Plinio Corrêa de Oliveira
Entrevista ao jornal “O Globo”
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https://youtu.be/H_uDgRiPOaM
O Prof. Plinio responde a numerosas perguntas, durante cerca de duas horas, de jornalista de “O Globo” que foi entrevistá-lo na então sede do Conselho Nacional da TFP brasileira, à Rua Maranhão n° 341 (Higienópolis), na capital paulista, a 4 de novembro de 1986. * * * 1. O que é que levou o prof. Plínio Corrêa de Oliveira a escrever o livro “A Propriedade Privada e a Livre Iniciativa no Tufão Agro-Reformista” (“Tufão”) e a desencadear a presente campanha? O que me levou a escrever esse livro foi a necessidade de esclarecer o público que tem pressupostos concordes com o nosso, a respeito do perigo que a RA representa para o Brasil. Quanto à campanha, foi um esforço paralelo. Não foi propriamente para divulgar o livro (“Tufão”), mas um opúsculo que escrevi — “No Brasil, a Reforma Agrária leva a miséria ao campo e à cidade” (“RA – Miséria”) — que é um desdobramento do livro, partindo da idéia de que, em nossos dias, a mera ação de um livro é multo pouco. Mas não me conformando também, de outro lado, com campanhas públicas vazias de idéias como se fazem hoje. Sabem, com certeza, que fizemos campanha no centro da cidade, em vários bairros, depois na Avenida Faria Lima e aquela zona toda, os bairros, a periferia etc. Fizemos campanha por toda a parte. Eu creio não exagerar — não foi contado assim nesses marcadores — dizendo que a acentuada maioria da população não sabia o que era Reforma Agrária. Não, naturalmente, na Faria Lima etc. Aqui neste bairro (Higienópolls) também, naturalmente sabem. Mas, em bairros mais modestos, no centro da cidade, as pessoas vinham perguntar o que é a Reforma Agrária. 2. Quantas pessoas foram esclarecidas por vocês nessa campanha? É quase impossível dizer, porque é um fluxo corrente de gente no centro da cidade. E muitas pessoas são sensibilizadas pela campanha em vários pontos. O sujeito tomou contato conosco, por exemplo, na Praça da República, depois vai ao Largo da Sé e depois vai tomar um ônibus ou qualquer coisa no Largo São Bento. Nesses três lugares ele encontra propagandistas da TFP. Se nós vamos contar a soma das pessoas com quem a gente tomou contato, dá uma coisa inflada, porque muitos tomaram contato várias vezes com a mesma banca. No primeiro dia de campanha, 1.200 pessoas estavam no centro. 3. Quais são os perigos que a RA vem trazendo e quais são as idéias que esta campanha está levando? O perigo em si, para vê-lo a olho nu é este: de um lado, estabelecendo a Reforma Agrária, estabelece-se o princípio de que o Estado pode — por razões de conveniência superficiais — desapropriar, a preço vil, terras particulares. É um confisco! É uma negação do princípio da propriedade privada. É também uma negação do princípio da livre iniciativa. De outro lado, o reconhecimento desse princípio traria desde logo a Reforma Urbana. 4. O que é a Reforma Urbana? Reforma Urbana é a declaração de que todos os espaços disponíveis nas cidades poderiam ser também destinados, pelo Estado, para residências de una tantos “sem casa”. Depois, naturalmente, virá o “sem empresa”. “Sem empresa”, quer dizer as empresas passam a ser propriedade de empregados, de funcionários, de operários etc. Mas, no fundo, propriedade do Estado. 5. Isso seria comunismo? Isso é comunismo. Agora, há um argumento que eu não quis lançar em nenhum de meus livros, nem nada e que é o seguinte: no dia em que as empresas pertencerem aos operários e aos trabalhadores da empresa — mecânicos ou intelectuais — que vão ser os donos de um jornal, por exemplo, aparece uma pergunta: que títulos têm esses trabalhadores do jornal para dirigir uma empresa, que vai por sua vez dirigir a opinião pública? Por que eles? É normal que o Estado, que representa o povo, seja dono de tudo? Então, acabou-se a liberdade de empresa. Um soviet qualquer fica dirigindo tudo. 6. Caminhamos para o comunismo? Se não houver oposição, sim. Agora, precisamos não ser obsoletos nessa idéia. A face mais recente do comunismo é a autogestão, que é a desarticulação dos grandes centros urbanos e a formação de comunidades muito menores, mas em propriedade comum. A respeito disso, eu escrevi um trabalho Mensagem de análise do programa do PS francês, que foi divulgado em 155 publicações de 69 países, totalizando 33,5 milhões de exemplares. Eu temo tudo isso para o Brasil, porque eu acho que as miniditaduras de grupinhos não dão ao indivíduo nem sequer a possibilidade de se refugiar no anonimato. 7. Quais são os indícios de que estamos caminhando para isso? O que quer dizer “estamos caminhando”? Há uma forte tendência para isso. Essa tendência — eu posso falar bem informado, porque a TFP tem contatos constantes com todas as classes sociais — é sobretudo sensível em certas categorias, por exemplo, de intelectuais, de jornalistas, de certos filões de plutocratas e de políticos; sem falar na esquerda católica, que é majoritária no clero. Tudo isso constitui uma soma de forças que se exercem nessa direção. Uns, como inocentes úteis; outros, como “companheiros de viagem “mais ou menos conscientes e por fim, outros definidamente e ostensivamente, porque assim o querem e programam. Isso é um aspecto. Outro aspecto é a média e a pequena burguesia, e o operariado, em que a multo forte maioria não é comunista. 8. Vocês auferem isso através de que tipo de contatos? Contatos pessoais bem amplos. Explica-se porque logo que se entra em contato conosco, a questão que é posta por todo o mundo é essa: comunismo x não-comunismo. De maneira que temos muita facilidade em conhecer a opinião de todo o mundo. E estudamos essas reações com cuidado, metodicamente. Temos, por exemplo, no ABC, uma sede da TFP. 9. É bem aceita? Muito bem aceita. Chegamos à conclusão de que no ABC há uma receptividade conservadora digna de nota. 10. Faz tempo que essa sede foi fundada? Talvez um ano. É mais ou menos recente. 11. Faz parte da estratégia de vocês ter montado uma sede justamente no ABC? Faz parte de nossa estratégia, sem ser estratégia maior, de ter contato com todo mundo. Quem quiser, se aproxima. Há pessoas que estão incumbidas especialmente de ter aproximações com essa classe, com esta outra, com aquela outra. 12. Esses contatos são feitos através das pessoas que procuram, ou a TFP vai procurá-los? Há de tudo: procuram-nos e somos procurados. É natural. 13. Que peso a Constituinte está tendo para a definição de um quadro como esse, que o senhor estava traçando? Eu acho que o resultado dessas eleições é uma incógnita. Porque, na realidade, basta percorrer São Paulo que se vê por todo lado propagandas eleitorais caríssimas. É muito raro ver-se um candidato que dê como argumento algo mais do que sua cara e seu nome: sorrindo, fazendo cara séria, cara de quem está trabalhando, cara de quem é bonachão, cara de quem não tem cara… qualquer coisa. “Aqui sou eu”. É como se um homem abrisse uma janela e dissesse: “quer votar em mim? Sou eu. “Como é que se chama? Chamo-me Plinio”. É o argumento… Quer dizer, o resultado dessas eleições é tão desvinculado de qualquer ideologia, que qualquer pessoa séria não pode afirmar que representa a ideologia do povo brasileiro; a meu ver. Pelo que eu tenho pleiteado — várias vezes — o plebiscito para cada uma das importantes inovações da constituinte. Eu não vejo como uma pessoa de pressupostos democráticos possa negar a validade dessa proposta. 14. O senhor é favorável a uma Constituinte? Se se convocasse uma Constituinte, sim. Mas, nas condições de impreparação em que o povo está sendo chamado às urnas… 15. Como é que deveria ser? Deveria ter havido um debate dos grandes temas muito mais acessível ao povo. 16. Quais temas? Para não ir mais longe: as três reformas que estão nos preocupando: Reforma Agrária, Reforma Urbana e Reforma Empresarial. 17. O senhor tem receio de que setores de esquerda tenham representação muito grande nesta Constituinte? Eu acho que é uma incógnita, porque uma porção dessas caras amáveis que estão sorrindo nos cartazes, a gente não sabe bem se são conservadores empedernidos ou se são esquerdistas furibundos. Como é que se pode saber!? “Vote em Pedro não sei o quê…”Dois candidatos do mesmo partido podem ter idéias completamente diferentes. 18. O senhor acha que os partidos não servem como referência ideológica? Ideológica, não. Aliás, no Brasil nunca serviram muito; tiveram apenas una referência ideológica. 19. A TFP tem desenvolvido algum trabalho em relação à Constituinte? Ela tem feito muito esforço para que os eleitores procurem saber dos candidatos o que pensam em matéria de Constituinte. 20. Como é que ela está fazendo esse esforço? Quando tem contatos, no interior, ela realiza conferências, promove reuniões e aconselha. 21. Indica candidatos inclusive? Não, até aqui não indicou. 22. Quando começou a Campanha da TFP sobre a Constituinte? A campanha da Constituinte é uma nota dentro da campanha da Reforma Agrária (que começou em agosto de 85). Não é uma campanha pró-Constituinte. A partir de certo momento começamos a falar sobre Reforma Agrária e Constituinte. Aí a partir do segundo semestre de 86, aproximadamente. 23. Há candidatos que são da TFP? Não. 24. Existem candidatos que afinem com a TFP? Creio que sim; alguns nos procuraram. Se alguém, na zona eleitoral dele, nos pedir um nome, nós daremos esse. Mas não temos compromisso, nem nada disso; pelo menos até o momento. 25. Quantos candidatos têm procurado vocês nos últimos tempos? E difícil dizer, porque nos mais variados Estados o pessoal que está fazendo campanha não voltou ainda. E eles não vão contando essas coisas por telefone ou por telegrama, porque não interessa. Eles têm carta branca para tomar contato com esses ou aqueles. No Estado de São Paulo: são poucos os candidatos que nos procuraram; talvez uns dez. 26. Eles pedem ajuda econômica também? Não, não temos dinheiro para dar. 27. Que estratégia tem a TFP de agora em diante? Existe algum programa já definido? A única coisa que está definida é, desde já, pedir plebiscito para as transformações importantes a que a Constituinte submeta o Brasil. 28. Vocês vão sair às ruas com essa Campanha? Provavelmente. Se não for nas ruas, será de qualquer outra maneira, mas faremos Campanha. Eventualmente, faremos alguma Campanha, por exemplo, tomando algum jornal. Vamos ver até que ponto os jornais se prestam a isso; quanto é preciso pagar. Porque as nossas publicações, com exceção da “Folha”, onde eu sou colaborador, são todas a preço de ouro, sem secção livre. (Os jornais adoram uma boa publicidade). Ah, pode imaginar. Na “Folha” mesmo o meu artigo é colaboração. Mas o que não for minha colaboração é em secção livre. (Os jornais gostam de um bom anúncio…) 29. Além da questão do plebiscito, há alguma outra bandeira em vista? De momento, não. Vamos ver o que vai acontecer na Constituinte. Nosso propósito é acompanhar a Constituinte, passo a passo. Isto significa que vamos acompanhar o noticiário com toda a atenção. E que vamos comentar com cuidado o que nos parecer necessário para a elucidação do povo brasileiro. 30. É possível que, após a Constituinte a TFP retome o trabalho dela? É possível, é bem possível. 31. A TFP pretende dar algum passo em direção a formar, cem outras entidades, uma frente? Também é possível. Depende muito das circunstâncias. Não descartamos de nenhum modo a possibilidade. Estamos à espreita. Espreita dá idéia de caçador. Nós estamos de espreita — não de arma na mão — mas de lapiseira na mão, ou de megafone na mão.
32. A Reforma Agrária seria o principal indício de que existe uma tendência comunista no Brasil? Vê-se isso pela publicidade. Basta folhear os jornais, ouvir rádios, ver televisão etc., que se percebe. Depois, há uma tendência muito forte da CNBB a favor da Reforma Agrária. Eles pretendem mesmo que o Santo Padre João Paulo II é a favor da Reforma Agrária. 33. Ele não disse isso? Ele disse aos jornalistas que ele desejava uma Reforma Agrária; o que ele entende por Reforma Agrária? Note-se bem o seguinte: eu passei a ele um telex muito grande (“Catolicismo”, SET/86), pouco antes da visita do Sarney. E eu esclareci a ele o ponto de vista da TFP. Se no país houvesse, realmente gente sem terra e ameaçada — já não digo só de morrer de fome — Mas de levar una vida infra-humana por causa da falta de terra, eu seria o primeiro a achar que seria preciso dividir alguma coisa. Mas o maior latifundiário do mundo Ocidental em matéria de terras ocupadas é o Estado do Brasil. Por que ele não divide isto? São as chamadas terras devolutas, super-aproveitáveis, como todo mundo sabe. Depois, de outro lado, é verdade que o indivíduo precisa ser dono da terra para enriquecer com ela? Se ele ganha um ótimo salário e é bom trabalhador, ele não pode enriquecer-se? Vamos ao caso: se se folhear um catálogo de proprietários de terra em São Paulo, no começo do século — portanto já no Brasil República — a maior parte dos magnatas da terra são nomes da velha aristocracia rural: Barão daquilo, visconde daquilo outro, etc. Agora, se se toma mais ou menos 1920, já o maior proprietário da cafeicultura no Brasil é um imigrante alemão: Schmit. Ele começou trabalhando a terra com as próprias mãos, como colono e enriqueceu. Se se pegar um catálogo de proprietários de terra hoje em São Paulo, mas também no Norte do Paraná e em outros lugares — quase todo o Sul do Brasil — vê-se que são nomes que não são portugueses, que não tem, portanto, origem antiga no Brasil, de descendentes de imigrantes, em que muitos vieram — isso não os desdoura em nada — em porão de navio, desembarcaram aqui trazendo apenas a sua saúde, sua vontade de trabalhar e força de garra na terra. Grandíssimo número desses fazendeiros que se vê hoje são filhos ou netos de colonos. 34. Para uma pessoa que queira enriquecer, as chances são as mesmas? Para uma pessoa que queira trabalhar de fato, trabalhar a fundo; ela, seus filhos ou seus netos podem enriquecer-se. Se não enriquecem, podem pelo menos levar uma vida à altura de uma condição humana. 35. O Sr. está apostando na tendência conservadora do povo brasileiro, mas o senhor já pensou se o povo vota (na Constituinte) a favor da Reforma Agrária? Querem a maior prova da tendência conservadora do povo brasileiro? Está dito numa de minhas publicações: percorram nos jornais todas as notícias dessas invasões, são sempre invasões. Quer dizer, são hordas de “sem-terra” – não sei se são sem terra – que chegam, acampam diante de uma fazenda, depois a invadem. Não se encontra caso de bóias-frias ou de colonos de uma fazenda que se revoltem. Eu não li caso nos jornais. Nessa torrente de notícias, eu não li. Se há, eu não li. Vejam a situação psicológica: na entrada da fazenda, na parte que dá para a estrada, há o pessoal que quer invadir, depois há a casa do fazendeiro e ali adiante estão trabalhando os bóias-frias ou ainda há colonos. Se esse pessoal invadir, ainda sobra terra para dividir entre os bóias-frias e os colonos. Portanto, isso equivale a um apelo aos bóias-frias e aos colonos a aderirem a eles e consumarem a invasão. Em nenhum lugar se deu essa adesão. Essa gente poderia acabar com o fazendeiro com um piparote. Não aconteceu… A coisa vai mais longe. Eles vêem que a polícia é chamada pelo fazendeiro e não atende. Eles têm, portanto, a garantia da impunidade… 36. Mas a polícia tem agido até com certo vigor. Sim, nos dois últimos meses, sim. Depois que saíram os pareceres desses dois advogados, isso sim. Antes, nada. E ninguém se revoltava contra os patrões. Isso é um povo revolucionário ou conservador? (A minha opinião é de que o brasileiro é altamente conservador). Então a TFP não está tão isolada no tempo, como se supõe. A publicidade dá uma idéia errada disso. 37. O senhor disse que a TFP é mais conservadora do que a média do povo brasileiro. Estão dando às minhas palavras o sentido que não lhes dei. Eu não estou dizendo que a TFP representa a média do povo brasileiro. Estou dizendo que a TFP está multo menos isolada, muito menos distante dessa gente, do que se costuma apresentar. A TFP não é um esputinique ideológico, solto no vazio. 38. O senhor mesmo disse que estava para cá. Andando para cá. Eu medi minhas palavras com todo o cuidado. Fui professor durante uns trinta anos e sei medir as minhas palavras direitinho… Eu gostaria de acrescentar uma coisa. Não foi suficientemente notado que há uma espécie de recesso no movimento agro-reformista. Quer dizer as invasões praticamente cessaram. De outro lado, também os pronunciamentos da CNBB a respeito da Reforma Agrária diminuíram muito, quer de número, quer de frequência. 39. Isso significa o quê? O que eu concluo é que a CNBB, em relação à qual estou em freqüente e relevante desacordo, que é multo atilada, deve ter percebido que não há clima, no momento, para o agro-reformismo radical que ela pleiteia. Para compreender a importância dessa percepção da CNBB é preciso notar que eu acho que a única força agro-reformista poderosa no Brasil é a CNBB. E que, sem ela, nem esta, nem outras reformas têm possibilidade séria de êxito. 40. A TFP está combatendo a CNBB? Não! A TFP combate o agro-reformismo da CNBB, o que é diferente de combater a CNBB. 41. Esse raciocínio não casa com o raciocínio inicial de uma tendência em caminhar para o comunismo e os perigos da Reforma Agrária… Eu não quis insistir, mas tive a impressão de que não fui bem claro nisso: eu dizendo que há um impulso no Brasil para o comunismo, eu não quero dizer que esse impulso seja irrefreável. Pelo contrário. Do contrário eu não estaria trabalhando. Eu acho que há um impulso nesse sentido e que esse impulso engajou os setores que eu mencionei. Esses setores têm seu peso. Se não houver uma ação em sentido oposto, não se sabe até onde pode ir. Havendo uma ação em sentido oposto, vemos o que está aqui: houve um impulso e parou. 42. Pelo que entendo, de sua afirmação, a ameaça não foi tão grande. Já que a CNBB é a única voz audível e séria?! Audíveis são muitas vozes — é um brouhaha —, mas a voz que de fato se faz ouvir pelo povo é a CNBB. Eu acho que toda essa espuma de personagens de grandes cidades, que brilham, que são apresentados pela mass mídia, de fato não tem grande raiz na opinião pública. Vamos dizer da classe média-média para baixo. Também estou longe de apresentar a classe média-média para cima e a classe alta como classes revolucionárias. Eu digo que nesses setores que eu apontei — entre os quais um certo veio da classe alta — é onde há um maior número de tendências esquerdistas. (Vocês têm um adversário duro pela frente). Sobretudo, seria duro se não tivéssemos o olho vivo e não soubéssemos bem que boa repercussão tem nessa massa uma posição conservadora. Se nós nos deixássemos levar por essa miragem, nós estávamos entregues. 43. Como o senhor vê o surgimento da UDR? Eu vejo o surgimento da UDR por alguns lados com simpatia e esperança. De outro lado, com reserva. Simpatia e esperança, porque a UDR é uma organização que entra no cenário com dinamismo muito maior do que as associações de classes tradicionais. E isso é digno de louvor. Vejo com reservas em dois pontos. Eu vejo na UDR uma tendência a fazer uma certa concessão em matéria de propriedade privada (temos una série de pronunciamentos de líderes da UDR a esse respeito) e ela é portanto contraditória. 44. Em que sentido? 1) Entre nós, Reforma Agrária é uma expressão que tem um sentido cunhado e é uma reforma que implica no confisco das terras pelo governo, a preço vil. O Estatuto da Terra é o tipo da lei agro-reformista. De um lado. 2) De outro lado, vejo que a UDR se diz favorável à Reforma Agrária. Isso só traz confusão. 45. Eles são mesmo favoráveis à Reforma Agrária? Num ponto, sim. Eu sou mais crédulo nesse ponto do que a senhora. Vamos pôr na ordem para interpelar o pensamento deles: eles dizem que são favoráveis à distribuição das terras devolutas, do Estado. Nisto, estamos de acordo. Dizem também — e aqui entra o desacordo — que são favoráveis à desapropriação de terras ociosas. Nesse ponto nós não estamos de acordo. Porque as terras ociosas particulares são um pingo em comparação com as terras públicas. 46. Se os próprios proprietários concordam em ceder uma parte delas, qual é o problema? Nenhum. Mas, a questão é que a UDR não constitui os proprietários. Ela não é associação dos proprietários de terras ociosas; ela é uma associação de todos os proprietários. 47. Inclusive dos que têm terras ociosas! Os que têm terras ociosas, se entrarem para lá, eles têm o direito de — com ou sem a UDR – darem. Isso é uma coisa diferente. Não podem impor aos que não queiram, que sejam obrigados a dar. Aqui é que está a questão. 48. A UDR representa os que não têm terras ociosas? Eu acho que os que têm terras ociosas não querem dá-las, salvo casos infinitesimais, que não chegaram ao meu conhecimento. 49. Pensei que eles estivessem do lado da UDR também. Não me consta; creio que também não há nenhum fato concreto nesse sentido. Eu digo o contrário e provo isso: a terra ociosa não é necessariamente, nem o é na maior parte dos casos, a terra largada por relaxamento, por preguiça, por vagabundagem. O maior caso de terras ociosas, no Brasil é nas zonas de desbravamento. É muito duro um homem deixar a vida de São Paulo ou do Rio, ou de qualquer outra grande cidade e ir para o fundo da fronteira rural do Brasil e abrir ali uma fazenda. Ele tem que aplicar muito capital, ele tem que ir uma porção de vezes, tem que aturar uma natureza muito dura, tem que se meter em zonas aonde ainda há crime, etc. É uma batalha. E uma espécie de forma moderna de bandeirismo. Esse quando vai num lugar desses, pede ou compra a preço muito pequeno zonas de terras enormes, que só vão valer porque ele vai trabalhar. Do contrário aquilo vai ficar parado. E ele quer uma zona enorme para fazer o futuro de seus filhos. Então, em parte ele nem tem tempo de cultivar e essas terras ficam dependendo dos filhos ficarem homens e trabalharem. 50. Se estão sobrando terras, que mal há nisso? Por esse raciocínio, se está sobrando terra, não há mal em que uma parte seja dada a quem não tem. É verdade. Das terras de quem tem muitas, do grande latifundiário que é o Estado; não dos particulares. 51. Eu fiz uma entrevista com a diretoria da UDR e eles estão propondo a formação de uma frente ampla para combater o comunismo e para defender a propriedade privada e a livre iniciativa. O que é que o senhor pensa disso? Eu penso que, se não comportar concessões doutrinárias – aqui é uma questão doutrinária – de que o direito de propriedade pode ser declarado extinto pelo Estado, sem necessidade efetiva para o país, esse princípio eu nego. Porque daí se chega até ao comunismo. Embora, de momento, só se aplique para as terras ociosas. Posto o princípio, não se sabe até onde vai. 52. Possivelmente eles não vão mudar esse princípio deles, porque já decantaram aos quatro ventos que eles têm essa posição. Como é que fica? Como eu decantei aos quatro ventos que eu não tenho. Eu poderei colaborar com eles no que estou de acordo; não colaborar no que não estou. 53. O senhor já está colaborando com eles? De algum modo sim, porque sei que em lugares por onde passam nossas caravanas, elas despertam a atenção de muitos fazendeiros e que isto depois ajuda o trabalho deles. Aliás, eu escrevi uma carta ao Caiado a respeito disso e ele nem me respondeu. Eu o digo sem acrimônia. Aí fora se tem a idéia de que eu sou uma espécie de dragão, eu sou um homem pacífico… 54. É porque o Sr. aparece pouco e não dá muitas entrevistas. As pessoas não o vêem. Não me pedem. Todas as vezes que me pedem, eu dou com muita facilidade. Eu sou um homem que tenho meus princípios. Mas estou disposto a colaborar com a UDR no que tenha propósito, de acordo com os meus princípios. 55. Nessa carta o Sr. fala disso? Eu trato dessa questão; não me lembro que eu fale de colaboração. É uma carta assim de duas páginas, em papel de ofício grande. Não me lembro que aspectos da questão eu tomei. Mas o tema da carta foi a questão da Reforma Agrária nas terras das pessoas que não cultivam a terra. Esta carta foi encaminhada em junho de 86. Mas eu transbordo de vontade de colaborar com eles, no que tem propósito. 56. A UDR financiou a questão dos “Pareceres”? Nada! 57. Como foi o rolo com a UDR? Dizem que a UDR tinha financiado pareceres de advogados indicados pela TFP. Não foi isso? [Aparte do Serviço de Imprensa da TFP] Nessa última publicação (“RA-Miséria”) há um box que explica exatamente toda essa confusão. Essa confusão surgiu por causa de uma notícia da “Folha”. Segundo a “Folha”, Caiado teria dito numa rádio da região de Conceição do Araguaia que a UDR estava difundindo uns pareceres da TFP. A “Folha” pedlu uma entrevista ao Dr. Plínio e Dr. Plínio deixou muito claro que devia ter havido confusão nas declarações do Caiado. O Dermi de Azevedo (repórter da “Folha”) voltou ao tema no debate da TV- Canal 2, com o Calado. Aí o Dr. Plínio deu nova resposta. 58. Essa discussão deu pano para manga. Um pouquinho. Isso para nós é um episódio dentro de cem outros. Não é assim tanto pano para manga, não. Há muito mais pano em nossas mangas do que isso. 59. Naquele opúsculo sobre Reforma Agrária (“RA-Miséria”) há um momento em que dito que a TFP tem recebido colaborações financeiras, inclusive de proprietários rurais. Eles são uma base importante nessas contribuições que a TFP recebe? Ao contrário do que muita gente pode pensar, a TFP vive de contribuintes médios e, por causa disso, o corpo de coletores e de contribuições que temos é bastante grande. 60. Quem são os coletores de contribuições? São sócios ou cooperadores da TFP. Agora, os pecuaristas e agricultores representam uma parte disso. 61. Em que porcentagem? Eu não tenho exatamente os cálculos, mas não creio que seja muito preponderante. Na TFP há uma Diretoria Administrativa e Financeira e há uma Diretoria que orienta as atividades culturais, sociais e intelectuais da TFP. Eu não tenho nada com a DAFN. Nunca quis me meter em questões de finanças, porque absolutamente não sou habilitado. 62. Como entidade, houve troca nesse sentido com a UDR? Não. Não nos deu nunca nada, nem pedimos, porque não achamos razoável esperar. Se eles vivem do mesmo público, não tem propósito que eles vão tirar de um contribuinte deles para dar para nós. A recíproca é verdadeira. A TFP vive no limite de seu gasto. 63. Eu nunca ouvi dizer que a TFP não tivesse dinheiro… Pode-se objetar: “Quem é que deu esses moveis todos (na sede do Conselho Nacional da TFP brasileira, na Rua Maranhão)? Quem é que deu esse vitralzinho aqui (que se acha na sala da biblioteca dessa mesma sede)? Quem é que deu aquele quadro de Piranesi (idem)? Isso aqui não cheira falta de dinheiro”. Eu sei bem. A vastidão da casa, a vastidão do imóvel, nada disso cheira falta de dinheiro. A maior parte dos móveis que há aqui são propriedade pessoal dos sócios da TFP e emprestados. Muitas vezes são móveis de nossas famílias que foram postos fora de uso pela modernização das habitações deles, e que obtivemos que dessem para a TFP. Muitos desses móveis são antigos e rejeitados. Outra parte desses móveis são presentes. Os sócios da sociedade civil dessa sede (acima citada) por exemplo são famílias de sócios que a alugam a um preço acessível. Tudo isso eu sei que dá a impressão de um, vagamente-vagamente, vagamente, palácio. 64. E essas doações de pecuaristas etc.? Querem ver para que dão essas doações? Na maior parte dos casos é para publicarmos no jornalzinho da cidade deles os pareceres do Orlando Gomes e Sílvio Rodrigues. 65. Então, os doadores estão dando pouco? Pouco em comparação ao que dão para a UDR. Não tem comparação. 66. Mas a TFP não tem terras? A TFP não tem terras. Ela tem uma terrinha para una casa de estudos, em Amparo. 67. Só? No Mato Grosso não tem nada? Nada, nada. No Mato grosso é uma outra coisa. O Dr. Adolpho Lindenberg é um dos diretores da TFP; o Dr. Plinio Xavier é sócio dele e também é diretor da TFP e eles são sócios de uma fazenda muito grande lá. Eles, privadamente têm essas terras lá. Mas isso aí é muito diferente da TFP ter terras. A TFP não tem nada. Outra coisa: a TFP não tem casas, não tem rendas, não tem nada. 68. Essa história de magnatas do petróleo americanos que ajudam a TFP é verdadeira? É uma pilhéria. Para publicar essa Mensagem das TFPs sobre o socialismo autogestionário, dois homens de boas posses dos EUA, mas que não são magnatas, ajudaram muito. Mas foi só, episodicamente. Não são contribuintes sistemáticos aqui da nossa TFP, nem nada. 69. Como é que vocês da TFP são associados? A TFP é uma sociedade civil regularmente constituída e se compõe de sócios e de cooperadores. 1) Sócios são os fundadores da TFP e um certo número de pessoas mais ou menos veteranas, que são admitidas no quadro social, em razão de sua maturidade, de sua dedicação, de serviços prestados etc. 2) Cooperadores: não são sócios. Eles existem no quadro dos que trabalham na TFP; são pessoas que, por idealismo, estavelmente prestam serviços à TFP. O que distingue um sócio de um cooperador e que o sócio faz parte dos quadros sociais, tem direito de votar e de ser votado. O cooperador, se se quiser, é um sócio em germe, mas não faz parte do quadro social. 70. Mas que se vestem da mesma forma e que têm… Esse negócio de que se vestem da mesma forma é uma fantasia. A “Manchete” ou um jornalzinho de Campos publicou que nós fazíamos exercícios de tiro ao alvo numa fotografia de João Paulo II, numa fazenda em Campos, e que os rapazes todos da TFP usavam ternos azuis, tinham gravatas azuis, automóveis azuis e que tinham os olhos azuis!… 71. Mas eu não vejo ninguém da TFP com barba, não vejo cabelos longos; usam calças sóbrias… Quer dizer, existe um estilo TFP. Espere um pouquinho. “Existe um estilo TFP” não está bem formulado. Sobrevive um estilo TFP! Porque a TFP usa o que há cinco ou dez anos se usava. De maneira que não é um uniforme criado pela TFP. É a persistência da TFP num modo de viver que não foi tirado das nuvens por um desenhista, mas é uma continuidade. 72. Mas eu não vejo como uniforme da TFP. Mas os jornais têm dado muito isso; creio que “O Globo” também. É mais ou menos como essa casa aqui. Aqui não entra objeto moderno porque a arte moderna tem atrás de si uma mentalidade, uma filosofia a que somos opostos. Assim também a indumentária moderna, que é um aspecto da arte moderna Inegavelmente — a indumentária é arte, a seu modo — também não é usada pelos membros da TFP. Poder-se-á argumentar: “Mas é obrigatório usar a indumentária antiga da TFP?” Resposta: não! A questão é que, quando o indivíduo não compreende o que há de dissonante entre a mentalidade da TFP e a indumentária moderna, ele também não compreende uma série de outras coisas da TFP. E, se se aproxima da TFP, ele a conhece um pouco e sai. 73. Não é fácil compreender a TFP. Eu acho que não é fácil, não. Mas nós temos livros publicados, temos trabalhos, temos uma imensidade de coisas para quem queira ver, para quem queira tocar a campainha e perguntar. 74. As pessoas da TFP vivem juntas? Nem todas. Vários são casados. Mas os que não são casados e que são a maioria, realmente muitos moram juntos, em sedes. Tanto os sócios, como os cooperadores. 75. Quantos são os sócios e quantos são os cooperadores? O que se poderia dizer do número de sócios e de cooperadores na TFP é que anda por volta de 1.500, no Brasil todo. É um número pequeno. 76. Quer dizer que essa campanha (“RA – Miséria”) mobilizou todo o mundo, porque foram 1.200? Nós temos também os correspondentes. A distinção destes com os sócios e cooperadores é que os últimos fazem normalmente do servir e do pugnar em favor dos ideais da TFP o seu ponto central da vida. O correspondente não; ele tem outros encargos, mas de bom grado ajuda a TFP. Ajuda essencialmente no quê? Poder-se-á pensar no dinheiro, mas não é. Eles, às vezes, dão pequenas contribuições. Mas o principal é a resolução que eles tomam de, nos lugares onde eles estão presentes, esclarecer as pessoas sobre a TFP — quando calha, naturalmente. 77. Poderia se dizer que são os “batedores” da TFP? São os vanguardeiros, num certo sentido. Porta-vozes extra-oficiais, se quiserem. São simpatizantes. A melhor definição é que são simpatizantes dedicados. 78. Em que países a TFP existe? A TFP existe em 21 países ao todo; quer dizer, entre TFP-associações e Bureaux da TFP, incluindo o Brasil. TFP-Associações: Brasil, África do Sul, Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Peru, Portugal, Uruguai, Venezuela (exílio). TFP- Bureaux: Assunção (Paraguai), Bruxelas (Bélgica), Frankfurt Alemanha), Johannesburg (África do Sul), Londres (Inglaterra), Paris França), Roma (Itália), São José (Costa Rica), Sydney (Austrália), Washington (EUA), Wellington (Nova Zelândia). Agora, são associações autônomas, quer dizer com pessoa jurídica própria, direção própria e finanças próprias. Na Venezuela a TFP foi fechada por um decreto do Governo Lusinchi, que é um Governo pró-socialista. A TFP iniciou um processo contra o governo, que ganhou, em última instância já. Mas o governo exerceu uma repressão policial brutal contra os elementos da TFP e eles então se expatriaram voluntariamente, enquanto durar esse governo. O núcleo existe — não existe associação — e eles residem em outras sedes de outras TFPs. Com exceção da Ásia, há TFP em todos os continentes. A diferença entre a TFP-Associação e um Bureau-TFP é que o Bureau é um escritório de tomada de contatos com as organizações congêneres, e respondendo a pessoas que têm curiosidade em saber o que é a TFP etc. Aqui (no tocante à falta de dados concretos sobre nós mesmos), se vê um outro traço da TFP: aí fora pensam que nós vivemos numa espécie de torcida, assim esticados, para nos apresentarmos. Pelo contrário tudo se faz muito “à la buona”. A senhora vê que está falando com o Presidente do Conselho Nacional; que foi em torno de um livro meu, chamado “Revolução e Contra-Revolução” — se me perguntarem em que data foi, eu preciso perguntar (1959) já não me lembro bem – e que foi traduzido hoje para todas essas línguas, que se constituiu todo esse movimento. Mas tudo isso se faz assim por una espécie de tomada de contato feito sem a psicologia de quem está tomando de assalto. E mais a psicologia de uma gota de azeite que se espalha, do que de uma bomba que explode. Mas, eu sei que aí fora a fisionomia que se dá de nós é muito diferente. 79. Por que o senhor acha que ocorre esse mal-entendido? A senhora sorriu antes de perguntar, porque sabe bem no que está tocando… É porque existe uma propaganda organizada contra a TFP como contra tudo que combate seriamente o comunismo. A UDR já está sendo atacada também. Quem combate o comunismo tem que se preparar para isso. 80. Como é que a TFP está combatendo o comunismo, nesse momento? Por exemplo, lutando contra a Reforma Agrária. 81. Existe algum programa para depois das eleições (de 15 de novembro)? Há dias atrás, a TV-Cultura pediu-me para participar de um debate, onde devia estar presente o Prestes. E eu devia fazer uma pergunta. Fiz ao Prestes essa pergunta: eu pedi a ele que explicasse quais são as vantagens que tem o comunismo na vitória da Reforma Agrária (todo o Brasil sabe que a Reforma Agrária é multo apoiada pelos comunistas). Ele saiu com uma coisa enorme, em que ele teve a lealdade de declarar que o socialismo é uma etapa para chegar ao comunismo e que, portanto, a Reforma Agrária é uma etapa para chegar ao comunismo. Nós não tomamos muito a sério – como força – o PCB ou o PC do B. Sonde-se por exemplo, o comício que eles fizeram aqui, com toda a liberdade possível, no Pacaembu, com artistas, com show, com tudo que se queira, ônibus grátis, pessoas representativas que comparecem… Ao todo comparecem no máximo cinco mil pessoas, que não ficam o tempo inteiro lá; elas circulam muito. Como tomar isso a sério? Para mim, o perigoso é a derrapagem da sociedade não-comunista, através das etapas intermediárias socialistas, que conduzem ao comunismo. 82. Se não são o PCB, nem o PC do B, quem está conduzindo a sociedade para a possibilidade dessa derrapagem? É o ambiente cultural contemporâneo, que conduz enormemente a isso por todos os lados. Tudo, ou quase tudo, quanto é idéia lançada com apoio dos mass mídia tende para isso. Mesmo jornais que podem ter tiradas contra o comunismo favorecem essa derrapagem. 83. Os jornais são eminentemente anticomunistas: OESP, O Globo — a “Folha” a gente não consegue saber direito o que é — mas “O Estado de S. Paulo” (OESP) é visceralmente anticomunista… Eu considero que esses jornais todos mantém a opinião pública na seguinte posição: uma espécie de horror ao comunismo e uma espécie de namoro com formas intermediárias que conduzem de longe ao comunismo. É assim que eu vejo a ação deles. Agora eu acho que isso tem o seguinte de nocivo, e que o burguês, que adora estar na última moda, tem a sensação de que ele pode conceder cada vez mais ao socialismo, sem favorecer o advento do comunismo, porque o jornal dele é ferozmente anticomunista e protege as formas intermediárias que levem lá. 84. Respeito sua posição, mas não concordo muito, porque eu acho que eles são ferrenhamente anticomunistas. OESP por exemplo é anti-qualquer coisa que dilua… Sabe que OESP é também ferrenhamente anti-TFP, não é? 85. Gostaria de saber por quê; porque vocês defendem princípios semelhantes; alguns princípios… … em comum com eles. Entretanto eu não vi OESP fazer contra uma entidade ideológica os ataques que fez contra a TFP. Por quê? Um entendedor, pessoa muito simpatizante do OESP e não simpatizante da TFP — eu não quero dizer quem é — encontrou-se certa vez num avião com um jovem da TFP do Estado dele. Estavam lado a lado e esse senhor — no tédio da viagem do avião — puxou uma conversa com o nosso jovem. O nosso jovem sabendo que ele era muito amigo do OESP, perguntou a ele: “Por que OESP ataca tanto a TFP?” Ele disse: “OESP, como o meu Partido, atacamos a TFP porque achamos que é preciso caminhar lentamente para uma transformação social, que não está nada distante do comunismo. Mas, temos que caminhar lentamente. O comunismo quer caminhar rapidamente e nós o combatemos. Vocês querem o imobilismo; nós os combatemos também. Não se espantem. 86. O senhor concorda que a TFP quer o imobilismo? Na perspectiva dele, eu compreendo que ele chame isso de imobilismo. De fato, é uma coisa mais carregada: é caminhar em rumo oposto. Não é ficar parado. Então, alguns dizem que somos medievalistas. A resposta é: não se pode querer nenhuma cópia de nenhuma época do passado. Mas no livro RCR eu mostro que toda a transformação do Ocidente num rumo que desfecha no comunismo, se deu nessas etapas. O Humanismo e o Protestantismo, no século XVI, é uma Revolução de caráter filosófico e cultural, (como é o Humanismo) e de caráter religioso, afim com o protestantismo. São Revoluções afins. Deram na primeira Revolução. Se se vai observar essa Revolução com lupa, vê-se que o Protestantismo fez um serviço igualitário dentro da Religião: negou o Papa; quase todas as seitas protestantes negaram os Bispos e algumas até negam os padres. Quer dizer: Igualdade, achatamento. A Igreja Católica, não: ficou o papa, ficaram os bispos, isto é, a hierarquia. A Revolução Francesa fez a mesma transformação na ordem civil. Ela acabou com toda a hierarquia social. Ficaram apenas ricos e pobres. Desapareceram nobres e plebeus. A Revolução Comunista faz a mesma coisa. Fica a sociedade reduzida a uma classe só. São três Revoluções. Nós somos opostos a essas três revoluções. 87. Agora, como é que se caminharia em rumo oposto? É preciso ter uma mentalidade fundamentalmente católica. É preciso esperar que os homens abracem uma mentalidade fundamentalmente católica e portanto não-progressista; que compreendam a legitimidade de uma hierarquia harmônica e proporcionada — na ordem religiosa, como na ordem política, social e econômica — na qual a todos se assegure as condições necessárias para uma vida digna, se assegure o uso largo dos direitos da natureza humana. Mas, a partir deste nível comum a todos, que haja uma hierarquia. 88. Isso existe no Brasil? Também não somos entusiastas da ordem atual do Brasil, de nenhum modo. Agora, como é que isto existiria no futuro? Obtida uma transformação das mentalidades a este respeito, numa situação toda ela reanalisada a partir desse princípio, haveria de surgir uma grande variedade de formas de organização política, social e econômica, de acordo com as peculiaridades do povo. Nunca admitindo duas coisas: nem a igualdade completa; nem a desigualdade que fira esse fundamento igual que devem ter todos os homens. 89. A TFP é uma entidade de extrema direita? É das tais coisas: se se fosse tomar uma régua e se fosse marcar nela da extrema direita para a extrema esquerda (toda régua tem que ter uma extrema direita e uma extrema esquerda) e se a gente fosse eliminando sistematicamente os extremos, nós chegaríamos a eliminar a própria régua. Porque ainda que houvesse só o centro, tem uma face que está para a direita e outra que está para a esquerda, e haveria gente que chamaria isso de “extrema direita” e “extrema esquerda”… Então, se se toma o quadro ideológico atual do Brasil — pode-se dizer do mundo a organização mais direitista que eu conheça, eu acho que é a TFP. Mas, eu nego que isso seja igual ao exagerado. Nego vivamente que seja sinônimo de exagero; que seja sinônimo de agressividade. E agora, pondo o dedo na ferida: que seja sinônimo de nazismo. É preciso que se saiba que, no tempo do nazismo, o jornal católico que mais combateu o nazismo e o fascismo se chamava Legionário. Eu era o diretor do jornal, e eu era que escrevia a secção mais contundente contra o nazismo e o fascismo. Querendo, podem ver, que está à disposição. Não está nesta sede, mas eu tenho as coleções do Legionário. Já ofereci para verem; ninguém veio ver… Quer dizer, eu nego que a posição da TFP tenha algo de comum com o nazismo, nem com fascismo. Não tem nada de comum! Eu combati o nazismo e o fascismo. Mas combati amplamente, largamente. Fui contra o Estado forte do Getúlio Vargas. 90. Mas, a favor da Revolução de 64!? A favor da derrubada do Jango. Nunca me viram ser premiado ou apoiado pelo regime que saiu daí, em nada. Fui ignorado. 91. O senhor fala disso assim com uma ponta de algo na linha da ingratidão; como quem recebeu ingratidão da parte dos que fizeram a Revolução? Não, porque eu nunca me candidatei a nada. Eu nunca pedi nada ao governo ditatorial. Eu tinha alguns bons amigos no Exército, mas não eram homens graduados. O homem mais graduado que havia no exército — esse foi meu amigo — foi o Gen. Souza Mello. Ele foi Ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas. A única coisa que ele fez foi inaugurar nosso auditório, no fim de 74 (outubro). Ele veio no dia seguinte ao que ele tinha pedido demissão do cargo e chegando aqui, me disse: “Dr. Plinio, o senhor não sabe as oposições que eu tive a que eu viesse visitá-lo antes de deixar o cargo. Mas deixado o cargo, sou livre. A primeira coisa que eu faço é visitá-lo.” Aí se vê quantas pressões se exerciam contra nós. Alguns estão certos de que nós éramos os benjamins da ditadura militar. Isso não corresponde a nada. Ninguém citou um fato nesse sentido. Como é uma Campanha da TFP? A TFP chega numa cidade; seus componentes se dirigem a um lugar público, montam uma banca com material e com as capas e estandartes começam a fazer a venda para os transeuntes. Desses transeuntes a TFP tem por princípio não recusar — mas não procurar — contato com pessoas que estão nos antípodas do pensamento dela. Recebe-as de bom grado mas não as procura. Porque tem tanta gente para procurar que é uma enormidade. Nós não vamos perder tempo podendo trazer muita gente, que um pequeno esforço de translação poderá nos fazer seguir – não vamos procurar gente que é preciso passar alguns dias para começar a provar que… Então procuramos pessoas que são mais próximas, convidamos para uma conferência — sempre pública. Ou são reuniões pequenas, em casa de uma família, quando muito de passagem e, portanto, o nosso contato com o lugar é multo superficial. Mas todos os convidados podem trazer quem quiser sem restrições. E as conferências são de portas abertas. Em lugar acessível à rua, etc. E aí se faz a exposição sobre a matéria. Uma, duas, três, conforme for, e passamos adiante. Isto é uma Campanha. 92. Como é que o senhor situaria o peso da TFP nesse momento? O senhor sente que já houve um período em que ela conseguiu conquistar mais adesões do que tem agora? Nunca ela teve tantas adesões como agora. Os jovens que entram na TFP são muito numerosos. 93. Está aumentando a partir de quando? Isso foi sempre assim. A TFP nasceu de um núcleo inicial de uns sete ou oito antigos congregados marianos. Isso foi em 1945. Esse núcleo passou anos sem que entrasse uma só pessoa, apesar de fazermos esforços. Anos depois, entrou um núcleo um pouco maior, mas assim em bolo, de ex-alunos do colégio São Luís. Cinco anos depois formou-se um terceiro grupo, de ex-alunos de colégios oficiais do Estado. Assim foi se formando aos poucos núcleos que se reuniam. Mas cada vez o fenômeno era o mesmo: os que entravam eram mais novos do que os que estavam. Quer dizer, tornando-se a idade dos de minha idade, o recrutamento na própria idade deles era pequeno; foi nulo. Mas recrutamos uma idade correspondente ao do Dr. Paulo Brito. Nós, mais o Dr. Paulo Brito, recrutamos numa idade correspondente ao sr. João Clá; e assim a TFP foi se formando como uma espécie de pirâmide: com o curso do tempo cada vez mais gente, mas sempre gente nova, que vai ficando. 94. O recrutamento hoje se dá em que faixa? O recrutamento costuma dar-se assim numa fase que vai mais ou menos da adolescência até os 30 anos. É o mais freqüente. Há recrutamentos fora dessa fase, mas já são mais raros. Isso é o normal, porque aos 30 anos mais ou menos o homem dificilmente deixa os seus interesses e os engajamentos que ele tomou na vida, para ir servir um ideal. É multo difícil. Considero adolescentes, em tese a partir dos 15, 16 ou 17 anos. É uma coisa eclética. Nos últimos tempos está sempre aumentando mais. Sobre a questão da “lavagem cerebral” nós organizamos — com apoio da TFP norte-americana, naturalmente — um folheto com pareceres dos maiores psiquiatras, de fama mundial, e depoimentos que temos por escrito, dizendo que a “lavagem cerebral” é uma coisa que não existe. Que é uma patota jornalística lançada em tal data etc.— isso está editado em português (“Catolicismo“) e está editado também em espanhol (brochura na Colômbia) e inglês (brochura nos EUA) — e que isso é uma fantasia; não existe. E que não há — esse ponto é importante — psiquiatras célebres que adotem a história da “lavagem cerebral”, que digam que existe “lavagem cerebral”. 95. Se bem que eu não pretenda entrar nesse tema da lavagem cerebral… Eu não quero que se pense que nós temos temas doloridos, e que por discreção não se fale neles. A título de curiosidade, o ambiente interno da TFP é o que imaginavam ou é diferente? Eu não tinha formado uma imagem. É que dizem tanta coisa. E depois aquela CPI do Rio Grande do Sul não deu em nada. Ficaram quietos. E nós poderíamos ter exigido deles que declarassem o que é que tinha dado o relatório. Mas, exatamente era período de ditadura e nós não quisemos pôr o pé em cima do vencido, e deixamos a coisa evanescer-se. Aliás, no Jornal “Zero Hora” (Porto Alegre) sempre houve um foco de detração muito grande contra a TFP. Eu me lembro que há alguns anos, um rapaz que pertencia à TFP encontrou, no elevador, um outro que tinha pertencido à TFP. O que tinha saído perguntou-lhe: “você ainda está na TFP?” O da TFP respondeu: “sim, estou”. O outro respondeu-lhe: “você não está vendo que aquilo é uma organização de gente de classe aristocrática. E que, por causa disto, você que é filho de uma lavadeira, não lhe fica bem estar lá?!” Quando o da TFP viu ser posta a mãe dele na coisa — ela era lavadeira, mas digna de respeito — ele foi dando murro; não feriu, mas quebrou os óculos. Parece que era uma coisa preparada, porque o sujeito pegou os óculos e os levou para a polícia, para mostrar que tinha sido objeto de uma agressão. Isso percorreu o Brasil inteiro! – nós temos o “dossier”: – “um membro da TFP agrediu um outro que não estava de acordo com ele”. 96. Vocês têm algum contato com a “Causa” do Brasil? O que é a “Causa”do Brasil? Um braço da seita Moon. Não temos nenhum contato. A “Causa” não conheço. Com o Moon temos uma oposição ideológica completa: nós somos católicos apostólicos romanos tradicionalistas e o Moon tem uma filosofia pagã. 97. Mas a “Causa” é anticomunista; defende a propriedade privada e a livre iniciativa. Agora tenho idéia de ter ouvido falar de congressos da “Causa” tomando hotéis inteiros, aos quais nem fomos convidados. A possível vinculação com a “Causa” é um dos mitos anti-TFP que esvoaçam de toda parte. Não há o que não se tenha falado contra a TFP. Também isso: de que a TFP é uma organização de aristocratas. Na realidade encontra-se gente de todas as classes sociais na TFP, na mais amigável promiscuidade. 98. Há alguma classe em que a TFP tem maior penetração? Pequena burguesia. Vou dizer mais: é aquele setor da pequena burguesia apenas emergente do operariado. É onde há maior penetração. Os de esquerda têm em relação à TFP uma diferença que não se imagina. É uma diferença de método de investigação da realidade. Em geral, os de esquerda são muito teóricos, eles pensam que não o são, mas são muito teóricos. Então fazem um cálculo assim: a classe pequena é interessada em pegar o dinheiro da classe grande; logo, ela deve ferver de vontade de fazer Revolução e a classe alta deve ferver de conservantismo. Esse é o cálculo. Mas é preciso conhecer a realidade para ver como ela é. E é preciso ir tratar com a classe pequena, com esse, com aquele. Muito freqüentemente, os intelectuais de esquerda escrevem no gabinete e não tomam contato com a realidade fora. E eu fico pasmo de ver como eles fazem geometrias do que seria isto, do que seria aquilo, de coisas que estavam no espírito de Marx. A gente vai ver a realidade viva e a coisa é completamente diferente. Lucrariam em ver mais a realidade e tocá-la com a mão. Pegar um rapaz daqui — às vezes de famílias modestíssimas — e que no entanto tem entusiasmo pela TFP, são amigos etc. — vivendo num ambiente em que não foram educados. Mas, não se sentem revoltados; não sentem nada. 99. Há uma outra interpretação da realidade que diz que, em geral, as classes- menos favorecidas são justamente as que tendem mais para a direita, porque elas têm menos acesso às informações. Isso é o tipo característico do raciocínio teórico. Porque, na realidade, a que informações elas têm acesso? A informação que mais se veicula é a da própria miséria. Dessa têm experiência. Não foram ler isso nos livros. Elas sabem o que é a pobreza delas e o que não é. Isso elas têm muito mais do que os intelectuais, que escrevem frases bonitas como essas. (Aquele) Vitralzinho… Aquela parte central é o resto de um vitral antigo, do século XVI, da Alemanha, que compramos num antiquário de Buenos Aires. Então, mandamos fazer atrás uma caixa de luz, para fazer reviver o vitral. O que é bonito nesta sala é aquela gravura lá. É de Piranesi e representa o Palácio Farnese, em Roma, hoje embaixada francesa. Piranesi é tido como um dos melhores autores de gravuras do século passado; mais antigo até um pouco. Aquele é um quadro bom. 100. Vocês não gostam nada de moderno? Não! Tudo é cuidadosamente selecionado. A casa mesma é antiga. Um histórico do bairro de Higienópolis, que saiu publicado há pouco (feito aliás por uma senhora que me disseram ser do PC; não sei se é verdade) dizia que a casa residencial mais antiga do bairro é esta aqui. Esta casa não é nossa. Ela é de uma sociedade civil que a aluga para nós. Mas, quando esta sociedade civil comprou a casa, ela recebeu da família que a vendia fotografias e coisas assim do histórico da casa e ela, naturalmente, arquivou tudo e no-lo mostrou. A casa é de 1895. Foi construída por um alemão. Tem influência alemã, sobretudo no hall. Essa sala aqui (a biblioteca, onde foi feita a entrevista) é um pouquinho inglesada. Abaixo, vídeo da sede onde se realizou a presente entrevista
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