Conferência de encerramento de acampamento de formação de jovens; 20 de abril de 1984
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
O pedido simpaticíssimo que eu acabo de receber depois dessas belas proclamações, se divide em duas partes: Primeiro uma noção do que é o heroísmo e depois uma exemplificação dessa noção na vida de um dos que estão aqui presentes e que por coincidência sou eu. Então uma exemplificação do que seria o heroísmo.
* Herói é aquele que colocado diante de um alto dever, ao invés de ficar contrariado, se entusiasma: “Que linda missão!”
O que é o heroísmo? A palavra heroísmo nós poderíamos dizer que tem um brilho próprio. Quando se diz que alguém é um herói a palavra herói reluz, tem um brilho especial, herói é uma coisa extraordinária, é uma coisa reluzente. Um indivíduo que é herói é uma espécie de super-homem, admira-se o herói porque ele tem o quê?
É uma coisa engraçada, mas os senhores vejam o seguinte: é próprio hoje em dia [que] na ortografia das palavras, no modo de escrever as palavras se suprimam todas as letras que não são indispensáveis. Eu tenho a impressão de que até hoje na palavra heroísmo não se suprimiu a letra “h” no começo, ou já [se] suprimiu? Não. Por quê? O “h” antes do heroísmo parece que dá um brilho à palavra [de tal maneira] que heroísmo sem “h” fica mais ou menos como um galo sem crista.
É galo, não tem dúvida, mas cadê a crista? Cadê o imponderável, onde está todo o garbo da condição de galo, da condição de herói dentro do galinheiro?
O que vem a ser propriamente um herói, o que é que é o heroísmo?
Heroísmo é a qualidade daquele que é herói. O que é um herói? Para entendermos melhor o que se trata e andarmos depressa, pois eu sei que vários dos senhores têm hora para chegar em casa e portanto devemos apressar as coisas, para dar idéia do que é um herói e o que há de bonito no heroísmo, ganhamos tempo se fizermos uma pergunta oposta. Um poltrão, um medroso o que é?
É ou não é verdade que a palavra poltrão parece carregada de uma vergonha oposta ao brilho da palavra herói? Um herói é um tipo admirável. O poltrão é um tipo carregado de vergonha. Poltrão! “PT”. Dá impressão de que é próprio para tomar pontapé. “PT”. Esse é o poltrão, o que é? O poltrão é o homem inferior que colocado diante de um perigo, ainda que deva correr o risco porque esse é o seu dever, colocado diante do perigo começa a tremer por causa de um excesso de amor à sua própria pessoa, um excesso de proteção de sua própria vida. Às vezes, para não queimar a ponta de um dedo, o poltrão é poltrão e tem vontade de sair correndo. Os deveres que vão às favas, os ideais que vão às favas, tudo aquilo que é duro que é árduo que vá às favas, ele quer levar a vida mole, a vida segura, a vida sem riscos, a vida descansada, esse é o poltrão. Então nós pelo contraste vemos bem o que é o herói.
Herói é aquele que colocado diante de um alto dever ele, em primeiro lugar, em vez de ficar contrariado se entusiasma: “Que linda missão! Então essa missão toca a mim? Que presente do Céu eu realizar esta missão. Essa missão dá um sentido à minha vida. Eu não sou apenas um consumidor de sorvetes, de coca-cola e de hambúrgueres; eu não sou um puro tipo vegetativo feito para comer, beber e dormir, mas é uma estrela que se levanta no meu horizonte!”
Algo de mais alto e mais necessário ao homem do que comer, beber e dormir é ter um sentido para a vida. É ter uma vida tal que o homem possa dizer: “Como é bela a minha vida e como eu a realizo na sua plenitude”. Adaptando ligeiramente uma palavra do Profeta Jó na Escritura, um homem que possa dizer – esse deve ser o nosso ideal no momento de morrer – que possa dizer: “Bendito o dia que me viu nascer, bendita as estrelas que me viram pequenino. Bendito o momento em que eu nascendo minha mãe disse: Nasceu um varão!”
* A beleza do heroísmo na epopéia da Reconquista espanhola
El Cid Campeador – Burgos – Espanha |
Isso podia bem dizer de sua vida admirável e abençoada o grande Cid Campeador, cuja fidelidade admirável vós evocastes aqui nesta esquete há pouco apresentada. O Cid Campeador estava vivendo na Espanha em condições verdadeiramente miseráveis para a Espanha. Havia tempo em que a Espanha tinha sido conquistada pelos árabes e os católicos da Espanha em luta contra os árabes, maometanos que exterminavam a Religião Católica por toda a parte onde passavam, fechavam as igrejas, eliminavam o culto, matavam os ministros de Deus, quebravam os altares, não deixavam restar quase nada.
Diante desse poder invasor tremendo que parecia dominado e movimentado por uma força infernal, a Espanha ― que era uma nação católica antes disso, uma nação ocupada por um povo do qual descendem em parte os espanhóis de hoje, o povo Visigodo, [e] também por Romanos ―, a Espanha que era um conjunto de reinos importantes daquele tempo, foi recusando, recusando, recusando [os maometanos] e se formaram dois tipos de católicos: uns que diziam: “Nós vamos lutar até o fim e ainda que nos restem apenas – eles vinham do sul, vinham do Mediterrâneo – ainda que nos restem apenas no norte da Espanha alguns rochedos junto ao mar sobre os quais nos apinhamos para resistir, nós resistiremos, porque esperaremos que a Virgem Santíssima nos ajude e nos dê a vitória. Mas ainda que assim não seja e que os misteriosos desígnios de Deus sejam outros e que o último espanhol combatente morra caindo no mar por uma pancada por um golpe dos maometanos malditos e seu sangue tinja o oceano, esse sangue levará a todas as partes da Terra esta mensagem: «A Espanha acabou com dignidade e fé»”.
Que linda morte essa do último combatente, no último rochedo, que leva uma espadagada [que] lhe racha a cabeça, cai no mar, as ondas o envolvem, seu sangue tinge o mar, mas fica escrito na História: “Se a Espanha acabou, ela acabou com esplendor!” Esse rochedo, no futuro, será objeto de peregrinações do mundo inteiro. Aqui morreu um herói. É ou não é verdade que no momento auge da tragédia, no momento de cair no mar e entregar a sua vida a Deus, esse herói poderia dizer: “Bendito o dia que me viu nascer. Benditas as estrelas que me viram pequenino. Bendito o momento em que minha mãe disse: Nasceu um varão”.
Nossa Senhora de Covadonga na Gruta de Covadonga |
Na realidade, Deus tinha outros desígnios sobre a Espanha. Os espanhóis fortes, valorosos, foram recuando, recuando, recuando até uma gruta chamada Covadonga. Ali tiveram uma aparição, a própria Nossa Senhora apareceu a eles e disse: “Coragem, porque eu agora vou ajudar a reconquista, comecem! Sois poucos, sois entretanto corajosos, vós não temeis de dar a vossa vida por mim, porque eu vos dei coragem, inspirei, obtive as graças da coragem e do heroísmo do Divino Espírito Santo, vós sereis cheios de coragem, ireis de burgo em burgo, de campanário em campanário para obter, para reconquistar para a Espanha tudo o que Eu perdi”.
Foram – não se espantem – novecentos anos de luta. Ao cabo de novecentos anos de luta naturalmente várias gerações se revezaram de pai para filho, neto, bisneto, novecentos anos! Os senhores já pensaram, é o que separa nosso século do ano mil, é uma coisa espantosa! Nós estamos quase no ano dois mil, e são novecentos anos, é quase isso. De geração em geração de heróis foram pondo fora, pondo fora os mouros até que restava na Espanha apenas um pequeno reino árabe, um pequeno reino maometano em torno da cidade lendária, fabulosamente bonita de Granada.
Em Granada havia um rei, mas Deus tinha castigado os maometanos e eles perderam a força de impacto com que invadiram a Espanha e aos poucos foram se tornando moles eles e heróis cada vez mais nós, de maneira tal que eles foram gradualmente sendo expulsos da Espanha e paralelamente os heróis da reconquista portuguesa foram expulsando os mouros do território português. Restava apenas esse pequeno reino. E esse rei, esse último rei mouro da Espanha parecia ter recolhido em si a poltronice de todos os que o antecederam. Ele tinha contra si como batalhadora uma dama, a Rainha Isabel, a Católica, casada com um batalhador verdadeiro, ela era rainha de Castela e era casada com o Rei de Aragão, dois reinos espanhóis, Dom Fernando. O Papa deu a esses dois batalhadores um título lindo que ficou depois para todos os reis da Espanha: “Rei Católico”. E quando se falava com eles, não se dizia – com eles e os continuadores – “Vossa Majestade”, dizia-se “Vossa Majestade Católica”. Como prêmio dessa força de alma, são heróis.
O rei mouro se chamava Bohabdil. Quando ele se viu cercado, ele não teve coragem de resistir e fez um tratado qualquer com os reis católicos pelos quais ele entregou Granada e o poderio mouro caiu no chão, ficaram expulsos da Espanha e a realidade é que deram a ele o direito de sair com os seguidores dele rumo a uma outra parte da Espanha, depois rumo à África. Na África estavam os mouros ainda. Quando ele chegou no alto da montanha como rei vencido de um povo derrotado, ele chegou no alto da montanha, ele voltou para trás e olhou mais uma vez para Granada, e vendo a cidade linda, com seus palácios, suas mesquitas, sua formosura, ele chorou. Então a mãe dele que era uma mulher que tinha fibra, disse a ele: “Meu filho, chora agora como mulher o reino que não soubestes defender como homem”.
Francisco Pradilla: La rendición de Granada (1882). Palacio del Senado, Madrid |
* Havia dois filões entre os espanhóis da época da Reconquista: os heróis e os “mozárabes”
De fato, os reis católicos, antes deles o Cid Campeador, esta longa linhagem de batalhadores que expulsaram os mouros da Espanha, o que é que fez? Eles lutaram apenas contra os mouros? Não. Houve uma particularidade e sobre esta particularidade eu quero chamar a atenção dos senhores.
Os católicos logo no começo da conquista moura se dividiram. Uns achavam que era preciso ir continuando a combater. Outros achavam que: “Não, deixa disso! Nós vamos tratar com os mouros e eles vão nos dar o direito de praticar a religião em nossas casas. Nós não vamos poder ter igrejas. Se tivermos serão muito poucas para poder realizar o culto em algumas ocasiões e mais nada. Mas é tão bom! Nós continuaremos a viver no meio deles, eles são ricos, eles trazem dinheiro, ganham dinheiro, nós vamos ser os servidores deles. Curvamo-nos a eles, é verdade, mas salvamos a vida e continuamos a levar assim a nossa vidinha”.
Uns entendiam a Fé como um heroísmo e outros entendiam a Fé como uma “nhonhozeira”, como uma entrega de pontos, como levar uma vida obscura, uma vida sem ideal, com tanto que se coma, beba e durma e reze um pouquinho, Deus está bem servido e Deus que se arranje como quiser.
Não sei se os senhores notam a linha do católico com heroísmo – Cid Campeador, Fernando e Isabel – os católicos sem heroísmo são os que [se] chamam mozárabes, passaram para a história com o nome de mozárabes, são os católicos servidores dos árabes, que aceitam de bom grado a condição inferior, aceitam a perseguição, aceitam o policiamento contínuo, os ultrajes nas ruas. Se um maometano [os] ultrajasse eles não podiam responder porque eles eram os inferiores, eram católicos sem-vergonhas, não se incomodavam, desde que pudessem chegar em casa para comer e jantar estava tudo bem arranjado. Era um outro filão.
Qual dos filões os senhores preferiam para si? Eu creio que os senhores sentiriam injuriados se eu dissesse: “Eu desconfio que a sala aqui se divide em duas alas. Uma delas, que eu não vou apontar qual é, é dos católicos mozárabes. Aquela outra é dos discípulos do Cid Campeador, do grande rei herói português da luta de reconquista, o Bem-aventurado Nuno Alvares Pereira”. Bem, por quê? Porque os senhores sentem que é uma diminuição, que é um ultraje.
* Em um mundo inteiramente hostil à Religião, um menino sustenta com firmeza sua Fé
Ora, vamos deixar a história para trás, vamos deixar para trás os períodos de Cid Campeador. Vamos deixar tudo de lado e vamos passar para São Paulo em concreto. Para a cidade onde nós vivemos, onde nós estamos. Cidade fundada pelo Bem-aventurado José de Anchieta nos remotos tempos coloniais, que se desenvolveu aos poucos como um burgo no meio das dificuldades, dos problemas, das lutas, afirmou-se como uma cidade e que já no ano de 1928 era uma grande cidade industrial e depois cresceu tanto que é o maior centro industrial da América Latina. Esta cidade se chama São Paulo.
Os senhores imaginem a cidade de São Paulo vivendo como já vivia naquele tempo. Isso de lá para cá só tem feito acentuar-se cada vez mais, vivendo numa atmosfera de gozo e de prazer, muito mais ainda naquela época do que na nossa, porque naquela época a vida era mais larga, a vida era mais rica, tinha havido menos guerras, tinha havido menos crises e tudo corria melhor. Então os senhores imaginem a cidade de São Paulo menor, é verdade, mas quase sem poluição, limpa, de comunicações fáceis, de casas que equivaliam a verdadeiros palácios pertencentes aos fazendeiros do interior, a cidade não estava dividida em bairros operários e bairros de proprietários, mas todas as classes sociais estavam misturadas e as famílias mais ricas que moravam no meio dos operários, protegiam-nos, davam dinheiro, porque elas tinham muito dinheiro, tinham uma tradição portuguesa de amor ao próximo, de bondade, de bom coração, espalhavam por todo o lado sua proteção e assim vivia na concórdia a cidade de São Paulo.
Na classe rica, sobretudo entre os moços, uma atmosfera de euforia, de prazer, de otimismo, de diversão, todos os moços com automóveis, voando de prazer em prazer. As moças, toda uma vida social intensa, alegria de todo o lado. Por que razão?
Houvera a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Terminada a Guerra Mundial, uma cicatrização e um nascimento de vida em toda a parte e a alegria de viver. [Em] 1928 ―, há dez anos que tinha começado a cicatrizar ―, tinham acabado de cicatrizar as desventuras da Primeira Guerra Mundial. São Paulo estava em plena euforia.
Nessa São Paulo em plena euforia, havia um menino e um menino colocado pela Providência no próprio foco dos prazeres. Quer dizer, vivendo num ambiente muito abastado, rico, onde tudo era prazer, onde tudo era alegria, onde tudo era divertimento, onde muita coisa era pecado. Onde se tinha como certo que um homem católico era uma vergonha. Que a religião era coisa para mulher, homem não devia ser católico, homem deveria ser ateu e essa era a posição própria do homem. E que o homem que não fosse ateu era um maricas, um efeminado, era um homem ao qual não se deveria dar atenção. Todos fugiam dele, davam risadas, apontavam:
– Fulano, não é verdade que você reza?
– É.
– É verdade que você é contrário à igualdade absoluta das fortunas, à igualdade absoluta das condições sociais?
– É, eu sou a favor da hierarquia social harmônica e bem ponderada.
– Uuuhhh!
– Não, vem cá, eu vou discutir com você. Você vai me dizer: Você é ateu? Por que é que você é ateu? Eu vou te explicar por que eu sou católico. Vem cá, vamos formar uma roda aqui e vamos discutir diante da roda. A roda depois vai dizer quem de nós tem razão. Não fuja não, venha aqui, não tem pretexto. Você está caçoando de mim? Eu vou caçoar de você, venha cá!
Comentário dos outros: “Intransigente! Intolerante!”
Mas, como intolerante?! Eu vou tolerar que ele me diga desaforos, que ele ria de mim? Eu não permito!
Eu conheci de perto esse menino e ele me fez muitas confidências. Esse menino era tão hostilizado por outros meninos, tão combatido por outros meninos que um dia, por exemplo, passando no recreio do colégio dele, tomou uma pedrada aqui nessa parte do crânio [têmpora] que é particularmente mole, jogada com uma mão anônima com toda a pontaria e feita a coisa de tal maneira que esperavam que machucasse muito a ele. Ele espontaneamente olhou para o lado de onde vinha a pedra e viu de longe um grupinho que sem olhar de frente, dava risada. Eles tinham atirado a pedra e tinham escondido a mão. Era o símbolo [do] que aconteceria no longo futuro que o esperava. A pedra, a calúnia, a mentira, a “máfia”, quer dizer, a calúnia que se espalha de um para outro, de um para outro mas escondida de maneira que nunca se agarra o homem e quando se agarra ele vem com publicidade, ele vem [com] partidários; isto aconteceu mais de uma vez a esse menino.
Vinha um grupo:
– Agora apareceu um que sabe discutir com você. É esse.
– Pois não, prazer em conhecê-lo. Quais são seus argumentos?
– Ah, eu tenho…
– Está bom, dê, vamos conversar.
Bom, como o católico é quem tem razão, em pouco tempo a argumentação do outro estava…
Esse menino foi se tornando mocinho, ele passou pela idade que os senhores têm hoje e ele se matriculou na Faculdade de Direito de São Paulo, com dezesseis anos.
* A perseguição da sociedade contra quem quisesse praticar a castidade
Um outro elemento de combate tinha aparecido e era o problema da castidade. O que circulava na generalidade dos moços do tempo, era que o rapaz puro, que guarda o sexto Mandamento da Lei de Deus – que diz: “Não pecar contra a castidade” – e segundo o qual o homem que pratica o ato solitário ou com outra pessoa do outro sexo, comete um pecado mortal, esse Mandamento impede o homem de praticar o ato sexual antes do casamento. Quando é para o casamento, no casamento está bem. Antes disso, não pode.
E esse menino, esse mocinho tinha guardado a castidade e pretendia guardá-la. Mas ouvia contar de cá, de lá e de acolá, com certeza faziam chegar aos ouvidos dele, o que acontecia com os que guardavam a castidade. Primeiro eles espalhavam uma calúnia entre os rapazes – os mais velhos não iam dizer uma bobagem dessas – mas espalhavam uma calúnia entre os rapazes: “Que a castidade tornava o homem tuberculoso e que todo o homem que praticasse a castidade, quando chegasse assim pelos trinta anos, ficava tuberculoso e morria. Porque era uma coisa que debilitava o corpo”. Uma estupidez que não tem o menor fundamento. O menino pensava de si para consigo: “Se fosse assim, como é que existe tanto padre velho andando pela rua?”
Olhava para – as revistas publicavam às vezes, álbuns a gente via de cá, de lá – fotografias assim em série dos últimos Papas. Todos homens de mais de 60 anos, 65 anos para fora. Como é esse negócio, eles não praticaram a castidade? Praticaram. Não ficaram tuberculosos, como é que vem essa patota? Depois, eu não posso compreender que o domínio sobre o seu próprio instinto prejudique a respiração, uma coisa não tem nada que ver com outra, que besteira é essa? É uma das mil besteiras deles, não ligo.
Outra calúnia: “O homem não consegue praticar a castidade. Quando consegue, é deformado”. Ora, cada um sabe de si. Esse menino não tinha razão para duvidar de sua inteira normalidade física. Ele pensava: “É uma outra besteira”.
Mas ele sabia bem que o mundo armado em torno dele percebia que ele não ia a casa de tolerância. Porque São Paulo era pequena, o número de casas de tolerância para rapaz rico eram poucas. Os rapazes ricos eram pouco numerosos, se encontravam todos numa noite, noutra noite se encontravam todos lá, ele nunca aparecia. Por quê? Os primos dele em cuja companhia ele vivia, iam a essas casas. Por que é que ele não ia? Porque ele está com os primos noite e dia em todos os locais. Quando chega nessa hora ele não está? O que é que há com ele? Depois, é esquisito, porque ele vai sempre à Missa, ele reza, ele comunga às vezes. Quem é esse rapaz?
Contavam o caso – são casos verdadeiros que eu tive a ocasião de comprovar – contavam o caso de pais que ficavam receosos porque viam que o filho ainda era puro e contratavam com os amigos do menino para o levarem à força à casa de tolerância, e para armar o caso eles davam uma festa em casa, por exemplo, quando o menino fazia anos, e recomendavam para o menino: “Convide todos os seus amigos”. Iam todos, porque convidar para comer, beber, ir para uma festa, todo mundo vai. Não é difícil.
O pai combinava com uns quatro ou cinco valentões: “Quando terminar, vão todos para a casa de perdição e se ele não quiser ir, como pretexto de brincadeira, amarrem e levem. Mas eu quero que essa noite, meu filho fique impuro”. E naquela noite levavam o coitado para a casa de perdição, ele não tinha coragem, era um poltrão e chegava naquele ambiente, não é dizer que ele tinha medo de tiro, que ele tinha medo de derramar sangue. Ele tinha medo de gargalhada geral da cidade de São Paulo, se ele não pecasse.
* A entrada na Faculdade de Direito
E contavam, contavam que o trote era uma ocasião para quando algum rapaz entrava puro na Faculdade, levá-lo para a impureza. Por quê? Os senhores sabem o que é um trote ainda hoje em dia ou não? Trote é uma festa na rua onde se debica, fazem brincadeiras, etc., etc. E quando termina, pegam o pessoal e levam todos para casa de impureza; bem, a casa de perdição. E diziam que quando um estudante que entrava – chamava-se calouro o estudante do primeiro ano – o estudante que entrava não tinha, ainda era puro, eles levavam para a casa de perdição. Está bem. Se ele de medo de ser levado à casa de perdição não fosse ao trote, ele tinha um trote sozinho e pior do que todos os outros, de maneira que era melhor ele ir ao trote.
Faculdade de Direto do Largo São Francisco, década de 1920 aprox. |
E esse rapazinho de dezesseis anos pensava o seguinte: “É uma indignidade fazer parte do trote. É uma coisa vil aparecer semi-nú, com o corpo pintado com cores ridículas. Com uma orelha de burro posta de cada lado e tomando pontapé e brincadeira diante de todo o mundo da rua, que pára para dar risadas. Esse trote… Eu não [me] submeto a esse trote porque eu sou criatura humana e sou católico, apostólico, romano. Eu não vou! Bem, e se depois eu não apareço no trote e apareço pela primeira vez na Faculdade de Direito, vão [me apontar] entre os calouros” ― todo mundo se conhecia ― “Aí está chegando o Plinio”.
O menino se chamava Plinio… “Aí está chegando o Plinio, então agora vamos fazer um trote tremendo contra ele”. Eu de propósito não fui à aula durante todo o tempo do trote.
Acabou o trote, eu fui à aula pela primeira vez sentindo o coração batendo dentro da garganta. “O que vai acontecer? Eu não sei, Nossa Senhora me ajudará”.
Entro na Faculdade com passo firme e perguntei para um bedel: “Onde é a aula do primeiro ano?” Ele me disse: “Lá no fundo”. Eu tinha que atravessar toda a Faculdade, estava cheio de estudantes – a hora de aula – tudo cheio de estudantes e eu fui entrando e alguns me reconheceram em vários lados, mas eram conhecidos meus, mais velhos do que eu, mas conhecidos meus do tempo do colégio, uma coisa e outra. Um até era especialmente amigo meu, mas por estupidez, sei lá porque começou a gritar. Era um modo de dar a entender que tinha aparecido um calouro que não tinha levado trote. O jeito de fazer: “Calolololouro”, era o modo de dar a entender que tinha um.
Esse bobo fez isso: “Calololouro”, e olhando para mim e sorrindo. Eu disse: “Eu posso fazer a ele um sinal para ficar quieto, [mas] dou sinal de medo. Se eu der sinal de medo, eles pulam em cima de mim. Eu não posso nem andar depressa, eu vou andar devagar, vou sorrir para aquele animal lá, como se eu estivesse inteiramente à vontade e vou para a aula”. Felizmente eu cheguei até a porta da aula. Cheguei, abri e entrei. A aula já tinha começado. Sentei-me e … Ah! com olho – eu estava perto da porta – com olho e com o ouvido, muito mais o ouvido para ver se havia alguma barulheira [de] que estavam preparando o trote contra mim.
A mão de Nossa Senhora pousava sobre os meus caminhos. Saí e olhei. Estava todo mundo parado, conversando. Os rapazes fumavam muito naquele tempo. Muitos fumavam, outros estavam em rodinhas, o pátio cheio. Está bom. Eu vou atravessar e sair. Vamos ver no que é que dá. Fui, passo a passo, passo normal, alguns eu conhecia, eu cumprimentava assim de longe ou de perto. Alguns eram mais conhecidos. Parava, apertava a mão, conversava um pouquinho e cheguei até o outro lado. Ninguém gritou “calouro”. Eu pensei… eu pensei: “Por hoje foi! Será que amanhã eles não vão preparar uma? E eles não me pegaram hoje para poder organizar uma amanhã? Uma para escangalhar?”
Bem, no dia seguinte voltei. Era preciso enfrentar. Não adiantava mais fugir, era preciso. Está lá o touro, vamos por cima dele. Apareci, entrei, eles os mais bonachões possíveis. Daí continuei a ir todo o dia, todo o dia… calma. Eu disse: “Ah bom, então agora o terreno se verifica mais mole do que eu supunha. É preciso passar à contra-ofensiva. Eu vou começar a procurar gente que talvez seja casta, que talvez tenha fé, para formarmos uma rodinha de rapazes bons que começa agora a provocá-los”. Não dizendo desaforos, nada disso, mas afirmando a nossa posição. Passei dois anos inteiros sem encontrar nenhum, mas absolutamente nenhum. Numa Faculdade que era a mais numerosa de São Paulo.
* A contra-ofensiva: fundação da “Ação Universitária Católica”
No terceiro ano entram alguns, então já bem mais moços do que eu, seriam “enjolras” [1] – não se usava ainda o termo, “enjolras” – que eu vejo, mais mocinhos, e que eu vejo com o distintivo de Congregado Mariano. Eu não os conhecia. Mas eu também usava o distintivo. Fui, procurei por eles:
– Salve Maria!
– Ah, Salve Maria! Então, você é Congregado? Onde é?
Manifesto de lançamento da “Ação Universitária Católica”(clique sobre a imagem para vê-la em tamanho maior) |
Eles, contentíssimos de encontrar um mais velho que lhes servisse de âncora. Em pouco tempo éramos cinco. Então fundamos uma organização chamada “Ação Universitária Católica” – pelas letras iniciais: “AUC” – que tinha por finalidade fazer propaganda católica na Faculdade de Direito de São Paulo [2]. Os senhores sabem que na Faculdade de Direito de São Paulo os alunos constituem um centro acadêmico chamado “Centro Acadêmico 11 de Agosto”. Antigamente era muito conhecido, hoje eu não sei até que ponto é conhecido, mas ainda existe. Esse centro congregava todos os estudantes e todo o fim do ano havia uma eleição para designar quem era o presidente do centro para o ano que vem. E eu me perguntava: “Esses cinco congregados, o que é que devem fazer para provocar essa gente?” Primeiro, fazer uma revista católica. Imprimir para estudantes de direito. E como eu sentia em mim o mesmo medo que eles de lançar a revista, que era daí vir um avanço [sobre nós], eu pensei: “O medo só se combate pelo exercício da coragem. Minha obrigação é dar exemplo da coragem a esses mais moços do que eu. Eu vou ficar na porta da Faculdade e distribuir a revista”.
Cheguei lá, com um maço de revistas. Peguei, e a todos que iam chegando, eu ia entregando uma revista, com coisas católicas, etc., etc., e uma explicação: por que estudantes católicos na Faculdade de Direito e como é que era, como nós entendíamos, etc. Eu pensei: “Dessa vez o touro desata”. Mas eu tinha [aprendido] uma lição: “Quando a gente é mole como o Boabdil a gente apanha, mas quando a gente é seguro, tem o olhar duro, o passo firme e a presença de ombros largos, o adversário recua”. E então eu vou me apresentar na porta da Faculdade com toda a naturalidade: “Olhe aqui, uma revista católica de estudantes para você. Aqui seus colegas católicos estão dando para você uma revista”.
Era tal o choque que alguns pegavam e não diziam nada. Outros diziam: “Muito obrigado!” Nenhuma revista ficou jogada no chão. Não saiu vaia, não saiu nada. Eu creio, não me lembro bem, que nós tiramos dois ou três números desta revista esse ano. Mas aí eu me punha outra pergunta: “Agora que nós estamos instalados como um ninho de metralhadora dentro da Faculdade, qual é o efeito que isso causa?”
* Prestígio de que gozava a “AUC” entre os que não tinham coragem de manifestar sua simpatia – as eleições para o Centro Acadêmico 11 de agosto
Lá pelo mês de outubro, mais ou menos, setembro não me lembro bem, eu percebo [que] os candidatos a presidente do Centro Acadêmico 11 de agosto – eram três, de correntes opostas – começavam a me saudar de modo mais amável, de modo mais gentil. Paravam na rua para falar comigo, etc. E um dia [um] me abordou e disse:
– Olha aqui, eu quero que você me garanta o eleitorado que é simpático a vocês, sem pertencer ao grupo de vocês. Há muito indivíduo que não tem coragem de pertencer ao grupo de vocês, mas que é simpático a vocês. E se você me garantir o voto desses, é um fator muito favorável à eleição. E eu então quero que você me garanta que vota em mim.
Eu percebi e [pensei]: “Agora, esse peixe eu não vou vender barato”. Eu disse a ele:
– Fulano, eu tenho que ser neutro entre os três candidatos. Para eu optar por você, tem que me dizer o que é que você oferece, para eu ouvir os três outros candidatos para ver se oferecem a mesma coisa ou coisa melhor.
Ele me disse:
– Bem, o que é que eu ofereço. Você diga o que você quer.
Eu disse:
– Eu quero uma bonita carta de elogio à “Ação Universitária Católica” – ele não se incomodava com a Religião Católica nem nada – uma bonita carta de elogio e uma garantia de que, quando eu quiser, o Centro Acadêmico 11 de agosto passe um telegrama ao Presidente da República manifestando-se contra o divórcio, a favor do ensino religioso – nas escolas públicas naquele tempo não havia, não se falava de religião – e capelães nos quartéis e nas prisões. Se você der isso, eu vou ver se os outros dão mais.
No dia seguinte, uma carta! Eu procurei os outros dois:
– Olhe, Fulano está oferecendo isso. Agora se você é contrário a isso, eu vou avisar a todo mundo que é simpatizante a você que não vote em você.
– Não, deixe aqui essa carta que eu copio.
– Está bem.
No dia seguinte, as três cartas. Mas aí eu percebi uma coisa que eu não tinha percebido e que me serviu de lição a vida inteira, e que eu conto aos senhores para que lhes sirva de lição para a vida inteira também. Como havia aquela pressão contra nós ― não ousavam atacar, mas o público todo fazia, vivia, de modo diferente do nosso, era diferente de nós ―, os que eram simpáticos a nós não tinham coragem de [o] dizer, mas havia muito simpatizante nosso que no silêncio nos apoiava e as raposas dos outros [o] sabiam porque viviam no meio deles, viam qual eram as conversas deles e, quando nós não estávamos presentes, como alguns, muitos, se diziam simpáticos a nós.
Está bem claro isso ou não? O membro da TFP em toda a parte onde está [e] sente a oposição, esteja certo que em meio dos que estão quietos, há muitos que simpatizam com ele e que esta é a verdadeira força dele, portanto, coragem! Não tenham medo do isolamento porque há gente quieta que na hora “H” está do nosso lado.
As eleições se deram, eu deliberei: “Votem em quem quiserem”. Em qualquer caso íamos vencer.
* A missa de formatura no próprio pátio da Faculdade de Direito
Bem, chegou a formatura e a comissão da formatura que por causa desse boicote nunca iria me procurar para participar da comissão, veio muito amável, antigo colega do tempo de menino, etc.: “Plinio, a comissão queria sugestões suas a respeito da parte religiosa da formatura”.
Eu disse: “Eu dou para vocês a sugestão magnífica. Vamos fazer a Missa de formatura não na Igreja, mas dentro da própria Faculdade de Direito. E eu arranjo para vir pregar aqui o pregador mais célebre do Brasil, um grande escritor Jesuíta, Pe. Leonel Franca, um baiano, para vir pregar aqui na Missa de formatura. Vai ser uma missa de formatura célebre”.
Eles concordaram, com pasmo para mim. Quando no dia da formatura eu entro no pátio, o que é que eu percebo? Foi a maior surpresa de minha vida de estudante. Eu encontro uns estrados em torno de todo o pátio com umas cadeiras [solenes], [e] todos os professores da Faculdade com beca para assistir à Missa. E alguns – mais ainda pasmo – com um rosarinho na mão. Na hora da comunhão, eu me levantei para comungar. Eu pensei que era só com mais um ou dois. O pessoal da “Ação Universitária Católica”, é claro. Levanta-se uma onda de rapazes da minha turma para comungar também. Não sei em que condições. E a festa de formatura foi uma festa com um sinal católico como nunca houve antes.
* Muitas vezes, o maior heroísmo consiste em não ter medo da gargalhada
Depois veio uma vida que até o momento, até o momento, já durou enormemente: 78 anos. Eu não posso contar aos senhores 78 anos numa noite. Já contei demais. Eu contei a parte relativa à situação em que os senhores estão.
Houve heroísmo nessa vida? Houve. No que constituiu esse heroísmo? Em não ter medo da gargalhada. Em não ter medo de risada, em não ter medo de caçoada. Enfrentar a caçoada é uma coisa que vale mais do que enfrentar tiro. É mais herói quem enfrenta uma gargalhada do que quem enfrenta uma lança.
Eu vou dar aos senhores uma prova. Vem uma guerra, o país convoca todo o mundo para ir às armas. Os senhores sabem que os rapazes convocados que não vão são tidos como traidores e objeto de escárnio geral. De maneira que os rapazes vão para a frente. Os senhores acham que se não fosse esse escárnio iam todos combater? Que eles podendo ficar em casa, comendo, bebendo, dormindo comodamente, muitos dos que fossem combater a certa altura não voltavam para a casa dizendo: “Isso aqui… está muito pau aquela guerra. Eu vou levar a minha vidinha em casa”? Eu estou certo disso, de que muitos fariam isso. Por que não fazem? Eles enfrentam a bala para não ter que enfrentar na retaguarda a gargalhada.
Os senhores, nesta semana de estudos, nesse encontro foram chamados para isso. Os senhores foram chamados para esta forma de heroísmo, não tenham medo da gargalhada, enfrentem a gargalhada. Não acreditem nos grandes ares do adversário, mas pelo contrário, para frente! Fortes, corajosos, não acreditando no bluff deles. Tudo deles é bluff. Vão para frente! Corteses como um cavaleiro dever ser. O cavaleiro nunca é uma besta fera, nunca é um dizedor de insultos, mas é um homem que sabe dizer as verdades, que não tem medo de dizê-las e que de modo cortês mantém o seu ponto de vista. “Vem cá e explique, eu quero saber”.
* “Quem é herói até o fim, esse vence sempre porque ganhou a grande batalha contra si mesmo”. Mas sem a graça de Deus isso não é possível
Se os senhores, com a graça de Nossa Senhora, cumprirem esse programa durante toda a sua vida… Eu não sei quanto tempo de vida Deus destina a cada um dos senhores, a gente lá pode saber quanto é o tempo? Quem sabe quanto tempo vai viver? Ninguém sabe, mas eu sei de uma coisa: que se os senhores morrerem tendo vivido assim, os senhores estarão no direito de dizer: “Bendito o dia que me viu nascer, benditas as estrelas que me viram pequenino, bendito o momento em que minha mãe disse: ‘Nasceu um varão'”.
Bem, há uma coisa que é certa. Os senhores morrerão como vencedores, porque quem é herói até o fim, esse vence sempre porque ganhou a grande batalha contra si mesmo. Todos nós temos dentro de nós um poltrão e um herói. É preciso que o herói sapeque o poltrão!
Mas para isso eu, por exemplo, não teria forças suficientes e nenhum homem tem força suficiente senão é a graça de Deus. Não tem, é inútil. Eu me lembro bem o que isto me custou em mil circunstâncias e posso lhes garantir que eu teria ruído miseravelmente se não fosse a graça de Deus.
* O encontro do Prof. Plinio com Nossa Senhora. “Fiz o propósito de, durante a vida inteira, pedir o auxílio dEla. Até hoje realizei esse propósito. Realizem esse propósito e os senhores serão heróis”
Imagem de Nossa Senhora Auxiliadora – Santuário do Sagrado Coração de Jesus – São Paulo |
Mas houve uma ocasião na minha vida, eu tinha dez anos ou onze, em que estava numa situação sumamente difícil e numa hora de apuro. Eu rezei ocasionalmente diante de uma imagem – alva como a neve – de mármore branco, da Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Era Nossa Senhora, na mão esquerda com o Menino Jesus e Ela, na direita, um cetro. E pegando o Menino Jesus como se pega um filho. O cetro como a Rainha pega um cetro, ou um general pega um bastão de comando. Com a coroa na cabeça, como Ele também, e com ligeiro sorriso. E no meio do meu apuro, eu – não é dizer que eu tive a impressão de que Ela estava sorrindo, mas é uma coisa que eu não sei explicar como –, eu tive a impressão de que Ela sorria para mim, não fisicamente, não foi uma visão. Eu sabia que aquela imagem era de pedra e que não se move. É uma impressão que no olhar morto da imagem havia uma luz para mim e que nos lábios parados da imagem, havia o sorriso para mim. E eu compreendi bem que aquela era a minha Mãe por excelência, mais do que ninguém. Mais do que a minha própria mãe a quem eu me refiro no momento, com tanto afeto e com tanto respeito. Mas, mas, o fato é que Ela era mais minha mãe do que ninguém.
E eu tinha aprendido uma oração – “Salve Rainha” – e eu pensei que “salve” queria dizer “salve-me”. De fato isso não é. “Salve Rainha”, “Salve” é uma palavra latina que quer dizer: “Eu vos saúdo”. Mas eu que estava precisando de quem me salvasse, entendi que queria dizer “salve”. E rezei a “Salve Rainha” com toda a minha alma e tive a impressão de que Ela ainda sorria mais para mim, e fiz o propósito de durante a vida inteira, pedir o auxílio dEla. Até hoje realizei esse propósito. Realizem esse propósito e os senhores serão heróis.
Eu pensei que terminava agora, mas eu estou vendo que há umas lembranças para distribuir. Vamos começar. Eu teria falado menos se eu soubesse que havia…
Bom, então meus caros…
NOTAS
[1] “Enjolras” – Expressão interna na TFP para se referir aos juveníssimos.
[2] Nossos visitantes poderão encontrar variadas matérias publicadas pelo “O AUC” clicando aqui.