Catolicismo, Nº 63 – Março de 1956, págs. 1 e 2
Plinio Corrêa de Oliveira
Não foi sem alguma apreensão ante a confusa noção da dificuldade da tarefa, que começamos a reunir impressões e idéias a fim de escrever para CATOLICISMO um artigo sobre o Santo Padre Pio XII, a ser publicado por motivo de seu 80º aniversário natalício, que transcorre a 2 do corrente. Desde logo, tivemos de renunciar a um trabalho em que considerássemos em seu conjunto a obra do Sumo Pontífice: sua ação em favor da paz, suas diretrizes para a solução dos grandes problemas políticos, sociais e econômicos em que se debatem os povos hodiernos, a obra doutrinária realizada através de Encíclicas e outros documentos para orientar o pensamento católico e para trazer à Igreja os filhos transviados, o estímulo da piedade notadamente pela definição do Dogma da Assunção, a instituição da festa da Realeza de Nossa Senhora, e o incremento multiforme da devoção marial, a expansão missionária, a límpida definição e estruturação da Ação Católica em vários documentos, e principalmente na Constituição “Bis Saeculari”, a luta contra o comunismo, a consagração da Rússia e do mundo ao Coração Imaculado de Maria, as canonizações de uma oportunidade providencial como a de S. Pio X, o incitamento para a organização de um Mundo Melhor, isto é, no sentido dos documentos de Pio XII, o Reinado de Cristo e de Maria, o contato pessoal com as multidões nas audiências diárias do Vaticano e de Castel Gandolfo, tudo enfim dá ao presente pontificado uma tal densidade que quem deseje estudá-lo em um simples artigo, fica na alternativa de dizer só generalidades que todos sabem, ou transformar seu trabalho em livro! É a dificuldade que as personalidades pouco comuns, inconfundíveis, e riquíssimas em aspectos, causam ao historiador. Preparem-se os jovens que hoje cursam a secção de História das Faculdades de Filosofia: este Papa, com suas inúmeras atividades, tão originais ( no sentido etimológico da palavra ), de repercussões tão fundas, lhes dará um terrível trabalho! E o volume que a respeito dele se escreverá na crônica dos Pontífices Romanos será dos mais alentados… se for bastante!
Esbarrando em tão grande dificuldade, pensamos em escrever um trabalho só a respeito da obra doutrinária do Pontífice. Mas ainda aqui fomos forçados a nos deter. Nos últimos séculos pelo menos, nenhum Papa levou a cabo obra doutrinária tão farta, tão variada, tão profunda e subtil em muitos de seus aspectos.
Ficamos, pois, a excogitar um meio para escrever algo de adequado, sobre Pio XII, e enquanto o fazíamos veio-nos à lembrança seu lema “opus justitiae pax”. O Papa da Paz reza, sofre, age, para que haja paz internacional e paz social. Não haveria aqui algo de novo a dizer?
Trabalhar pela paz social é trabalhar para que cada classe compreenda a sua missão própria, e a das outras.
Pio XII tem a este respeito uma coleção de importantíssimos discursos, infelizmente pouco conhecidos, que dirigiu à Nobreza e ao Patriciado Romanos. Estes discursos bem marcam o papel e a responsabilidade das elites na manutenção da paz social. Pareceu-nos interessante consultar esses documentos, para os comentar. Mas, à medida que os folheávamos, a beleza dos textos nos ia seduzindo. Compreendemos que em vez de falar sobre o Papa, melhor e mil vezes melhor seria deixar falar o Papa. E acabamos, assim, por organizar uma compilação desses discursos, de que publicamos hoje um estudo introdutório, reservando os textos para nossa próxima edição. Fazemo-lo com um pensamento comovido de afeto, gratidão e veneração ao “Doce Cristo na terra”.
Em 1948, a Constituição da Itália republicana declarou abolidos os títulos nobiliárquicos. Desferiu-se assim o último golpe na situação política de uma classe mais que milenar, e ainda hoje em plena existência. E ficou assim criado um problema social complexo em todos os seus aspectos.
Esta complexidade já se faz notar nos antecedentes da questão. Ao contrário do que ocorre em outros países europeus – a França, a Espanha e Portugal, por exemplo – a composição da nobreza italiana é muito heterogênea. Antes do movimento de unificação política ocorrido na península, os vários soberanos que exerceram seu poder sobre alguma parte de seu território concediam títulos de nobreza: Imperadores do Sacro Império Romano Alemão, Reis da Espanha, das Duas Sicílias, da Sardenha, Grão-Duques da Toscana, Duques de Parma, e ainda outros, sem falar nos patriciados de cidades como Veneza, e principalmente – é o que mais nos interessa no presente estudo – os Papas. Estes, soberanos temporais de um Estado relativamente extenso, também concediam títulos nobiliárquicos. E continuaram a concedê-los até nossos dias.
Quando se consumou, em 1870, a unificação da Itália com a invasão de Roma pelas tropas de Garibaldi, a Casa de Saboia tentou amalgamar todas estas nobrezas num só todo.
Política e juridicamente o intento fracassou. Muitas famílias nobres se mantiveram fiéis às dinastias depostas, das quais haviam recebido seus títulos. E principalmente a aristocracia romana continuou a figurar nas solenidades do Vaticano, recusou-se a reconhecer a anexação de Roma à Itália, rejeitou qualquer aproximação com o Quirinal, e cerrou seus salões em sinal de protesto. A esta nobreza assim enlutada se deu o nome de nobreza negra.
Socialmente, entretanto, de modo geral na Itália o amálgama se deu em escala não pequena, pelos casamentos, pelas relações sociais, etc.. De sorte que a aristocracia italiana, em nossos dias, constitui sob muitos pontos de vista um só todo.
Os Pactos de Latrão, em seu art. 43, asseguraram, entretanto, à nobreza romana uma situação especial, pois reconhecem ao Papa o direito de conferir títulos nobiliárquicos, e aceitam os que anteriormente tinham sido outorgados pela Santa Sé. De sorte que, legalmente, continuaram a existir lado a lado as duas nobrezas, italiana e romana.
A esta situação se somavam outros fatos de complexidade. Na Idade Média, a nobreza constituía uma classe social com funções especiais dentro do Estado, às quais estavam ligadas as honrarias e também encargos correspondentes.
No decurso dos Tempos Modernos, esta situação foi perdendo gradualmente sua consistência, relevo e colorido. Ao longo das revoluções igualitárias do século XIX sofreu ela sucessivas mutilações. E isto a tal ponto que, na monarquia italiana tal qual existia no fim da última guerra, o poder político da nobreza sobrevivia em estado de fantasma ou de vestígio. Esse vestígio, esse fantasma, a República o destruiu.
Ora, enquanto se delineava tão rápida no quadro da História a curva descendente do poder político da aristocracia, a sua situação social e econômica seguia o mesmo rumo, mas muito e muito mais lentamente. Por suas propriedades agrícolas, seus palácios, seus tesouros artísticos, pelo prestígio social de seus títulos e de seus nomes, pelo valor moral e cultural exímio de seu ambiente tradicional doméstico, suas maneiras, seu estilo de vida, a nobreza ainda se encontrava, em inícios do século, no ápice da organização social.
As crises decorrentes da primeira guerra mundial trouxeram alguma modificação neste quadro, privando parte das famílias nobres de seus meios de vida e obrigando muitos de seus membros a aceitar profissões subalternas, em desacordo com sua psicologia, seus hábitos, seu prestígio social.
De outro lado, a sociedade contemporânea modelada cada vez mais pela finança e pela técnica, criava novas relações e situações, novos centros de influência social, totalmente alheios aos quadros clássicos da aristocracia. E assim toda uma nova ordem de coisas nascia ao lado da antiga, que ainda vivia. Tudo isto diminuía a importância social da nobreza.
Por fim, a isto tudo se somava em detrimento dessa classe um elemento ideológico que cumpre pôr em primeira plana na ordem da importância. A adoração do progresso técnico e da igualdade, fruto da Revolução, criava um clima de ódio, de prevenção, de difamação e sarcasmo contra a nobreza apegada à tradição, e fundada na forma de desigualdade que a demagogia mais odeia: a do sangue e do berço.
Claro está que a segunda guerra mundial, com as novas e mais amplas derrocadas econômicas que acarretou para muitas famílias nobres, e, na Itália, a abolição dos títulos de nobreza, levaram ao paroxismo a gravidade de todos estes problemas. Estava definida em grau agudo a crise de uma grande classe social.
Pio XII e a Nobreza romana
Esta situação, particularmente no que diz respeito à nobreza romana, Pio XII a conhece em todas as suas minúcias.
Com efeito, ele pertence a uma família decorada com altos títulos nobiliárquicos, e cuja esfera de relações é naturalmente a melhor nobreza. Seu irmão tem o título de Príncipe Pacelli. No Papa há um imponderável que faz pensar em nobreza: seu alto porte esguio, seu modo de andar, seus gestos, suas mãos. Este Pontífice tão universal e tão amigo dos pequenos, é muito romano e muito amigo da aristocracia romana. “No Patriciado e na Nobreza Romana revemos e amamos uma falange de filhos e filhas, cuja ufania está na adesão e fidelidade à Igreja e ao Romano Pontífice, cujo amor ao Vigário de Jesus Cristo nasce da profunda raiz da fé e não diminui com o curso dos anos e das vicissitudes que variam com os tempos e com os homens. Em vosso meio, Nós Nos sentimos mais romano pelo costume da vida, pelo ar já respirado, e que continuamos a respirar, pelo mesmo céu e pelo mesmo sol, pelas mesmas margens do Tibre, sobre as quais pousou nosso berço, por aquele solo que é sagrado até mesmo no mais recôndito de suas entranhas, onde Roma haure para seus filhos os auspícios de uma eternidade que se eleva até o Céu” ( alocução ao Patriciado e à Nobreza Romana, “Osservatore Romano”, de 7-8 de janeiro de 1941 ).
Ora, se a Igreja se interessa pela questão social, não é porque ame só o operariado. Ela não é um “Labour Party” fundado para proteger uma só classe. Ela ama acima de tudo a justiça e a caridade, e as quer fazer reinar entre os homens. E por isto ama todas as classes sociais… inclusive a tão odiada nobreza. Di-lo Pio XII, a propósito da aristocracia romana:
“É fato que Cristo Nosso Senhor quis, para conforto dos pobres, vir ao mundo desprovido de tudo, e crescer numa família de simples operários, mas é igualmente verdadeiro que Ele quis com seu nascimento honrar a mais nobre e ilustre das casas de Israel, a própria estirpe de David.
“Por isto, fiéis ao espírito d’Aquele do qual são Vigários, os Sumos Pontífices sempre quiseram ter em alta consideração o Patriciado e a Nobreza Romana, cujos sentimentos de inalterável adesão a esta Sé Apostólica são a parte mais preciosa da hereditariedade recebida de seus antepassados, e que eles mesmos transmitirão a seus filhos” ( alocução cit. ).
E assim era natural que Pio XII procurasse uma solução para este doloroso desajustamento social.
Esta solução ele a enunciou em doze alocuções magistrais à Nobreza e ao Patriciado Romanos, pronunciadas respectivamente nas audiências de felicitações pelo Ano Novo que o Soberano Pontífice lhes concedeu nos anos de 1941 a 1952. Os tópicos que publicaremos são traduzidos do original italiano estampado no “Osservatore Romano”.
Destas alocuções, a de 1952 constitui como que um resumo que compendia tudo quanto o Pontífice disse nas anteriores. De sorte que estas são o desenvolvimento e comentário daquela.
Interesse universal
Assim enunciado o assunto, parecerá talvez à primeira vista, que ele interessa apenas à Itália. Na realidade, porém, esta crise especificamente italiana existe, mutatis mutandis, em todos os países que tiveram um passado monárquico e feudal, ou que vivem presentemente em regime monárquico numa situação análoga à que a Itália tinha até a queda dos Sabóias.
Mais ainda. Mesmo nos Estados de passado não monárquico, pela própria ordem natural das coisas constituíram-se aristocracias de fato, se não de direito ( cfr. alocução à Nobreza Romana de 1947, “Osservatore Romano” de 8 de janeiro ). Ora, também nesses países, a onda de igualitarismo demagógico nascido da Revolução e levado ao auge pelo comunismo cria um ambiente de irritação e incompreensão em relação às elites tradicionais. Também nesses países, as elites tradicionais, baseadas na agricultura, vão sendo eclipsadas pelas novas camadas sociais nascidas da técnica, do industrialismo, e da finança. E também nesses países se delineia uma situação bastante análoga à da Itália.
Essas alocuções do Santo Padre Pio XII têm, pois, um interesse universal, pela sua conexão indireta com o problema das elites em todo o mundo. Esse interesse universal é acrescido pelo fato de que, analisando a situação como ela se apresenta na Itália, o Papa subiu a altas considerações de porte doutrinário, e portanto úteis para a formação de todos os fiéis. A maior parte de seus conceitos sobre a nobreza se aplica não só à Itália, mas às elites tradicionais de todas as nações.
E, assim, estamos certos de contribuir para a formação do público brasileiro divulgando aqui estes comentários, e os luminosos textos do Soberano Pontífice.
O apostolado especializado e os erros das elites
Escolhemos estes documentos de especial interesse para as elites sociais e culturais, neste artigo comemorativo, porque CATOLICISMO é, por seu nível cultural, um jornal de elite. E em virtude do princípio de especialização de apostolado tão inculcado pela Ação Católica e pelas Congregações Marianas, convém a cada classe falar principalmente sobre seus direitos e deveres. O que é na Europa a nobreza, o são no Brasil o “paulista de 400 anos”, e seus congêneres de todos os Estados. É indispensável que esta classe conheça sua missão no Brasil contemporâneo. E é igualmente importante que os numerosos homens de pensamento que nos lêem, se inteirem do ensinamento do Santo Padre Pio XII sobre o papel da tradição e das elites nos dias de hoje.
Bem sabemos que nos textos que publicaremos, a clarividência de Pio XII pôs, ao lado de princípios e diretrizes altamente confortadoras para os amigos da tradição, também muitas verdades amargas sobre as defecções de algumas elites, seu desejo de gozo, e de um gozo muitas vezes imoral, sua falta de senso das obrigações sociais. Fê-lo com cortesia, menos nas linhas do que nas entrelinhas. Mostrou cuidadosamente que não se poderia generalizar para toda a nobreza o que é defeito apenas de certos nobres. Mas enfim a advertência ficou a causticar muita preguiça, muita sensualidade, muito egoísmo, muita superficialidade de espírito.
Damos à publicidade estas severas advertências, com muita alegria. Pois as julgamos merecidas também para certos elementos das elites tradicionais do Brasil. E sabemos que toda verdade saída dos lábios do Soberano Pontífice só pode fazer bem, ainda que seja amarga.
As elites tradicionais têm menos do que quaisquer outras… o direito de se dissolver numa vida de prazeres, de desaparecer na massa confundindo-se com esta, esquecidas de sua missão e de sua tradição, ou de viver fechadas como em um casulo, em sua vida particular, digna, mas obscura e vazia.
O mal começou por elas, lembra Pio XII, e delas deverá vir o remédio (alocução de 1943, “Osservatore Romano” de 11-12 de janeiro).
Valha esta publicação como um vigoroso apelo a que, num ambiente de compreensão e estima geral, elas se entreguem abnegada e corajosamente ao cumprimento da alta missão que continuam a ter.
A missão hodierna das elites tradicionais
Não se procure nesses tópicos do Santo Padre uma tomada de posição política.
Como é sabido, S. Tomás de Aquino considera que em tese a monarquia é a forma de governo melhor e digna de estima maior. Mas é possível que, por motivos históricos ou outros, convenha a algum país organizar-se sob a forma de república aristocrática como outrora Veneza, ou república plebéia como foram certas cidades livres do Sacro Império Romano Alemão, da Suíça ou da Itália.
O Sumo Pontífice não proíbe que a nobreza italiana deseje a mudança da forma de governo. Mas seu discurso não entra de modo nenhum na apreciação de qual seja para a Itália, concretamente, a forma melhor. Ele se limita a ensinar qual o papel da nobreza numa sociedade democrática bem ordenada, e qual seu dever nas convulsões e anomalias da hora presente.
Que tal sociedade democrática bem ordenada nada tem de comum com as utopias e os erros do igualitarismo revolucionário, mostra-o luminosamente um tópico monumental do discurso de Natal de 1944, que diferencia qual seja o governo do povo, e o da massa, distinguindo nos seguintes termos os conceitos de massa e de povo: “Povo e multidão amorfa ou, como se costuma dizer, massa, são dois conceitos diversos. O povo vive e se move por vida própria; a massa é em si mesma inerte e não pode mover-se senão por um elemento extrínseco. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais – em sua própria posição e do modo que lhe é próprio – é uma pessoa cônscia de suas próprias responsabilidades e de suas próprias convicções. A massa, pelo contrário, espera o impulso que lhe vem de fora, fácil instrumento nas mãos de quem quer que lhe explore os instintos e impressões, pronta a seguir, sucessivamente, hoje este, amanhã aquele estandarte. Da exuberância de vida de um verdadeiro povo a vida se difunde abundante, rica, no Estado e em todos os seus órgãos, infundindo-lhes, com vigor constantemente renovado, a consciência de sua própria responsabilidade, o verdadeiro sentido do bem comum. Da força elementar da massa, habilmente manejada e utilizada, pode talvez servir-se o Estado; nas mãos ambiciosas de um só, ou de poucos, que as tendências egoísticas talvez tenham coligado, o próprio Estado pode, com o apoio da massa reduzida a não ser mais do que uma simples máquina, impor seu arbítrio à parte melhor do verdadeiro povo: o interesse comum recebe daí um golpe grave e durável, e a ferida se torna rapidamente muito difícil de ser curada.
“Daí se infere claramente outra conclusão: a massa – que acabamos de definir – é a inimiga capital da verdadeira democracia e de seu ideal de liberdade e de igualdade.
“Em um povo digno de tal nome, o cidadão sente em si mesmo a consciência de sua personalidade, de seus deveres, de seus direitos, de sua liberdade conjugada com o respeito à liberdade e dignidade do próximo. Em um povo digno de tal nome, todas as desigualdades, decorrentes não do arbítrio mas da própria natureza das coisas, desigualdades de cultura, de haveres, de posição social – sem prejuízo, bem entendido, da justiça e da mútua caridade – não são, com efeito, um obstáculo à existência e ao predomínio de um autêntico espírito de comunidade e fraternidade. Pois elas, longe de ferir de qualquer maneira a igualdade civil, lhe conferem seu legítimo significado, que consiste em que, perante o Estado, cada qual tenha o direito de viver honradamente a própria vida pessoal, na posição e nas condições em que os desígnios e disposições da Província o colocaram.
“Em contraste com este quadro do ideal democrático de liberdade e igualdade de um povo governado por mãos honestas e previdentes, que espetáculo oferece um Estado democrático entregue ao arbítrio da massa! A liberdade, enquanto dever moral da pessoa, se transforma numa pretensão tirânica de dar livre curso aos impulsos e apetites humanos, com prejuízo do próximo. A igualdade degenera em um nivelamento mecânico, em uma uniformidade monocroma; o sentimento da verdadeira honra, a atividade pessoal, o respeito à tradição, à dignidade, em uma palavra a tudo quanto dá à vida seu valor, pouco a pouco se vai soterrando e desaparece. E sobrevivem apenas, de um lado as vítimas iludidas do fascínio aparente da democracia, ingenuamente confundido com o próprio espírito da democracia, com a liberdade e a igualdade; e de outro lado os aproveitadores mais ou menos numerosos que tenham sabido por meio da força do dinheiro ou da organização, assegurar em relação aos outros uma condição privilegiada, e o próprio poder”.
Numa tal situação, é evidente que, mesmo nos dias de hoje, há lugar para uma alta e indispensável missão das elites tradicionais.
[continua]