Por que Nossa Senhora apareceu em Fátima vestida com o hábito do Carmo?

Santo do Dia, 16 de julho de 1976

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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… do Carmo em Fátima.

Qual é a razão disto, que relação existe entre esta aparição dEla como Nossa Senhora do Carmo e a mensagem de Fátima que Ela naquela ocasião revelava?

Tanto mais que era muito claro que Ela queria instituir uma nova invocação para Si. Habitualmente, à toda aparição de Nossa Senhora, corresponde uma invocação. Lourdes, por exemplo, Nossa Senhora de Lourdes, e assim por diante.

Mas no caso de Fátima, Ela mesma apareceu com um hábito novo, que é o hábito que os senhores já conhecem, branco com uma fímbria dourada, com desenhos dourados. Ela apareceu com um hábito novo, que indica mais definidamente a novidade da invocação do que por exemplo em Lourdes, onde Ela apareceu vestida como se apresentam as imagens a propósito do culto da Imaculada Conceição: uma túnica branca, um cinto azul, e dizendo no dialeto basco que santa Bernadete falava: “Eu sou a Imaculada Conceição“, quer dizer, relacionando com uma invocação anterior.

Em Fátima não. Constituiu-se uma invocação inteiramente autônoma, não subsidiária de nenhuma outra. Apesar disso, Nossa Senhora pareceu duas ou três vezes com características lembrando outras invocações. Certamente Nossa Senhora de Fátima, Nossa senhora do Rosário… não é Dr. Borelli? Quais eram as outras?

(Dr. Borelli: não tenho boa memória, mas uma era Nossa Senhora das Dores. No milagre do sol Ela aparece representando os três mistérios do rosário. Nos mistérios dolorosos Ela aparece como Nossa Senhora das Dores; nos gloriosos como Nossa Senhora do Carmo; agora, no primeiro eu não me lembro exatamente com que representação Ela aparece).

Pelos dados que Dr. Borelli estava dando e que não estava na minha memória, mais péssima do que a dele, é que Ela quando apareceu com o hábito do Carmo, Ela apareceu a propósito dos mistérios gloriosos.

Ora, todas estas coisas têm sua razão de ser. Por que razão apareceu Ela como Nossa Senhora do Carmo a propósito dos mistérios gloriosos? Que relação há então entre Nossa Senhora do Carmo, mistérios gloriosos e Nossa Senhora de Fátima?

Eu queria dizer uma palavra aos senhores a respeito disso, para verem essa concatenação como é bonita.

Nossa Senhora do Carmo corresponde à invocação de Nossa Senhora que vem do Monte Carmelo, no Oriente, onde os senhores sabem que os eremitas de Elias residiam e onde eles esperavam a Virgem Mãe que deveria vir. Quer dizer, a primeira devoção, o primeiro filão de devoção a Nossa Senhora que houve, foi séculos antes do nascimento dEla, os filhos do profeta Elias que esperavam por Ela.

Esta devoção deve ter-se dado no interior da sinagoga com toda espécie de dificuldades e objeções. Porque a sinagoga cada vez mais fechada à sua própria missão, cada vez mais fechada ao seu próprio espírito, teria que ter ódio a este filão carmelita, que prenunciava a Virgem Mãe como depois os hereges de todos os tempos tiveram ódio à devoção a Nossa Senhora.

Uma coisa é ligada à outra. Eles deveriam ser perseguidos, deveriam ser mal vistos, apesar disso e na humildade desta situação, eles previam que Nossa Senhora viria. E de fato Nossa Senhora veio. E não só Nossa Senhora veio, mas Ela recebeu a maior glorificação que jamais uma mera criatura pode ter recebido.

Nela se encarnou o Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Ela se tornou a Esposa do Divino Espírito Santo, e como os srs. sabem, depois, a morte dEla que Ela teve por que Ela quis, foi uma morte suavíssima, a tal ponto que a Igreja na sua linguagem incomparável nunca fala de “morte” de Nossa Senhora.

Os srs.  nunca ouviram falar de morte de Nossa Senhora. Os srs. terão ouvido falar da dormição de Nossa Senhora. “Dormitio Beatae Maria Virginis”  se diz em latim. Quer dizer, a “morte” dela de tal maneira por assim dizer foi leve embora fosse uma morte efetiva, uma separação efetiva e ipso facto completa entre a alma e o corpo, e de tal maneira foi leve que se fala da dormição dela. E Ela ressuscitou depois, por ordem de Nosso Jesus Cristo. Ela não se ressuscitou a si mesma, Ela foi ressuscitada por Ele, mas Ela depois subiu ao Céu como Ele.

De maneira que Ela teve a maior das glorificações: uma ressurreição à maneira de Nosso Senhor e depois uma Assunção ao Céu que era à maneira da Ascensão dEle.

Ascensão quer dizer: Ele por seu próprio poder subiu ao Céu.

Assunção: Nossa Senhora foi levada ao Céu, pelos Anjos, por ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nossa Senhora da Assunção é também chamada na linguagem antiga Nossa Senhora da Glória, quer dizer exatamente, da glorificação.

Então o desfecho da história do Carmo pode ser o desfecho da vida de Nossa Senhora. Nossa Senhora terminou a sua vida e com isto o Carmo do Antigo Testamento terminou esta etapa de sua existência e terminou na glória.

Os senhores estão vendo então a relação entre o Carmo e a glória. A devoção perseguida, fiel, profética, que vai lutando até o momento em que ela é confirmada por Deus Nosso Senhor e no mais alto dos céus ela brilha. Da perseguição, da penumbra, do ostracismo, do isolamento, ela caminha passo a passo no meio das lutas e vai até a glória.

Depois, recomeça a história do Carmo. Os senhores já conhecem bem isto. A ordem do Carmo constituiu-se na Igreja Católica, separada da sinagoga e nascendo dos restos que ainda ficavam fiéis da sinagoga, a Igreja Católica formou-se e com certeza com a participação de muitos discípulos de São João Batista – porque São João Batista foi ele mesmo carmelita –  com muitos discípulos de São João Batista constituiu-se a ordem do Carmo.

E com certeza estes primeiros carmelitas da Igreja Católica tiveram a alegria de cultuar Nossa Senhora, Ela presente. Quer dizer, no Novo Testamento a glória e a alegria dos carmelitas não era de estarem aos pés de uma imagem de Nossa Senhora do Carmo, rezando – que é a glória que nos toca a nós – mas era uma glória muito mais insigne: é de estar aos pés de Nossa Senhora mesma. E de A verem eventualmente presidindo as reuniões deles, enquanto Ela, a plenitude da esperança deles.

Os srs. podem imaginar o que eram as reuniões do Carmo neste momento. Nada nos impede de imaginar Nossa Senhora subindo no Monte Carmelo e ali presidido uma reunião de carmelitas, e nada nos impede de imaginar a alegria do profeta Elias que não morreu, e talvez presente nesta reunião do Carmo.

As hipóteses, mas hipóteses piedosas, cheias de sentido, que a esse respeito se podem fazer, são inúmeras. E cada uma mais própria a enlevar a alma humana, do que a outra.

Não é admissível que em relações tão íntimas entre o Carmo e Nossa Senhora, os carmelitas antigos não tenham conhecido a escravidão a Nossa Senhora, ao menos aqueles que puderam conviver com Ela nesta terra. Mas tudo indica que o profeta Elias, o primeiro a abrir a devoção a Nossa Senhora, teria sido ele mesmo escravo de Nossa Senhora. E que como ele foi, também Eliseu que participou do espírito dele, o tenha sido.

E nada impede que admitir que este filão de escravos de Nossa Senhora tenha continuado discretamente dentro da estrutura do Carmo, como um tesouro oculto, mas grandioso, para novos tempos.

A ordem do Carmo se desenvolveu um pouco no Oriente Próximo, mas a Cristandade daquele tempo pouco correspondeu a ela. Ela não fez os [grandes benefícios que poderia fazer]. Resultado, decadência; resultado, invasão dos sarracenos e fuga para o Ocidente.

Fuga para o Ocidente, os carmelitas fogem junto com outros, e neste Ocidente católico cheio de fé, que daqui a pouco ia fazer as Cruzadas, os  carmelitas vagueiam como uma ordem religiosa pouco conhecida, pouco admirada, a ponto de desaparecer.

A ordem do Carmo parecia um tronco seco e velho, que já passara por vendavais e por glórias. E que depois iria se desfazer em pó, o tremendo pó da história, que é o cemitério da humanidade.

Neste momento extremo, Nossa Senhora faz florescer no alto desta vara ressequida, uma flor, que é São Simão Stock (séc. XIII), eleito Geral, que pede o auxílio dela e Ela dá o escapulário, quer dizer, a promessa da vida eterna aos que entrassem para esta família espiritual. A ordem do Carmo refloresce de novo e começa outro período de glória para a ordem do Carmo: é a de acentuar por toda a Igreja Católica a devoção a Nossa Senhora.

Daí veio uma série de grandezas que os senhores conhecem muito bem, mas eu aqui acentuo apenas a alternativa: miséria levada ao ponto de quase desaparecimento; novas glórias. É o que eu quero acentuar para o efeito da visão de conjunto que estou tratando juntamente com os senhores. Novas misérias, novas glórias. E os senhores têm então aquele suceder de glórias magníficas que teve, talvez, o seu ponto mais recente e certamente um dos seus mais altos pontos, em Santa Terezinha do Menino Jesus, figura que viveu no século passado (sec. XIX), mas que se tivesse vivido a vida normal de um homem, poderia viver até nosso século. Poderia ter sido contemporânea dos senhores.

Aí os senhores têm, então, mais uma vez essa alternação.

Decai novamente a Cristandade, Nossa Senhora anuncia [em Fátima, em 1917, n.d.c.] esta queda, anuncia a torrente de pecados em que o mundo iria se jogar, e Ela mesma anuncia depois os castigos, a “Bagarre” e o Reino dEla naquela frase famosa que nós temos em nosso coração: “Por fim, o Meu Imaculado Coração triunfará“. Ela anuncia então, o triunfo dEla numa das devoções mais características da teologia marial recente, que é a devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Mas é próprio à Igreja, ao espírito da Igreja, amar as grandes sínteses. No momento em que Nossa Senhora de tal maneira proclama a Sua realeza futura sob a forma da realeza do Coração dEla, neste momento Ela aparece com o traje de sua mais antiga devoção. É a devoção do Carmo, fazendo uma síntese do mais antigo e do mais recente e prenunciando que é pelo Coração dEla que Ela vai vencer.

O que isto mostra aos senhores?

Mostra aos senhores novamente lutas, novamente batalhas, decadência, sofrimento, sangue. Ao cabo de algum tempo, grande glória de novo. Nossa Senhora é glorificada e aí está presente o hábito do Carmo!

Isto nos faz sentir que esta ordem do Carmo, à qual tantos de nós nos gloriamos de pertencer como terceiros, à qual todos nós pertenceríamos se nos tivessem franqueadas as portas dela, à qual nós pertencemos em espírito, porque se há o “batismo de desejo” que faz com que o indivíduo se beneficie dos efeitos do batismo ainda mesmo quando não recebendo propriamente o sacramento, também se pode dizer de alguém “carmelita”, neste sentido, “de desejo”. E nesse sentido todos nós o somos.

Então, quer dizer que esta velha vinculação com a Ordem do Carmo, passando por cima de toda a história da devoção marial, faz com que os mais atualizados, os mais de dianteira no bom sentido da palavra a favor do Reino de Maria e pela “Bagarre”, estes sejam filhos carmelitas dEla desde o começo. Nós sintetizamos em nós todas as tradições do Carmo e todas as esperanças do futuro Reino de Maria.

Nós sintetizamos em nós toda a história da devoção a Nossa Senhora. Não quero dizer que sejamos os únicos a sintetizar, mas digamos que em nós esta síntese por esta forma se opera.

A festa de Nossa Senhora do Carmo não pode deixar de ser, portanto, uma festa muito grata a nós. Tanto mais que neste ano, segundo bilhete que encontro aqui sobre a mesa, faz 725 anos que Nossa Senhora deu seu escapulário a São Simão Stock. E que, portanto, esta aliança se estabeleceu. O escapulário é a libré do escravo. E Ela deu a São Simão Stock a libré do escravo. Quer dizer, sete séculos mais um quarto de século. Os senhores veem que é uma bonita data. E esta data não podia deixar de ser comemorada entre nós.

Esta comemoração se dá neste ano de um modo especialmente palpável porque eu escolhi esta data que calha muito bem dentro dos nossos calendários, para revelar aos senhores quando vai começar o novo lance de nossa luta e de nossos tormentos, e por fim, de nossa glória pelo Reino de Maria. Com a graça e o favor de Nossa Senhora, segunda-feira… [refere-se ao lançamento do livro “A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos bispos silenciosos”].

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[aplausos]

E eu quase não fiz gesto para interromper as palmas dos senhores porque se não fosse a falta de tempo, eu teria deixado os senhores baterem quantas palmas quisessem, porque estas palmas não se dirigiam a mim, eram as palmas de entusiasmo dos senhores diante dos lances que os senhores vão poder dar por Nossa Senhora, palmas no fundo para Nossa Senhora.

E essas, quando nós tivermos a eternidade diante de nós, a eternidade ainda vai ser curta – se assim se pode dizer – para nós aplaudirmos, para nós venerarmos, para nós cantarmos as glórias de Nossa Senhora!

Nota: Consulte a vasta coleção de documentos relativos a Nossa Senhora de Fátima, clicando aqui.

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