Com efeito, a obra do eng. Antonio Augusto Borelli Machado está baseada em uma investigação muito ampla de fontes, e em uma análise penetrante das mesmas. Com os dados assim obtidos e selecionados, ela constitui uma compilação inteligente, ágil e vitoriosa, de tudo quanto integra realmente a Mensagem de Fátima. E, a par disso, apresenta uma interpretação, a um tempo arguta e prudente, de vários aspectos dela.
Quiseram o autor e a Editora que eu precedesse de um prefácio a presente edição.
Acedendo ao amável convite, pareceu-me que nada poderia interessar tanto ao homem contemporâneo – e notadamente ao leitor norte-americano – quanto relacionar o conteúdo da Mensagem com os problemas da paz e da guerra considerados do ponto de vista da cruel alternativa: – Better red than dead? – Better dead than red? [É melhor vermelho (comunista) do que morto? Ou melhor morto do que vermelho (comunista)?]
É o que experimentarei fazer a seguir.
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Para uma grande maioria de nossos contemporâneos é inteiramente claro que essa é a alternativa fundamental ante a qual todos nos encontramos.
A Mensagem de Fátima nos proporciona conhecer com clareza sobrenatural a solução da Providência para essas perguntas angustiantes.
Em 1917, meses antes de o comunismo ascender ao poder na Rússia, e 28 anos antes de a primeira bomba atômica explodir em Hiroshima, a Mensagem de Nossa Senhora transmitida ao mundo por meio dos três pastorezinhos da Cova da Iria contém os elementos de uma resposta cristalina a essas graves interrogações.
De um lado, a Mensagem fala a respeito dos “erros da Rússia” – o comunismo – e indica o meio pelo qual a expansão deste pode ser evitada. Com efeito, o comunismo, ela o aponta como o grande castigo ao qual a humanidade está exposta em razão do declínio religioso e moral dos povos. Ele aparece, portanto, claramente, como um flagelo da Providência para castigar os povos, e especialmente os do Ocidente. E tal flagelo, os homens podem evitá-lo se se emendarem da irreligião e da imoralidade em que se acham atolados, e voltarem à profissão da verdadeira Fé, e retornarem à prática efetiva da Moral cristã.
Em termos mais precisos, para que fosse cumprida a vontade de Nossa Senhora, não bastaria – segundo a Mensagem – um grande número de conversões pessoais. Era necessário que as várias nações, cada qual como um todo, notadamente as do Ocidente – a seu modo ele também tão devastado pela irreligião e pela imoralidade – voltassem à profissão da verdadeira Fé e à prática dos preceitos morais perenes do Evangelho.
A Mensagem não se limita, pois, a apontar o perigo, mas indica o modo de obviá-lo. Este modo não é morrer, muito menos aceitar de ficar comunista. Ele consiste em seguir a vontade de Deus, em atender a Mensagem da Mãe dEle e de todos nós.
Entre essas condições – é preciso não esquecer – está a Consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria, nos termos em que Nossa Senhora a pediu.
Porém a Mensagem ainda vai mais longe. Ela adverte de que se isto não for feito, a Justiça de Deus não reterá o castigo iminente: “Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.
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Importa notar que a Mensagem não afirma que, cumprindo quanto a Rainha do Céu e da Terra deseja para aplacar a cólera de Deus, o flagelo do comunismo será afastado do mundo sem luta, pelo menos incruenta. Ela deixa ver, isto sim, intervenções admiráveis da Providência nos acontecimentos humanos, que assegurem a vitória sobre o flagelo comunista.
Mas, ao mesmo tempo, deixa aberta a porta para a hipótese de que os homens tenham que dar seu contributo nessa luta, participando eles mesmos, heroicamente, dos grandes prélios nos quais a ajuda soberana e decisiva da Virgem alcançará a vitória.
Com efeito, a Mensagem exclui a hipótese de uma vitória definitiva do comunismo: se os homens atenderem ao apelo da Virgem, o comunismo será vencido sem castigo para eles; se não atenderem a esse apelo, o comunismo flagelará os homens, mas também acabará vencido.
Em uma ou outra hipótese, a vitória será da Mãe de Deus.
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Convém notar que, na perspectiva de Fátima, não são principalmente os armamentos, por mais poderosos que seja, que evitarão o castigo. A dissuasão eventualmente alcançada pelo armamentismo das nações do Ocidente pode ser um meio legítimo e necessário para prevenir a guerra e, portanto, para alcançar o prolongamento da paz.
Contudo, a expansão do comunismo é descrita por Nossa Senhora como uma punição que resulta dos pecados dos homens. E esta punição não será evitada se os homens não se converterem.
Pode ocorrer – isto sim – que um dos meios pelos quais o castigo desabe sobre os homens impenitentes venha a ser um antiarmamentismo incondicional, de caráter puramente emocional, e portanto imprevidente, que estimule toda sorte de agressões e de ataques de um adversário cada vez mais armado.
Entretanto – note-se bem – o modo preferido pela Providência para fazer cessar o flagelo comunista, de nenhum modo é uma guerra. Esse modo consiste na emenda dos homens, no cumprimento do que a Mensagem pede, e na conversão da Rússia.
Pode ser que a Providência queira servir-se de uma guerra para preparar as condições para uma conversão da Rússia. Porém, isto não está declarado na Mensagem. Em todo caso, a simples vitória militar sobre a Rússia não resolverá o problema, nem afastará os homens da alternativa “red – “dead”. A Providência quer ir mais longe. Ela quer converter a Rússia. Ela quer converter a Rússia.
Nem a Providência precisa de uma guerra para a conversão da Rússia. Na hipótese de uma conversão do Ocidente, parece mais provável que a Providência prefira levar isto a cabo por meios pacíficos, persuasivos, religiosos. Evidentemente, o que a Mensagem promete é a conversão da Rússia à Religião Católica, com a conseqüente posição firmemente anticomunista que a Hierarquia católica tomava compactamente ao tempo em que a Mensagem de Fátima foi dada aos homens.
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Qual a relação entre esta autentica conversão da Rússia e a extinção do flagelo comunista? – É evidente. Está no Cremlin o principal foco de propaganda comunista no mundo. A conversão da Rússia traria consigo a paralisação dessa força.
Ademais, uma Rússia convertida se abriria pronta e inteiramente para o Ocidente. Seria então possível a todos os homens conhecer muito mais objetiva e profundamente do que agora o abismo de males, de natureza espiritual e temporal, em que estas muitas e longas décadas de aplicação do regime comunista lançaram a infeliz Rússia e seus satélites. O que abriria muito mais os olhos dos povos do Ocidente para o que há de falso na propaganda comunista, imunizando-os contra ela.
Por fim, e mais uma vez, insisto em que, na perspectiva de Fátima, a conversão da Rússia tem como condição prévia uma conversão do Ocidente. Dessa conversão sincera e profunda, como obviamente a Santíssima Virgem a deseja, resultará que o Ocidente será, já de si, totalmente refratário ao comunismo.
Fátima noa nos fala da China, do Vietnã, do Cambodge, nem da desdita dos demais povos sob jugo comunista. Mas é óbvio que Nossa Senhora, a qual tão admiravelmente terá protegido sem guerra um Ocidente convertido, não permitirá que essas grandes e desditosas nações fiquem à margem da efusão de graças que converterão o Ocidente e a Rússia com seus satélites (pois estes não terão condições de se manterem em regime comunista dentro de uma Europa convertida).
Também para os demais povos, para as nações não mencionadas nas revelações de Fátima, a virtude da esperança cristã nos proporciona – eu diria que nos impõe – a certeza de que lhes propiciará os meios de romperem seus grilhões, bem como de conhecerem e praticarem a verdadeira Fé.
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É bem de ver que essas várias considerações despertarão em certos espíritos uma atitude de ceticismo e de desdém.
Os homens sem Fé – e seus irmãos, isto é, os que têm pouca Fé – sorrirão diante do que lhes parecerá uma simplificação desconcertante, e até infantil, dos problemas hodiernos, que empurram o Ocidente para o comunismo e eventualmente para a guerra. Procurar a solução deles na cândida Mensagem anunciada por três pastorezinhos analfabetos, lhes parecerá ridículo. Mais talvez do que isso, demencial.
Não nego a complexidade inextricável dos problemas contemporâneos. Penso, pelo contrário, que essa complexidade é tal, que eles me parecem insolúveis por mão humana.
E isso tanto mais quanto a intervenção dos homens sem Fé, ou de pouca Fé, nas pesquisas e debates destinados a resolver tais problemas, os complica ainda mais.
Superficialidade? – Ela me parece presente. Não, porém, em nosso campo, mas precisamente no dos céticos.
Com efeito, vejo-os engajados em uma concepção o mais das vezes profundamente ignorante, e sempre apriorística e superficial, do que seja a religião, do papel dela na vida das sociedades, dos homens e dos indivíduos, e na avaliação das potencialidades e virtualidades dela, fortíssimas e insubstituíveis, para a solução dos problemas que os céticos procuram em vão resolver.
Não está aqui a ocasião adequada para explanar ainda mais este amplíssimo assunto.
Não resisto porém ao desejo de fazer ver a eventuais leitores céticos algo dessas insubstituíveis possibilidades da religião, de por ao alcance deles como que um buraco de fechadura através do qual divisem algo desse vastíssimo horizonte.
Santo Agostinho traça o perfil da sociedade verdadeiramente cristã – a Cidade de Deus – e dos benefícios que daí resultam para o Estado; imagine-se – escreve ele – “um exército constituído de soldados como os forma a doutrina de Jesus Cristo, governadores, maridos, esposos, pais, filhos, mestres, servos, reis, juizes, contribuintes, cobradores de impostos como os quer a doutrina cristã! E ousem ainda [os pagãos] dizer que essa doutrina é oposta aos interesses do Estado! Pelo contrário, cumpre-lhes reconhecer sem hesitação que ela é uma grande salvaguarda para o Estado, quando fielmente observada” (Epist. 138 al. 5 ad Marcellinum, cap. II, n° 15).
A doutrina católica mostra que, pelo infeliz dinamismo da natureza humana decaída em conseqüência do pecado original, como da operação do demônio e de seus agentes terrenos, na medida em que o homem se afasta da Fé, tende a um modo de ser e de agir oposto ao que a Fé ensina. Quanto maior a distancia, tanto maiores as transgressões. Algo como a lei de Newton. A experiência alias o confirma. E de modo muito particular em nossos dias.
Qual a escola política, social ou econômica que poderia evitar, sem o auxílio da Religião, a explosão final de uma sociedade que, impelida pelo próprio dinamismo da descrença e da corrupção, chegasse à transgressão total dos princípios em que se funda a Cidade de Deus descrita por Santo Agostinho?
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Sem que os homens voltem a esses princípios salvíficos, não há como evitar – para os indivíduos e para as sociedades – uma deterioração global, de natureza e proporções indefiníveis, mas tanto mais temíveis quanto maior duração e profundidade tenha o processo de degenerescência.
Que os homens ou as nações menos afetadas por essa deterioração queiram defender-se contra os cometimentos dos homens e das nações mais afetadas, que para isso se armem em uma atitude vigilante, suasória, amiga da paz, mas em atitude também pronta à legítima defesa vigorosa e vitoriosa: nada mais justo.
Porém, tais homens, tais nações não conseguirão estancar só por isso os fermentos de destruição postos em suas entranhas pelo neopaganismo moderno que ingeriram.
Esta é uma afirmação implícita em toda a Mensagem de Fátima.
Diante desta consideração, percebe-se melhor um aspecto dos castigos: é seu caráter saneador, regenerador e reordenativo. Intervindo ao longo de um infindável processo de degradação tanto individual quanto coletivo, o qual expõe aos maiores riscos a salvação de incontáveis almas, o castigo altera a situação, abre os olhos dos homens para a gravidade de seus pecados, os eleva até as altas paragens da contrição e da emenda. E, por fim, lhes dá a verdadeira paz.
Quantos perecerão, infelizmente. Mas terão melhores condições para morrer na graça de Deus, como escreveu São Pedro sobre os que morreram durante o dilúvio (cfr I Pt. III, 20).
Morrer: oh dor! Mas as almas nobres sabem que a morte não é necessariamente o mal maior. Disse-o Judas Macabeu: “Melhor é para nós morrer na guerra do que ver os males do nosso povo e das nossas coisas santas” (I Mac. III, 59).
Mas melhor ainda é viver. Sim, viver da vida sobrenatural da graça nesta Terra, para depois viver eternamente na glória de Deus.
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Essas últimas são considerações de bom senso, facilmente acessíveis aos espíritos desprevenidos e eqüitativos.
Encontrarão elas algum fundamento na Mensagem? – Não me parece.
Esta narra o que fará Deus para punir os pecados de uma humanidade tenazmente impenitente ao longo das sete décadas em que a Mensagem reboou pelo mundo sem converter os homens. Mais especificamente, sem converter os católicos, pois é com as orações deles, suas penitências e sua emenda de vida que a Virgem Santíssima conta de modo todo especial para obter do Divino Filho a suspensão dos efeitos de sua cólera, e o advento do Reino d’Ela. A mensagem nada diz do que a Providência fará em favor dos justos – dos que optaram pela fidelidade às promessas de Nossa Senhora – durante os dias terríveis da punição, nem o que nessa ocasião deseja deles.
Bem entendido, não aludo aqui senão à parte pública da Mensagem. Nenhuma conjectura conheço absolutamente inquestionável sobre o que realmente contém a parte secreta da Mensagem, a qual só a Santa Sé conhece…
Seja-me lícito externar aqui quanto deixa tristes e perplexos incontáveis fiéis, dos mais devotos dentre os “fatimitas”, em vista da eventualidade de que os homens possam não conhecer esta parte ainda não revelada, mesmo quando ela poderia presumivelmente dar alento aos justos e contrição aos extraviados.
Com efeito, não é fácil compreender como a Mãe de Misericórdia, tão empenhada em ajudar por meio da Mensagem a todos os homens, não tenha tido uma particular palavra de afeto, de estímulo e de esperança para aqueles a quem Ela reservou a árdua e gloriosa missão de se Lhe conservarem fiéis nesta terrível conjuntura.
Nada impede admitir que essas palavras se encontrem na parte ainda não revelada do Segredo de Fátima.
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Essa consideração final me desviou do curso da exposição que vinha seguindo. Pouco resta a dizer sobre ela.
Continuando a aprofundar a hipótese da impenitência dos homens e do castigo, o contexto da Mensagem nos induz a pensar que, se tal se der, os castigos serão pelo menos de duas ordens: guerras – e pensamos que entre essas se devem incluir não só os conflitos entre os povos, mas também as guerras civis de facção contra facção, dentro de um mesmo povo – e cataclismos ocorridos na própria natureza.
Essas guerras internas terão caráter ideológico? Constituirão uma luta entre fiéis e infiéis de todo gênero: hereges ou cismáticos, larvados ou declarados, grupos ou correntes de profissão não cristã, ateus etc.? Ou serão guerras sem conotação ideológica, pelo menos oficial (como o conflito franco-prussiano de 1870, ou a I Guerra Mundial)?
A distinção entre guerras e cataclismos parecia muito clara em 1917, quando a Mensagem foi comunicada aos homens. Pois se afigurava então impossível que os homens provocassem cataclismos, os quais pareciam claramente destinados a resultar de meros atos da Providência, atuando de modo justiceiro sobre os vários elementos da natureza.
Na realidade, essa distinção continua válida, mas desde que se lhe faça a ressalva de que, com a dissociação do átomo, o homem adquiriu a possibilidade de provocar cataclismos de proporções incalculáveis. Sem que, ao mesmo tempo, tenha adquirido o poder de frear esses cataclismos.
Em conseqüência, a catástrofe atômica, provocada eventualmente por uma guerra filha do pecado, produziria só por si os castigos cósmicos que a Mensagem deixa entrever. Mas é possível também que aos efeitos da hecatombe atômica se juntem outras perturbações naturais ordenadas por Deus.
Uma observação final ainda está por ser apresentada.
Dentro da perspectiva fatimita, a verdadeira garantia contra catástrofes que assolem a humanidade está muito menos (e, em certa perspectiva, de todo não está…) em medidas de desarmamento, tratados de paz etc., do que na conversão dos homens.
Ou seja, se estes não se converterem, os castigos virão, por mais que os homens se esforcem por evitá-los com meios outros que não essa conversão.
Pelo contrário, se se emendarem, não só Deus afastará deles a plenitude de sua cólera vingadora, como haverá entre eles todas as condições próprias a promover uma paz verdadeira e durável. A paz de Cristo no Reino de Cristo. Especificamente a paz de Maria no Reino de Maria.
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Espero que essas várias reflexões, relacionando com a Mensagem de Fátima problemas de atualidade suprema, ajudem o leitor a tirar todo o proveito da compilação fatimita, da mais flagrante oportunidade, que o eng. Antonio Augusto Borelli Machado nos apresenta em seu estudo, já tão conhecido no Brasil e no mundo íbero-americano, e que merece sê-lo também no mundo inteiro.