O temperamento e o estilo espanhol: herói ou comodista

Sede do Reino de Maria, 16 de janeiro de 1994

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.

 

 

O homem é feito de tal maneira que ele é levado a se amar a si mesmo enormemente. E nem tudo, nesse amor a si mesmo, é errado. A questão é que ele facilmente entra no exagero. Porque quando se diz, porque quando diz Deus Nosso Senhor que nós devemos amar o próximo como a nós mesmos, Ele dá a entender que os que são mais próximos de nós, nós devemos amar mais dos que são menos próximos. E se alguém tem, por exemplo, um primo e tem um irmão, o natural é que ame mais o seu irmão do que seu primo. Porque o primo não é um estranho, é uma pessoa que tem com a gente um parentesco. Mas o parentesco não é como aquele que se tem com um irmão, que é um parentesco sumamente próximo. De maneira que o amor que se deve ao irmão é maior do que o amor que se deve ao primo.

Nessa regra, o amor que se deve a si é maior do que o amor que se deve aos outros. E, portanto, que o homem tenha muita disposição para fazer-se bem a si mesmo, para amar-se a si mesmo etc., etc., é uma coisa que está dentro da regra. E o homem pode até cometer pecado, não se amando devidamente a si mesmo. Vamos dizer, por exemplo, uma pessoa que é obrigada a um regime médico e que não observa o regime médico, peca no amor contra si mesmo. Porque o interesse da pessoa, o interesse bem entendido consiste em observar o regime médico. Se a pessoa por um puro gosto, por um puro prazer come coisas que lhe fazem mal, ela não si ama a si própria. Ela peca contra o amor a si própria.

O resultado disso é que quanto mais uma pessoa precisa de outras, tanto mais tem tendência a amá-las. E quanto menos precisa dos outros, menos tem tendência a amá-los.

E acontece que está dentro da natureza do espanhol, que é um tanto aventureiro e que não presta muita atenção em tomar cuidado consigo mesmo, em ter atenção para com os seus verdadeiros interesses, mas que como todo aventureiro gosta de se lançar na aventura, acontece que o espanhol tem o temperamento muito completo debaixo desse ponto de vista, e é corajoso, é vibrante, é esperto, é ágil, se joga na luta, vence facilmente e tem uma alegria especial no triunfo. Mas precisa pouco dos outros. Se ele precisa pouco dos outros, é natural que ele tenha uma tendência a amar pouco os outros. E é natural então que ele tenha um modo de se relacionar com os outros egoístico.

E o problema para o espanhol é compreender que Deus lhe deu várias qualidades preciosas, mas que lhe deu também a obrigação de velar por si mesmo e pelas qualidades que Deus pôs nele. E que ele, portanto, tem obrigação de cultivar e de desenvolver e de proteger os seus próprios valores. Mas isso não lhe agrada.

A tendência que ele tem para a tourada, para o toureiro e para matar o touro faz parte desse élan de pouca ordenação do amor em relação aos próximos como a si mesmo.

“Voilà l’affaire !” [eis a questão!].

(Pergunta)

Primeiro lugar, um autor espanhol que eu detesto, que fez muito mal à Espanha e fez muito mal ao mundo foi Cervantes. E Cervantes mostrou bem como existe dois veios de espanhóis. Existe o Sancho Pança e o don Quixote. E que o único modo do espanhol ser não é o modo de Don Quixote, que existe também espanhóis Sancho Panças e que quando veem o perigo, fogem, não querem encrenca etc., etc. E estes que estão nessas condições são homens que são o contrário do espanhol clássico que eu acabo de descrever. […]

– “…tenho que salvaguardar os interesses de minha família que absolutamente eu não posso pôr em risco. E por essa forma você compreende que eu não posso aceitar”.

É Sancho Pança! Ele não compreendeu que não há nobreza onde não há risco e não haja heroísmo.

O que é o heroísmo?

É a decisão nobre e elevada de enfrentar o risco. Isso é heroísmo, não há outro conceito de heroísmo.

Esse homem pensa que é nobre, mas ele tem a alma de Sancho Pança.

Ele poderia dizer:

– Bom, mas a minha família?

Aconteceu com os primeiros de sua família que correram vários riscos… Podiam ter desaparecido. Mas as coisas são assim, de vez em quando desaparecem. Por amor de Deus, a gente corre riscos.

Bem, foi muito diferente com “Y”. Por quê? Porque são dois homens distintos. E na Espanha há de uns e de outros.

Bem, meus caros, há mais alguma pergunta a fazer?

E como é, dos que estão aqui diante de mim, quantos são espanhóis, levantem o braço?

Vamos fazer de outra maneira. Quantos não são espanhóis?

Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove. Desses que não são espanhóis, quantos são hispanos?

(Sr. -: Todos.)

São todos hispanos?

(Sr. -: Sim senhor.)

Quer dizer, que o sangue espanhol corre por todas as veias? Muito bem! Eu os felicito. Mas exatamente é um sangue que tem isto de próprio: que se não se sobe até o heroísmo, se cai no “sanchopancismo”.

[recordações da Espanha] … Foi no Escorial no quarto onde morreu Felipe II.

Vocês todos visitaram esse quarto com certeza.

Esse quarto tem ao lado uma câmara pequena onde celebrava Missa quando ele estava doente. Ele não podia descer à capela, à lindíssima capela, então se celebrava missa no quarto dele. E estava lá posto uma mesinha com todo o necessário para a celebração. E o altar tudo pronto. E o livro de missa aberto. Quando o rei expirou – eu achei até esquisito, mas foi o que o padre fez – o padre suspendeu a celebração e deixou o livro de missa aberto no ponto que ele estava para ler. E até hoje o livro de missa se conserva aberto no ponto da morte do rei Felipe.

Ele dias antes tinha chamado o filho… E o Felipe II estava com uma doença muito feia, não era uma doença que comprometesse a moralidade dele nem um pouco, mas era uma doença de pele que tornava a pele dele hedionda. Ele chamou o futuro Felipe III e disse:

– Vem cá.

O sucessor dele veio. Ele disse:

– Eu quero que você saiba o que um rei não é. Vivendo aqui comigo você ficou sabendo o que é um rei, agora eu quero que vocês saiba o que é que um rei não é.

Ele descobriu os cobertores etc., arrancou os panos que cobriam as feridas e deixou ver aquela coisa horrenda e disse:

– Está vendo o que é que um rei não é? Nada preserva um rei de – de um momento para outro – apanhar uma doença dessa e ficar do alto da cabeça até abaixo dos pés desse jeito. Agora aprenda bem isso e pelo menos saiba ser um bom católico.

Cobriu e daí a pouco morreu.

É majestoso!

Bom, meus caros, eu gostaria de ficar conversando até a meia-noite, mas é impossível, e por isso eu não mantenho a ameaça de ficar conversando…

É preciso que a TFP reaja e dissemine o espírito que Dom João D’Áustria deveria ter tido se ele tivesse correspondido à graça. Então vamos ficar nisso.

Vamos então rezar três Ave Marias pela TFP espanhola e depois um Memorare pela saúde de nosso P.P. a respeito do qual eu ainda não recebi notícias…

(Ele está com uma gripe muito forte que o mantém há cerca de um mês numa situação meio acamado.)

Eu ouvi dizer isto, mas também por outra fonte ouvi dizer que ele está com um distúrbio no coração. Isso me deixou muito alarmado e eu telegrafei pedindo para mandarem dizer o que é que era. E não recebi resposta ainda.

(Nós amanhã mesmo mandamos a resposta para o senhor com todo detalhe.)

Isso, isso. Se o telegrama estiver na mão de um Sancho Pança, passem um pito no Sancho Pança…

Bom, vamos então rezar três Ave Marias pela TFP espanhola.

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