Sede São Milas, sexta-feira, 15 de junho de 1973 – Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de exposição verbal do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, e não passou por revisão do autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.
Eu encontro aqui como ficha para o Santo do dia um extrato do livro “Las aventuras de don Bosco: Bajo el reinado de Pio IX“, de Hugo Wast.
”Que estupor do mundo ímpio, que sarcasmos para o Papa que no momento em que se abriu os abismos diante de seus passos de rei temporal, se entregava a questões de pura teologia. Mas um Papa é teólogo antes que rei e quando pronunciou essas memoráveis palavras que encheram a cúpula de São Pedro, a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, um raio de sol passando através de uma janela aberta iluminou o rosto resplandecente como o de Moisés no alto do Sinai. Troou, como nos seus melhores dias, o canhão do castelo de Santo Ângelo; os infinitos campanários em Roma proclamaram a notícia e Roma se iluminou nessa noite e milhares de cidades do mundo inteiro imitaram, e milhões de almas festejaram a glória de Maria em quem Deus pôs a plenitude de todos os bens, segundo as ternas palavras de São Bernardo, de tal maneira que se há em nós alguma esperança, algum favor, alguma salvação, devemos saber que de Maria nos vem, porque essa é a vontade [de Deus] que quis que tudo tenhamos por Maria”.
Este trecho de Hugo Wast se refere a um dos fatos culminantes do pontificado de Pio IX. Os senhores sabem que Pio IX teve um pontificado extremamente longo e se não me engano até, o pontificado dele foi mais longo que o de São Pedro e que foi um pontificado dividido por duas partes bem distintas. Na primeira parte, – foram nos primeiros meses do pontificado dele, – o Papa tinha uma formação liberal, e por causa disso ele favorecia o liberalismo nos Estados Pontificados, que era um conjunto de feudos medievais que tinham Roma como capital e nos quais o Papa era rei.
Depois, houve uma revolução e isso abriu os olhos do Papa. Ele teve que fugir dos Estados Pontifícios, refugiou-se no território do antigo reino de Nápoles, que era fiel, então, a ele e que constituía a parte sul da península italiana. E ali então, ele considerando bem o que era a revolução, mudou de orientação e passou a ser um dos Papas mais contra-revolucionários da história.
E dois atos particularmente contra-revolucionários dele foram: a definição do dogma da Imaculada Conceição e, mais tarde, a definição do dogma da Infalibilidade Papal. Aqui, este trecho do Hugo Wast, trata especialmente da definição do dogma da Imaculada Conceição.
Havia duas notas particularmente contra-revolucionárias na definição desse dogma. Como os senhores sabem, o dogma ensina que Nossa Senhora foi concebida sem pecado original, desde o primeiro instante de seu ser. O que quer dizer em palavras diversas o seguinte: que Ela em nenhum momento teve nenhuma nódoa do pecado original. A lei inflexível pela qual todos os descendentes de Adão e Eva, até o fim do mundo, teriam o pecado original, essa lei se suspendeu no que diz respeito à Nossa Senhora e naturalmente ao que diz respeito à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.
De maneira que Nossa Senhora não ficou sujeita às misérias a que estão sujeitos os homens. Nossa Senhora não ficou sujeita aos maus impulsos, às más inclinações, às más tendências que os homens tem. Tudo nEla corria harmonicamente para a verdade e para o bem; tudo nEla era o movimento contínuo para Deus. Nossa Senhora era o exemplo perfeito da liberdade, nesse sentido da palavra, que tudo quanto a razão iluminada pela fé lhe indicava, Ela queria inteiramente e Ela não encontrava em si nenhuma espécie de obstáculo interior.
A graça, por outro lado, acumulava, Ela era cheia de graça. De maneira que o ímpeto com que todo o ser dela se voltava para o tudo o que é verdade, tudo o que era bem, era verdadeiramente indizível.
Ora, ensinar que uma mera criatura humana como foi Nossa Senhora, – Nosso Senhor Jesus Cristo não foi uma mera criatura humana, era a natureza humana ligada à natureza divina formando uma só pessoa – mas uma mera criatura humana como Nossa Senhora, tivesse esse privilégio extraordinário, isso era fundamentalmente anti-igualitário. E definir esse dogma era definir uma tal desigualdade na obra de Deus, uma tal superioridade de Nossa Senhora sobre todos os outros seres, que evidentemente haveria de fazer espumar de ódio todos os espíritos igualitários.
Mas havia uma razão ainda mais profunda para que a Revolução odiasse esse dogma e a razão era a seguinte: O revolucionário ama o mal, ele é um simpatizante do mal, ele tem alegria quando ele encontra em alguém um traço de mal; ele tem, pelo contrário, muito pesar quando ele vê uma pessoa em que ele não percebe um traço de mal. Porque ele sendo ruim ele sente simpatia com aquilo que é ruim e ele procura encontrar o mal em tudo. Ora, a idéia de que um ser pudesse ser tão excelsamente bom, tão excelsamente santo, desde o primeiro instante de seu ser, haveria de causar num revolucionário, evidentemente, ódio.
Os senhores imaginem a situação assim: um indivíduo perdido de impureza, um verdadeiro porco. Ele sente as inclinações impuras que o levam para todo lado, e sente naturalmente a vergonha, a depressão que essas inclinações impuras causam nele, máxime porque tem o consentimento dele, ele cedeu nisso. Evidentemente ele se sente todo deteriorado pela concessão que ele fez.
Agora, os senhores imaginem um homem desses considerando Nossa Senhora que não tinha nenhuma apetência para a impureza, que era toda Ela feita da mais transcendental pureza: ele sente evidentemente um ódio, uma antipatia, porque ele sente o seu orgulho esmagado pela pureza imaculada daquEla a respeito da qual ele está pensando.
Então, definir uma tal ausência de orgulho, uma tal ausência de sensualidade, uma tal ausência de qualquer prurido de Revolução neste ser privilegiado, era afirmar que a Revolução foi objeto de um tal repúdio da parte de Nossa Senhora, que realmente é uma coisa que a gente compreende que tem que doer e que tem que causar ódio aos revolucionários.
Então, desde sempre, dentro da Igreja, houve duas correntes. Uma corrente que combateu a Imaculada Conceição, e outra corrente que era favorável à Imaculada Conceição. Naturalmente seria um exagero dizer que todo mundo que combateu a Imaculada Conceição é porque estava trabalhado por pruridos revolucionários; mas é fato que todo mundo que estava trabalhado por pruridos revolucionários, combateu a Imaculada Conceição, de um lado. Agora, de outro lado, é verdade que todos aqueles que lutaram a favor da Imaculada Conceição, pedindo a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, neste ponto mostravam uma mentalidade contra-revolucionária.
De maneira que, de algum modo, a luta da Revolução e da Contra-Revolução estava presente na luta entre essas duas correntes teológicas. E por esta forma, nós podemos compreender que numa época em que a Revolução já andava deitando labaredas pelo mundo, houvesse quem ficasse indignado com a definição do dogma.
Mas havia outra razão ainda, que tornava odiosa para os liberais, a definição desse dogma. É que não tinha sido definido ainda o dogma da Infalibilidade Papal, e havia uma corrente na Igreja que sustentava que o Papa de si não era infalível, ele era infalível apenas quando definia algum dogma assistido pelo Concílio. E Pio IX, antes de definir o dogma da Infalibilidade Papal, pura e simplesmente fez uma consulta a uma série de teólogos, depois consultou todos os bispos do mundo e depois, por autoridade própria, fazendo uso da Infalibilidade Papal, definiu o dogma da Imaculada Conceição.
O que para um teólogo liberal era uma espécie de petição de princípios, porque se não estava definido que ele podia definir, como é que ele ia definir. E ele, pelo contrário, definindo, afirmava que tinha a Infalibilidade Papal.
Quer dizer, tudo isto foi um estalar de indignações do mundo revolucionário. Foi também um entusiasmo enorme no mundo contra-revolucionário. E por toda parte começaram a aparecer as meninas batizadas com o nome de Conceição, exatamente em louvor do novo dogma. De onde uma série de “Conceições” que se vieram multiplicando pelos tempos afora, cujo nome inteiro era “Imaculada Conceição de tal”, e que era a afirmação de que os pais consagravam aquela menina à Imaculada Conceição de Nossa Senhora.
Pio IX – bem diferente de alguém que depois lhe sucedeu – levou as coisas a tal ponto que durante o pontificado dele – isso eu vi na Suíça, – fez o seguinte: a capital do protestantismo europeu era a cidade de Genebra, na Suíça. Era o foco de todo o protestantismo – digamos, era o foco de irradiação da forma mais execrável talvez de protestantismo que era o calvinismo.
Por causa de modificações na legislação suíça, foi admitido que fosse construída uma catedral católica na cidade de Genebra no tempo de Pio IX. Quando Pio IX soube disso, mandou dizer que ele mandava de presente a imagem, e a imagem era uma imagem da Imaculada Conceição, para ficar posta no centro de Genebra, para afirmar e proclamar esse dogma que os calvinistas, os luteranos e os protestantes todos odiavam mais do que tudo. De tal maneira Pio IX conduzia a luta contra a Revolução no tempo dele e no pontificado dele.
Aqui contam um fato muito bonito que é exatamente este: Pio IX estava numa situação política péssima; os exércitos do Garibaldi ameaçavam cada vez mais os Estados Pontifícios; como rei, ele era um rei que estava com o seu poder temporal minado. E então os liberais caçoaram dele: que Papa rei é esse, que Papa bobo, ele está perdendo as suas terras e está se preocupando em definir dogmas. Pio IX não se incomodou, ele definiu o dogma, e uma explosão de entusiasmo universal seguiu-se à definição do dogma.
Mas ele foi mais longe, em 1870 quando os Estados Pontifícios estavam quase para cair, ele definiu – ele reuniu o Concílio Vaticano I e durante o Concílio Vaticano I ele definiu o dogma da Infalibilidade Papal.
Conta-se que foi uma verdadeira beleza. Que quando ele se levantou para definir o dogma, uma tempestade se abateu sobre a Igreja de São Pedro, vieram raios e estrondos, dir-se-ia que todos os elementos de ódio do inferno estavam desencadeados, convulsionando a natureza. Os senhores podem imaginar esse papa, do qual muitos dizem que foi santo – e eu não tenho grande dificuldade em admitir isso, – esse Papa, de pé, no meio dos raios que estrondejavam, definindo a Infalibilidade do Papado.
Aconteceu o que? Dias depois de definida a Infalibilidade Papal, as tropas francesas se retiraram de Roma, – as tropas que protegiam o Papa, – e as tropas de Garibaldi penetraram em Roma, e o papa ficou prisioneiro no Vaticano. Mas foi tal o prestígio que a Infalibilidade Papal deu ao Papa, tal a autoridade que lhe deu sobre a Igreja inteira, que os historiadores todos disseram que nem os Papas da Idade Média tiveram um poder maior do que teve Pio IX.
Nós temos então, entre Pio IX e São Gregório VII, uma analogia. São Gregório VII forçou a curvar-se diante dele, o imperador do Sacro Império Romano Alemão, pedindo perdão; Pio IX fez uma coisa, a meu ver, mais árdua e mais extraordinária: ele forçou a Revolução a curvar-se diante dele, não pedindo perdão, porque a Revolução não pede perdão, [mas] babando, rugindo de ódio, humilhada e esmagada. Sem pedir perdão. O que ainda é mais bonito do que levar um imperador a pedir perdão.
E foi assim, nessa atmosfera de vitória, que o grande Papa Pio IX, prisioneiro, mas mais senhor do que todos os seus antecessores, mais senhor da Cristandade e da Igreja Universal, entregou a sua bela alma a Deus.
Essas considerações, meus caros, nos levam a uma outra que é sempre interessante nós fixamos, e que é o papel da TFP diante do Papado. Os senhores estão vendo bem que o Papado é a coluna do mundo, é a coluna da Igreja, é o fogo de irradiação de toda verdade. Quando um membro da TFP ouve falar do Papado ele não pode deixar de se sentir tomado de entusiasmo desde o alto da cabeça até a planta dos pés. Na terra inteira não há coisa que o membro da TFP goste tanto quanto do Papado. A razão porque ele gosta de todas as outras coisas é porque elas são conforme ao Papado, conformes às doutrinas dos Papas.
Nota: A respeito do primeiro período do pontificado de Pio IX, citado pelo Prof. Plinio, destacamos uma passagem do livro “I sogni di Don Bosco”, escrito por Eugenio Pilla, editora Cantagalli, Siena, 2004, 4a. edicao, pag. 104: “Ele (Mazzini, que dirigia o laicismo e era inimigo do clero) fingia exaltar o Papado quando louvava Pio IX. Isto também porque o Papa, a 15 de março, havia concedido uma ilimitada liberdade de imprensa, da qual se abusou publicando em Roma ao menos cinquenta jornais corruptores do espírito e, pois, detestáveis. Enquanto na Urbe (Roma) se gritava “Viva Pio IX!”, Dom Bosco em Turim fazia seus jovens bradarem “Viva o Papa!”. Indagado qual o motivo dessa diferença, o Santo respondeu: ‘onde está Pedro, aí está a Igreja!'”.