O leão mudo – A importância não apenas da doutrina católica, mas também do senso católico

O Legionário, N.º 129, 1º. de outubro de 1933

 

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É curiosa e lamentável a situação em que se deixam ficar os católicos, no momento de ebulição intelectual que atravessamos. Parece-nos indiscutível que as eleições de 3 de maio mostraram a grande força moral de que o Catolicismo dispõe.

Não é só em São Paulo que esta força se manifestou. Em todos os Estados do norte, do centro e do sul do Brasil, o apoio da Liga Eleitoral Católica foi vivamente procurado por gregos e troianos, valendo como fator de primeira grandeza na vitória que obtivemos. Quando a Junta Nacional tiver concluído o seu serviço de estatística, viremos novamente a público para bater nessa tecla.

Por enquanto queremos apenas salientar que as eleições de 3 de maio valeram por um verdadeiro plebiscito, em que o Brasil reafirmou seu desejo de ser católico.

Como o leão que dorme, o Catolicismo brasileiro estava imerso em profundo sono, do qual abusavam seus adversários, impondo à consciência religiosa do País toda a sorte de medidas vexatórias e humilhantes. Os últimos abalos acordaram o leão que, tendo saltado na arena a 3 de maio, já pode resumir seus primeiros triunfos na famosa frase de Júlio César: Vim, vi e venci.

No entanto, depois desta manifestação de vitalidade e de energia, a opinião católica parece ter voltado novamente à passividade.

Tudo se discute e se comenta pelos jornais. As grandes questões nacionais são estudadas sob todos os seus pontos de vista. Por toda a parte, as diversas correntes de opinião se fazem ouvir. E, enquanto isso, um profundo silêncio rodeia os próceres do movimento intelectual católico, de sorte que a opinião vitoriosa ontem, já hoje, como Cincinato, volta à obscuridade, sem que ninguém se lembre de lhe auscultar o pensamento e os desejos.

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Lucius Quinctius Cincinnatus (séc. V a.C.) – cônsul romano célebre por sua simplicidade e pela austeridade de seus costumes. Foi duas vezes ditador, mas quando lhe foram levar as insígnias de sua dignidade, encontraram-no na sua propriedade, cultivando pessoalmente os campos com um arado (n.d.c.)

Não há dúvida de que os pontos absolutamente essenciais do programa católico parecem vitoriosos. No entanto, uma coisa é a doutrina católica, e outra o senso católico.

Diversos pontos há em que a doutrina católica só é aplicada com grande proveito quando secundada pelo senso católico. A doutrina católica não condena o casamento dos sacerdotes (2). Mas o senso católico, profundamente identificado com o pensamento da Igreja, compreende que, no terreno dos fatos, a grandeza do sacerdócio exige o celibato eclesiástico.

A doutrina católica é perfeitamente compatível com a primitiva organização da Igreja, em que algumas dignidades eclesiásticas eram preenchidas por meio de eleição entre os fiéis. Mas o senso católico, compreendendo embora as vantagens deste sistema em outras épocas, defende hoje em dia, intransigentemente, a atual organização da Igreja, única compatível com as circunstâncias de nossa época.

A doutrina católica não obriga o Santo Padre a cercar-se, no Vaticano, de todo o esplendor da Corte pontifícia. Mas o senso católico compreende perfeitamente a necessidade deste esplendor, como manifestação humana da excelsa dignidade do Sumo Pontífice.

Em suma, a doutrina católica é, para nós, um conhecimento tão necessário quanto, para o navegante, o conhecimento da posição dos astros que perscruta no céu para orientar seu roteiro. Mas o senso católico, por sua vez, representa os conhecimentos práticos do piloto que, sabedor dos escolhos, dos recifes traiçoeiros e dos bancos de areia, não volta seus olhos somente para o céu, mas para o mar, procurando nele os perigos de que se deve desviar. Sem uma e outra coisa, sem o conhecimento dos astros do céu e dos obstáculos escondidos no mar, não é possível a navegação. Do mesmo modo, sem uma doutrina católica séria e sem um senso católico apurado, é impossível que navegue com segurança, neste mar das tormentas em que andamos, a nau dos interesses espirituais do Brasil.

Não é bastante, pois, que os pontos mínimos da doutrina católica sejam respeitados. É mister que o senso católico se infiltre por toda a parte, para resolver a seu modo nossas múltiplas dificuldades.

E, no entanto, os católicos silenciam. Como um leão mudo, ou antes, surdo-mudo, eles dispõem da força, mas se conservam silenciosos ante os maiores ataques, e sem resposta contra as mais pérfidas acusações.

É que os católicos ainda não compreenderam a necessidade de uma imprensa genuinamente católica. Eles não compreendem que sem um porta-voz junto à opinião pública, eles serão como o réu sem advogado, que se condena sem poder fazer ouvir suas razões. Eles não compreendem a necessidade de um jornal são [sadio] que, como novo chevalier sans peur et sans réproche [cavaleiro sem medo e sem reprovação, como se dizia de Bayard], saiba investir contra a estagnação a que se pretende condenar o problema religioso entre nós. Eles permitem, com uma tranqüilidade de quem “lava as mãos”, que diariamente a imprensa hostilize seus princípios, tornando a Fé odiosa às massas incultas e ridícula para a elite intelectual burguesa. E com isto eles se tornam colaboradores inconscientes dos agitadores da ordem social e de todos os adversários da Igreja.

No seu último número, “O Legionário” noticiava a aquisição de um importante maquinário para o jornal católico “El Debate”. Os católicos espanhóis só acordaram quando viram suas igrejas ardendo em chamas, violados os tabernáculos e profanadas as imagens. Tendo dormido sobre o perigo, foram cruelmente chamados à realidade pelos seus adversários. E foi só à luz das catedrais que se incendiavam que eles souberam ver a necessidade de uma imprensa e uma ação católica organizada.

Esperaremos também nós, católicos brasileiros, a luz do incêndio e o vociferar dos petroleiros (terroristas), para acordar? Leão mudo, não compreenderemos finalmente que o rugido de protesto de nossas consciências, ecoando diariamente através de um jornal nosso, é a maior defesa que possamos ter? Até quando hesitaremos? Quanto tempo levaremos para compreender que o silêncio é para nós uma deserção e a indiferença um crime? Até quando continuaremos inertes, à espera de se transformarem nossos louros de ontem em algemas que já amanhã nos agrilhoarão?

Quousque tandem? (2)

Notas:

(1) Em ritos da Igreja Oriental (Católica) admite-se a ordenação ao sacerdócio de homens casados. No rito latino, vigora o celibato eclesiástico.

(2) “Até quando, enfim?” – Palavras com que Cícero inicia a primeira Catilinária.

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