4 de julho de 1987 – Sábado, Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.
(Um jovem baiano: eu queria pedir para o sr. comentar as qualidades e os defeitos dos baianos)
Os meus baianos, como todo o mundo, sabe que os defeitos que o homem tem originariamente são por causa do pecado original, está dito: pecado original. Adão e Eva pecaram, o pecado deles aliás não foi o que se costuma dizer, quer dizer um ato sexual. O pecado deles foi ao pé da letra o que diz a Escritura, eles comeram uma fruta que era proibido comer, e com isso se revoltaram contra Deus que tinha dado uma ordem a eles. E nisso teve o pecado original com as consequências todas.
Então veio para todos os homens uma série de defeitos e cada povo, cada homem carrega os seus defeitos, cada Estado carrega os seus defeitos, cada povo carrega os seus defeitos.
Um dos defeitos que cada um carrega é que não se lhe pode falar do defeito muito claramente. Ah! Ah! Ah!
Eu imagino que os meus paulistas tenham o bom gosto de fazer uma estadia na Bahia, e peçam para os meus caros baianos que indiquem os defeitos deles. E se os meus baianos ainda não conhecem os paulistas, eu sopro no ouvido deles os defeitos dos paulistas. Bem, eles então vão e pam, pam, pam! Não ficam com medo de que os paulistas fiquem meio sentidos? Assim dizendo, na primeira vez, de cara etc., não pode dar um certo ressentimento? Pode, não? Sobretudo se a gente ainda não saiu da Bahia e não comparou com outros lugares, e aí quando viaja é que a gente percebe no que é que os outros são diferentes, a gente percebe no que é superior, mas também percebe no que é inferior, e aí encontrar alguém que diga tudo claro não vai tão simples assim.
Tanto mais quanto o baiano é brasileiro e como brasileiro que é, pode medir a distância por exemplo do Acre até ao Rio Grande do Sul, uma coisa… são vários mundos que tem que atravessar. Bem, em toda essa extensão, pode pegar um nortista do norte do Pará ou do norte do Amazonas, fronteiriço da Venezuela ou da Colômbia – e pode tomar um sul riograndense, um gaúcho fronteiriço da Argentina ou do Uruguai, esse traço comum entre vários outros que nós brasileiros temos traços comuns, um traço comum tem: muito sensível.
Eu já conheci vários baianos é claro, mas ainda agora eu estava vendo os baianos aqui e estava vendo isso, é um traço que não falha, nenhum brasileiro escapa a isso, é muito sensível a um agrado, muito. E muito sensível a um agrado, muito sensível também a um desagrado, e então a gente precisa atender os pedidos, eu prometi que atenderia, mas é preciso atender com jeito, é preciso atender com jeitinho brasileiro…
E o jeitinho brasileiro consiste no seguinte: muito frequentemente o defeito é uma bossa, uma coisa errada, uma coisa torta numa qualidade. Então é um modo amável de a gente falar do defeito, começar a falar da qualidade. Depois a gente diz: olhe que tem esse defeito assim. É o princípio da anestesia. Primeiro mete uma agulhazinha delicada, depois vai metendo a agulha, quando aquilo está insensível a gente diz, corta o que quer. Eu, portanto, vou começar por pôr um pouco de anestésico, depois eu digo as coisas como são.
O método está bem explicado, meus caros? Então vamos começar pelo elogio.
Há uma coisa que chama atenção nos povos que vão para a frente, vamos pensar nos povos que vão para a frente e, portanto, nos Estados que vão para a frente, há uma espécie de analogia, de semelhança entre os monumentos e as obras de arte que se encontram nesse lugar e o panorama no qual o lugar está, e depois também a mentalidade dos que habitam lá.
Então tome por exemplo, a minha querida Bahia, ela é muito dada ao maravilhoso, os principais monumentos da Bahia evidentemente são as igrejas. No Brasil colonial era o tempo em que a Bahia era a capital do Brasil, Salvador era a capital do Brasil. Diga-se entre parêntesis que eu acho que nunca devia ter mudado. Os senhores estão vendo como a agulha vai entrando, não é?
Bem, então as igrejas eram o principal tipo de edificação que se faziam lá. As igrejas todas, em Salvador, têm o desejo de glorificar a Deus enquanto vitorioso, enquanto triunfal e tem qualquer coisa de triunfal e de esplendoroso na fachada e nos interiores das igrejas, nos altares etc. Ainda mesmo quando se veneram mistérios dolorosos da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo há uma dor, um esplendor, a gente vê por exemplo as imagens de Nosso Senhor carregando a cruz, mas com resplendor de ouro, ou então com resplendor de prata, para indicar que apesar de todo o sofrimento, toda a dor, toda a derrota que havia nEle, a glória do sacrifício que Ele oferecia brilhava por cima dEle.
Então, se nota um desejo de glória e um desejo de formosura muito característico nos monumentos. Com isso uma certa alegria. Mesmo nas igrejas onde se veneram fatos dolorosos da vida de Nosso Senhor, há uma certa alegria no todo da igreja, dominado pela ideia de que tudo isso já passou, que Nosso Senhor venceu as vitórias que tinha que vencer e que agora no mais alto do céu Ele tem o esplendor de tudo quanto ele sofreu. De maneira que há uma certa nota de alegria presente nisso.
Então glória, formosura e alegria são coisas que se que convivem, que coabitam facilmente na alma do baiano.
Bem, o panorama baiano é a mesma coisa. A Bahia de Salvador – falam muito da baia do Rio de Janeiro, é lindíssima! é célebre no mundo inteiro –– mas, a baia de Salvador ela é linda e ela tem umas certas formas de encanto, o mar tem certos murmúrios, a praia tem certas atrações, as palmeiras da Amaralina tem certas fantasias que não se veem em outro lugar do mundo. E se poderia dizer que cada ilha da baia de Salvador é uma pedra preciosa.
Bem, então eu mostrei como isso existe nos monumentos e existe nos panoramas.
Agora os homens – O homem quando fala pouco e tem pouca facilidade de expressão, fica nele qualquer coisa de opaco, porque tudo aquilo que se exprime muito é transparente, e tudo aquilo que é muito fechado é opaco. E a índole baiana é brilhante. Eles têm muita facilidade de expressão, não se vê um baiano parar para procurar uma palavra, aquilo lá vai… lá vai como deve.
Depois não se percebe, não se tem a impressão de que para dizer o que eles estão dizendo eles estão fazendo um esforço para pensar, assim como o mar chega à praia de Salvador, sem fazer esforço para atingir a praia, ele vem rolando sobre si mesmo e quebra na praia. Assim também o pensamento chega ao seu ponto terminal e se exprime na palavra sem esforço, aquilo vai, sai, dir-se-ia que com a facilidade que o vento percorre as palmeiras da praia da Amaralina e lhes dá aquelas inclinações caprichosas, assim também o pensamento voa pela alma do baiano e…
É frequente na história da Bahia o número de homens brilhantes. Naturalmente o mais celebrado de todos é precisamente aquele contra o qual eu tenho a maior antipatia, os senhores devem achar um colosso ou não devem achar, não sei o que é que acham… os senhores estão vendo que eu estou falando do Rui Barbosa. Eu tenho “nó” com Rui Barbosa, por uma porção de fatos históricos que ele praticou e com os quais eu estou no mais inteiro desacordo, mas não se pode negar um grande talento a ele, muito brilho, ia às torrentes, um vocabulário tão abundante que um conhecido meu que viajou para a Europa com o Rui Barbosa, naqueles tempos as viagens para a Europa era de navio. No final, pouco antes de chegarem à Europa deram banquetes, faziam isso nos navios às vezes, o oficial dava um banquete para todos os passageiros. E naturalmente convidaram o Rui Barbosa para falar.
Não preciso dizer aos senhores que o Rui Barbosa falava “n” línguas e ele fez um discurso em português. Mas, só para um conceito ele empregou na hora catorze palavras diferentes consecutivas.
Em geral, homens de uma bela aparência física, de um tom senhorio, muito educados e muito seguros. Baiano tímido eu não vi, mesmo entre os senhores eu procurei o tímido, pode ser que haja, mas não encontrei. Então é um tímido que se escondeu tão bem que eu não percebi…
Bem, essas são as qualidades. A agulha anestesiante está posta inteira, e os senhores hão de concordar comigo que foi uma agulha comprida e que eu pus muito anestésico nesta agulha.
Agora que os senhores estão anestesiados – eu devo dizer que nada do que eu disse eu disse por brincadeira, porque eu não sou brincalhão e tenho o maior “nó” com gente muito brincalhona.
O nordeste do Brasil começa na divisa entre o Espírito Santo e a Bahia, e termina na divisa com o Maranhão, é Piauí que tem ali em cima se não me engano, depois vem o Maranhão. Bom, o Maranhão é meio nordeste e meio norte. Depois vem o norte clássico ao longo do Amazonas, chega até o interior da América do Sul.
No nordeste há um estado chamado Pernambuco, vizinho da Bahia, que tem tido lá as suas complicações com a Bahia, questões de divisas, questões de política, toda a espécie de coisa, diferenças de temperamento… Mas, em todo o caso tem isso de comum com os baianos – e tem de comum com todos os outros Estados do nordeste: são alegres, são menos brilhantes, tem lá seus, enfim diferentes em vários pontos, mas todos eles são muito brincalhões, e brincam demais. E um homem que brinca muito não tem meio de aproveitar seriamente o seu talento.
Os senhores não terão ouvido falar de um só homem, os senhores podem ter ouvido falar de algum homem que brinca muito e produz grandes coisas, isso podem ter ouvido falar. Mas os senhores não terão ouvido ninguém levantar essa pergunta: se ele brincasse menos, fosse mais sério, e pensasse mais ele não rendia muito mais?
E os meus queridos, luminosos e simpáticos baianos são tendentes a brincar demais, em todo o nordeste se brinca demais. O Ceará nem falar, é um brinca-brinca desde a manhã até a noite. Pernambuco, terra do meu pai, brinca-se o tempo inteiro, o tempo inteiro, desde a manhã até a noite brinca-brinca. Na nossa querida Bahia também se brinca e eu às vezes me pergunto: são tão brilhantes, tão inteligentes, se brincassem menos, não pensariam mais? Se pensassem mais eles não produziriam melhor? E se produzissem melhor eles não poderiam ter outro papel na vida e na história do Brasil?
Os senhores pensem, com todos esses valores que a Bahia tem – é a zona do Brasil mais procurada por turistas do mundo inteiro etc., se pensassem mais, se aproveitassem mais as riquezas de solo que tem, se fossem homens cujos políticos tivessem mais espírito de avance, espírito de… em francês se chama “esprit de suite”, espírito consecutivo de amarrar uma ideia na outra na outra, na outra. Planos para uma porção de lados para conseguir uma certa coisa etc. A Bahia não teria o direito de ser no Brasil mais do que ela é?
Eu apresento a coisa do outro lado e os senhores pensem um pouco. Se alguém dissesse a um dos senhores: a Bahia precisa reivindicar mais, para ser mais, ela tem direito a isso… os senhores diriam: é bem verdade.
Eu digo é verdade, mas porque, não é? Por que é que não faz? É porque o brinca-brinca está no fundo. E eu acho que esse é um defeito, porque tudo o que nos leva a não chegar ao limite de onde podemos é um defeito. As nossas qualidades nos levam ao limite de onde podemos; os nossos defeitos nos levam a ficar bem aquém do limite. Eu então não posso chamar isso de uma qualidade; se não é uma qualidade não tem remédio, é um defeito.
Eu olho uns que me olham assim… mas que acho que o afeto entre irmãos, entre portanto membros da federação brasileira, o afeto consiste em dizer a verdade. E quem não pensa assim já prova que pensa pouco… já me dá razão, os que não estão de acordo comigo são os que me dão razão. Porque fica provado que pensam pouco, por pouco que pensassem eles concordariam comigo…
Mais ainda, e eu vou subir as minhas considerações muito mais alto, eu vou entrar no terreno religioso. Os senhores viram na Bahia toda a espécie de imagens, os senhores viram alguma imagem representando um santo ou uma santa dando risadas? Não! Podem ver o santo ou a santa em todas as atitudes da alma humana – dando risadas, não. Os senhores viram na Bahia alguma imagem representando Nosso Senhor dando risada? Ou Nossa Senhora dando risada? Não tem na Bahia e não tem no mundo inteiro, porque é contra a perfeição de Nosso Senhor estar rindo.
Os senhores veem, o Evangelho nos descreve a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, e nós vemos através dos vários fatos que aconteceram a natureza humana de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso Senhor Jesus Cristo Homem-Deus, havia e há por que Ele está no céu uma só pessoa, mas com duas naturezas, assim como nós somos espirituais e animais. Nele havia a natureza divina e o homem, então, é o Homem-Deus.
Bem, não se vê o Homem-Deus, no Evangelho, uma vez só rindo. Mais ainda a bondade dEle é uma bondade trasbordante, mas Ele nem sorri. Ele está sério o tempo inteiro, e quando Ele aparece na glorificação dEle, no alto do Tabor, quando Ele aparece, os senhores conhecem o episódio, Ele subiu com São João – eram três – São João, São Pedro e São Tiago. Ele subiu ao alto do Monte Tabor e de repente Ele começou a falar etc., mas se transfigurou e apareceu diante dos três numa glória esplendorosa e Moisés que estava morto, mas que era a mais alta figura do Antigo Testamento, apareceu também; e apareceu vivo, porque não morreu até hoje, o profeta Elias, que os senhores sabem que foi raptado vivo num carro de fogo por vontade de Deus e espera o fim do mundo para vir com Enoc batalhar pela causa de Nosso Senhor.
Então, eles viram a Nosso Senhor no esplendor de sua glória. E São Pedro fez a Nosso Senhor a proposta. Ele diz: está tão bem aqui, nós podemos montar umas tendas para todos, vamos ficar aqui… É compreensível.
Bem, mas quando eles desceram da montanha –– Nosso Senhor ficou em cima e eles desceram da montanha –– eles estavam tão penetrados pela luz de Nosso Senhor Jesus Cristo que os outros Apóstolos com quem eles encontraram davam gritos diante da pessoa deles. Brados de admiração e de medo, risada não.
Os senhores ouviram contar o caso de um santo que recebeu alguém com gargalhadas? Não. Será então que a minha luminosa e querida Bahia está no caminho da santidade rindo tanto? Isso vale para todo o nordeste. Eu acentuo, o meu pai era pernambucano, eu estive mais de uma vez em Pernambuco, notei isso muito em Pernambuco também, ao menos na zona da qual ele era natural que era Goiana, já perto da Paraíba.
Bem, todos eles têm que se emendar nisso.
Eu me lembro uma vez no Ceará, eu fui comungar, pedi comunhão ao padre. Isso era muito antes do desastre de automóvel que me tornou depois a locomoção muito difícil. Eu cheguei na igreja e tive medo de que não tivesse padre para me dar a comunhão. Em todo o caso, cheguei lá e havia um padre escrevendo junto a uma escrivaninha na sacristia e eu disse ao padre: Padre, o senhor podia me dar a comunhão? Ele me disse com o acento cantante do Ceará: Posso.
Eu disse: então, faz favor.
Ele me disse: não, mas a questão é que eu sou aleijado, e eu só posso ir ao altar se for pendurado no senhor, o senhor me carrega?
Eu achei aquilo muito esquisito, porque então podia ter muletas, cadeira de rodas, qualquer outra coisa, mas ir pendurado no pescoço de um outro eu nunca vi. Mas, enfim para carregar um ministro do Senhor, é uma honra.
Eu estranhei, mas escondi como pude e disse “pois não, padre, eu estou à sua disposição”.
Ele me olhou com uma cara assim de brincadeira e disse: “É mas eu não vou não”.
Eu disse: Mas, padre isso rima com o que?
Ele me disse: o senhor ouviu falar no Dr. Plínio Corrêa de Oliveira?
Eu percebi que ele estava brincando comigo. Eu disse: “conheço passavelmente”. Ele disse: É eu percebi que o senhor não queria dizer quem era, mas que o senhor é o Dr. Plínio Corrêa de Oliveira etc., etc., eu conheci o senhor em tal lugar”, assim muito amavelmente. Enquanto ele falava ele se levantou com as próprias pernas e lavava as mãos para ir me dar a comunhão. Foi para o altar lépido como uma pena, era brincadeira.
Então, estão apontadas muitas qualidades, está apontado um ponto em que eu gostaria que os meus caros jovens do grupo da Bahia fossem mais parecidos com Nosso Senhor e com Nossa Senhora. Está bem respondido ou não?