Exposição feita durante almoço no Eremo de Amparo de Nossa Senhora, 26 de março de 1987
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
* * *
[Leitura de trechos das “Mémoires – documents et écrits divers laissés par le Prince de Metternich”, Plon, Paris, 1880, T-1, chapitre VIII, pp. 147-150. – Klemens Wenzel Nepomuk Lothar von Metternich-Winneburg-Beilstein, Conde e, desde 1813, Príncipe de Metternich-Winneburg (* Coblence, 15-5-1773 + Viena, 11-6-1859), foi um diplomata e político austríaco, a partir de 1821 chanceler de Estado]. A audiência aqui comentada se deu em Dresden (1813).
(Se fosse possível ser lido em francês por Dom Bertrand ou Dom Luiz…).
Está muito bem. Quem sabe se Dom Luiz ou Dom Bertrand concordam em fazer a leitura em francês – eles têm o texto em português e nós vamos fazendo o comentário. Quem lê? É Dom Bertrand ou Dom Luís?
Eu vou ser franco: Não me lembro de ter visto Dom Luiz falar francês…
(Dom Bertrand: Ele fala muito melhor do que eu).
Ah! Então, não vejo como decidir de outra maneira. A menos que Dom Luiz me peça para não ser Dom Luiz, aí é diferente…
[Dom Luiz lê em francês]
“Napoleão me esperava, de pé no meio de seu escritório…
Dá licença um instantinho, Dom Luiz, como eu tenho má memória, vou ser obrigado a interromper muito. Trata-se da audiência que Napoleão dava a Metternich. E aqui eu tive um lapso de memória, quando eu falei aqui de que ele esperava junto a escrivaninha. Não é verdade. Seria muito mais correto, mas eu estava enganado. Ele esperou de pé no meio do salão dele.
A pronúncia está ótima, Dom Luiz, ótima!
“Napoleão me esperava, de pé no meio de seu escritório, a espada ao cinto, o chapéu sob o braço. Ele avançou até mim com uma calma afetada e me pediu novidades da saúde do imperador. Rapidamente seus traços começaram a ficar sombrios, e colocando-se nestes termos”.
Dá licença, um instante, Dom Luiz. Até no Napoleão as regras de polidez ainda tinham vigor… Quer dizer, antes da brigaria, ele recebeu de modo amável, e perguntou sobre a saúde do imperador da Áustria, que era sogro dele. Pouco depois, os traços se tornaram sombrios, não é?
Os senhores vejam aí uma questão interessante: isso aí [esta atitude de Napoleão] é uma mera questão de educação, ou é um teatro? Um problema que não é dá tratar aqui, mas que diz respeito às muitas objeções que se levantam contra as formas quintessenciadas de educação, que elas não são sinceras e que elas constituem um teatro.
Isto é um teatro ou é uma coisa sincera em Napoleão? Ele quis saber do imperador da Áustria, e depois, lembrando-se da verdadeira finalidade da conversa, seus traços se tornaram sombrios? Ou é um teatro? Mas o teatro representa algo de sincero do homem.
Quando um homem está irritadíssimo, mas seria obrigação dele não estar irritado, ele então impõe à sua natureza que não deixe transparecer a irritação e é amável, ele está sendo hipócrita ou sincero?
Ele está sendo sincero. Porque a sinceridade do homem está na sua vontade. Ele quer, ainda que sinta o oposto, e obriga aquilo, está sendo sincero.
É como um de nós em uma Comunhão árida. Rezamos, nos recolhemos etc., porque queremos. Não é para iludir a Nosso Senhor, que é Iniludível, mas é porque nossa vontade diz aquilo ainda que nossa sensibilidade não acompanhe. Esse é o papel de educação. A educação é uma forma de arqui-sinceridade e faz aparecer em nós o que há de mais sincero, que é a meta da vontade. Faça o favor, Dom Luiz.
“Então, vós quereis a guerra; está bem, vós a tereis.[ Eu acabei com o exército prussiano em Lutzen, eu venci os russos em Bautezn, vós quereis ter a vossa vez.]”
“Vocês querem, por sua vez, apanhar”… como se diz para uma criança, não é? “Eu bati naquela criança, vou bater na outra, e chegou a sua de tomar palmada”… É indignante!
“Eu os desafio em Viena”.
“Meu encontro é Viena”, quer dizer, é na capital de vocês, quando tiver esmagado a vocês.
“Os homens são incorrigíveis, eles perdem as lições da experiência”.
Não preciso comentar. Os senhores estão vendo…
“Eu restabeleci três vezes o imperador Francisco sobre seu trono…
É um hipócrita!
“Eu restabeleci três vezes o imperador Francisco sobre seu trono; prometi-lhe ficar em paz com ele o tempo que eu vivesse; desposei sua filha; eu dizia para mim mesmo: você está fazendo uma loucura, mas está feita. Hoje em dia eu a lamento”.
Os senhores estão vendo que ele se apresenta como vítima da simpatia e da ingenuidade dele. Um homem ingênuo, transbordando de simpatia para com a Áustria, fez uma série de loucuras em linha da Áustria, e a Áustria depois quis enfrentá-lo, e quis apanhar… Está bem claro isso?
(sim!)
[Agora comenta Metternich:] ” Hoje em dia eu a lamento. Esse preâmbulo me fez sentir melhor ainda quão forte era minha situação. Nesse momento decisivo, eu me via como representante de toda a sociedade europeia…”
(É o Metternich que está falando agora)
Ah! Bom…
(Quer dizer, esse preâmbulo me fez quão forte era essa situação)
Ah! Sei, sei. Eu estava… Aí está magnífico!
(Ele se sentia o representante de toda a sociedade europeia)
É isso. Está magnífico! Quer dizer, ele quer dar a entender que, apesar de todo o show de Napoleão que, quando ficava com cólera era terrível, ele fez uma análise fria do que dizia Napoleão. E concluiu que – no que Napoleão disse – a fraqueza da situação dele transparecia… na agressividade, hein!?
(O show era a prova da fraqueza)
O show e o conteúdo do que ele disse.
“Di-lo-ei? Napoleão parecia-me pequeno. A paz e a guerra – respondi – estão entre as mãos de vossa Majestade. O imperador, meu senhor, tem que cumprir seus deveres diante dos quais se apagam todas as outras considerações. A sorte da Europa, seu futuro e o vosso, tudo isso depende só de vós…”
Vejam que ele [Metternich], com muita delicadeza, porque estava tratando com um homem que fingia de monarca, e tinha, portanto, que tratar o homem como monarca, ele acabou dizendo: “O único culpado sois vós, e depende só de vós que as coisas se acertem ou não”.
É uma réplica! Mas vejam quanta educação nessa réplica, mas ele disse o que tinha que dizer!
“Entre as aspirações da Europa e vossos desejos, há um abismo. O mundo tem necessidade de paz. Para assegurar essa paz é necessário que vós entreis nos limites que são compatíveis com o repouso comum, ou que vós sucumbais na luta”.
É um ultimatum, hein?! Em vez de dizer “nós o derrotamos” ele arranja uma fórmula elevada para dizer: “vós sucumbais na luta”…
Não sei, meus caros, se notam bem como as antigas formas são práticas. Mas quis se achar que as formas modernas são mais práticas… Bom, faça o favor, Dom Luiz.
“Hoje, vós podeis ainda concluir a paz, amanhã talvez seja tarde demais”.
Dá licença. Notem o “talvez”. A fórmula “Amanhã talvez seja tarde” está dito claramente que amanhã será tarde. Por que ele colocou esse “talvez”? É um pouco de molejo para tornar mais macia a pancada. Mas é um puro molejo.
Alguém dirá: mas do que adianta isso?!
Ah! Adianta, e adianta enormemente!
“O imperador, meu senhor, só se deixa guiar na sua conduta pela voz de sua consciência. De vossa parte, Sire, consultai a vossa.
“- ‘Bem! O que então querem de mim?’ disse-me bruscamente Napoleão!”
É preciso dizer uma coisa: Metternich – se Dom Luiz permite mais essa interrupção – Metternich passou, antes de Napoleão fazer uso da palavra, passou uma mensagem que Napoleão entendeu, porque quem estava na política daquele tempo entendia. Mas quem está na política de hoje não entende bem.
É o seguinte: a França tinha limites naturais, os Pirineus, os dois mares (do Norte, do Mediterrâneo), e depois o Reno, se quiserem, os Alpes. Eram os limites naturais da França. E a história da realeza francesa tinha sido uma longa batalha para que a França conseguisse seus limites naturais, quando veio a Revolução Francesa.
Napoleão quis extravasar dos limites naturais da França: começou indo pela Itália, depois Alemanha, depois Espanha, depois Portugal, Rússia, etc., preparou uma descida na Inglaterra que ele depois não ousou empreender. Homem, foi uma coisarada! Ele esteve pela Europa inteira…
Era evidente que os limites desse império que ele queria fundar, eram limites artificiais, e que esse império tinha que cair mais cedo ou mais tarde. E custando vidas, guerra, dinheiro, esforços, ruínas… uma carnificina sem nome. Então, o que os Aliados lhe pediam? Pediam que ele voltasse aos limites naturais da França.
Pedir a alguém para estar nos seus limites naturais, é pedir-lhe simplesmente para não ser bandido, não ser ladrão. É como quem diz ao ladrão: “volte para sua própria casa; ocupe o seu jardim e não amole os outros!”.
E na frase que Dom Luiz leu há pouco, está insinuado isso. Não sei se os Srs. têm aí a frase, mas é de notar. Mas não está dito de um modo muito cortante demais Está dito assim….
“- ‘Bem! O que então querem de mim?’ disse-me bruscamente Napoleão.’ Que eu me desonre? Jamais’!”
Olhe a acusação: Vocês querem me desonrar! Restituir o que é dos outros é desonra?!
“Eu saberei morrer, mas eu não cederei uma polegada de território.”
Está dada a réplica: não volto aos meus limites naturais.
“Vossos soberanos, nascidos sobre o trono, podem se deixar vencer vinte vezes e voltar sempre a suas capitais…”
Isso é muito interessante!
“Eu não posso, porque sou um soldado ‘parvenu’”…
Eu, quando li isso, tive um espanto ao ver que Napoleão dizer isto. Porque ele aí dizia a verdade: o rei legítimo tem uma estabilidade que o rei-soldado que nasceu na caserna, deve o seu trono a vitórias… Amanhã, se ele tiver derrotas, perde o trono…
Quando ele deu uma das maiores derrotas ao imperador da Áustria – eu já tenho contado isso aos senhores -, quando o imperador voltou a Viena, o povo organizou uma festa para consolá-lo da derrota. E o comentário de Napoleão foi: “Que trono forte!”
Os senhores estão vendo que, no fundo, era: o meu não é assim…
Agora vamos olhar o lado mais importante: o moral. Ele está disposto a sacrificar vidas, a fazer guerras, a fazer tudo, para não correr o risco de perder o trono dele. Porque se ele recuar, ele perde o trono. Ou seja, vem uma insinuação: se vocês Aliados me ajudarem a me manter no trono, talvez eu volte para os limites naturais e fique na França e não sai a guerra…
Não sei se percebem que o reverso da medalha é esse. Porque, se eu não posso fazer a guerra porque perco o trono, quer dizer, se vocês me garantem o trono, eu talvez não faça a guerra. É claro. Diplomaticamente é o que está dando a entender.
O problema muito complicado é o seguinte: a partir do momento em que ele encontrasse condições favoráveis de popularidade na França de novo, ele caía em cima [voltava a atacar], porque era uma fera! Ele era feito para viver numa jaula ou para não viver…
“Meu domínio não sobreviverá ao dia que eu deixe de ser forte. E em consequência de ser muito temido. Cometi uma grande falta que jamais se terá em conta, algo que me custou um exército, o mais belo e jamais visto. Eu posso lutar contra os homens, não contra os elementos; foi o frio quem me venceu e me arruinou. Numa só noite perdi 30 mil cavalos; eu tudo perdi, salvo a honra”…
Quem é que perde o que não tem?…
“…e a consciência do que eu devo a um povo corajoso que depois de reversos inusitados, me deu novas provas de seu devotamento e da convicção que ele tem de que só eu posso governá-lo”.
Mega! Mega solto! Mas além do orgulho, a mentira. Ele é que impôs que todos “enjolras” ou “enjolrinhas” [jovens, joveníssimos] da França de entrar no exército. E como tinha uma polícia muito bem organizada, o pessoal entrou. Mas era um pessoal ainda “verdinho” [inexperiente], fraco e que não tinha aquela tarimba dos soldados que haviam lutado sempre. O grande exército dele tinha levado à breca. Ele procura ocultar isto assim…
“[…] Vede meu exército depois das batalhas que eu acabei de ganhar. E o passarei em revista diante de vós.
[Agora Metternich que diz:] “E é precisamente o exército – repliquei-lhe – que deseja a paz”…
Eu contei aos senhores que Metternich tinha atravessado o salão de espera e tinha visto a cara que o pessoal [os oficiais de Napoleão] fazia quando Metternich passava, e que era um modo de lhe dizer ele. Porque ele poderia ter feito uma cara alegre.
Depois, o príncipe de Neufchatel… príncipe de fancaria como ele [Napoleão] dizendo a ele [Metternich]: sobretudo nos arranje a paz!
[Agora Napoleão] “Não, não é o exército – disse Napoleão interrompendo-me vivamente. São meus generais os que desejam a paz”.
Se os generais querem… ele [quer fazer a guerra] sem generais?
“Eu não tenho mais generais. O frio de Moscou os desmoralizou: eu vi os mais bravos chorar como criança. Estavam quebrados fisicamente e moralmente. Há 15 dias, eu ainda podia fazer a paz, hoje não o posso mais. Ganhei duas batalhas, não farei a paz”.
Compreenderam, não? Ele acaba reconhecendo a fragilidade do império dele, mas reconhecido por ele… Quer dizer, o povo não dava a ele o apoio que os povos da Áustria, da Prússia, da Rússia, davam aos respectivos soberanos. E os generais dele – no todo, hein? – não tinham mais vontade de sustentá-lo, porque estavam desmoralizados, e porque tinham até chorado como crianças em Moscou.
Isto é ou não é verdade que representa um quadro bem diferente do que os senhores imaginariam de Napoleão?
Faça o favor, Dom Luiz.
[Metternich diz:] “Em tudo o que vossa Majestade acaba de me dizer – lhe fiz observar – eu vejo uma prova a mais de que a Europa e vossa Majestade não podem se entender. Vossos tratados de paz não foram mais do que armistícios”.
Quer dizer, o senhor é insincero! Quando o senhor assina um tratado de paz, o senhor já está preparando nova guerra. Aquilo é um armistício, quer dizer, uma suspensão provisória de beligerância. Mais nada.
Faça o favor, Dom Luiz.
[continua Metternich dizendo a Napoleão:] “Os reveses como os sucessos vos empurram à guerra. É chegado o momento em que vós ireis vos atirar reciprocamente a luva, a Europa e vós”.
Quer dizer, é o desafio que ele faz à Europa.
“…Vós recolhereis, vós e a Europa. Não será a Europa quem sucumbirá na luta.
“Por acaso vós pensais em derrubar-me por uma coligação? – retomou Napoleão. Então quantos sois vós? Quatro, cinco, seis, vinte? Quanto mais numerosos sejais mais tranquilo estarei”.
É para os senhores verem aí o lado ridículo e pequeno do personagem que é apresentado como mítico.
“Aceito o desafio. Ouso assegurar, continuou com um riso forçado, que no próximo mês de outubro nos veremos em Viena. Então se verá em que se convertem vossos bons amigos, os russos e os prussianos. Vós contais com a Alemanha? Vede o que ela fez em 1809. Para manter nas rédeas as populações alemães, meus soldados me bastam; quanto à fidelidade dos príncipes, o medo que eles tem de vós é suficiente para mim. Se vós vos declarais neutros, e observais vossa neutralidade, então eu consentirei em negociar em Praga. Vós quereis uma neutralidade armada? Que seja! Ponde trezentos mil homens na Boêmia e que o imperador me dê a sua palavra de que não fará a guerra antes do fim das negociações. E isso me bastará”.
Quer dizer, ele quer um pouco de tempo, uns meses – porque as negociações levam uns meses, no máximo um ano – para reorganizar a cacaria que ele tem, e depois voltar à luta.
[Metternich diz] “O imperador – respondi – ofereceu às potências sua mediação, não sua neutralidade. A Rússia e a Prússia aceitaram a mediação, [cabe a vós vos pronunciar hoje mesmo]…”
Hoje mesmo!
“…Ou vós aceitais a proposição que eu acabo de vos fazer e nós fixamos um tempo para a realização das negociações, ou então vós a recusareis, e o imperador, meu senhor, se considerará livre em suas resoluções e em sua atitude”.
Quer dizer, era aliado dele. A partir do momento em que não aceitou a negociação, está rota a aliança.
“A situação nos aperta e é preciso que o exército viva. Daqui a poucos dias haverá 250 mil homens na Boêmia; eles poderão ficar acampados durante algumas semanas, mas não durante meses inteiros”.
[Aqui conclui o trecho que fora traduzido para a leitura e comentários]
Bom, meus caros, para frente!
(Pergunta: O Sr. disse, no almoço passado, que nunca o imperador da Áustria deveria ter dado sua filha, Maria Luiza, para esposa de Napoleão. Qual deveria ter sido a política de um Metternich ideal inteiramente contra revolucionário neste caso?)
É quase indecifrável, porque ele teria que dizer – naturalmente com a autorização do imperador – o seguinte: a política do imperador é a política do restabelecimento do Sacro Império Romano Alemão; é a política de anular todas as transformações na Europa feitas por Napoleão; é a política de intervenção na França para garantir os partidários do Ancien Regime contra os da Revolução, até que toda semente de Revolução se acabe na França! Isso não é o esmagamento da França, é a libertação dela dos seus piores algozes! São os maus irmãos que entraram no território dela e a destruíram. E por causa disso, essa é nossa política. E nós vamos orientar segundo isto todo o curso dos acontecimentos.
Mas ele poderia dizer isso? Ele não teria que, no começo dar a impressão de que nem sequer essas idéias tinham passado pela cabeça dele? Para depois, aos poucos, ir dizendo?
[Alguém pede para continuar a leitura, apesar do trecho traduzido haver terminado]
[Não é possível] Porque tanto eu não posso chegar e dizer: quem entende, levante o braço.
[risos]
Se nós estivéssemos mais alto na vida espiritual, é como as coisas correriam. Mas é preciso reconhecer que não chegamos até lá…
Ficaria: “não, eu não quero dizer que eu não sei francês… Eu não quero dizer que eu não compreendo o sentido que Metternich diz, mesmo quando ele fala português, não quero nada disso e eu vou ficar quieto”.
Agora, com toda franqueza também, os que acham ponderado o que eu disse, levantem o braço.
(O Sr. não poderia, então, aproveitar parte do almoço… Alguns anos atrás o Sr. traçou o perfil psicológico de Churchill e de Adenauer e de outros personagens. O Sr. não poderia a psicologia de Metternich?)
O livro com as Memórias de Metternich está aqui. Poderíamos começar por mostrar uma gravura representando o Metternich e depois dou o perfil que se vê no que está escrito nas Memórias e a impressão que ele me dá, conforme a gravura.
Ponha o livro em condições de Dom Luiz ver.
Eu vejo uma primeira contradição no homem, entre a posição do corpo e a fisionomia e a posição da cabeça. O corpo está colocado com muita elegância, sentado com muita distinção, vestido com muita distinção. Não é mais a distinção do Ancien Régime, mas é toda a distinção que os trajes do início do século XIX permitiam. A posição é de segurança, de manutenção de um domínio completo sobre si e sobre os acontecimentos, e um domínio completo porque comporta uma certa atitude de repouso. Quem domina no repouso, domina muito mais do que quem domina na tensão. Tudo isso o corpo dele diz, e a meu ver, diz de modo muito favorável.
Levante um pouco o livro e mostre para eles [demais presentes].
Agora a cabeça. Em contraste com essa posição tão séria do corpo, a cabeça, em primeiro lugar, está meio forçada, está virada demais e afeta uma posição de despreocupação meio leviana; não é de um homem sério, mas de um homem que toma as coisas meio de brincadeira, quase de quem está se divertindo um pouco com o que está vendo, que por questão de bom tom e de educação procura ocultar, mas está se divertindo um pouco com aquilo que está vendo.
E uma coisa muito curiosa, eu não saberia restabelecer regras fixas para isso, mas a impressão geral é essa: quando a pessoa tem uma… os senhores tomem a caixa craniana, e tomem uma linha que parta daqui e que baixa até aqui dentro naturalmente. Deve haver uma certa proporção entre a saliência da frente e a saliência de trás. Isso condiciona muito a fisionomia.
Por exemplo, o indivíduo ter uns traços num rosto chato, mas uma dessas cabeças abauladas atrás, não dá impressão favorável. Não digo do caráter, mas do todo dele. O indivíduo ter essa parte da frente do rosto muito saliente e essa parte de trás chata, também não dá impressão favorável.
A primeira impressão chata aqui é a de um indivíduo que tem um mundo de idéias que ele cozinha na cabeça, mas não sabe exprimir e aproveita mal. Pelo contrário, se ele tem isso muito protuberante, e isto aqui chato, dá impressão de um indivíduo que é leviano, irrefletido e que vai agindo sem ter lastro atrás.
Eu compreendo que essa descrição que eu estou fazendo levante em muitos espíritos a seguinte pergunta: (Vira a fita)
…[Eu serei assim também? Eu nunca prestei atenção nisso…] portanto eu nunca me analisei de baixo desse ponto de vista…
É bom dar uma olhada no espelho… não por vaidade, mas para saber como sou, para saber do que eu devo me corrigir, do que eu devo me aperfeiçoar….
E como eu estou aqui, no momento, falando com os senhores, sou o objeto dos olhares dos senhores. É possível que já tenham olhado para a minha cabeça e feito a análise… Porque o convívio humano é assim. Não tem conversa!
O Metternich, que é de quem se está tratando – não se está tratando nem dos senhores, nem de mim – me parece com a parte toda da frente muito protuberante e a parte detrás muito pequena em relação para a parte da frente. Isso dá impressão de um homem que tem uma tendência a levar meio de leve as coisas que faz, e a se meter muito nas coisas imponderadamente.
Esse diálogo com Napoleão não fala nesse sentido. Esse diálogo diz o contrário. E a única coisa que daí se conclui é que talvez ele tenha corrigido um defeito nativo.
Em geral, quando a gente corrige a fundo um defeito, adquire a qualidade em sentido oposto, e adquire em alto grau a qualidade em sentido oposto. Quem sabe, portanto, se isso é uma mera coincidência.
Mas… eu confesso que fico de pé atrás. Porque quando um defeito é muito, muito profundo, acontece que se pode perguntar se alguém corrigiu inteiramente. Quer dizer, é muito bonito corrigir e as maravilhas da graça levam a isso. Mas corresponde-se bem à graça sempre? É discutível.
Essa é a impressão que me dá o bom Metternich.
(O Sr. tinha dito que ele não queria ser diplomata, queria ficar nas terras dele. Foi por causa do Imperador que ele…).
É o que ele conta em suas Memórias. O que ele queria? Era passar a vida inteira, organizando a terrinha dele, propriedades particulares, fazer negocinho, fazer dinheirinho e estudando física e química… é o que ele conta! Como isso vai de acordo com o que nós estamos vendo? Então, fica-se na dúvida, porque a vida dele indica coisas extraordinárias, e de outro lado…
Depois, uma pergunta: ele não seria um falsa direita que jogava com as cartas todas marcadas? E que de si ele seria um leviano de primeira, mas que com as palavras de ordem ele ia executando bem? Porque era um homem super bem educado! Pode-se admitir essa hipótese… Por que não admitir?
Os senhores dirão: mas então como todo esse entusiasmo pelo Metternich?
Eu vou aos cacos do vitral. É um entusiasmo real, ultra desconfiado, e ultra condicionado.
“Voilà”!
Nos Invalides (em Paris), se acha o túmulo de Napoleão. Ele fica em baixo e só [se] entra com licença, pessoas muito especiais etc., etc. Nesse encaixe espetacular está colocando um bloco enorme, não me lembro mais se de mármore ou granito… Dom Luiz ou Dom Bertrand não se lembram não? É uma pedra boa, com uma forma bem calculada e bonita que eu não saberia descrever, um bloco enorme. Depois, em cima, tem duas elevações… como Dom Bertrand está indicando com os braços… Duas elevações assim um pouco como se fossem assim duas almofadas cobertas por um pano, como se o pano descesse até o chão. Símbolo religioso, nenhum! Nenhum! Felizmente. Ao menos essa mentira não pregaram a respeito de Napoleão.
É um bloco pesado, que esmaga. A gente quando olha aquilo se sente – ao menos foi o que eu senti quando eu vi as fotografias – senti-me esmagado. E me lembrei de um comentário, de não sei que francês – quem sabe algum dos Srs. se lembrará – a respeito dessa diferença entre Napoleão e Luís XIV, os dois grandes conquistadores a partir da França. Napoleão a partir da usurpação; Luís XIV a partir da legitimidade.
Mas Luís XIV tendo feito uma coisa, que é um ato da vida pública de Luís XIV e que é o que eu menos gosto, que é o ter imposto à Espanha um príncipe da Casa dele [dos Bourbons] como herdeiro. Eu acho que ele não tinha direito, por várias razões. E acho que não deveria ter tirado um Príncipe da casa D’Áustria do trono da Espanha e metido um Príncipe da Casa dele. E daí decorreu a decadência da Espanha e uma porção de coisas.
Seja como for, esse francês definiu a diferença assim: Napoleão diz: “Eis aqui a minha glória, afastai-vos, porque ninguém tem comparação comigo”. E Luís XIV diz outra coisa: “Eis aqui a minha glória, vinde a mim para vos inspirardes nela”.
Aí está o espírito francês. Isto é um dito! Mas o sujeito não consegue dizer num capítulo de um livro. Escreve um livro com um capítulo assim: “Louis XIV et Napoleón: comparaison….” Não sai nada! Pelo contrário, está dito isto, está dito tudo e cale-se qualquer um porque não tem mais nada que dizer.
Notas:
1) Para a exposição seguinte com comentários a personagens desse mesmo período histórico, clique aqui.
2) Leiam os comentários ao túmulo de Napoleão, feitos pelo Prof. Plinio no “Ambientes, Costumes, Civilizações” intitulado “Espírito de fé e laicismo na arte funerária”.