Morte da Princesa de Lamballe, dama de corte da Rainha Maria Antonieta

Santo do Dia, 12 de novembro de 1970

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.

 

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Maria Luísa Teresa de Saboia (Turim, 8 de setembro de 1749 – Paris, 3 de setembro de 1792), mais conhecida como Princesa de Lamballe

Podemos ler uma ficha relativa ao ódio revolucionário e que é a morte da Princesa de Lamballe. Ela foi uma das vítimas mais célebres da Revolução Francesa. Pessoa de muito destaque na Corte da França, era aparentada com a Casa Real e era conhecida pela sua boa conduta moral, pela virtude de que tinha dado mostras e pela predileção especial também de que ela gozou, durante algum tempo, da parte da rainha Maria Antonieta.

Acontece que, em determinado momento, Maria Antonieta separou-se da Princesa de Lamballe e esta foi viajar e passou uma temporada grande em Londres. Arrebentou a Revolução Francesa, e ela sentindo que a rainha começava a entrar num ciclo de desgraças, julgou sua obrigação sair de Londres onde estava, para associar-se ao destino da Rainha, embora tivesse essa queixa do fato da rainha ter-se distanciado dela. E morreu vítima da dedicação que tinha tido à rainha.

A morte dela foi uma das mais atrozes que houve durante a Revolução Francesa. Morte atroz, é bem verdade. Morte totalmente imerecida, eu não ousaria dizer. A Princesa de Lamballe, como muitos nobres daquele tempo, provavelmente ignorando o que havia de ruim na maçonaria, aceitou a dignidade de grã-mestre da maçonaria francesa; enquanto o cunhado dela, o duque de Orléans, era o grão-mestre da maçonaria francesa. Maria Antonieta sabia que a Princesa de Lamballe era grã-mestre da maçonaria, e aprovava esse fato.

A tal ponto, que vi mais de uma vez em livros, uma carta de Maria Antonieta interessando-se pelas obras de caridade que a maçonaria estaria fazendo e felicitando a princesa pelo êxito da ação caritativa da maçonaria. Os senhores sabem que essa ação caritativa não passa de uma tapeação e que de fato a maçonaria promove a destruição da civilização cristã, tendo como vistas últimas a destruição da Santa Igreja Católica. A maçonaria é “a sinagoga de Satanás”, como dizem os Papas.

Os senhores me dirão: que culpa tinha a princesa de Lamballe pelo fato de ser grã-mestre da maçonaria, uma vez que ela ignorasse que a maçonaria é “a sinagoga de Satanás”?

Tinha culpa, porque havia já dois documentos pontifícios publicados e condenando – um bastante tempo antes, sendo que sua morte se deu em fins do século XVIII, o documento a que eu estou aludindo é de mil setecentos e trinta e tantos -, proibindo ais católicos que entrassem na maçonaria e explicando o mal que nela havia.

É verdade também que as coisas não eram tão simples assim. Porque se é exato que a maçonaria estava condenada, as autoridades eclesiásticas manifestavam um extraordinário relaxamento no proibir a atuação da maçonaria. E havia grande número de sacerdotes oficialmente maçons. De maneira que se podia ter a impressão de que estas condenações tinham caído em desuso em virtude de entendimentos confidenciais que teria havido – de fato não houve – entre a Igreja e a maçonaria!

Os senhores compreendem que o caso não é simples de elucidar. Mas é sempre uma mancha.

Esta morte, cruel e bárbara como os senhores verão, foi ao mesmo tempo uma morte que revelou a abnegação dela, e que lhe terá sido uma punição. A abnegação e a punição, ambas recebendo na morte a sua recompensa. Sua morte tem algo de um martírio e neste sentido ela é sublime. Ela tem algo de punição e nesse sentido ela é lindíssima. Uma pessoa pode ser castigada recebendo o martírio.

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Foi o que aconteceu com São Tomás Becket, por exemplo, que recebeu a comunicação de Deus que ele morreria assassinado pelo rei da Inglaterra, como punição pelo fato de ele ter recebido a dignidade episcopal sem vocação. Ao mesmo tempo, como ele era morto pelo fato de ele se manter fiel aos princípios, acontecia que ao mesmo tempo recebia no martírio a palma e a punição, ambas as coisas juntas. Hoje é venerado na Igreja Católica como um santo de altar.

Estou longe de dizer com isso que a princesa de Lamballe possa ser venerada como santa de altar. Não há sintomas disto. Eu não disse que a morte dela foi propriamente um martírio, mas que tem algo do martírio. Quer dizer, ela morreu por encarnar princípios, tradições e instituições que o ódio satânico da Revolução queria destruir. E neste sentido, teve algo de martírio. Teve algo de martírio também porque expôs sua vida para cumprir os seus deveres de dedicação para com a rainha. Mas até que ponto havia nisso espírito sobrenatural, que caracteriza o mérito do martírio, é coisa historicamente discutível.

Isso não deixa de tornar infame o crime praticado contra a pessoa dela pela Revolução. O texto que tenho a comentar é o seguinte:

“A Princesa se tinha indisposto pelo alvoroço dos assassinos em Paris” – tinham assassinado muita gente etc.

“Sonhos terríveis lhe tiraram a possibilidade de dormir e ela, que já estava presa, foi subitamente obrigada a seguir os assassinos até uma das prisões chamada Abadia. Estava tão fraca que apenas podia levantar-se e pediu que a deixassem onde estava. Preferia morrer ali do que em qualquer outra parte.

“Um dos assassinos que devia levá-la, inclinou-se sobre ela e lhe sussurrou no ouvido que obedecesse. A sua salvação dependia disso. Então, ela pediu àqueles homens que a deixassem só um instante para que ela pudesse se vestir. Logo depois, ela aceitou o braço de um soldado, porque ela não podia se sustentar e foi levada de seu aposento ao tribunal que funcionava na prisão da Abadia, o qual era dirigido por Hébert e Louilière[?]”.

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Jacques-René Hébert (1757-1794)

Hébert era uma das feras mais famosas da Revolução Francesa.

“Quando viu as espadas desnudas e os assassinos todos manchados de sangue, e ouviu também o clamor das vítimas, ela caiu desmaiada. Sua camareira, Mme. de Navarre – sua dama de companhia aliás – fê-la voltar a si com dificuldade. Logo começou o julgamento.

“Quem sois? Perguntaram.

“- Maria Luiza, Princesa de Sabóia”.

Ela era nascida italiana – Princesa de Sabóia, casada com um Príncipe francês.

“- Qual é seu emprego?

“Diz ela: – dama de honra da rainha.

“- Tivestes conhecimento da conspiração da Corte no dia 10 de Agosto?

“Resposta dela: – eu não sei de que em 10 de Agosto tenha havido qualquer conspiração. Mas eu sei dizer que eu nunca ouvi falar de semelhantes coisas.

“- Jurais ser fiel à liberdade e igualdade e jurais ódio contra o rei?

“Diz ela: – eu jurarei de bom agrado as duas primeiras coisas: liberdade e igualdade. A última eu não posso jurar, pois que meu coração contradiz a semelhante juramento.

“Um dos que estavam por detrás dela lhe sussurrou no ouvido: – entretanto, jurai, senão vós estais morta.

“A Princesa não respondeu e deu um passo em direção à porta. O juiz exclamou: – levem essa senhora à Abadia.

“Os carrascos que estavam lá acorreram e a porta abriu-se diante dela. Gritaram: – Viva a Nação!

“Ela, ouvindo esses berros e ao mesmo tempo vendo os assassinos e os cadáveres, exclamou: – Meu Deus! Estou perdida!

“Neste instante recebeu uma ferida na cabeça que encheu o seu rosto de sangue.

“Um dos homens que ali estavam a jogou no chão e os outros a traspassaram com lanças e espadas. Seu belo corpo foi imediatamente desnudado e mutilado do modo mais afrontoso. Um daqueles monstros comeu o coração dela.”

É uma coisa absolutamente demoníaca! A ferocidade do homem não chega até lá, apesar do pecado original e tudo. Isso é do demônio!

Depois, os senhores estão vendo o conjunto das coisas: uma mulher enfraquecida, inocente e que é morta por esta forma, e um sujeito que arromba, por assim dizer, o peito dela para arrancar o coração para comer.

(Aparte: Um detalhe curioso é que ela sendo muito favorável a ajudar os pobres, depois de morta o coração dela foi levado e apresentado nas casas dos pobres que ela sustentava, para mostrar a eles o coração que os tinha amado. E depois é que o comeram)

Que coisa pavorosa! Não tem palavras! Se isso não caracteriza o demônio, então não há caracterização do demônio. A meu ver, essas coisas bastariam para provar, ou ao menos deixar o espírito humano sumamente propenso à ideia de que existe o demônio.

“E quando comeu o coração dela, disse que não havia prato mais gostoso do que este. A cabeça, cuja face estava enobrecida pela morte, foi primeiro colocada como espetáculo da massa numa taverna e se brindou à morte dela.”

Os senhores podem imaginar a cabeça de uma morta, colocada numa taverna e todo mundo rindo e brincando e bebendo à saúde dela…!

“Logo foi colocada sobre uma lança que foi coberta por seus formosos cachos louros, e ela foi levada pelas ruas e pelas casas onde tinha vivido e tinha visitado a miúdo, como se a morta ainda pudesse ter um sentimento por isso.

“Um cabeleireiro aproveitou a ocasião, para cortar da cabeça alguns de seus mais belos cachos.

“Subitamente se disse entre a canalha, que se devia mostrar a cabeça aos prisioneiros do Templo, para que vissem de que modo se vinga o povo de seus inimigos”.

Os prisioneiros do Templo eram o rei e a rainha, que estavam presos na torre do Templo.

“O rei foi então convidado a mostrar-se ao público e então puseram diante dele a cabeça de Mme de Lamballe, que ele olhou com horror.”

Os senhores podem imaginar a cena naturalmente…

“Também a rainha devia aparecer na janela, mas o rei a reteve e foi-se embora com ela.”

“Contudo, naquela mesma noite, ela soube de tudo e teve que conhecer claramente a sorte que para ela mesma estava guardada”.

A rainha percebeu nessa ocasião, que estava reservada para ela, a sorte que a princesa de Lamballe estava recebendo. É evidente.

Quem fazia isso com quem era menos, o que não faria com quem era mais?…

“Em seguida, a cabeça dela foi levada ao Palais Royal e ali se chamou o duque de Orléans, cunhado dela, e grão-mestre da maçonaria.

“Precisamente ele estava sentado à mesa com a sua nova concubina, a viúva Buffont. Friamente ele olhou a cabeça. O amigo do povo não se atreveu a repreender o assassinato de sua cunhada. Ele simplesmente disse: pobre mulher! Se ela tivesse seguido o meu exemplo, a sua cabeça não estava aí!”

Nem isso é verdade, porque ele foi guilhotinado e morto.

“Mas Mme Buffont – que é a “fassura” – caiu horrorizada sobre uma cadeira e cobriu seus olhos com as mãos, exclamando: Meu Deus, um dia levarão a minha cabeça do mesmo modo!”

É só do que esse gênero de mulher é capaz…

Uma dama da rainha, à qual também se levou a cabeça para ver, caiu desmaiada à vista da cabeça e morreu poucos dias depois por efeito do terror.

“Criados fiéis ao duque de Penthièvre, que era o sogro dela, que venerava sua nora por suas virtudes, perseguiam os assassinos com consideráveis somas de dinheiro no bolso e procuraram uma ocasião de comprar-lhes as caras relíquias. Eles conseguiram comprar a cabeça, a qual foi trancada num cofre de chumbo e enterrada na sepultura da família, em Dreux. A notícia da horrenda morte de sua nora causou a morte do duque. Grande Deus, exclamou, para que servem a juventude, a formosura e a graça, se nem sequer já encontram mais favor diante do povo? Durante anos eu vivi com ela e nunca encontrei em sua alma um pensamento que não fosse pela rainha, para mim e para os pobres. E a esse anjo, puderam fazê-lo em pedaços!”

O duque de Bourbon-Penthièvre, que era o sogro dela, era um homem tão esmoler – ele era imensamente rico –, que durante a Revolução contra ele não ousaram fazer nada. E ele morreu tranquilamente na cama. Porque a popularidade dele era tal, que não houve meio de animar os assassinos a tocarem nele.

Esta princesa era companheira dele nessas doações, porque ela era viúva, e vivia em casa do sogro e participava da ação caritativa do sogro.

Os senhores veem, portanto, aqui, o espírito, a mentalidade da Revolução Francesa que é tal e qual da Revolução comunista na Rússia. E que fez exatamente com os descendentes do Tzar a mesmíssima coisa. E é a mentalidade do comunismo na América do Sul. E os senhores ainda têm uma expressão horrorosa disso na figuração, em Santiago do Chile, da estátua de Che Guevara, com um fuzil, como quem diz: “Nós o glorificamos enquanto assassino, com o instrumento do crime na mão”. Esse é o pensamento expresso. O que equivale a dizer, em outros termos, que quem se opuser ao comunismo no Chile, será morto. No Chile e por todas as outras partes…

Monumento a Che Guevara levantado em Santiago do Chile, em 1970, acima mencionado

 

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