Prólogo (em português) para a reedição na Espanha de “Revolução e Contra-Revolução”

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Prefácio à 2a. edição espanhola de

“Revolução e Contra-Revolução” (trechos)

 

 

 

 

 

 

Catolicismo, N° 336, Dezembro de 1978

 

 
Obra de Plinio Corrêa de Oliveira reeditada na Espanha

Revolução e Contra-Revolução“, livro básico da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) e de suas congêneres em outros países, escrito em 1959 pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, acaba de ser reeditado na Espanha pela Editorial Fernando III El Santo, de Madrid (Lagasca 127, 1.° derecha, Madrid-6).

A obra veio a lume atualizada pelo Autor com uma terceira parte sobre a IV Revolução e os problemas atuais do comunismo e do anti­comunismo no Ocidente.

No prólogo da nova edição, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira situa dentro da temática a Espanha contemporânea, traçando com precisão e clareza o quadro de fundo ante o qual se moveram os espanhóis nas últimas décadas.

Essa vista panorâmica esclarece a tal ponto os problemas atuais do valoroso país ibérico, que julgamos altamente útil transcrevê-lo quase integralmente aqui para uso de nossos leitores. Por brevidade, eliminamos alguns trechos de menor interesse para o público brasileiro. Os subtítulos são da Redação [os negritos são deste site].

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O centrismo no arco-íris da opinião pública

«NOS ÚLTIMOS anos do reinado de Afonso XIII, a opinião pública espanhola se apresentava, havia muito tempo, dividida em várias correntes, formando uma imensa gama ideológica, desde o autêntico tradicionalismo até o comunismo.

Do mesmo modo como frequentemente tem acontecido em outros países onde se apresentaram situações análogas, a maioria das pessoas não estava em nenhum desses dois polos ideológicos. Ocupavam a vasta zona intermediária, dispersando-se em correntes, ou especificamente centristas, ou matizadas à direita de colorações sucessivamente mais tradicionalistas, ou à esquerda, suces­sivamente mais próximas do comu­nismo. Até roçar tangencialmente as correntes extremas.

Em tais situações, na maioria das vezes a definição de pensamentos e de rumos, o dinamismo, a iniciativa em uma palavra, encontram-se nos polos minoritários. Mas, a força publicitária, o poder financeiro, a influência social e o poder político — sobretudo a força do número — encontram-se na zona intermediária.

A grande dificuldade para a maioria intermediária consistia, na Espanha de então, em determinar se sua posição era estável ou se representava apenas uma etapa em um longo caminhar histórico. As vozes oriundas das diversas correntes componentes do polo de direita lhe bradavam que voltasse atrás na marcha iniciada a partir da invasão francesa no século XIX. Pois no caso de não fazê-lo acabaria por despenhar-se irremediavelmente rumo ao polo da extrema esquerda. Neste último, os gritos dirigidos ao centro eram discordantes: ora constituíam ameaças de destruí-lo no caso de não prosseguir rapidamente sua marcha para o comunismo; ora constituíam apelos amáveis para uma mera colaboração com os vermelhos contra a direita. Colaboração que a maioria das correntes do centro pressentiam, mais ou menos conscientemente, acabaria dando vantagens ao comunismo.

Seria talvez falso dizer que a massa centrista da população se abismasse em reflexões para escolher entre esses apelos discordantes. Ela mais procurava levar despreocupadamente a vida cotidiana, cedendo à agradável propensão de não olhar para os fatores de sua própria debilidadee imaginar-se instalada, segura e para sempre, em um cômodo pacifismo a meio caminho dos apelos opostos que se entre digladiavam no afã da conquista.

Centro: equilíbrio ou despencar no abismo?

A questão que o comodismo — dificilmente dissociável das posições centristas — procurava ignorar, saltava, entretanto, aos olhos. Ao menos em linhas gerais, a Espanha era como a descreviam os tradicionalistas, ou, pelo menos, setores anti­comunistas da opinião pública. Por entre borrascas e bonanças, o país foi se transformando gradualmenteE cada transformação o ia distanciando mais do polo que deixava.

Com isto, encontraria alguém na nação um ponto de equilíbrio e estabilidade onde repousar longamente na dolorosa caminhada, antes de chegar ao polo oposto? O que foi até então a história da Espanha no século XX? A conquista árdua de um dilatado equilíbrio, ou o despencar trágico no abismo?

A instabilidade das posições intermediárias

O curso dos acontecimentos veio demonstrar que inadvertidamente o centro ia se dividindo à medida que os convites discordantes dos dois polos se faziam ouvir, e que a Espanha autêntica, tradicional e católica, e a anti-Espanha, ateia, apátrida e igualitária, caminhavam para uma terrível confrontação.

O centro não era uma posição definida e estável entre outras duas igualmente definidas. Era uma posição confusa, subconscientemente inquieta e vacilante, entre duas posições fixas e determinadas. Os acontecimentos históricos de então confirmaram a tese da instabilidade de tantas situações intermediárias e indefinidas, que pelo próprio fato de sua indefinição, indicam não ser mais do que etapas no desenvolvimento processivo de tendências psicológicas, convicções ideológicas e estruturas político-econômicas vacilantes, rumo a posições mais definidas.

Ocorreu o choque entre as esquerdas dominadas pelo comunismo e a direita anticomunista, na gloriosa Cruzada de 1936. Este acontecimento, durante muito tempo as correntes centristas não quiseram reconhecer que se aproximava, e, por isso, não estavam em condições de evitar.

Ao observar a atual situação política espanhola, e sem ter a pretensão de pronunciar-me sobre os vários aspectos tão complexos de que ela se reveste, parece-me ver que pouco a pouco vai se tornando presente, em essência, mais uma vez o mesmo problema, com as inevitáveis mudanças de matizes impostas pelo curso do tempo. À medida que o horizonte político espanhol se define, estabelecem-se também no setor centrista as posições ideológicas e políticas sucessivamente mais carregadas de comunismo ou de hostilidade contra ele. E, em consequência, a grande pergunta que vai emergindo do panorama político espanhol parece-me esta: — Até que ponto essas posições intermediárias são apenas situações transitórias de um caminhar para a esquerda ou para uma posição nitidamente anti-esquerdista? Até que ponto elas representam uma rejeição firme, estável e indiscutível desses dois polos, e uma fixação conservadora a qualquer preço das situações intermediárias, que se autoproclamam moderadas, capazes de unir e de salvar?

Eurocomunismo: cisma ou arapuca?

Quanto ao próprio eurocomunismo — com seus ademanes moderados ou até mais ou menos centristas —, representado na Espanha pela corrente política dirigida por Carrillo, a pergunta é válida e talvez mais válida para ele do que para qualquer outra formação política espanhola contemporânea.

Sem dúvida, o eurocomunismo quer ser, e disso faz ostentação, um comunismo suavizado. É possível um comunismo suavizado? Ou o eurocomunismo, na aparência uma apostasia do comunismo soviético ortodoxo, terá como desenlace histórico atrair por sua própria moderação massas que, por sua vez, serão absorvidas pelo comunismo ortodoxo? O que é o eurocomunismo, na Espanha ou fora dela? Um cisma? Um ponto terminal? Uma rede lançada para atrair peixes incautos, ou uma etapa inexpressiva (ou seja, uma simples curva sem importância do vasto rio comunista)?

Nessa perspectiva, o que é o próprio comunismo ortodoxo? Um ponto terminal? Ou uma simples etapa do que ele imagina ser a interminável evolução humana, de onde passará ao anarquismo, e deste a outra situação transitória quase impossível de prever em nossos dias?

Bem se sabe que a doutrina marxista, coerente com seu intrínseco evolucionismo, abomina os pontos terminais, e pretende ser a precursora do anarquismo e de tudo quanto a ele se possa seguir.

Mas se essa é a doutrina, a realidade pode ser bem outra. E não é impossível que certos líderes comunistas se inclinem a prolongar por um longo e negro milênio a estrutura sobre a qual estabelecem sua presente dominação.

Um tal milênio, talvez seja o único sentido que se possa atribuir, na história evolucionista, à expressão ponto fixo e último do contínuo caminhar ideológico.

As quatro grandes revoluções

A leitura do livro “Revolução e Contra-Revolução” traz somente uma lembrança de que problemas análogos desafiaram a argúcia de todos os que viveram no âmbito da civilização ocidental e que foram chamados a participar de grandes crises como o Renascimento, o Humanismo e o Protestantismo, no século XVI; a Revolução Francesa, no século XVIII; e a Revolução Comunista, no século XX. Se não a participar, pelo menos a formar um juízo sobre essas crises.

Humanismo cristão pretende oferecer uma posição estável que não resvalasse para o neopaganismo. O Protestantismo pretende oferecer uma posição religiosa estável que não resvalasse para o ateísmo. A Revolução Francesa pretendeu realizar o igualitarismo político e social estável, que não chegasse ao igualitarismo econômico. Por fim, o comunismo não chama a atenção das massas ao apresentar o Estado ominosamente igualitário, senhor de toda a economia. Em sua conduta, nada faz supor que tenha em vista, a prazo médio ou último, a destruição do Estado e a implantação e instauração da anarquia. Mas já aparecem no flanco esquerdo do comunismo novas formas de esquerdismo que, dele nascidas e nutridas de seu leite, o atacam com singular violência, e caminham rumo ao anarquismo. O que no quadro político italiano se tornou visível.

Por certo, muitos dos que aderiram a estas várias revoluções não o haveriam feito se acreditassem que preparavam a chegada da etapa seguinte. É para evitar que se repitam em nossos dias análogos equívocos que a leitura de “Revolução e Contra-Revolução” pode ser útil. Mostrar que essas revoluções se relacionam entre si como etapas de uma grande trajetória, formando em seu conjunto uma grande Revolução única, é a verdade que meu estudo apresenta e tem por fim aprofundar.

A apresentação das três grandes revoluções seguidas da IV Revolução — no terreno político a heresia anarquista nascida do flanco do comunismo e da qual acabo de falar, como também, em outros planos, os movimentos nascidos da contestação de jovens da Sorbonne em 1968, e cuja ponta de lança talvez seja em nossos dias o movimento “punk” anglo-americano — poderia induzir a um erro. Seria este o da irreversibilidade do movimento revolucionário. Para evitar esse erro, meu estudo contém a definição do que entendo por Contra-Revolução, quais são suas metas e — em um plano sempre teórico — quais são seus métodos».

 

 

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