Legionário, 12 de janeiro de 1941, N. 435
Tenho por incontestável que se tantas e tantas obras católicas vegetam à míngua de recursos pecuniários, isto se deve em grande parte ao fato de que as pessoas que possuem recursos pecuniários não pesam devidamente a responsabilidade que sua fortuna lhes impõe. Entretanto, se esta noção fosse mais geralmente divulgada, que facilidade encontrariam muitas obras que correspondem às mais urgentes necessidades, quer da pobreza desamparada, quer das almas famintas de bom alimento espiritual, quer enfim do culto, que precisa ter uma magnificência correspondente à sublime elevação dos mistérios que nele se celebra.
Desejo, pois, ao menos na limitadíssima parcela do que me é possível, concorrer para esse feliz resultado.
Todos conhecem a parábola dos talentos, narrada no Santo Evangelho. Um homem rico foi fazer uma viagem, e deixou distribuída entre seus servos uma certa quantia que deveriam fazer render. A um deu três talentos, a outro deu dois, e, finalmente, a mais outro, deu um. De regresso da viagem, chamou a contas os servos. Os dois primeiros haviam feito render o depósito, apresentando um lucro proporcional à quantia que lhes fora confiada, e para ambos o Senhor destinou excelentes recompensas. O terceiro limitou-se a enterrar o talento recebido. Não o gastou, não o guardou levianamente de sorte que os ladrões dele se apoderassem. Pelo contrário, guardou-o com sumo cuidado, a fim de o restituir ao amo. Mas, negligente, preguiçoso, inepto, não soube fazer render o dinheiro que lhe era entregue. Por isso, quando o amo regressou, com uma naturalidade um tanto displicente, o servo lhe restituiu o talento. E o amo o fulminou com uma severa condenação.
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Os pouquíssimos ricos que estiverem lendo este artigo não se iludam com o sentido da palavra “talento”. Talento não significa, aí, como aliás a própria narração indica à evidência, qualidades intelectuais ou artísticas. Significa dinheiro. “Talento” era o nome que se dava a uma moeda antiga, e o Salvador, empregando a palavra, referiu-se diretamente ao dinheiro entregue pelo Senhor a seus servos. É esta a interpretação unânime de todos os exegetas do Evangelho, e nenhum subterfúgio poderia caber a este propósito.
Penso que não seria difícil para qualquer pessoa possuidora de dinheiro refletir um pouco sobre a saliente analogia que se encontra entre sua própria situação, e a dos servos da parábola a quem deu Deus dinheiro para fazer render.
Servos, os ricos deste mundo o são como os da parábola, porque todos nós somos servos de Deus, e menos do que isto, porque o amo domina seus servos como patrão, mas Deus é para nós muito mais do que um simples patrão, já que é nosso Criador.
Dinheiro emprestado, eles têm por certo, pois que, se perante todos os homens são os donos legítimos do dinheiro, segundo toda a justiça são eles, perante Deus, que é soberano Senhor de todas as coisas, os ricos não são senão meros prestamistas, em cujas mãos Deus depositou a fortuna, mas da qual continua Ele a poder dispor como melhor entender.
Assim, também eles são servos que receberam dinheiro emprestado e que devem fazer render.
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Admitamos que um Pai dê a um filho uma parcela de sua fortuna, para que ele a utilize. O Pai não renunciou à propriedade dos bens que entregou ao filho. Reserva para si o direito de os reclamar quando melhor entender. Seu propósito, fazendo o empréstimo, foi apenas o de, colocando convenientemente seus haveres, ajudar também seu filho. Assim, entra nas intenções amorosas do Pai que o filho use em seu próprio proveito a fortuna, se bem que com sábia moderação. Mas não pode ele permitir que, nesse uso, o filho se exceda de tal maneira que se recuse a auxiliar o Pai em suas necessidades, ou que destrua o patrimônio que lhe foi confiado.
É exatamente esta a situação dos homens ricos, a quem Deus na Sua Providência concedeu a ventura de possuir abundantes haveres materiais. Podem eles fazer render para si a fortuna, utilizando-se, se bem que com temperança, na satisfação de suas necessidades. Negá-lo seria cair no mais rasteiro socialismo. Mas nem por isto têm eles o direito de deixar perecer, à mingua de recursos materiais, os mais fundamentais interesses da Igreja de Deus, fazendo com que o dinheiro renda só para eles, e julgando estultamente que são verdadeiros poços de virtude, pelo simples fato de não terem dissipado sua fortuna em orgias e desmandos de toda a espécie.
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Vou prová-lo de outra maneira.
Tomemos o exemplo de um jornal católico, ou de uma rádio emissora católica.
Diariamente, centenas de milhares de almas são envenenadas pela disseminação de doutrinas anticatólicas, veiculadas pela má imprensa e pelo mau rádio. Multiplicam-se indefinidamente os recursos pelos quais o mal se alastra, e atrai para os vórtices da impiedade e da corrupção as almas remidas pelo Precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Reflita-se simplesmente no seguinte: a quase (?) totalidade dos jornais “neutros” costuma publicar artigos, notícias, anúncios ou fotografias nocivos às almas. Segundo um cálculo elaborado por técnicos, qualquer jornal é lido por uma média de quatro leitores. Assim, sempre que um jornal sai com um artigo contra a Religião, desde que ele tenha uma tiragem de 50.000 exemplares diários, que é a média de nossos grandes diários, são 200.000 pessoas que vão ter em mãos um alimento espiritual contrário aos interesses de suas almas. Em outros termos, quando o jornal sai da rotativa e se apresta a ser distribuído pela cidade e pelo Estado inteiro, dá-se exatamente a mesma coisa do que se um exército de 200.000 pregadores saíssem à rua para falar contra a Igreja.
Reciprocamente, o bom jornal pode representar um exército diário de 200.000 pregadores que falam em favor da Igreja.
À vista disto, pergunta-se: por que temos tantos jornais que não são católicos, e temos tão poucos, tão pequenos, tão pobres jornais católicos? Com que dinheiro se alimentam os jornais que não são católicos? Com o dinheiro de católicos. Por que não florescem os jornais católicos? Por falta de dinheiro. Onde está o dinheiro dos católicos? Nas mãos dos jornais não católicos, nos bancos, ou nos clássicos “pé de meias”. É esta a crua e dolorosa realidade.
Levemos mais adiante a meditação. Ela é severa, mas exatamente por isto é frutuosa.
Diz a doutrina da Igreja, que é infalível, que Nosso Senhor Jesus Cristo remiu todos os homens, e não apenas alguns, e que Ele teria sofrido tudo quanto sofreu, e finalmente morrido na Cruz, ainda que fosse simplesmente para salvar uma só das almas perdidas pelo pecado. Em outros termos, ainda que houvesse uma só alma perdida, e essa alma fosse a do menos inteligente dos homens jamais existentes, Nosso Senhor Jesus Cristo teria dado por bem empregada toda a Sua Paixão, simplesmente pelo fato de salvar tal alma.
Assim, o preço de uma alma é o preço do Precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Isto posto, é incontestável que milhares de almas poderiam ser salvas, se tivéssemos pessoas bastante generosas para fazer um jornal católico, que, pondo nas mãos de milhares de leitores jornais que nada contém de nocivo às almas, por isto mesmo contribuem eficazmente para evitar que jornais maus vão ter a estas pessoas, e constituam para elas uma ocasião próxima de pecado.
Por que estas milhares de almas não têm este meio de salvação? Porque inúmeros ricos não são tão generosos quanto deveriam ser. O Precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo não é aproveitado pelas almas, as dores, os gemidos, os tormentos do Salvador para elas se perdem, porque muitos ricos encolhem avaramente suas mãos. Como se compreende bem, depois disto, a lamentação da Escritura: “Qualis utilitas a sanguine meo”. Qual a utilidade de Meu Sangue, pode exclamar o Salvador, para tantas almas que continuam a se perder?
No dia do juízo final, tudo isto virá à tona. E cada um de nós, em lugar de se escusar preguiçosamente, com os mil e um pequenos pretextos com que narcotizamos nossa consciência, deve formular para seu próprio uso a seguinte pergunta explícita:
“Por que não auxilio eu o jornal católico? A razão que tenho para isto, eu a repetirei desembaraçadamente a Deus Nosso Senhor, quando no dia do juízo final, dia tremendo de calamidade e de miséria para as almas más, Ele me chamará às contas?”
Exemplifiquemos. Se eu disser a Nosso Senhor nesse dia que eu não dei meu dinheiro para o jornal católico, porque tinha receio de que o jornal feito com concursos de meu dinheiro não fosse nem tão moderno, nem tão perfeito, nem tão atraente quanto eu desejaria, Nosso Senhor poderá me objetar que melhor seria um jornal católico tecnicamente imperfeito, do que a ausência total de qualquer jornal católico. Nesse caso, o que responderei eu? Continuarei tão à vontade quanto estou agora?
Se eu disser a Nosso Senhor que minha fortuna não seria suficiente para fazer o jornal todo, e que, não tendo a certeza de que outros também não contribuiriam, julguei que não deveria esbanjar meu dinheiro, Nosso Senhor bem me poderá responder que eu era tão rico que os 20 ou 30 contos que deveria dar ao jornal católico absolutamente não me fariam falta real. Assim, melhor seria que eu tivesse cumprido meu dever, fazendo recair sobre as outras pessoas que também devessem concorrer, a plena responsabilidade de sua omissão, o que responderei eu?
E se eu disser a Nosso Senhor que apliquei todo o meu dinheiro a aliviar misérias físicas, como a doença, e Nosso Senhor, recompensando-me embora por isto, me apontar, entre os demônios, alguns doentes que eu socorri, e que ali se encontram por toda a eternidade, porque se afastaram de Deus em consequência da leitura de um mau jornal, o que responderei eu?
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Com estas perguntas, termina o artigo. Cada leitor o continue com o íntimo de seu coração, meditando estas salutares verdades. O final deste artigo não é no papel; é nas consciências, à luz do olhar penetrante de Deus, Nosso Senhor.