Auditório Nossa Senhora Auxiliadora, 27 de julho de 1994
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Antes de começar essa oração eu queria dizer aos senhores uma palavra a respeito de Santo Antônio Maria Claret [1807-1870]. Fazendo isto, eu estou dando realização ao meu desígnio de fazer com que, em quase todas as noites de reunião nossas, se dissesse alguma palavra de piedade. E então entro aqui com a palavra de Santo Antônio Maria Claret.
Ele era – não sei se os senhores já viram fotografias dele – ele era uma figura que, para a minha ótica pessoal, era pelo menos singular: baixinho, muito atarracado, com o rosto para o tamanho dele bem grande, e com os olhos arregaladíssimos. Um homem todo de fogo que realmente foi dos maiores santos do tempo dele. O que não é dizer pouco por que os santos proliferaram em grande número no século passado [XIX] que é antecedente deste século. Isso se presta a reflexões que dariam tema para uma reunião inteira se não fosse o fato de que nós temos que a todo custo terminar o comentário do Livro da Nobreza.
Deus travou com o mal, a Igreja travou contra os inimigos dEla uma luta no século passado que foi apoiada por Deus pelo envio a esta Terra de um número impressionante de Santos.
Eu gostaria que alguém algum dia, o meu caro Juan Miguel Montes, quando ele tiver tempo para isso, pergunte na Congregação dos Ritos, no Vaticano, se há uma estatística feita do número de Santos e Bem-aventurados do século passado comparativamente com a dos séculos anteriores. Santos e grandes Santos que por si mesmos poderiam dar origem ao movimento da Contra-Reforma, uma nova Contra-Reforma.
Ora, esse século que recebeu tantos Santos, tão grandes Santos, esse século viu que vários deles foram Fundadores de Ordens religiosas, que essas ordens religiosas logo no começo tiveram um esplêndido desenvolvimento.
Santo Antônio Maria Claret foi desses que foi contra os erros do tempo dele. Mas havia uma coisa curiosa que é a seguinte: é que enquanto os padres da Contra-Reforma soergueram muitas coisas, é interessante ver que os santos do século passado, pelo menos vários deles de quem eu tenho lido a vida, se abismavam de horror diante da profundidade de mal que se tinha generalizado pelo mundo. E vários deles – Santo Antônio Claret foi um deles – aterrorizado com o que se dava, pedia a Deus que interviesse logo para sanar o mal. E dava entender que julgava que se não fosse isso, nós despencaríamos por precipícios abaixo chegando até não se sabe onde.
Os senhores conhecem bem a “Oração Abrasada” de São Luís Grignion de Montfort pedindo apóstolos para sua Congregação, e se lembram o que é que ele diz do mal que havia no século XVII e XVIII. E como ele receava, se Deus não interviesse e viesse então uma verdadeira catástrofe para o mundo, algo como… ele não fala explicitamente em fim de mundo, mas que vai nessa direção, “Bagarre” [realização das profecias de Fátima] etc.
Santo Antônio Maria Claret tinha vistas análogas sobre o século XIX e se tinha impressão de que esses Santos todos discerniam que, apesar de todos que Deus mandava, que Nossa Senhora mandava com tanta generosidade para a Terra – São Pedro Julião Eymard é um desses muitos; São João Bosco nem se fala, e tantos outros – apesar disso, eles percebiam que havia no mundo uma dureza tal que o mundo cairia, ruiria. E então pediam a Deus que “quebrasse a castanha” do mundo mandando graças tão grandes que essa maldade vergasse.
E aqui nós temos uma oração de Santo Antônio Claret que está nessa linha.
Essas graças foram mandadas. Elas foram recusadas. Sucessivamente nós vemos isto na história do século XIX e agora no século XX. Apenas a diferença do século XX é que, provavelmente por causa da escassez de correspondência no século XIX, o número de Santos que a gente veja, no século XX é muito consideravelmente menor.
Os Santos de que eu falo eram homens mundialmente famosos: São João Bosco quando teve uma doença séria, ele recebeu cartas da Europa inteira convidando para vir passar a convalescença dele num ou noutro lugar – a Europa tem lugares de convalescença excelentes! – e se não me engano, só de donos de castelo, mais de vinte escreveram a ele oferecendo de acolher.
Um Santo hoje teria essa acolhida? Os donos de castelo têm a mesma importância? Ou muitos deles perderam os castelos e os castelos hoje são colônias de férias de sindicatos? O que é que aconteceu com isso? Mas sobretudo qual é o número de Santos hoje conhecido no mundo inteiro como Santos? E um e outro que é conhecido como Santo, não se tem às vezes razão, gemendo de pôr em dúvida, dos não canonizados, se foram Santos mesmo? São as dores de nosso tempo…
Mas para os senhores verem como a crise no século XIX é profunda e para daí deduzirem como a crise do século XX que é filha da crise do século XIX é ainda mais profunda do que eles diziam, e a gente não sabe o que é que eles diriam diante dos horrores de nossos dias, então eu resolvi que esta oração escrita por Santo Antônio Claret, nas suas peças essenciais, fosse lida aos senhores.
[Leitura da Oração – fonte: Autobiografia de Santo Antonio Maria Claret, Nos. 157 a 164]
“Ó Imaculada Virgem e Mãe de Deus, Rainha e Senhora da graça, dignai-Vos por caridade lançar um compassivo olhar para este mundo perdido. Notai como todos abandonaram o caminho que vosso Santíssimo Filho se dignou lhes mostrar, esqueceram de suas Santas leis, e se perverteram tanto que se pode dizer: Non est qui faciat bonum, non est usque ad unum – Não existe quem faça nenhum bem sequer (Sal 52, 4).
“Nele se extinguiu a santa virtude da fé, de modo que quase ela não é encontrada na Terra. Ai! extinta essa divina luz, tudo é obscuridade e trevas e não sabem onde caem. Entretanto, juntos vão com passo apressado pelo largo caminho que os conduz à eterna perdição. E quereis Vós, minha Mãe, que eu sendo irmão desses infelizes, olhe com indiferença a sua total ruína? Ah não! Nem o amor que tenho a Deus, nem o que tenho ao próximo podem tolerar.
“Como se dirá que tenho caridade ou amor de Deus, se vendo que meu irmão está em necessidade não o socorro? Como terei caridade se sabendo que em um caminho há ladrões e assassinos que roubam e matam a quantos por ele transitam, entretanto não advirto disto aos que para ele se dirigem?”
É interessante nessa primeira parte da oração dele, Santo Antônio Maria Claret como que se justifica diante de Deus porque é que ele está se metendo a querer salvar tudo. É interessante porque é tão evidente. Ele argumenta longamente com Deus.
Vamos continuar.
“Como terei caridade se emudeço ao ver como roubam os ornamentos da casa de meu Pai, peças tão preciosas que custam o sangue e a vida de um Deus, e ao ver que puseram fogo na casa e na propriedade de meu amadíssimo Pai?
“Ah, não é possível calar, minha Mãe, em tais ocasiões. Não, não calarei ainda que soubesse que de mim hão de fazer pedaços”.
Como ele via…! Isso se deu na vida dele: ele foi objeto de vários atentados, porque ele tinha grandes dotes de orador, sobretudo de orador popular.
Quando ele pregava missões, ele pregava numa igreja – na Espanha há muitos “pueblos” que são assim aldeiazinhas de um gênero de dimensões não muito usuais no Brasil. Mas aldeias, porque são muitas também muito próximas umas das outras. E então ele pregava numa aldeia, ou numa cidade pequena, e depois passava para outra e assim por diante.
Quando ele saía, terminada a pregação, havia a respeito dele um tal entusiasmo sobre o que ele tinha dito e sobre Deus Nosso Senhor, tanto amor a Deus, tanto amor a Nossa Senhora, que ele costumava ir a pé sempre, de uma cidade para outra, nem tomava uma montaria. No tempo dele já havia trens, e ele poderia fazer de trem, com a máxima comodidade qualquer trajeto. Ele não fazia, ele ia a pé, por espírito de penitência evidentemente.
Mas então, na hora dele sair do lugar de onde ele saísse, vamos dizer do convento de onde ele saísse, havia uma multidão à espera dele. Essa multidão, boa parte da multidão estava reunida para acompanhá-lo até a metade do caminho até outro “Pueblo”. Nessa metade do caminho os do outro “Pueblo” estavam esperando, e durante todo o tempo Santo Antônio Maria Claret ia rezando, andando e pregando para todos que estavam ali, até encontrar o outro “Pueblo”. Ali cânticos de novo, orações, despediam-se e ele continuava com outros.
Então ele percorria zonas inteiras da Espanha fazendo pregações sobre temas de piedade, sobre temas da atualidade, dDa atualidade daqueles tempos, evidentemente.
Mas de um tom tão marcadamente contra-revolucionário que a polícia o acompanhava clara ou veladamente de todos os modos. E ele não querendo que a polícia estivesse ao par de por onde ele ia etc., ele muitas vezes mudava de caminho inopinadamente e tomava outra direção. E a polícia não chegava a tempo de comunicar para a central de Madrid para receber instruções. De maneira que várias vezes perdiam a pista dele.
E uma vez, conversando com um ex-ministro, que havia sido ministro do gabinete espanhol há muitos anos atrás, encontraram-se em algo como uma estação de água ou uma coisa assim, que propicia conversas longas. E o ministro disse a ele, ele era então arcebispo:
– Senhor Arcebispo, Vossa Excelência não sabe o trabalho que me deu, porque por toda parte que ia as votações da esquerda caíam e as votações da direita subiam – o ministro era esquerdista – e eu procurava acompanhar a sua pista para depois mandar gente fazer propaganda esquerdista e destruir ao menos em parte o trabalho que Vossa Excelência fazia. Mas Vossa Excelência mudava com tanta destreza os caminhos, que várias vezes as pistas da polícia ficaram perdidas, e portanto, Vossa Excelência me deu muito trabalho.
Santo Antônio ficou muito contente, porque queria dizer que ele tinha dado trabalho ao demônio, e, portanto, tinha dado glória a Deus. É um parêntese.
“Não quero calar, clamarei, gritarei, bradarei ao Céu e à Terra a fim de que se remedeie tão grande mal”.
Vejam a posição dele perante a Revolução, hein!
“Bradarei o Céu e a Terra, não quero calar, ainda que me chacinem e me matem, eu falarei!”
Que Santo Antônio Claret peça ao Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, que é a padroeira Santíssima da Congregação religiosa que ele fundou – são aqueles padres da igreja do Coração de Maria, na Rua Jaguaribe, em São Paulo. Creio que eles têm outra casa ainda em São Paulo.
A Congregação, portanto, do Coração Imaculado de Maria, ele dizia que no coração dele havia este fogo que ardeu com uma intensidade incomparavelmente maior no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, o fogo que havia no coração dele era como que uma fagulha deste braseiro superior ao qual é apenas o Sagrado Coração de Jesus.
Nossa Senhora fez mais do que Santo Antônio Claret: Ela ofereceu a Deus, na Cruz, o Filho dEla, o Homem-Deus. Ela concordou com o sacrifício dEle, com a morte dEle, e vendo-O morrer daquele jeito em nenhum momento consta que Ela tenha pedido para suspender o sacrifício. Ela sabia que o esmagamento do demônio se faria mediante aquela Redenção, e Ela, portanto, quis essa Redenção. E em pé, jamais sentada, jamais desfalecida, em pé: “Justam crucem dolorosa stabat Mater lacrimosa – Junto à Cruz cheia de dores, estava a Mãe cheia de lágrimas“.
O Coração dEla, como a profecia de Simeão disse, estava transpassado por um gládio. Ela era toda lágrimas, mas sobretudo Ela era toda fé, Ela era toda coragem. Ela estava de pé, não se sentou, não caiu desmaiada nos braços de ninguém, e suportou esse episódio de suprema tristeza de ter o Corpo do Filho dEla, sagrado, esse Corpo tirado da Cruz, e posto sobre os joelhos dEla para ser perfumado, para ser unguentado de acordo com a tradição judaica que se fazia com os mortos antes de serem enterrados.
Os senhores estão vendo aí o espírito de Nossa Senhora que se reflete no espírito de Santo Antônio Maria Claret.
“Portanto, minha Mãe, desde já começo a falar e a gritar. Já recorro a Vós sim, a Vós que sois Mãe de misericórdia, dignai-Vos dar socorro a tão grande necessidade. Não me digas que não podeis porque sei que na ordem da graça sois onipotente. Portanto, eu, como primeiro e principal pecador, peço por todos os demais e me ofereço como instrumento de sua conversão. Ainda que seja desprovido de qualquer dote natural para esse fim, não importa, “mitte me – enviai-me” [Is 6, 8], assim se verá melhor que mais por graça de Deus do que por mim próprio consigo suportar.
“Ó Maria, Mãe e esperança minha, consolo de minha alma e objeto de meu amor, lembrai-Vos das muitas graças que vos pedi e de que me concedestes todas, exatamente agora encontrarei esgotado este manancial perene? Não, não se ouviu, nem jamais se ouvirá, que nenhum devoto vosso tenha sido rechaçado por Vós.
“Já vês, Senhora, que tudo isso que vos peço se dirige para a maior glória de Deus e vossa e para o bem das almas. Por isso espero alcançar e o alcançarei, e para que vos movais a me concedê-lo mais brevemente, não alegarei méritos meus, porque…”
Vejam bem o ardor dele, hein! Ele queria que essa derrota do adversário fosse completa, mas não bastava. Ele queria que fosse logo. Também não bastava, era o mais breve possível.
“…não vos alegareis méritos meus, porque não tenho senão deméritos, dir-vos-ei sim que como Filha que sois do Pai Eterno, Mãe do Filho de Deus e Esposa do Espírito Santo, é muito adequado que veleis pela honra da Santíssima Trindade de que é imagem viva a alma do homem, além do que esta imagem está banhada com o sangue de Deus humanado.
“Tendo Jesus e Vós tanto feito por Ela, agora abandonareis?
“É verdade que este abandono é merecido. Mas, por caridade, vos suplico que não a abandoneis, vô-lo peço pelo mais santo e sagrado que há no Céu e na Terra, vô-lo peço por Aquele mesmo a quem eu, ainda que indigno, hospedo todos os dias em minha casa, Lhe falo como Amigo, Lhe mando e me obedece, descendo do Céu à minha voz.
“Este é Aquele Deus que vos preservou da culpa original, que Se encarnou em Vossas entranhas, que Vos cumulou de glória no Céu, e Vos fez Advogada dos pecadores. E este, apesar de ser Deus, me ouve, me obedece cada dia. Ouvi-me, pois, ao menos desta vez e me digneis conceder a graça que vos peço. Confio que o fareis porque Vós sois minha Mãe, meu alívio, meu consolo, minha fortaleza e todas as coisas depois de Jesus.
“Viva Jesus, viva Maria! Amém”. [aplausos]