Santo do Dia, 17 de maio de 1966
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
A invocação de Nossa Senhora das Tempestades: origem e significados
Hoje, 17 de maio, ocorre em Tolentino a festa de Nossa Senhora das Tempestades. O histórico dessa devoção é o seguinte:
“São Leonardo fez colocar na sua Igreja primitiva de Santa Maria, em Tolentino, uma imagem da Virgem que tivera na capela do Seminário. Convidou então os habitantes do local a implorar à Virgem Santíssima a graça de preservar a cidade dos prejuízos do granizo, tão frequente na região. A Virgem ouviu o pedido.
“Pio VII, em seu retorno do cativeiro na França (a 17 de maio de 1814), coroou solenemente a Virgem milagrosa e aprovou o ofício próprio a toda diocese”.
Uma vez mais, se trata de um fato que nos faz ver o modo pelo qual as devoções de Nossa Senhora costumam se formar. Em geral, é uma graça concedida por Ela para alguém ou a uma população. E esta mercê, que tem todo o sabor espiritual e imponderável de um sorriso dEla, incute estavelmente nas pessoas a esperança de serem atendidas em outras em outras necessidades.
Então, aquela invocação que se liga àquele favor nos dá a ideia da misericórdia de Nossa Senhora e do socorro prestado por Ela em condições espirituais análogas àquelas condições terrenas.
Então, havia uma imagem numa capela do Seminário; essa imagem, com certeza muito expressiva e muito bonita, São Leonardo a destinou depois para ser exposta em uma igreja de sua diocese, na Igreja de Santa Maria, em Tolentino.
Ali o povo a venerava, mas ele recomendou que se pedisse a Nossa Senhora o favor de que as tempestades não se desencadeassem nesse local com a intensidade destrutiva com que ocorriam antigamente. Essa graça, de índole material fez com que as tempestades cessassem e a população se visse livre daquele flagelo. Então a imagem passou a ser invocada sob o nome de Nossa Senhora das Tempestades, ou seja, Nossa Senhora que vence as tempestades, que previne as tempestades. Podia se chamar também Nossa Senhora da Bonança.
O Papa Pio VII, fugindo da “tempestade” (por ele desencadeada na França, devido ao modo como conduziu o caso de Napoleão), passando por Tolentino e dando graças a Deus por se sentir livre das garras de Napoleão, entendeu que daquela tempestade estava salvo por causa de Nossa Senhora. Então coroou a imagem de Nossa Senhora das Tempestades. Mas a palavra “tempestade” significando outra coisa: as tempestades da História, as tempestades da vida, as tempestades da alma…
Então, é Nossa Senhora patrona dos homens postos em tempestades de toda ordem: espirituais, portanto, da luta contra o pecado, da queda no pecado, para prevenir o pecado, tempestades que a alma sente quando vê outros em pecado, tempestade nas grandes aflições espirituais que a vida pode trazer; enfim, as mil tempestades em que uma vida pode estar em jogo.
Então, pedir o socorro a Nossa Senhora no meio das tempestades, sentindo-se fraco, pequeno, incapaz de evitar completamente a tempestade, de vencê-la, recomendar-se a Ela é exatamente a ideia que está posta dentro dessa invocação.
Mas ela abarca também uma ideia de compaixão. Toda mãe, quando sente seu filho na tempestade, tem uma pena enorme e acorre sôfrega, não vem devagar, e vem com toda velocidade que os interesses espirituais daquele filho permitem. Mas aí, nesse sentido, ela vem imediatamente.
Então, a ideia de Nossa Senhora enquanto nosso socorro nas aflições, expressa em tantas outras invocações: Nossa Senhora Auxiliadora, Nossa Senhora do Amparo, Nossa Senhora do Socorro, Nossa Senhora dos Aflitos. Porém ela tem uma formulação muito bonita no título de Nossa Senhora das Tempestades. A gente compreende, portanto, quão expressiva é essa invocação.
Há duas espécies de tempestades: as torrenciais e uma outra que é uma completa subversão da atmosfera com água, chuviscos, escuridão, incerteza, terra escorregadia… e que analogicamente também se poderia chamar de tempestade. Há situações da vida espiritual que são assim. São todas elas cheias de dramas, de dificuldades, de incertezas, e que constituem formas diversas de tempestades. Nossa Senhora nos ajuda em todas essas tempestades. Aí nós temos, então, Nossa Senhora das Tempestades.
* Dois pensamentos aparentemente opostos, de São Boaventura e de Santa Teresinha, mostram a beleza das vias de Deus
Agora, vem um pensamento de São Boaventura que vem aqui consignado e é muito bonito:
“Eu vos saúdo, Maria que acalmais o mar tempestuoso do mundo. Que Jesus, que dorme em nosso barco, se levante acordado por Vós.”
É uma referência ao fato de que Jesus estava na tempestade, com os Apóstolos num barco, e estes O acordaram. E Ele fez cessar a tempestade. Tantas vezes Jesus “dorme”. Então, Nossa Senhora acorda Jesus para que venha ao socorro e, diz o Evangelho, que se fez então uma grande bonança depois que Jesus acordou.
E vem um comentário que acho magnífico: “(termos) uma completa obediência em relação a Ele”!
Santa Teresinha do Menino Jesus tem um pensamento oposto: quando a pessoa sofre, não deve pedir muitas vezes que o sofrimento passe, para oferecer pela Causa da Santa Igreja. Então, diz ela: “não acorde Jesus que está dormindo em seu barco. Deixe-O dormir, deixe que pelo menos na sua alma Ele descanse. Não O acorde…”
Um santo recomenda: “acorde”, e é esplêndido! Uma santa recomenda: “não acorde”, e é esplêndido também! Tudo depende das vias de Deus. Vejam a beleza desses vários caminhos e o universo de maravilhas morais que existe nisso!…
Novena a Nossa Senhora Auxiliadora e portentos que São João Bosco obtinha por sua intercessão
Amanhã começa a novena de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos. O grande Dom Bosco obteve várias graças nessa novena e a recomendava muito a todos os salesianos. Um padre salesiano recomendou hoje essa novena na igreja, assim: três Padre Nossos e três Salve Rainhas. Os senhores querendo façam assim se quiserem. Eu aprendi de outro modo, acho muito mais razoável e é assim que farei: três Padre Nossos, três Ave Marias, três Glória Patri, depois dos quais se diz: “Louvado e adorado seja o Santíssimo Sacramento” e depois uma Salve Rainha seguida da jaculatória “Auxilium Christianorum, ora pro nobis” (Auxílio dos Cristãos, rogai por nós).
A fórmula não é tão importante; o importante é fazer uma novena. Mas a fórmula tem também seu interesse pois que é uma fórmula que Nossa Senhora premiou com manifestações de agrado especiais. É legítimo que se procure usar essa fórmula, com toda fidelidade, para agradar a Ela.
Recomendo essa novena porque Dom Bosco – já comentei outro dia sobre ele aqui – em nossa época, é o grande arauto de Nossa Senhora enquanto Auxílio dos Cristãos.
As maravilhas que se passaram na existência dele a respeito de Nossa Senhora enquanto Auxílio dos Cristãos foram extraordinárias! Ele conseguia coisas assim – e aqui está mais uma vez a diversidade de espíritos entre os católicos fiéis -, por exemplo, mandava construir uma torre de uma igreja. Quando os trabalhos estavam em pleno andamento, acabava o dinheiro. Aí começava aquele berreiro, credores etc., operários, toda a inferneira de uma obra nessa situação… Então, ele dizia: “o que é que eu posso fazer? Eu vou à rua e vou fazer um pequeno passeio para ver se Nossa Senhora me ajuda”. Ia diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, rezava essas tais orações e saía. Voltava com o bolso cheio de dinheiro e pagava todos a quem devia. Nessas condições, naturalmente, compreende-se que ele tenha adotado esse sistema…
Síntese biográfica de São Felix de Cantalício
Apesar de já ter tomado muito o tempo dos senhores, eu teria escrúpulo em não ler a síntese biográfica de São Félix de Cantalício, porque teria pena de deixar desaproveitado um esforço tão meritório e tão constante como é esse do fornecimento de tais fichas.
A síntese biográfica é tirada do Rohrbacher, “História Universal da Igreja Católica”:
“São Félix nasceu em 1513, em Cantalício, nos Estados Pontifícios, de pais pobres, mas muito virtuosos. Desde criança demonstrou tanta piedade e inclinação para a virtude, que já então o chamavam de santo.
“Guardando rebanho ou trabalhando no campo como lavrador, toda sua vida era de oração. Quando lhe perguntavam se sabia ler, respondia: sei somente seis letras, cinco vermelhas e uma branca. As vermelhas são as chagas de Nosso Senhor, a branca é a Santíssima Virgem.
“A uma grande humildade reunia uma alegria constante e infatigável caridade.
“Um dia, tendo saído ileso milagrosamente de um acidente, decidiu ingressar na Ordem de São Francisco, onde pediu admissão como irmão converso. Destacou-se logo de toda a comunidade por sua profunda vida interior, suas mortificações, grande compreensão do espírito franciscano e pureza inabalável.
“Manifestava sempre especial respeito ao nome de Jesus e à palavra “Deo Gratias”.
“Tinha-se por esse religioso uma tão grande veneração em Roma que, quando passava na rua, os príncipes descobriam a cabeça para saudá-lo”.
O que se faria hoje com um jogador de futebol…
“E os cardeais faziam parar as suas carruagens.
“Dele se conta que um dia São Felipe de Neri atravessava o Quirinal – que era a residência papal – quando São Félix de Cantalício correu a ajoelhar-se a seus pés e pedir-lhe a bênção. Felipe abraçou-o e assim permaneceram longo tempo sem proferirem uma palavra”.
* São Félix e São Felipe Neri: um dos encontros pinaculares da História
Que cena, hein?! Em vez de tanta conversinha de sacristia que a gente vê por aí, um santo ajoelhado abraçando outro santo que está de pé. E longamente abraçados, sem dizer uma palavra. Que louvores a graça de Deus fazia da alma de um para o outro e do segundo para o primeiro! Aí se pode dizer que é o Espírito Santo louvando-se a Si mesmo pela boca dos inocentes, quer dizer, pela boca dos santos. É uma verdadeira maravilha! São desses encontros pinaculares da História. Pobres de nós! Tão longe disso… nesse lodo… Se Nossa Senhora das Tempestades não nos ajudar…
“Depois, afastaram-se cheios de alegria, como outrora São Luís de França e o Bem-aventurado Gilles, companheiro de São Francisco e de São Boaventura. Seus corações tinham falado e isso bastava.”
São Luís IX encontrou esse Beato Gilles e os dois sabiam quem eram, ou, por outra, cada um sabia quem era o outro. Então, se abraçaram longamente e depois foram embora.
Estava tudo dito; não tinham mais nada que dizer. Há silêncios que dizem tanto mais do que qualquer palavra…
“Quando São Félix morreu, a 18 de maio de 1587, não pôde ser enterrado por muitos dias por causa da multidão inumerável de povo que, encontrando fechadas as portas do convento, escalavam os muros…”
Como se faz no estádio de futebol, hoje…
“Enchiam os pátios, as salas, as ruas, as praças, a Igreja. O santo franciscano foi canonizado em 1712, por Clemente XI.”
Alguns aqui estiveram em Roma (por ocasião do Concílio Vaticano II, n.d.c.). Lembram-se daquela igreja que tem no Corso Vitorio Veneto? É quando dá aquela dobra, passa pelo Hotel Ambasciatore e desce para a Piazza Barberini. Nessa igreja, a gente entra e, num altar que está perto da porta, há uma figura num esquife e escrito: “aqui estão os restos mortais de São Félix de Cantalício”.
Roma está cheia de maravilhas assim! Um santo prodigioso desse… são tantos santos e de toda ordem que, em qualquer canto a gente encontra maravilhas. Esta é a Roma dos Papas!… A Roma post-constantiniana, dela eu não falo. Mas a Roma constantiniana, essa Roma era assim.
Que comentário fazer a respeito de São Félix Cantalício?
Os senhores estão vendo que isso tem uma poesia, é tudo feito de contrastes: o vermelho e o branco são duas cores que estão, entre si, num contraste, de algum modo, tão categórico quanto o branco e o preto. Porque o vermelho é o sumo – eu ia dizer que é o sumo do rubor, porque está dito tudo com isso – e o branco é tão alvo, tão diferente do vermelho, tão pacífico, enquanto o vermelho é vivaz, castanholas na mão…
E temos um outro contraste: é Cristo sofredor, Cristo chagado, Cristo dilacerado. Ao lado disso, Nossa Senhora, virginal, em quem nunca se tocou com a mão para abrir uma chaga ou para fazer uma ferida e que nos aparece tantas e tantas vezes na sua virgindade sob a forma de um sorriso, de uma alegria, de uma carícia. Poder-se-ia dizer que toda a tristeza e toda a alegria do Evangelho e, portanto, toda a tristeza e toda a alegria da vida, e se se pudesse falar em tristeza do Céu, toda a tristeza e toda a alegria do Céu cabem exatamente dentro dessa comparação, dentro dessa justaposição.
Os senhores vejam como isso dá um tema de meditação lindíssimo. Alma puríssima, alma extraordinariamente elevada desde menino… vejam os senhores o mistério de uma vocação: foi preciso, entretanto, que ele sofresse uma doença séria para pensar em ser franciscano. Os senhores vejam bem – eu não quero fazer juízo temerário em relação a um tão grande santo, Deus me livre! – mas fica assim um vislumbre de ser preciso sacudir qualquer coisinha. Não é verdade?
Peçamos então, nessa novena a Nossa Senhora Auxiliadora, que Ela sacuda em nós qualquer coisinha para sermos inteiramente dEla.