Santo do Dia, 29 de maio de 1972
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Estátua de Santa Joana d’Arc em Paris
Nós temos que ver uma ficha com a narração da morte de Santa Joana D’Arc, que é o auge de seu heroísmo:
“A 30 de maio de 1431, véspera de Corpus Christi, Joana foi conduzida para a praça do mercado velho de Rouen. Amarraram-na ao alto do pilha de lenha, onde o fogo deveria ser ateado. Pendia-lhe da cabeça um papel com a inscrição ‘herética, relapsa, apóstata e idólatra’.”
Ela que era a santa, ela que tinha cumprido a missão de que Deus a tinha encarregado, ela que tinha salvo o povo eleito do Novo Testamento, que era o povo francês, por ordem de um arcebispo Cauchon, ela ia ser queimada com esses epítetos infamantes. Os Srs. façam idéia: um de nós ser queimado com um papel escrito e colocado na fronte: “progressista”. É a mesma ofensa, o mesmo ultraje, a mesma impostura, a mesma mentira!
“Numerosa multidão cercava a praça. Seiscentos soldados ingleses montavam a guarda. Chegada ao local da execução, ela pediu uma cruz. Um soldado inglês quebrou a haste da lança em duas partes, amarrou-as em forma de cruz e entregou-lha. De posse do precioso emblema, foi amarrada ao poste. Então, a jovem clamou alto por São Miguel. O algoz chegou o facho à lenha molhada com azeite e o fogo alastrou-se com fúria, de baixo para cima.
“Assim que as labaredas a envolveram, Joana bradou com força, para reafirmar fidelidade à sua missão: ‘Não me enganei, as vozes eram do Céu!’”
O grande problema – é de uma beleza tal que hesito em comentar… –, o grande problema é que ela dizia que recebia aquelas vozes do Céu, e que era em nome dessas vozes, e pela força comunicada por essas vozes, que ela tinha realizado todas as maravilhas que os Srs. sabem. E, pelo contrário, o tribunal que a julgou – tribunal misto eclesiástico e civil, porque o crime de que era acusada era um crime religioso – afirmava que tinha conseguido aquelas vitórias maravilhosas sobre os ingleses porque ela era uma bruxa, que tinha entrado em pacto com o adversário, e que por isso é que os ingleses tinham sido derrotados. Então, as vozes que ela recebia seriam vozes do demônio.
Tanta era a fé que havia naquela época, que o problema não consistia em saber se ela tinha recebido vozes, dado que ninguém discutia isso… – hoje, o problema que se levantaria seria esse. Mas a questão era de saber se as vozes vinham do Céu ou do inferno. E ela foi condenada como seguindo vozes do inferno; porque eram vozes que trabalhavam contra o reino da Inglaterra. Mas, pelo contrário, ela dizia que as vozes vinham do Céu. Então, foi condenada como herética, relapsa etc., porque era bruxa, era tida como feiticeira…
No momento em que estava para morrer, em que estava prestes a comparecer diante de Deus e que devia dar mais uma manifestação de sua convicção da santidade de sua causa, o que ela fez? Ela pediu uma cruz – uma cruz, porque o juramento feito em presença da cruz tomava uma gravidade incomparavelmente maior – e, lutadora até o fim, morreu batalhando! Ela não morreu simplesmente deixando-se matar, mas morreu dando um brado que era um desafio, um protesto e era o prolongamento da resistência francesa, como quem dissesse aos franceses: “Continuai a lutar, porque as vozes em cujo nome eu vos conduzi à vitória vinham do Céu. O Céu vos dará, portanto, a vitória total”! E ela teve, então, estratégica e inteligentemente, no momento preciso, o gesto supremo.
Santa Joana na fogueira. Representação de autoria do pintor alemão Hermann Anton Stilke (sec. XIX)
É trágico o momento: ela está na fogueira, o tribunal está ali assistindo, o fogo ainda não está aceso, ela está amarrada a uma pilha de lenha toda embebida em azeite para que o fogo arda depressa. Ela espera o momento último, em que não havia mais dúvida nenhuma de que compareceria perante o tribunal de Deus, o momento em que o fogo já estava pegando, e com certeza até atacando as carnes dela. O fogo vinha de baixo para cima e, portanto, a parte vital ainda não estava atingida. Nesse momento, ela não dá um gemido pedindo misericórdia, ela não dá um gemido pedindo dó. Ela primeiro brada por São Miguel, com certeza para pedir forças para São Miguel, seu grande protetor, para fazer o que ela ia fazer. E depois, como Nosso Senhor Jesus Cristo que pouco antes de morrer com “vocem magnam”, com grande voz bradou, também ela com grande voz bradou. Uma voz que, com certeza, se ouviu pela praça inteira! E era o protesto dela: Sabei, ó amigos e inimigos, sabei homens do meu tempo, sabei homens do futuro, até o fim do mundo, sabei: as vozes vinham do Céu! A minha missão foi cumprida!
Esse testemunho dado na hora da morte é um supremo lance de heroísmo, que vale mais do que a entrada triunfal em Reims, ao lado do rei que ia ser coroado, a entrada triunfal heróica em Orléans, ou tudo o mais quanto possam querer. Então, o brado dela “Sabei, as vozes vinham do Céu”, no momento de ser julgada, de comparecer perante Deus. É uma verdadeira maravilha!
“Em poucos minutos tudo terminara. As cinzas da fogueira foram varridas para as águas do Sena. Até o coração da donzela, que as chamas haviam poupado, foi lançado ao rio.”
Lindíssimo fato! As chamas devoraram o corpo, mas pouparam o coração. Ter coração não é ser sentimental! Ter coração é ter fibra, ter têmpera, ter alma, ter amor das coisas elevadas, amor da missão sobrenatural que se tem! E se há alguém que teve coração, foi Santa Joana D’Arc. Então, bonito fato: o corpo todo foi queimado, mas o coração, não. Era um modo de dizer: As vozes vieram do Céu! Aí bem se poderia dizer: Eu morro, mas meu coração vigia; eu morro, mas meu coração ainda proclama: as vozes vieram do Céu!
Os ingleses sentiram esse perigo de conservar esse coração, sentiram a devoção dos povos que viriam, eles tiveram medo desse coração, como os judeus tiveram medo da sepultura de Nosso Senhor Jesus Cristo e do cadáver dEle. Então, estraçalharam o coração e liquidaram com ele também. Dureza muito característica dos ímpios, que absolutamente não pode nos espantar.
Bem, vamos rezar.