Santo do Dia, 19 de fevereiro de 1969
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
A Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes foi construída nas primeiras décadas do século XVII, nas terras doadas pelo capitão Alexandre Moura, o proprietário do Engenho Guararapes, no atual município de Jaboatão dos Guararapes.
No topo daquelas mesmas terras, nos anos de 1648 e 1649, os luso-brasileiros comandados por João Fernandes Vieira, André Vidal de Negreiros, Filipe Camarão e Antônio da Silva travaram as batalhas decisivas contra os protestantes holandeses. Em 1654, os batavos abandonariam para sempre o Nordeste do Brasil.
Agradecendo à vitória conseguida, o general Francisco Barreto de Menezes solicitou a construção de uma pequena capela, dentro da própria Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes, em louvor a Nossa Senhora dos Prazeres. Nas paredes da capela mor, estão os restos mortais de dois dos heróis dos Guararapes: João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros.
“A 19 de fevereiro de 1649 deu-se nos Montes dos Guararapes a segunda grande vitória dos insurretos pernambucanos sobre os hereges flamengos, graças à proteção da Virgem que, dando-lhes ânimo e ardor, fê-los derrotar o exército herético, muito superior em número ao dos católicos”.
Eu não posso deixar de fazer uma observação sobre este particular: graças a Nossa Senhora dos Prazeres de Guararapes, os exércitos católicos de luso-pernambucanos derrotaram o exercito herético que era muito maior.
A Igreja militante tem sua história militar. Quer dizer, a história de seus feitos em campo de batalha, inspirados pela causa dEla, levados a cabo por Seus filhos, guiados e cobertos de indulgências por Prelados, Papas, santos convocados para isso, protegidos pelos Anjos e por Nossa Senhora em campo de batalha. Isto faz parte, pois, da história militar da Igreja, na qual vemos constantemente fatos como esse de Guararapes, em que católicos lutam contra exércitos consideravelmente maiores.
Qual é o significado desta característica? Deus não poderia evitar que o adversário tão freqüentemente tivesse mais força do que os católicos? Não poderia fazer com que tivéssemos duas vezes mais força do que o adversário? Não seria uma coisa tão bonita comparecer em campo de batalha, raso, liso e aberto, duas vezes mais católicos do que sarracenos, calvinistas ou luteranos, etc. e derrotá-los?
Como um general orgulhoso poderia ficar contente no fim do dia de uma batalha assim! Ele rememoraria o combate e diria: “Bonum certamem certavit – eu combati o bom combate; eu tinha um inimigo inferior a mim; eu dispus as tropas de tal maneira, elas marcharam de tal outro modo; quando chegou no momento de eu as passar em revista elas gritavam (e até agora eu me lembro disso…): ‘viva o nosso grande general!’ Minhas plumas e as minhas bandeiras estavam ao vento, eu as via sacudidas pela brisa da vitória. Depois – não estou me colocando na perspectiva da batalha dos Guararapes – demos a ofensiva, meus canhões atiraram aquelas bombas incandescentes; meu plano se executou ponto por ponto! E na hora em que eu quis, na hora do meu plano, o meu inimigo, dobrado pela minha mão de ferro, pediu a cessação das hostilidades no ponto em que imaginei. Que linda vitória, que coisa maravilhosa!…”
Isto é mais bonito ou menos bonito do que uma narração diferente? E os senhores já estão imaginando como seria a outra narração:
“Somos menos numerosos do que os adversários. Vamos fazer uma disposição de tropas a mais sapiencial que se possa imaginar. Vamos nos aplicar, nos empenhar em lutar com todas as forças, mas é mais ou menos certo que seremos derrotados. Porém vamos voltar nossos olhos para Nossa Senhora, e aquilo que nossas poucas forças não conseguirem, Nossa Senhora conseguirá! Ela não nos apoiará se não lutarmos até à última gota de nosso sangue, é bem verdade, mas não nos basta a última gota de nosso sangue derramado: é preciso muito mais! Entretanto, em certo momento em que tudo parecer perdido, em que os planos pessimistas se confirmarem, alguém no meu exército – e não serei eu – dará um brado, e será um soldado anônimo que dirá: ‘São Miguel, valei à nação lusa sempre fiel’. E os outros replicarão: ‘São Miguel, protegei os índios novos cristãos, mas que são fiéis à vossa Igreja em lugar desses apóstatas’. E neste momento algo de enigmático se passará e fugirão os inimigos da Igreja Católica, Apostólica, Romana.”
Qual das duas batalhas é a mais bonita? Os senhores já estão vendo…
Para o general orgulhoso, pretensioso, é a primeira batalha. Ele previu tudo, ele sabia tudo, ele podia tudo, e tudo aconteceu inexoravelmente como ele queria… A segunda batalha é para o general católico e humilde, que poderá dizer: “Com o favor de Nossa Senhora, fiz tudo, deitei até a última gota de meu sangue, é verdade. Mas que beleza quando o sobrenatural rasgou os céus, em que uma força invencível desceu e que os próprios Anjos vieram lutar ao meu lado! que maravilha quando passei de general a soldado raso de São Miguel Arcanjo! E em que ele – por causa da lucidez de sua inteligência angélica – abriu uma frente de combate em que eu não havia pensado, e assim ele ganhou a vitória da qual eu fui um pobre instrumento. Dobro os joelhos em terra e canto o Magnificat e o Te Deum.”
Esta é a vitória católica que se repete constantemente na história militar da Igreja e que se repete nesta gloriosa e tão querida batalha dos Guararapes, em que se conseguiu expulsar esse quisto trazido por aqueles holandeses, de maneira a obter a integridade da população nacional e, com a integridade da população nacional, a integridade da fé católica, apostólica e romana.
Acho que nunca será suficiente nós insistirmos sobre a beleza maior do papel da graça do que do mero emprego dos recursos da natureza.
Se alguma coisa eu devesse acrescentar, diria o seguinte: em geral os historiadores apresentam as narrações das batalhas de um modo científico, mas omitem o estado de espírito dos tais grandes generais que resolveram vencer na hora certa, que fazem, acontecem, pretensiosos extraordinários. Pois quase todos foram guiados por uma certa intuição que eles chamam a sua “estrela”, e que provavelmente é uma comunicação com algo de não sobrenatural que tinham.
Napoleão mesmo, ditando suas memórias em Santa Helena, falando a respeito do declínio de sua carreira militar, dizia: Fui derrotado por isto, por aquilo e por aquilo outro. Sobretudo notei, a partir de tal ponto – eu não me lembro qual era – que minha estrela estava em declínio.
Os senhores vêem que esses tais generais tem a noção da superstição deles, que depois não é apresentada pelo historiador tolo, que faz apenas a descrição do que se passou na ordem da natureza, sem levar em consideração o aspecto dos imponderáveis. Na realidade, quando se aprofunda na análise de tais relatos, eles mesmos tinham lá seus lumes tutelares, em geral preternaturais, uma vez ou outra sobrenaturais, em função dos quais eles deitavam toda a confiança de sua vitória.
Aqui fica, portanto, uma reflexão sobre um ponto a respeito do qual jamais será suficiente insistir.