Plinio Corrêa de Oliveira
Em anos anteriores, nas proximidades do Natal, era nosso costume pedir ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira algum artigo, ou alguma mensagem de Natal, para a edição de dezembro de nossa revista. Após marcar um horário com seu secretário particular Sr. Fernando Antunes Aldunate ou com algum auxiliar do secretariado, nossa solicitação era atendida e, na primeira ocasião propícia, Dr. Plinio começava a ditar suas reflexões sobre o Santo Natal, cada vez com algo inédito e geralmente correlacionado com os acontecimentos do ano em curso.
Já se passaram mais de três anos desde que o insigne fundador da TFP entregou sua alma a Deus. Assim, para este dezembro de 1998, no qual Plinio Corrêa de Oliveira completaria 90 anos de vida, no dia 13 — e, ademais, 70 anos de militância católica, pois foi em 1928, quando ainda frequentava a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, que ele entrou para o Movimento Católico—, a direção de Catolicismo pesquisou em seus inúmeros trabalhos e conferências, algo que melhor se adaptasse a nossos dias, sobre o Natal.
Deparamos com uma única e grande dificuldade… o embaraço da escolha!
Sim, em meio a tantos preciosos escritos que ele nos legou, a tantas conferências proferidas pelas várias regiões de nosso território-continente, a tantos comentários a respeito do Natal, qual escolher?
Escolha nada fácil! Cada peça tem seu aspecto único e não se sabe o que mais admirar: se a precisão dos termos, se a lógica de tipo inaciano, se a beleza das formulações, se o amor, o afeto e o enlevo para com a Virgem Mãe do Menino Jesus, se a adoração por Aquele que é, ao mesmo tempo, Deus verdadeiro e a mais admirável de todas as criaturas, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Assim sendo, selecionamos para esta edição natalina alguns trechos de diferentes conferências pronunciadas em auditórios da TFP nas quais o inspirador e sustentáculo de Catolicismo tece luminosos comentários sobre essa Magna Festa da Cristandade.
De início, oferecemos a nossos leitores a descrição de uma maravilhosa cena imaginada pelo Prof. Plinio, na qual um pecador aproxima-se da Gruta de Belém; e, em seguida, reflexões sobre um exame de consciência, súplicas, atos de agradecimento e de reparação que um fiel poderia apresentar junto ao Presépio do Divino Infante, aquecido pelo amor de Sua Mãe Santíssima e de São José.
Confiteor aos pés da celeste Advogada
“O penitente arrependido, humilde, de cabeça baixa, acerca-se da [gruta onde está a] manjedoura e dirige-se a São José e a Nossa Senhora. A São José, dizendo que não é digno, mas que o Padroeiro da Santa Igreja obtenha para ele, de Nossa Senhora, um olhar de compaixão. Obtém uma resposta de São José afirmativa e um apelo deste dirigido a Nossa Senhora. A Virgem Santíssima atende, sim, e recebe o penitente ultra maternalmente. Ele então pede a mediação d’Ela para chegar até o Menino Jesus…
“Ele sente-se indigno de entrar, e canta do lado de fora da gruta: ‘Até o bafo dos bois é considerado digno de estar aí dentro, porque está inserido na ordem criada por Deus. Mas eu sou o pecador que rompi, em determinado momento, com a ordem divina. E não sou digno de chegar aí perto. Onde até os animais entram, eu não entro! Mas se Vós, minha Mãe, cobrirdes-me com vosso manto, eu ouso tudo!’ Ela o cobre, e ele recita, então, um Confiteor. Depois, o Menino Jesus faz um gesto, que pode ser interpretado como o gesto instintivo de uma criança, mas que tem o sentido de um perdão”.
Súplica à Imaculada e Extremosa Mãe
“Mãe nossa, Senhora do Universo, pedimos-Vos que depositeis junto ao Presépio de vosso Divino Filho este exame de consciência.
“Obtende-nos do Menino-Deus, Vós que sois Sua Mãe extremosa e sem mácula, uma contrição verdadeira e profunda por tanta indiferença, dúvida e mundanismo neste ano que se encerra. Indiferença, dúvida e mundanismo ante o sublime e o hediondo que marcam a fundo os acontecimentos atuais.
“Indiferença, dúvida e mundanismo, sinais inequívocos de um transbordante egoísmo e de uma inquietante falta de amor de Deus.
“Vós, porém, tomastes a iniciativa da reconquista de nossas almas, a mais difícil das reconquistas…
“Acabai, pois, Senhora, a obra que começastes. Não se detenha vosso braço no início da tarefa, nem descansem vossos pés antes de atingir a meta. Comunicai-nos a plenitude de vosso espírito, preparai-nos para os grandes lances que se apresentam diante de nós.
“Fazei com que o vosso espírito sagrado transponha os abismos de nossas misérias e de nossas infidelidades, como outrora o Verbo de Deus transpôs os abismos que O separavam da Criação para se unir a Vós.
“Mas, sobretudo, Senhora, fazei com que os acontecimentos finais se produzam, que a grande batalha profética se trave, que São Miguel venha e que Vós vençais.
“Tomemos em consideração, na história do Menino Jesus, o que se passou na sagrada casa de Nazaré nas conversas d’Ele com Nossa Senhora”.
Interior da Casa de Nazaré — Santuário de Nossa Senhora de Loreto (Itália)
A casa da Sagrada Família: reflexões
“Ela [Nossa Senhora] pensando no que aconteceria, considerando também que viria um determinado momento em que os, Anjos haveriam de exercer seu poder sobre essa casa santa e levá-la pelos ares, a fim de que ela não caísse nas mãos dos maometanos. Prevendo que a santa casa de Nazaré ia ser depositada num lugar chamado Loreto, na Itália, e que ali um número incontável de peregrinos, provavelmente até o fim do mundo, iriam venerar as paredes santas que circunscreveram o local onde ecoaram as conversas da Sagrada Família. Onde se ouviram os risos cândidos e cristalinos do Menino Jesus; onde se ouviu a voz grave, paterna, afetuosa de São José; onde se ouviu a voz, modelada quase ao infinito, como um órgão, de Nossa Senhora, exprimindo adoração, veneração, em todos os seus graus, em todas as modalidades. Em tudo isso Ela pensava.
Que maravilhas ocorreram entre essas Sagradas paredes!
“Ela refletia sobre os milagres da vida pública de Nosso Senhor nos milagres que o Divino Redentor iria operar, nas almas que Ele iria atrair Como tudo isto desfecharia no momento em que Ele começaria a ser recusado pelos judeus; recusado e esquecido por seus próprios Apóstolos, devido à moleza e tibieza deles; e ainda na traição de Judas.
“Depois Ela pensava em Pentecostes, na dilatação da Igreja por toda a bacia do Mediterrâneo, por lugares misteriosos por onde andaram os Apóstolos, enchendo a Terra com sua presença. Meditava Ela na libertação da Igreja pelo Imperador Constantino, na Igreja que brilharia na face da Terra, na invasão dos bárbaros; e depois em São Bento, o qual conseguiria sair de um pantanal e caminharia até Subiaco; e que ali, ele, o Patriarca do Ocidente, começaria nova vida espiritual, da qual nasceria a Idade Média, com todos seus esplendores.
“Nasceria a Idade Média, mas como réplica infame a São Bento, o pecado imenso: começaria a Revolução, e as ondas que subiriam, as injúrias atrozes. O Renascimento, o Humanismo, o Protestantismo, depois a Revolução Francesa, a Revolução Comunista, a Quarta-Revolução (o hippismo, o punkismo etc.). Esta última, com uma gestação tão enigmática, tão difícil de definir em seus verdadeiros contornos, tão infame em tudo quanto dela já sabemos.
“Tudo isso, mas também, também… um desígnio de Nossa Senhora pelo qual, em certo momento, sobre esse mar de lama, começasse a boiar uma pétala de rosa…. [o Autor refere-se a grandes graças que a Divina Providência dispensaria às almas e à sociedade humana em nossa época].
“Depois, nosso chamado. Cada um pode voltar-se, aos pés do Presépio, para narrar sua história individual e expor como caminhou a graça divina em sua alma… os altos e baixos, os ‘sins’ e os ‘nãos’, os movimentos do orgulho… meu Deus! os movimentos da sensualidade; a vitória, às vezes a derrota, mas depois de novo a vitória e a misericórdia de Deus. Mas haveria alguns que cairiam pelo caminho, que jazeriam ao longo da estrada; e haveria a prece dos que não caíram por aqueles que caíram, e a mão de Nossa Senhora que, de vez em quando, reergueria algum para que voltasse ao bom caminho”.
Adoração dos Reis Magos — Afresco de Giotto (séc. XIV), Capela dos Scrovegni, Pádua (Itália)
Súplicas e gratidão de um batalhador católico
“Tudo isto ocorreria através de obscuridades que nós não conhecemos, até o advento da intervenção de Nossa Senhora: que venha o Reino de Maria! [predito pela Mãe de Deus, em Fátima].
“Tudo isto nós devemos considerar quando estivermos aos pés do Presépio e dizer:
“Ele [o Menino Jesus] é a Pedra de divisão, a Pedra de escândalo que divide a História ao meio. Tudo quanto está com Ele é a Contra-Revolução, tudo quanto é contra Ele é a Revolução. (*)
“Aqui está um, Senhor Jesus Cristo, trazido pela graça, que vossa divina Mãe, vossa celeste Mãe, por suas preces obteve de Vós; aqui está este batalhador, ajoelhado diante de Vós, antes de tudo para Vos agradecer.
“Agradeço a vida que destes a meu corpo, agradeço o momento em que insuflastes minha alma. Agradeço o plano eterno que tínheis a respeito de mim, como de qualquer homem, um plano determinado e individual, mediante o qual deveria haver, nos desígnios de Deus, alguém que seria eu, que dentre os homens haveria de ocupar este lugar, mínimo que seja, mas um lugar no enorme mosaico de criaturas humanas que devem subir ao Céu.
“Agradeço-Vos por terdes apresentado uma luta em meu caminho, para que eu pudesse ser herói.
“Agradeço-Vos a força que Vós me cedestes para resistir e para lutar, para combater e rezar… ‘A Dios orando y con el mazo dando’ (A Deus rezando e golpeando com o bordão), dizia Santo Antonio Maria Claret, o fundador dos Padres do Coração de Maria.
“Agradeço-Vos tudo isso, mas agradeço mais, agradeço-Vos todos os anos de minha vida que já se foram e que se tenham passado na vossa graça.
“Agradeço- Vos os anos que se foram e que não se passaram em vossa graça, porque Vós os encerrastes, num determinado momento, com vossa graça, abandonando eu o caminho da desgraça, para entrar de novo na vossa amizade.
“Agradeço-Vos, ó Divino Infante, ó Menino Jesus …. tudo o que fiz de difícil para combater meus defeitos; eu Vos agradeço por não Vos terdes impacientado comigo e por me terdes conservado vivo, a fim de que eu ainda tivesse tempo de corrigi-los até a hora de morrer. E se uma prece eu Vos posso dirigir nesta noite de Natal, Senhor Jesus, é a prece que se encontra num dos salmos:
“‘Não me chames na metade dos meus dias’ (Salmo 101). Eu a transformo [a prece] um tanto, não quero saber quantos foram os meus dias — talvez já tenham uma duração exorbitante, mas eu a altero: ‘Não me tireis os dias, na metade da minha obra’; e me ajudeis para que meus olhos não se cerrem pela morte, meus músculos não percam seu vigor, minha alma não perca sua força e agilidade antes que eu tenha, por vossa glória, vencido em mim mesmo todos meus defeitos, galgado todas as alturas interiores para as quais fui criado; e que, no vosso campo de batalha, eu tenha, por feitos heroicos, prestado a Vós toda a glória que esperáveis de min quando Vós me criastes”.
Belém… Tabor… Calvário… Juízo Final
“Senhor Jesus, quantas as contradições com as quais quisestes coroar a noite mil vezes gloriosa de vosso Santo Natal!
“‘Coroa’ sim, é bem este o vocábulo que convém com precisão inteira, a esse conjunto de circunstâncias, mediante as quais quisestes cercar a hora tão rica em símbolos de glória e de dor. [Hora] em que, nascendo do seio da Virgem Mãe, quisestes iniciar a caminhada esplendorosa: conduzindo-Vos da gruta de Belém até o alto do Tabor, e deste último ao Calvário. Esse trajeto haveria de encontrar seu termo final no momento esplendoroso e terrível em que destruireis o anti-Cristo, aniquilareis os últimos mortais, encerrareis por um terrível decreto de extermínio a História da humanidade, e baixareis à Terra para iniciar o Julgamento de todos os homens!
“Contemplando todas essas cenas de dor e de vitória, de glorificação suprema, como de condenação implacável e extrema, situamos a Festa de vosso santo Natal em sua plena perspectiva histórica. Sim, uma perspectiva na qual Deus e o demônio, o Céu e o Inferno, num contraste implacável, em uma luta extrema, haveriam de desfechar os seus golpes. Até o momento em que, cessada a História, só restariam em confronto bons e maus, uns votados pela Justiça eterna para a felicidade inteira, perfeita, gloriosa e sem fim; e outros, para o abismo perpétuo e insondável de dores, de opróbrios e de vergonhas, onde tudo não é senão derrota, insucesso, gemido e revolta perfeitamente inútil!
“Dir-se-ia que não, já que na Noite Feliz os Anjos cantam ‘Glória a Deus no mais alto dos Céus, e na Terra paz aos homens de boa vontade’ (Lc 2,14).
“Sim, aos homens de boa vontade! Porém, já havia também sob a abóbada celeste constelada de estrelas, homens de má vontade. E eles continuariam a existir até o derradeiro instante do último dia. Certamente não era para eles — os malditos, os precitos — o precônio da paz, mas o da inexorável e total desgraça”.
Noite de Natal: glórias de aturdir, doçuras insondáveis
“Vós quisestes que rodeassem vosso Presépio não só as glórias de aturdir que a Vós tocam na infinitude de vossa Santidade, mas as doçuras insondáveis do perfeito Coração de Mãe que vos adorou desde o primeiro instante de vosso ser.
“É no ápice de todas essas perfeições que nossos olhos Vos contemplam hoje, na Noite de Natal.
“De tantas contradições, ao mesmo tempo magníficas e supremas, deslumbrantes e terríveis, decorre um ensinamento que, súplices, Vos pedimos marqueis em nossos corações. Também o mundo contemporâneo está imerso na contradição. Vemos a contradição entre a verdade e o erro, o bem e mal: Vós, Senhor Jesus, e vossa Santa Mãe, a cujo lado refulge a santidade de José; e, de outro lado, o oceano das ignomínias, dos crimes, das abjeções, nas quais vai se precipitando o mundo de hoje, ‘totus positus in maligno’ (todo imerso no maligno).
“Para onde quer que voltemos nosso olhar, algo vemos, algo ouvimos que Vos ofende, Vos ultraja, e conspira contra Vós. Não há hoje, não há para o dia de amanhã algo que não se volte para Vos escarnecer, Vos golpear Vos pôr em sangue e Vos arrastar à Cruz.
“Tudo em torno de Vós é contradição, no sentido de que, em torno de Vós, quase não há senão mal e o mal é essencialmente contraditório.
“Fazei, Senhora das Dores, que compreendamos esta hora de contradição, mantendo-nos genuflexos aos pés da Cruz, mas, ao mesmo tempo, eretos e destemidos como guerreiros — como Anjos, em pleno campo de batalha.
“Guerreiros implacáveis, de coração abrasado de amor a Vós e a vosso Divino Filho, para esmagarmos o mal, destroçarmos as contradições e elevar-Vos ao fastígio da glória de vosso Reino, ó Maria!”
Ut adveniat Regnum Christi, adveniat Regnum Mariae!
(Para que venha o Reino de Cristo, venha o Reino de Maria!)
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Nota:
Textos extraídos de conferências proferidas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, por ocasião dos Natais dos anos 1988, 1989 e 1993. Publicado em “Catolicismo” Nº 576, dezembro de 1998.
(*) Esses termos são aqui empregados segundo o conceito exposto pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira na magistral obra Revolução e Contra-Revolução, a qual vem sendo reproduzida em nossa página 2. Revolução é o processo quatro vezes secular que vem desagregando a Civilização Cristã. Contra-Revolução é o movimento que visa restaurar essa mesma Civilização.