1971
Introdução à segunda edição italiana de “Revolução e Contra-Revolução”
Uma das teses fundamentais, desenvolvida neste ensaio, consiste em que a pseudo-reforma protestante, a Revolução Francesa e o comunismo são os três marcos de um mesmo processo de decadência, o qual vem minando o Ocidente cristão desde o fim da Idade Média.
“Revolução e Contra-Revolução” se apresenta assim, como uma exposição das causas remotas e próximas do comunismo, consideradas tanto no plano doutrinário (religioso, filosófico, político e social), como nos planos psicológico e histórico. Dessa exposição decorre o conhecimento dos métodos pelos quais esse processo tem conseguido reduzir a escombros, sucessivamente, esteios dos mais poderosos da Igreja e da Cristandade. É a parte denominada “Revolução”.
O conhecimento da gênese e dos métodos da Revolução sugere por sua vez o estudo dos métodos necessários para prevenir novos desenvolvimentos dela. Ou para cortar o passo ao que ela já faz em curso. É a parte intitulada “Contra-Revolução”. Neste parte se define também a meta última da ação contra-revolucionária.
“Revolução e Contra-Revolução” foi escrito em 1959. Em 1971, qual a atualidade deste escopo? Parece-me que maior do que nunca.
Com efeito, o perigo comunista se apresenta em nossos dias mais ameaçador que nunca. Entretanto, os Partidos Comunistas não tem crescido na mesma proporção. Como explicar este paradoxo?
A meu ver, pelo fato de que a erosão larvada do comunismo em meios extrínsecos aos quadros comunistas – eclesiásticos, burgueses, aristocráticos, etc. – vem crescendo sem cessar.
No próprio Continente sul-americano um terrível exemplo desta erosão acaba de assombrar o mundo. Refiro-me ao caso do Chile.
Em 1964, uma coligação de direitistas e democrata-cristãos levou à Presidência da República o Sr. Eduardo Frei. A razão desta coligação era evitar a vitória do candidato comunista, Sr. Salvador Allende.
O Sr. Eduardo Frei e a grande maioria dos círculos dirigentes da democracia cristã chilena eram burgueses com tendências socialistas mais ou menos acentuadas. Durante o período presidencial de Frei, estas tendências, bafejadas pelo sopro progressista que se desatou sobre o universo, de tal maneira se acentuaram, que toda ação governamental de Frei se resume em uma preparação ativa do comunismo. Um brilhante escritor brasileiro, o Sr. Fábio Vidigal Xavier da Silveira, pôde mesmo intitular “Frei, o Kerensky Chileno” um livro que consagrou à atuação pró-comunista ou proto-comunista de Frei. Esse livro foi editado sucessivamente em quase toda a América Latina, e a alcunha de Kerensky ficou colada ao nome de Frei em todo o nosso Continente.
No término do mandato de Frei, as coisas já se apresentavam sensivelmente mudadas em favor do comunismo. Não porque o Partido Comunista tivesse aumentado seu contingente, mas porque o número de burgueses prontos a cooperar – por ingenuidade ou simpatia – com o comunismo, crescera singularmente no país, graças à atmosfera criada pela Democracia Cristã chilena.
Essa erosão, em meios não-comunistas, ainda foi mais rápida e profunda nos ambientes especificamente católicos, sacudidos com suma violência pelo tufão progressista.
Assim é que o Cardeal Silva Henríquez chegou ao extremo de afirmar, antes das eleições, que é moralmente lícito a um católico votar num marxista (“Clarín”, 24/XII/69). Essa declaração rumorosa, difundida em toda a imprensa falada do Chile e em inúmeros órgãos de publicidade do Exterior, não foi desmentida pelo purpurado. Uma carta enviada a este pela Sociedad Chilena de Defensa de la Tradición, Familia y Propriedad, pedindo-lhe expressamente tal desmentido, ficou sem resposta. Assim, numerosos votos de católicos se encaminharam para o candidato marxista Salvador Allende.
A pari passu, a DC se cindia, votando uma parte de seus membros em Allende. E também o velho Partido Radical, caracteristicamente burguês, votou por este.
Allende venceu. A Unidade Popular, coligação comunista-marxista-demo-cristã-radical que o apoiou, obteve 36,3% dos votos. O candidato pedecista Radomiro Tomic obteve 29,8% dos votos. E o candidato preferido pelos anticomunistas, Alessandri, alcançou 34,9% dos votos. A propaganda esquerdista pôde entretanto alardear no mundo inteiro que pela primeira vez na História um marxista havia ganho uma eleição.
É bem verdade. Porém, os contingentes marxistas não haviam crescido. A causa da vitória estava na erosão dos meios não-comunistas, ou até anticomunistas. A editora juntou à presente edição de “Revolução e Contra-Revolução” a tradução de dois artigos por mim publicados no diário “Folha de S. Paulo”, em que demonstro com a força convincente dos números.
Em abril de 1971, já sob a pressão do governo marxista, realizaram-se no Chile eleições municipais. O resultado constituiu – pelo menos sob certos aspectos – mais uma vitória da coligação centro-esquerdista-marxista-comunista intitulada Unidade Popular. O artigo em que, para o mesmo jornal, comentei esse resultado eleitoral, mostra que por sua vez quanto esta vitória se deve à erosão comunista nos meios anticomunistas. Vai também ele, em anexo, a pedido da editora…
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Essa erosão precipitou no abismo comunista uma das mais importantes nações da América Latina e abriu as portas para o comunismo em nosso Continente.
Ora, tal erosão vai ganhando corpo em todo o nosso Continente e, de modo geral, em todo o Ocidente cristão.
Em consequência, parece-me que “Revolução e Contra-Revolução”, escrito para denunciar e ensinar a combatê-la, ganhou em intensidade ao longo destes 12 anos.
Tal é – muito reduzidamente – o conteúdo deste livro. Como se vê, não foi ele escrito para dissuadir comunistas dos erros em que estão, mas para ajudar os que não são comunistas a compreender a “procella tenebrarum” em que se encontram, a discernir dentro dela a meta a que devem tender, bem como, a empregar os métodos mais próprios a lutar contra o comunismo.
Vista na perspectiva de “Revolução e Contra-Revolução”, a ação anticomunista compreende certamente, e como um elemento de maior importância, a polêmica e a luta contra o comunismo. Porém não se limita a isto. Ele visa também restringir ou eliminar o que chamaríamos o caldo de cultura no qual os germes comunistas tão facilmente prosperam. Ou seja, os múltiplos fatores que, nos próprios ambientes não-comunistas e até anticomunistas, inspira, tantas vezes simpatias mais ou menos veladas, condescendências e até cumplicidades em relação ao comunismo. Fatores cuja atuação desfecha não raras vezes em apoio decisivo de personalidades ou correntes não-comunistas, para a vitória do comunismo.
Espero, assim, que o livro obtenha nesta nova edição o interesse de um círculo de leitores ainda maior, já que conheço a excepcional lucidez política e o interesse vivaz com que a nação italiana acompanha o desenrolar da crise contemporânea no mundo inteiro.