Os Srs. nunca me viram lhes dizer duas palavras que não tivessem – mais proximamente ou menos, conforme o caso – um substrato doutrinário. Nunca!

Conversa durante no Chá Eremo de São Bento, 1º. de setembro de 1988

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

dois modos de eu me comunicar com os meus filhos. Um primeiro modo é na exposição dos princípios. Aqui mesmo estou dando um princípio. Quer dizer, aparecendo uma ocasião psicológica, adequada, boa, etc., tomar a teoria e dar a teoria, naturalmente ilustrando com fatos, com exemplos, mas dar a teoria.
E em segundo lugar, os Srs. estão vendo, é pelo exemplo. Mas o exemplo não consiste só em a gente tratar os outros de acordo com o que os princípios são teoricamente; o exemplo consiste também em se ter de tal maneira os princípios entranhados na alma que no trato com a gente a pessoa note o princípio vivo ali.
Quer dizer, o princípio seco, teórico, um “ploc-ploc” [espírito geométrico, n.d.c.] qualquer pode dar. Quem quiser conhecer um princípio basta tomar uma cartilha, uma coisa qualquer, ler e está acabado. Os “ploc-plocs”, as cartilhas, neste sentido, prestam um serviço inestimável. Não bastam para dar conta do recado, mas são inestimáveis. Mas a questão é que não basta. É preciso que se veja o princípio vivo na pessoa, modelando a alma, formando um tipo humano, porque pela formação desse tipo humano é que nós conhecemos inteiramente como é o princípio. E por esta forma nós podemos também amar mais o princípio e nos dedicar mais a ele.
Isto é tanto mais verdadeiro quanto tem o seguinte aspecto: o princípio que nós conhecemos faz-nos amar a ele, princípio, e faz-nos amar os que são segundo ele. Por quê? Porque aquele princípio está vivo ali.
Mas faz-nos, por causa disso também, detestar aqueles que são opostos a esse princípio. E isso não é só detestar teoricamente – quer dizer, ele fez tal ação, ora esta ação é repreensível por tal coisa, logo tal mau princípio vive nele, e, portanto, eu o detesto porque o princípio. Isso é um modo muito bom de se raciocinar. Deve-se ser assim. Mas deve-se ir mais longe. Deve-se dizer: eu vejo nele o mal que há no fato de ele ter esse princípio, e a execrabilidade do princípio que está vivo e latejando dentro dele.
Não sei se estou claro em tudo quanto estou dizendo ou não.
[Claríssimo!]
Agora, acontece que o princípio assim existente numa alma torna a alma amável. E tive em mente a ideia de que “amável” é aquele que é “digno de amor”; não é gentil, que faz o escoamento da mercadoria no balcão; então vende, por exemplo, numa farmácia, vende muito dentifrício porque é muito amável na hora de vender para as senhoras o dentifrício… Isso não é amabilidade verdadeira. Amabilidade verdadeira é aquele que é digno de amor. O princípio torna a pessoa digna de amor.
E por causa disso… agora vêm o caso, a gente vê isso na devoção a Nossa Senhora. Nossa Senhora conhecia os princípios todos como – tirando Nosso Senhor Jesus Cristo – ninguém antes dEla, ninguém durante a vida dEla, nem depois da vida dEla até a eternidade, ninguém conhecerá os princípios como Ela conhece.
Nós, percorrendo a vida dEla, poderíamos encontrar fatos fabulosamente conformes aos princípios, mas quando nós dizemos “Virgo amabilis”, se bem que nós não excluamos isto do conceito, temos mais imediatamente em vista a impressão visual que Ela nos causaria se tivéssemos em contato com Ela. Mais imediatamente é isso.
Por exemplo a imagem de Nossa Senhora de Genazzano, a foto que eu vi antes de fazer essa reflexãozinha sobre Virgo amabilis. A gente vê que o pintor teve empenho em fazer com que se A quisesse bem olhando para o rosto dEla. O empenho do artista – aliás prodigiosamente bem sucedido – foi de fazer com que olhando-A A quiséssemos bem.
Nosso Senhor com o moço bom do Evangelho também. Está dito lá: “intuitos eum, dilexit eum – tendo-o olhado e tendo-o visto, amou-o”. Quer dizer, ele era amável. Depois ele não correspondeu à graça, mas até aquele momento era amável.
E esta amabilidade é a transparência do princípio em quem o pratica, em quem o professa e em quem o pratica. E assim nós devemos ser.
Nós o somos? É uma pergunta.
E eu notei, quando eu fiz essa pergunta, eu notei assim uma interrogação em cada um sobre si mesmo, e uma certa dúvida.
É muito bonito isso para nós compreendermos certas coisas como são. Essa transparência do princípio na pessoa nem sempre é fácil de perceber. A pessoa às vezes mais imbuída de um princípio e mais habituada a praticar o princípio – imbuída quer dizer embebida  – embebida de um princípio, essa pessoa pode não transluzir o princípio. Mas pode acontecer que, por disposição divina, ela de repente transluza o princípio. E a mesma pessoa que, vamos dizer, é opaca no reluzimento do princípio, em certo lance, em certa palavra, em certa atitude de repente faz resplandecer o princípio. E às vezes Nossa Senhora nos dá a nós a graça de transluzirmos em ocasiões excepcionais os princípios que às vezes não tão claramente transluzimos na nossa vida quotidiana.
Por exemplo, os Srs. viram que esses norte-americanos que estavam aqui ficaram absolutamente impressionados com a cerimônia realizada aqui.
Bem, eu não sei se esses americanos vindo agora aqui, vendo essa cena, esses princípios transluziriam para eles como naquele dia. Pode ser que sim, que eles entrando aqui, encontrando-nos todos juntos nessa – para dizer assim, a expressão não é correta, mas para dizer assim – assembléia, em que todos estamos tão unidos, falando tão de coração a coração, é possível perfeitamente que alguma coisa da graça os tocasse e eles também ficassem muito impressionados. É possível, pelo contrário, que a Providência não tivesse intuito de tocá-los, e desse outras vias, para o próprio bem das almas deles – porque nem sempre convém estar recebendo graça à toda hora – eles chegassem aqui e achassem estranho, curioso. É possível. Depende dos desígnios da Providência.
A gente deve, portanto, ter cuidado e compreender bem que esse transluzimento dos princípios é precioso, mas não pode ser indispensável. Há ocasiões em que a Providência quer que o princípio não transluza. Para quê? Para sondar qual é o grau de convicção que há em nossas almas. Às vezes é para nos provar e nos promover, às vezes é para nos castigar.
Por exemplo, olhar de um “sabugo” acompanhando uma exposição, a gente tem a impressão de que ele está olhando para nós com o lado oposto do binóculo. Nós estamos longe para ele, pequenininhos, desse tamanho, e ele pensando: “Eu hoje vi um automóvel que eu gostaria de ter”…
O Sr. Gugelmin hoje teve que desviar o caminho para a igreja de Nossa Senhora Auxiliadora por causa do engarrafamento de trânsito, e tomou uma rua transversal – paralela à Av. Tiradentes, se eu não perdi bem a geografia das coisas -, onde tem uma oficina que expõe um barco enorme, que evidentemente é destinado a fim de semana. Um “sabugo” [neologismo empregado para se referir a quem se encontre desprovido de zelo pela glória de Deus, em estado de tibieza portanto, por analogia à espiga de milho sem grãos, n.d.c.]passa por aquilo e fica com uma vontade louca de possuir aquilo, porque ele fica pensando na ida dele no fim de semana para Santos, para Guarujá, sei lá para onde, ou para qualquer dessas represas que tem aqui, para andar naquilo, e não sei mais o quê etc., etc.
Eu estou falando sobre princípios e ele que teve a infelicidade de passar diante do barco aquela tarde, está com o barco, o barco! o barco!… Olha para mim, estou longe… Os Srs. estão longe… Os Srs. sabem o que vem na cabeça dele? Que nós somos um mundo irreal, e que o real é o mundo do barco, que aquilo é a vida-vida, e que nós aqui somos uns transviados, uns lunáticos, e o que todo mundo procura, os homens reais que tem o pé no chão, que ganham dinheiro, que são tidos por homens prestantes pelos outros, esses vão atrás do barco. E, portanto, ele nos olha assim… porque o tema não é ele nem o barco dele. E qualquer tema assim dá preguiça a ele.
Do que é que adianta o princípio para ele? Na hora em que ele olhou o barco e se deixou embriagar pela idéia do barco, todos os princípios morreram, ou pelo menos ficaram num estado de agonia; todos perderam aquela garra da lógica, todas as convicções ficaram moles.
Eu me lembro – todos os Srs. passaram por isso, todo mundo passa por isso – quando a gente é pequeno e começa a perder os dentes para a segunda dentição, e fica aquele dente meio preso dentro do alvéolo, mas meio solto. A gente mastiga, às vezes dá ainda para mastigar, às vezes, pelo contrário, o dente vai junto com a comida. Assim são os princípios dessa gente. Quer dizer, na provação tanto pode resistir um pouquinho quanto psst! Qualquer provação!
Ele está como um jagode [palerma, cretino] olhando para o barco. Passa o dono do barco e diz: “Ei, meu caro, bonito barco, hein? Esse barco eu vou usar em taratatatá. Você quer entrar? Experimente um pouco aqui. Acione ali um pouquinho o motor”… Ele começa a bajular o sujeito para ver se convida ele para ir para Santos. Se acontece a desgraça de convidar, com obediência, sem obediência, de qualquer jeito ele vai. Como é que essa pobre alma volta para cá, se voltar?… O que é que fica depois?…
Quer dizer, não se pode estar na dependência apenas de impressões – santas! dadas pela graça – é preciso ter uma forma de convicção pela qual pão é pão, queijo é queijo! E a gente não se desvia disso por maior que seja a aridez.
Quando Nosso Senhor bradou do alto da Cruz “Meu Pai, Meu Pai, por que Me abandonastes?” Ele deu uma manifestação de firmeza de princípios divina. Porque isso que para o povinho comum é quase uma queixa, que não se compreende que Ele tenha feito, é o começo de um Salmo que prevê a Ressurreição dEle. Quer dizer, no total da aridez e no completo abandono e desamparo – e com certeza Nossa Senhora ao pé da Cruz estava assim também – Ele proclamou para o mundo inteiro, como um testamento antes de morrer, que é preciso estar firme nos princípios! E por causa disso é preciso que os princípios doutrinários tenham em nossa alma essa força.
Resultado: tratando conosco os outros notam, quando vem a tentação e a ocasião de violar um princípio, eles notam qual é o grau de nossa resistência. E a proposta imunda, o suborno vil, a cavação indecente, eles percebem logo que é rejeitada. Mas também percebem na alma mole a vacilação. E percebem na alma ávida do mal, que o sujeito está à procura da fruta proibida para se jogar em cima.
Então o que é que nós devemos pedir a Nossa Senhora?
Devemos pedir as duas coisas. Em primeiro lugar uma firmeza de princípios, doutrinária, racional, lógica, de arrebentar. De maneira que se – para usar uma metáfora – uma bomba nos caísse na cabeça e a nossa massa cerebral se dividisse em cem pedaços, cada molécula estaria reafirmando os princípios!
Mas, por outro lado, que Nossa Senhora despeje sobre nós a efusão de suas graças sensíveis. De maneira tal que quando for a hora, Ela queira fazer-nos sentir essa antecipação do Céu, e que Ela queira, tanto quanto isso pode estar nos planos dEla, que Ela queira tornar essas horas multiplicadas, abençoadas, deleitáveis para nós e para os outros.
De maneira tal que tratando com os outros nós levemos muitos outros para Ela. Em tudo que seja feita a vontade dEla, mas às vezes a gente tem que fazer um pouco como Jacó fez com o Anjo, tem que insistir, insistir, insistir, e Ela acaba concedendo. Então, procedamos dessa maneira e nós teremos tido um feitio de alma que arrasta os filhos de Nossa Senhora.
O que é que eu procuro fazer com meus filhos? Eu procuro, com os meus filhos, antes de tudo, aqui, esse exemplo, dar o princípio. O princípio lógico: isso é assim por tal razão, tem tal motivo, tem tal fundamento na doutrina da Igreja, pá-pá-pá. Os Srs. nunca me viram dizer duas palavras aos Srs. que não tivessem – mais proximamente ou menos, conforme é o caso – um “substratum” doutrinário. Nunca!
Mas eu percebo que às vezes Nossa Senhora é servida em que isso tenha uma certa repercussão, uma certa graça sensível, em que isso entusiasma etc. Eu vendo por onde a graça vai, eu trato daquilo. Porque se Nossa Senhora quer sensibilizar essas almas a propósito de tal ponto, a mim me cabe fazer o que Nossa Senhora quer, executar a vontade dEla. Então lá vou, e desenvolvo mais tal parte, ou mais tal outra parte, etc.
Em todas as ocasiões é preciso que um filho meu tratando comigo note duas coisas: minha enfática adesão aos princípios que são os nossos; minha oposição irremediável ao que não é isso. Depois, uma aversão completa. Nenhum dos Srs. tem a esse respeito a menor dúvida, mas nem a menor dúvida!
Mas depois, de outro lado, muita pena e vontade de atender, de ajudar, de reerguer, de apoiar aqueles que não estão seguindo bem os princípios, mas que uma palavra de afeto, uma palavra de estímulo, pode reaquecer no amor de Deus. Então todos os agrados, todas as atenções, todas as manifestações de apreço, de consideração, porque o homem não vive só de carinho, ele vive muito de apreço, de consideração. Uma consideração temperada, não é uma consideração megalizante [que envaidece]. Mas uma consideração temperada, etc., tudo isso muito. Por quê? Porque são meios de reerguer um filho que está no caminho, cansado, e que a gente trata de ajudar.
Mas se as coisas chegam a um determinado ponto… não! E se esse filho quer de mim qualquer coisa que signifique a menor colaboração dele com o mal, desista porque não sai. Ele pode matar-me se quiser, mas obter isso de mim, não!
Isso seria quanto a uma categoria. As outras categorias levariam toda uma conferência, mas os Srs. estão muito ocupados, não tem tempo para conferência… pelo menos eu estou. Não há outro remédio. Vamos encerrar. Está claro ou alguém quer me perguntar alguma coisa?
Então, vamos rezar. Ave Maria…

Contato