Moisés (festa: 4/9) – Profeta, chefe de estado, patriarca, legislador, general e de profunda humildade…

Reunião de 21 de outubro de 1971

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

[Comentários do artigo “Moisés”, escrito por André Frossard, publicado na revista francesa “Historia” nº 289, de dezembro de 1970]

“Moisés, talvez o maior homem que tenha existido, pois Jesus Cristo é Deus”.

A entrada [do comentário] já é francesa… Aquela síntese francesa: pam! Pam! Já liquida uma coisa e põe de lado, não é? Eu acho isto simplesmente magnífico!

“Sua vida pública, iniciada aos oitenta anos…”

Imaginem só… É de a gente cair de costas, não é?

“…se desenrola sob um céu tempestuoso, apenas iluminado de longe em longe pelo interlúdio pastoral de uma doçura sem amanhã”.

Quer dizer o seguinte: é uma vida de tragédias, com alguns episódios dulcíssimos, mas que dão logo depois noutra tragédia. É terrível a vida dele!

Mas também os Srs. vão ver como ele foi glorificado! Como caíram mil à esquerda dele e dez mil à direita. O fim de Moisés é uma verdadeira beleza.

“Ele fez de Israel um povo e uma religião em marcha, perfilado ao redor de sua lei, como um exército ao redor de sua bandeira”.

Não sei se os Srs. percebem como está bem expressa a obra dele. Quer dizer,  aqueles judeus que viviam no Egito eram um mundaréu de escravos, sem direitos, sem constituição, sem nada! Era um segmento racial. Ele transformou esse magma étnico num povo e fez desse povo uma religião em marcha. Porque, realmente, a religião deles tomou outra consistência, outra amplitude, outro porte ao longo desses quarenta anos de peregrinação no deserto, que parecem quarenta anos inúteis, mas que foram quarenta anos em que eles se prepararam para ocupar a terra prometida.

O “rio chinês” [tortuoso, com idas e voltas, n.d.c.] seguia, seguia… seguia… e ele não havia meio de entrarem na terra prometida. Mas, com uma síntese toda francesa, esse sujeito vai expondo já o que aconteceu.

Ou seja, durante os quarenta anos de espera, eles se transformaram num povo e depois numa religião em marcha, “perfilado ao redor de sua lei, como um exército ao redor de sua bandeira”. Quando eles entraram na terra de Israel, eles já estavam completamente estruturados para ser o grande povo que foram depois.

Os Srs. vêem, portanto, aqueles quarenta anos de “rio chinês”, que foram os quarenta anos de luta de Moisés, como maturaram alguma coisa… quando ninguém imaginava que estivesse maturando qualquer coisa.

É para os Srs. verem, meus caros, que no “rio chinês” há muita coisa de fecundo. E que o “rio chinês” é uma condição para a gente à “terra prometida”. E que também para nós, nosso “rio chinês” é muito formativo. Um dia os srs. verão isso melhor do que veem hoje.

“A eloqüência prodigiosa desse homem que gaguejava encheu o Antigo Testamento de sua sonoridade de bronze, cuja grandeza wagneriana rola eternamente suas vagas possantes sob os céus pacíficos do Evangelho”.

É fenomenal, não é? Eu acho que dispensa qualquer comentário. O “céu pacífico do Evangelho” e a “vaga possante da voz desse gago” – porque Moisés de fato era gago -, desse gago de grande eloqüência!

“Ele nasceu sob o signo da primeira perseguição anti-semítica registrada na História…”

Os srs. veem como o francês introduz a coisa… [com ditos] fenomenais, não é?

“…numa data que se hesita ainda em fixar entre os séculos XV e XIII antes da era cristã. Roma não era senão um débil ondulado de colinas desertas à beira do Tibre. E a Acrópole, um terraço desnudo, uma espécie de escabelo avançado perto do mar, para uma representação de gênio que ainda não começara”.

Notem que esse não é um [escritor]… não vai deixar um nome eterno na literatura francesa.

“A civilização seguia dois rios: o Nilo e o Eufrates. E começava a enxertar alguns frutos promissores numa ilha do Mediterrâneo, Creta, plataforma inicial das artes, das leis e das técnicas do mundo ocidental”.

Vejam numa palavra só como o papel de Creta está bem definido. E passa para frente. Não há como eles [franceses daquele tempo], ouviu?

“O Egito oferecia, então, o modelo acabado dessas sociedades antigas, onde se encontravam harmoniosamente combinadas, para a frágil felicidade de uma elite, uma alta inteligência religiosa dirigida para a magia, o mais extremado refinamento dos sentidos e mais refulgente dureza de costumes políticos. As magníficas estátuas dos túmulos do Nilo exprimem com perfeição essa mistura de espiritualidade superior, de rigor e de sensualidade”.

Perfeitamente descrito! Porque tem qualquer coisa de espiritualidade ocultística, de um lado. E, de outro, o que tem de rigor e o que tem de sensualidade! Qualquer daquelas figuras está perfeitamente descrita nesse tríptico!

“Eretas, braços colados ao longo do corpo, elas avançam um pé como os granadeiros ingleses nas paradas. E, sob a cabeleira em forma de crina estilizada, o rosto ergue, na noite, seus traços geométricos de astro iluminado pelo estranho sorriso  da morte”.

Eu não tenho nem o direito de comentar…

“O destino de Israel flutua sobre as águas

“Os judeus foram atraídos ininterruptamente para o Egito pela esperança segura que lhes dava o poder de José, filho de Jacob e de Raquel. José tornara-se, pela lucidez de seu gênio, o primeiro-ministro do reino. Receberam boas terras no país de Gessen, entre o delta do Nilo e os lagos Armers, onde atualmente passa o canal de Suez, calma província de uma distância razoável do poder central.

“Em algumas gerações, o país foi inundado por esses protegidos de José, multiplicados pela felicidade, até o dia – diz a Escritura – em que subiu ao trono do Egito um rei que não conhecera José”.

Essas expressões da Escritura são de uma poesia linda! Aí é o francês que fica pequenininho, não é? É o Espírito Santo que fala.

Os srs. estão entendendo o negócio, não é? Um rei que não conhecera José. Quer dizer, se tivesse conhecido José, tal era José, que a perseguição aos judeus era impossível.

Mas a grande desgraça é que esse rei não conhecera José. E então o povo estava desamparado.

Pode-se fazer de um José qualquer maior elogio do que esse? Nessa só frase:  “não conheceu José”… Mas aqui já não é o talento, é o gênio! Já não é o gênio, é a inspiração! Sobe para outros páramos. E aí o francês parece um bibelozinho fazendo uma reverência de porcelana… Está liquidado.

“E que começou a lançar um olhar descontente sobre essa população exótica, cuja massa crescente ameaçava pouco a pouco o recenseamento.

“Então começaram as desditas de Israel. As lanças egípcias voltaram subitamente suas pontas contra aqueles que até então protegiam. O sol de Gessen, que se deitara sobre uma paisagem idílica, se levanta sobre um campo de concentração.

“Trabalhos se sucedem a trabalhos, sob o sibilar das matracas. Um povo, outrora orgulhoso e altivo, olha estupefato os seus pulsos acorrentados. E, em milhares de peitos descarnados pelas galés, forma-se e sobe o soluço do exílio”.

Eles começam então a notar que estão exilados. Com os maus tratos é que  tomam a noção de que eles estão exilados. Mas isso podia ser dito de um modo mais bonito? “Forma-se e sobe o soluço do exílio”…

“Do trabalho forçado ao massacre mais ou menos disfarçado, o processo de perseguição racial não varia muito através dos tempos. Inicialmente, teme-se o crescimento rápido de uma população minoritária, da qual se finge esperar as piores traições. Depois, dela se tiram sucessivamente todos os direitos, para reduzi-la a um cativeiro preventivo. Assim fez o rei que não havia conhecido José…”

 

Os srs. estão vendo como ele explora a frase?

 

“…temendo, dizia ele, que em caso de guerra os judeus se aliassem aos inimigos do Egito”.

“Depois de se privar os cidadãos de sua liberdade, em geral se percebe que eles podem fornecer uma mão-de-obra das mais vantajosas. Os trabalhos forçados seguem de perto a degradação civil: os judeus foram obrigados a cozer tijolos, trabalho sem fim num país em luta constante contra as invasões do deserto. E no qual a grandeza de um reino era igual a seu peso em monumentos capazes de resistir à conjuração permanente da areia e dos ventos”.

É um escritor de mão cheia! “A conjuração permanente da areia e dos ventos”…

“Israel mergulhou no trabalho. E não se pode dizer que tenha engordado, entre o calor dos fornos e o calor do sol…”

 Acho extraordinário, não é? Eu queria atrair aqui a atenção dos srs. não é “só” sobre Moisés, mas para o espírito francês. Com que síntese luminosa esse homem deu a interpretação dele das perseguições aos judeus no nazismo! Porque o método nazista é exatamente esse. Foi assim que se desenvolveu. E ele, “en passant”, dá isto com mais riqueza, com mais suco, com mais interesse, de um modo mais atraente do que qualquer articulista de qualquer dos nossos jornais. [Os srs. leram] Uma coisa tão fulgurantemente pusesse tudo claro e passasse adiante? Procurem acrescentar qualquer coisa aí. Nem passa pela cabeça acrescentar algo! Está dito por um francês.

Essas coisas Deus deu a quem quis. Está acabado! E a nós nos cabe – filhos que somos da admiração – de admirar também o que não é nosso. Não só admirar o que é nosso, mas o que não é nosso.

“Mas os homens têm ao menos uma diferença com os animais selvagens: o cativeiro não lhes tira a coragem de se reproduzirem. Israel prisioneiro proliferava sempre. E o Faraó iniciou então a segunda fase de seu trabalho: o massacre dissimulado.

“Chamadas ao palácio, as parteiras foram convidadas a matar todos os recém-nascidos meninos. Elas se esquivaram da missão com uma desculpa hábil: as mulheres judias – dizem – são mais fortes que as egípcias, e não teremos tempo suficiente para chegar antes que elas tenham dado à luz”.

“O crime não podendo ser cometido em segredo, o Faraó decide decretar a sua obrigatoriedade. Israel, extenuado em sua miséria, recebeu a ordem oficial: todos os meninos recém-nascidos deverão ser lançados ao rio. Moisés é um deles”.

Está introduzida a história de Moisés. Há mais arte do que isto?…

“Sua mãe o havia ocultado por três meses. Não podendo mais ocultá-lo, ela tomou uma pequena caixa de junco, que revestiu de betume e de piche, como um navio. Aí reclinou a criança sobre um leito de folhas e, seguida de sua filha, foi depositar a frágil embarcação à margem do rio, entre os juncos.

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“O destino de Israel flutuava sobre as águas, protegido da corrente por um fraco leque de caniços. À pequena distância, a irmã da criança espreitava. E a própria mãe um pouco mais longe, temerosa de denunciar seu filho com sua presença, mas incapaz de se resignar a perdê-lo de vista, esperava um milagre.

As duas judias disfarçadas entre os juncos, e vendo o que ia acontecer…

“Foi então que apareceu a filha do Faraó, que viera banhar-se, seguida de suas servas. Tendo se aproximado do rio, ela percebeu a caixa entre os juncos. Fê-la daí ser retirada, ergueu vivamente a leve cobertura do junco e descobriu, sobre um leito de folhas, um bebe que chorava.

 A narração é magnífica!

 “Enquanto as servas agitadas se entregavam a falatórios inúteis, a jovem oculta vendo a princesa comovida, encorajou-se para falar. E se ofereceu com empenho admirável a procurar uma nutriz, que logo foi encontrada: a mãe, ainda muito pálida, e que foi imediatamente contratada”.

E depois a leveza da narração! Vai assim…

“Desde logo, a filha do Faraó tratou o menino como seu filho e lhe deu o nome de Moisés, “porque o tirei das águas”, dizia ela. O nome de Moisés é, com efeito, composto de “moi”, que significa água e  do final “eses”, salvo.

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“A crítica moderna, que se sentiria menos moderna se não contradissesse sempre os antigos…  [risadas] preferiu que o nome seja de origem egípcia: “mosu”, que quer dizer rapaz. Mas a tradição é tenaz. A Bíblia é precisa, e é necessário ter excesso de conhecimento etimológico para ignorar que o primeiro cuidado das meninas é de batizar suas bonecas antes de escolher o nome de seus filhos. E que nenhuma mulher jamais se contentou de designar um filho somente pelo sexo”.

É bem verdade. O argumento psicológico é muito bem dado!

Assim, o nome de Moisés persiste, evocando o salvamento do fundador do judaísmo. Aliás, como o próprio fundador do judaísmo acreditava, não tendo lido os autores modernos… [risadas]

Não há como um piparote francês: pam! Está por terra o adversário…

“E nós chamamos até hoje de Moisés a esses berços nos quais nossas crianças navegam somente em nuvens de sonhos”.

Nunca tinha ouvido falar que em francês se chamasse “Moisés”…

[aparte inaudível]

O Sr. Zayas está falando que também na Espanha é? Ah! Eu não sabia.

“Dos oitenta anos que se vão seguir, a História só reteve dois acontecimentos: um assassinato e um casamento”.

Eu chamo a atenção dos srs. para como é possível tornar ameno um tema sério. E como a coisa amena e séria é mais amena do que a coisa amena e não séria. Por onde, quanta amenidade há no sério! Porque se o ameno mais sério é mais ameno do que o ameno não sério, então o sério é ameno. Não se escapa disso.

“Educado pelos melhores mestres, o filho adotivo da princesa tornou-se um personagem de importância, até o dia em que o espírito de justiça, que a convivência com os grandes do mundo não pudera afastar de seu coração predestinado, o fez perder, de um só golpe, todas as honras e privilégios da proteção real.

“Vendo um dia um egípcio maltratar um desses hebreus, seus irmãos, que sempre lhe haviam ocultado seus sofrimentos, Moisés esperou ficar a sós com o que torturava. Matou-o e enterrou-o na areia. Não havia ninguém nos arredores, e ele acreditou estar seguro.

“Mas, no dia seguinte, iria medir a extensão de seu erro. Dois hebreus iniciaram uma discussão diante dele. Procurando separá-los, o mais agressivo dos dois gritou-lhe: “Quem te fez juiz? Terás, por acaso, intenção de me assassinar como o fizeste com o egípcio?” Temendo que o Faraó logo o buscasse para condená-lo à morte, Moisés fugiu para o país de Madian, do outro lado dos lagos, em algum lugar ao norte das proximidades do Sinai”.

 Os srs. vejam como Moisés era cauteloso, hein? Se diria hoje “medroso”. Mas ele era esperto. Quer dizer, bastou ele ver que o crime dele foi proclamado por um, para que dissesse: “o Faraó me pega”. Então já fugiu para longe, quis colocar-se numa segurança enorme. Os que amam a segurança não tenham vergonha. Moisés, um herói, sabia amar a segurança.

 “Logo que chegou, aproveitou com ardor uma terceira ocasião de se meter numa dificuldade, atirando-se de punhos cerrados sobre alguns pastores rudes, que buscavam impedir que algumas jovens tirassem água para suas ovelhas. Essas moças eram filhas de Jetro, sacerdote de Madian, convertido mais tarde ao judaísmo. E entre elas Moisés escolheu sua mulher, Séfora, cujo nome significa ‘pássaro’.

“Assim, a vida do gigante do Êxodo começou como um romance da Távola Redonda. O jovem herói defensor do direito deixa o palácio real, percorre o mundo de lança em punho, vinga o oprimido, sustenta o fraco, castiga o mau e casa com a pastora. A gigantesca figura do depositário da Lei, o sublime interlocutor de Deus, ocultará a nossos olhos essa cavalheiresca entrada em cena. Além do mais, em lugar da pastora tornar-se princesa, foi o príncipe que se tornou pastor.

“Durante muitos anos, Moisés levará, nas terras de Madian, uma existência obscura, que tudo permite supor feliz e que faz lembrar, pela humildade de condição e pelo véu de intimidade que a encobre, a vida oculta de Jesus na oficina de Nazaré”.

Aqueles profetas que antecederam a Nosso Senhor, a vida deles  prefigurava. Não só falavam, mas a vida prefigurava.

“Pode-se notar curiosas concordâncias, puramente formais, entre a vida do primeiro profeta de Israel e a do Messias. O nascimento de ambos é acompanhado ou seguido de um massacre de inocentes, decretado pelo poder estabelecido. E a precariedade do abrigo: a manjedoura sobre a qual o Senhor tomou contato com este mundo inóspito lembra o berço de vime, exposto à piedade dos que passam, sob o reino de um Faraó tomado da mesma febre de construções que dominará Herodes, o Grande, treze séculos mais tarde.

“Na sarça ardente, ele ouviu a voz de Deus

“Na vida de Jesus e na vida de Moisés, um longo período de silêncio preludia as tempestades da vida pública, ilustrada inúmeras vezes por prodígios inesperados. Jesus multiplica os pães. E os flocos de maná caem ante Moisés. Este atravessa o Mar Vermelho a pé enxuto, e Jesus caminha sobre as águas. Ambos surgem no meio de um povo subjugado, ao qual eles mostram o caminho da libertação. Ambos dão uma lei ao povo judeu, ambos se transfiguram no alto de uma montanha”.

É magnífico, não é!!

“Mas as verdadeiras concordâncias místicas escapam à fraqueza de nosso olhar e o paralelismo histórico limita-se às imagens. O sacrifício pedido à mãe de Moisés, a Mãe de Cristo dele sentirá todo o horror sobre o rochedo do Calvário”.

Os srs. estão entendendo a linda coisa! Que grandeza tem isso?! Nossa Senhora teve que fazer por Nosso Senhor o que fez a mãe de Moisés: expôs ao perigo, entregou às correntes do Nilo, quer dizer, entregou à morte.

“Jesus deixa livremente a casa de seu pai adotivo quando Sua hora soou. Moisés é enviado, não sem alguma resistência de sua parte. Os milagres de Cristo manifestam Sua divindade, os milagres de Moisés testemunham a onipotência de um Outro. A Lei do Sinai, destinada unicamente ao povo judeu, distingue-o das outras nações, e lhe imprime um selo de uma elevação coletiva; a Lei do Evangelho dirige-se a todos os homens através do povo judeu e dá a cada homem vindo a este mundo o poder extraordinário de participar da existência de Deus.

Realmente é isto.

“Para o cristão, a terra prometida é uma prefiguração do reino dos Céus, e a grande caminhada sangrenta dos hebreus para Canaã, com sua refulgente orquestração de heroísmos, de cóleras, de apostasia fenomenais, de arrependimentos e de perdões incomensuráveis anuncia esta lenta aproximação da alegria pelo sofrimento e pelo amor, que se chamará vida cristã”.

Meus caros, os Srs. também não conhecem uma outra caminhada que tem uma “refulgente orquestração de heroísmos, de cóleras, de apostasias, de arrependimentos e de perdões incomensuráveis”?… Isto não descreve uma outra coisa também? O trajeto de nosso “rio chinês” não é muito parecido com isso?…

“Moisés lançou as bases da Bíblia, formidável trabalho de embasamento sobre o qual repousa para sempre a continuidade dos textos sagrados. Jesus nada escreveu, mas quando o último profeta colocou seu último vitral na noite da espera, ele fez entrar Sua luz no edifício”…

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Cristo com o gládio na boca (Cristo gladífero – Sainte Chapelle, Paris)

Os srs. entenderam a imagem para lá de linda, não é? Depois de São João Batista ter posto o último vitral, raia o Sol da Justiça e entra por todos os vitrais, e se vê que é Jesus! [o Prof. Plinio lê o texto original francês :] « Lorsque que le dernier prophète a posé son dernier vitrail dans la nuit de l’attente, il a fait entrer Sa lumière dans l’édifice ».

“Foi ao sul do país de Madian, no maciço de Sinai, que Deus se revelou pela primeira vez ao pastor Moisés, através do crepitar de uma sarça que ardia, mas cujos ramos não se consumiam no ardor das chamas. Aproximando-se para ver esse prodígio, Moisés ouviu uma voz que o chamava do meio da sarça, como uma mãe chama seu filho: Moisés, Moisés…”

Que linda interpretação dessa voz, não é? A gente tem impressão, à primeira vista, que é uma voz que devia meter medo. Ele interpreta como a mãe que chama o filho: “Moisés, Moisés…”

“As dez pragas do Egito

“A voz que chamara Moisés o encarregou de obter do Faraó a liberdade dos hebreus. O tempo de sua escravidão havia acabado e soara para eles a hora de empreender, sob a liderança do profeta, a grande viagem para a terra prometida, para esse país de Canaã, ‘onde corriam o leite e o mel’.

“Mas o missionário resiste à sua vocação. Sua humildade apresenta ao Eterno toda uma série de argumentos, dos quais o mais tocante surge como um refrão: ele gagueja. Quem escutará um líder atingido por uma tal enfermidade?

“Não sou um homem de palavra fácil; enviai qualquer outro, eu Vos suplico. Minha língua sempre me embaraçou, e não somente agora por causa da emoção que sinto diante de Vós.”

Que beleza! Ou seja, ele tri-gaguejou diante de Deus.

“Senhor, enviareis assim mesmo um gago como profeta?

“Sim, exatamente. O gago será profeta e um tal profeta, dirá o Deuteronômio, que jamais haverá outro igual em Israel…”

Que elogio, hein? Que coisa fabulosa!

“…igual a este que Deus, em Seu amor, escolheu face a face”.

É uma outra linda noção: é a do único profeta que Deus escolheu face a face. Deus apareceu a ele e conversou com ele e escolheu. É uma coisa belíssima!

“Ladeado por seu irmão Aarão, munido de poderes sobrenaturais simbolizados por um bastão, Moisés foi pedir a liberdade de Israel ao Faraó, que respondeu por um acréscimo de maldades: o Estado não iria mais fornecer a palha necessária à fabricação dos tijolos, mas os judeus, ameaçados de uma intensificação de brutalidades, deveriam entregar todos os dias a mesma quantidade estabelecida.

“Dez vezes Moisés pronuncia diante do trono uma exortação: ‘deixai, deixai ir o meu povo’, seguida cada vez por um prodígio, imitado, aliás, todas as ocasiões, com sucesso, pelos eminentes feiticeiros da coroa, hábeis em práticas mágicas e finos conhecedores em matéria de encantamentos”.

Os Srs. estão vendo a coisa linda: ele vai com Aarão, para Aarão falar por ele, porque Aarão é a palavra e Moisés é a presença. E aí os Srs. percebem bem como a presença é mais do que a palavra. Porque Deus reservou para seu profeta a presença e deu ao outro a incumbência de falar.

“Vai munido com uma vara”: Os Srs. devem imaginar o palácio do Faraó, Moisés entrando, tomado de coragem – embora ele fosse um criminoso diante da lei do Egito -, anuncia ao Faraó qual era a vontade de Deus. E essa luta entre os Anjos que praticavam milagres por ordem de Deus e os demônios que imitavam os prodígios de Moisés. Quer dizer, cada milagre que um Anjo fazia, um demônio fazia um milagre igual, por meio dos sacerdotes egípcios.

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“Nove vezes, o Faraó atemorizado prometeu pôr fim ao cativeiro de Israel, e nove vezes não cumpriu sua palavra, após ter obtido do profeta que fossem anulados os efeitos calamitosos de seu bastão”.

Engraçado [curioso] isto, não é?

“Assim, primeiro as águas do Egito se mudaram em sangue; segundo, uma invasão de rãs cobriu o país e se espalhou por casas e palácios, até sobre o leito de sua Majestade.

“Terceiro, tocada pelo bastão do profeta, a poeira do solo se transformava em nuvem de mosquitos. Os mágicos então chamados, que haviam obtido êxito contra os dois casos anteriores, fracassaram agora; e dizem ao Faraó: ‘É o dedo de Deus’. Mas o Faraó não acredita.

“Quarto: turbilhões de moscas atacam os egípcios e poupam os hebreus. Quinto, uma peste faz perecer o rebanho egípcio”.

Quer dizer, esse Faraó é “n-a-n-e” [nada aprendeu e nada esqueceu, n.d.c.] até o último grau! [nota: a respeito do significado do neologismo n-a-n-e aplicado a certo gênero de indiferentes, vide o artigo na “Folha de S. Paulo” intitulado Os ene-a-ene-é, de 5-4-1970] É um prodígio de “n-a-n-e”! Também se podee imaginar o que era o orgulho de um Faraó…

“Sexto: a população é subitamente coberta de úlceras. Os feiticeiros do governo, que aliás estavam afastados do caso há vários dias, abandonam tudo e vão se tratar também. [risadas]

“Sétimo: cai granizo a ponto de destruir um cavalo de bronze.

“Oitavo: um dilúvio de gafanhotos se abate sobre o território e devora tudo o que o granizo não destruiu.

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“Nono: três dias de trevas intermináveis encerram o Egito na noite e na imobilidade dos túmulos”.

Para o Faraó não ligar [continuar indiferente], é o mais prodigioso “n-a-n-e” de todos os tempos! É  bom os Srs. notarem isto: os inimigos da causa católica são sempre assim! E os Srs. não devem imaginar que se alguém fosse comparecer diante de um Brejnev ou de qualquer outro, que obteria resultados muito diferentes.

“Para a terra prometida

“Vale a pena dizer que o racionalismo ateu e seu neto adulterino, o racionalismo clerical [risadas], não tem nenhuma dificuldade em atribuir uma explicação natural a cada um desses milagres, como a todos outros que Moisés realizara de então em diante.

“Nada de mais comum, dizem eles, que uma invasão de mosquitos, de gafanhotos ou de rãs num país quente e pantanoso. Os orientais são freqüentemente atingidos por úlceras e cobertos de moscas, e seus animais morrem constantemente de peste etc.

“Quanto às famosas trevas, se não se tratar de um eclipse do sol, será um efeito da areia, que o vento do deserto levanta muitas vezes e em nuvens tão espessas que obscurecem a luz do dia.

“O que há de mais fácil para se organizar do que viagens de gafanhotos e encontros de rãs? Ora, os egípcios praticavam a astrologia há séculos. As medidas das pirâmides são resultados de cálculos astronômicos extraordinariamente precisos. E era, provavelmente, muito difícil fazê-los aceitar um eclipse do sol por uma miragem. Da mesma forma que tentar fazer o diretor do observatório hoje em dia acreditar que há um homem em Vênus. Mas o racionalismo integral não desdenha refutar a hipótese do milagre por hipóteses miraculosas…

É sempre a pirueta francesa: pam-pam-pam!! Passa para frente.

“Quando o Mar Vermelho se abrir diante dos hebreus e se fechar sobre seus perseguidores, isto será uma iniciativa do vento do leste ou do Mistral… É melhor fechar a Bíblia, do que lê-la com tal estado de espírito”.

Está aí uma grande verdade!

“Arrancada ao sobrenatural que a guia, sustenta e produz de maneira visível ou invisível, a história do povo judeu perde todo sentido e o livro que a conta não é mais do que um galho morto caído do arbusto.

“A décima praga do Egito, a que foi decisiva, foi também aí a mais dolorosa: todos os primogênitos morreram numa noite. E o Faraó, vencido, concedeu ‘passagem’ (Páscoa, segundo o hebreu) ao povo de Moisés. Essa noite os judeus a passaram de pé, ‘os rins cingidos, as sandálias nos pés, o bastão de viagem na mão’, comendo com pressa e com temor o cordeiro que ele havia ordenado a cada família que imolasse, prontos para partir ao primeiro sinal. Tal é a origem da Páscoa judaica, celebrada todos os anos em memória da saída do Egito”.

E que é, depois, a Ressurreição de Nosso Senhor, que é também passagem da morte para a vida, portanto Páscoa. Por isso se diz a Páscoa da Ressurreição, é a Passagem da Ressurreição.

“Antes da aurora, grandes colunas de povo se puseram em marcha, sob o olhar fúnebre dos egípcios, que na porta de suas casas enlutadas apressavam-se em lhes dar passagem. Fora da cidade de Ramsés, todas as colunas se uniram, formando ao redor de Moisés e de Aarão um mar imenso”.

Que majestade de cena! Passaram a noite inteira acordados e na madrugada – para os egípcios os verem sair – eles foram saindo. E os egípcios esmagados, humilhados por um poder sobrenatural, deixaram sair esses homens que eram para eles animais de carga. Depois de já terem perdido o rebanho, perdiam uma escravaria sem fim. Era uma depauperação medonha para o Egito. Todos quietos e os judeus passando…

A vitória aos olhos do Egito, desse Moisés que tinha produzido esses fatos! Os Srs. podem imaginar o prestígio, aos olhos dos judeus, de Moisés. Os Srs. vão ver como todo prestígio é insignificante quando se trata de levar os homens a fazer o bem… Quando se trata de fazer o mal é fácil. Quando se trata de fazer o bem é zero, não há prestígio que valha.

“Seiscentos mil homens, diz a Escritura, sem contar as mulheres, crianças e todo um amálgama de imigrantes suspeitos que se haviam unido ao grupo, todos iam se lançar a pé pelos perigos do deserto, enquanto atrás deles enfraquecia-se lentamente um surdo rumor de desespero.

“Esta viagem, este purgatório entre o inferno dos tijolos e as desejáveis delícias de Canaã, durará quarenta anos; mais ou menos o tempo necessário, observam os comentaristas, para que uma geração parta e outra surja”.

Também é terrível, não é? Quer dizer, poucos dos que começaram, chegaram…

“Em lugar de empreender o caminho direto do litoral, barrado pelos filisteus gigantes, armados até os dentes e cujo aspecto atemorizador seria capaz de levar a expedição a voltar-se rapidamente para a segurança da prisão, tentou-se um longo trecho arenoso do lado do Mar Vermelho.

“Mas o inferno, que uma mão poderosa havia entreaberto, já lamenta ter deixado escapar a sua presa. A lembrança das nove provações divinas apagou-se. Ainda não se acabou de chorar as vítimas da décima prova, e os corações humanizados um instante pela dor novamente esfriam em cálculos políticos.

“O Faraó, que começa a reagir, bate na testa considerando-se um grande tolo e percebe na volta de caminho empreendida por Moisés uma ótima ocasião para recuperar a sua mão de obra gratuita. Logo reunidos, os carros e os cavalos se lançam para deter os hebreus acuados pelo mar e reconduzi-los aos fornos e aos tijolos, vazios desde sua partida”.

 

“Israel, precedido por uma coluna de nuvem, escura de dia, brilhante à noite, que lhe indica o caminho, ouviu de repente o ruído surdo do exército lançado ao seu alcance. A nuvem de pó que se elevava no horizonte trazia-lhe a morte, e pela primeira vez o povo apavorado se volta contra Moisés”.

Ou seja, em vez de confiar, reclama…

“Não havia suficientes cemitérios no Egito para que nos conduzisses aqui tão longe para morrer? Não te dizíamos com razão, quando falavas de liberdade, que a servidão vale mais do que esse fim miserável no deserto?”

Aqui transparece que Moisés teve que vencer resistências para convencê-los a sair e que eles não quiseram ouvir a palavra de Moisés, enviado por Deus. E que entraram, portanto, com uma alma minguada para dentro do deserto. E que assim que se apresentou uma ocasião para uma infidelidade, eles a praticaram.

Os Srs. vêem a ingratidão. O normal seria dizer a Moisés: “Tu que provaste que és enviado de Deus, por favor, agora reza conosco e salva-nos!” Não. Recriminações: “Nós é que tínhamos razão e não você! Nós vamos nos entregar”.

Os Srs. vejam uma espécie de aversão de Deus, chegando ao ponto de querer voltar ao cativeiro. Em vez da solução confiante, tão suave, tão doce… não! É a solução da desconfiança e a vontade de voltar para o cativeiro.

Preferir os egípcios a Moisés não é a mesma coisa que preferir Barrabás a Jesus? E isto não fazem só os judeus, hein?! Faz todo mundo que se deixa tentar na Fé ou numa virtude que é o corolário da virtude da Fé, que é a virtude da Confiança.

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“O mar muito próximo lhes impedia até mesmo a esperança da fuga e a cavalaria começava a galopar contra os fugitivos, quando Deus disse a Moisés: ‘Ergue teu bastão, estende a tua mão sobre o mar e divide as águas!’”

Os Srs. compreendem que Fé Moisés precisava ter, não é? Porque ele estava liquidado!

“A noite havia caído. Os esquadrões egípcios deixavam descansar suas montarias, esperando organizar, no dia seguinte, a volta dos cativos. Moisés levantou seu bastão, estendeu sua mão sobre o mar, e um pouco antes da aurora, todo o povo havia passado para a outra margem, entre duas muralhas líquidas erguidas à direita e à esquerda pelo vento leste racionalista! [risadas]

“O exército egípcio lançou-se em sua perseguição, mas os carros muito pesados afundaram, os animais assustados semearam a desordem na cavalaria. E enquanto no meio do alarido e dos gritos da artilharia meio encoberta pela terra, os soldados desmontados chafurdavam sob o ventre de seus cavalos, o mar, libertado pela mão de Moisés, se despenhava sobre o campo de manobra e se encontrava consigo mesmo, nivelando suas ondas sobre o exército submerso”.

Simplicidade e grandeza da narração…!

“Do outro lado do Mar Vermelho era o deserto. Um solo árido, semeado de uma vegetação mirrada, onde os sofrimentos da sede e da fome levantaram contra Moisés novos tumultos, acalmados por novos milagres”.

Os Srs. vêem como é o homem? É assim toda criatura humana! Não adianta vir com deblaterações contra os judeus, porque assim é toda criatura humana! Recebe favores de Deus e pela primeira vez em que ele estiver acuado, diz: “Olha lá! Agora chegou a vez! Vai acontecer o que eu estava prevendo…” O profeta de desgraças sempre errado.

“Água jorrou do rochedo tocado pelo bastão do Profeta. E uma manhã, a multidão dos famintos percebeu, ao redor do campo, uma geada insólita: o maná, semelhante ao grão de coriandro branco e de um sabor agradável de mel.

“Este alimento, que Davi chamará ’pão dos Anjos’, nunca mais faltará no decorrer da viagem. Era recolhido todas as manhãs…”

Meus caros, está demorando um pouco para os srs., mas eu creio que são três páginas [que faltam para concluir a matéria]… Se preferirem, nós podemos deixar para outro dia. Os srs. compreendem, não sou eu o autor do artigo, não é? Não faço a menor cerimônia… Ou ao menos aqueles que quiserem ir se deitar, eu acharia muito natural. Estejam à vontade.

“…bem cedo, porque ele derretia ao sol. E sempre se encontrava numa quantidade tal que cada um recebia a exata medida de suas necessidades, exceto na véspera de sábado, quando caía dupla quantia, de modo que se podia cozê-lo para o dia seguinte”.

Para não ter trabalho.

“Fora desse dia excepcional, não era aconselhável se fazer provisão de maná.

“Refeita, a coluna se pôs em marcha, varreu um exército de agressores beduínos, num combate onde se distinguiu um jovem capitão de nome Josué. E chegou-se assim, três meses após a saída do Egito, ante uma impressionante massa de enormes blocos vermelhos e azuis empilhados em desordem até o céu: o Sinai”.

É o Sinai. Que linda descrição do Sinai!

“Desde o dia em que Moisés ouvira a voz que o chamava através da sarça, o extraordinário colóquio nunca mais cessara. O Eterno, diz a Escritura, falava a Moisés ‘como um amigo fala a seu amigo’”.

Não é uma beleza?!

“Ele lhe havia revelado o Seu nome: ‘Eu sou Aquele que é’”.

Também, o resto não é nome… “Eu sou Aquele que é”…

“…Em hebreu Yaveh, de onde um erro de vogais fez Jehovah, fórmula – se se pode respeitosamente dizer – de uma tal incandescência metafísica”…

É verdade.

“…que após três mil anos, filósofos judeus e cristãos se aquecem ainda neste sol…”

O homem [escritor do artigo] é um colosso!

“Sobre o Sinai, rodeado de tempestades, Moisés recebe as tábuas da Lei, escritas pelo dedo de Deus, e todo um conjunto de prescrições rituais, jurídicas e morais, regularizando o contrato, a aliança do Eterno e do povo que Ele havia escolhido.

“Não se pode só falar de monoteísmo, mas de monolitismo: um só Deus, ao qual um só povo está unido por uma lei de fidelidade a um só amor. O resto é mansidão”.

 Que coisa estupenda! Mas estupenda!!

“O Eterno, vosso Deus, não faz acepção de pessoas, nada cede aos presentes, ouve o órfão e a viúva, ama o estrangeiro e lhe assegura o pão e o vestido. Amai, portanto, o estrangeiro, vós que fostes estrangeiros no país do Egito!… Quando colheres no teu campo, se esqueceste um grão, não voltes para pegá-lo. Ele será para o estrangeiro, para o órfão e para a viúva, a fim de que o Senhor te abençoe em todos os teus trabalhos.

“Na colheita de tuas oliveiras, não respigues tudo: o que restar será para o estrangeiro, a viúva e o órfão. Na vindima, não colhas tudo: que haja algo para o estrangeiro, para o órfão e a viúva. Tu te lembrarás que foste escravo no país egípcio: é por isso que te ordeno de agires assim”.

“A consagração do povo judeu data do Sinai, fazendo dele uma espécie de povo-sacerdote. Mas a predestinação não exclui a liberdade, e se verá mais de uma vez o povo eleito dispensar sua aptidão para o divino, para se entregar a uma espécie de chantagem com a idolatria. Realista como todos os místicos, ele se apressou em colher os frutos de sua eleição”.

Isto é terrível, hein?! Todo místico é realista. Isto é muito verdade. A mística não seria nada se não houvesse um grande realismo no místico. Então seria uma fantasia… Mas o lado horroroso da coisa é a venalidade. Os Srs. estão vendo aqui a luz primordial e o pecado capital. A mística e o suborno, a venda. O contraste horroroso.

“De fato, a primeira cabeça que Moisés percebeu, ao descer pela última vez do Sinai, foi a cabeça de um bezerro de ouro brilhando ao sol, bem firme sobre suas quatro patas, representando ao mesmo tempo a continuidade dos maus hábitos adquiridos no Egito, um grande desejo popular de imobilismo religioso, junto a um grande apetite de carne, encorajado pela teoria viciosa que incita os impacientes a se servirem dos falsos deuses para obrigar o verdadeiro Deus a aparecer”.

Ou seja, eles achavam que Deus estava omisso e então quiseram obrigar a Deus a aparecer. E para isto se prostituíram com o bezerro de ouro. Seria mais ou menos como uma esposa que quer obter dinheiro de seu marido e ameaça adulterar caso ele não dê dinheiro…

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“A cólera de Moisés foi terrível. Ele quebrou ao pé da montanha as Tábuas que traziam os Mandamentos divinos, e caiu como um raio sobre o bezerro da apostasia e o reduziu a poeira, que fez os adoradores engolir.

“Enquanto isto, Aarão, infeliz como as pedras, de ter auxiliado por fraqueza o crime de Israel…”

Quer dizer, até Aarão ajudou…! Aquele que era o porta-voz, hein?!

“…pedia perdão como uma criança que é surpreendida com o dedo mergulhado no doce: ‘Não compreendo. Tu não estavas. Eles me trouxeram ouro. Eu lancei nessa grande vasilha e daí saiu este bezerro’.

“Os quarenta anos de êxodo que se seguiram ao episódio do Sinai serão feitos dos mesmos combates contra o desânimo, das mesmas adorações indignas perdoadas pela intercessão do Profeta, e das mesmas voltas violentas à santidade da Lei, tesouro supremo encerrado em sua arca de madeira e dirigida, de etapa em etapa, para as terras longínquas da felicidade”.

Isto não está altamente descritivo?…

“Apesar de sua estupenda familiaridade com o Céu, Moisés experimentou um momento de dúvida: nas terras ressecadas de Meriba, ante as tribos ameaçadoras que reclamavam água, Moisés, sob as ordens de Deus, tocou um rochedo com seu bastão para dele fazer jorrar uma fonte. Entretanto, em lugar de dar um só golpe, ele bateu duas vezes. Durante um instante imperceptível sua Fé cambaleou. E esse desfalecimento público, mal observado, lhe fechou a entrada da Terra Prometida”.

Tivesse Nossa Senhora nascido…

“Esta, contudo, pertenceria ainda por muito tempo ao domínio da esperança. Ainda por trinta anos se esperou sob as palmeiras do oásis de Cádiz. A mão de Israel, descarnada pelos tormentos do deserto, se crispou nesse bosque verdejante e se recusou a abandoná-lo”.

Quer dizer, não queriam ir embora.

“Talvez aproveitando essa demora prolongada é que Moisés tenha escrito os textos sagrados que a tradição lhe atribui e que formam a maior parte dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento ou Pentateuco.

“Os dias de Cádiz são ilustrados com batalhas defensivas contra os beduínos, incursões deploráveis entre as populações vizinhas e raros reconhecimentos para os lados de Canaã, de onde os exploradores vinham com amostras de produtos agrícolas tão atraentes, que já começavam a dividir as terras desse país abençoado antes de nelas terem colocado os pés”.

“Moisés era chefe de estado, juiz das doze tribos, patriarca, legislador e general, sem nada perder de sua humildade profunda, que estava na raiz de todas as suas virtudes, e à qual a própria Escritura renderá homenagem após a sua morte.

“Sob sua autoridade benfazeja, a multidão reunida às portas do Egito se organizou e, de lutas morais em batalhas sucessivas, tornou-se uma nação constituída, rejuvenescida pelas novas gerações do Êxodo, que se arrancou das fascinações de Cádiz e depositou um dia a Arca Santa no cimo do monte Nebo, para um minuto de contemplação inesquecível.

“Foi um povo forte, enfim, que chegou à extremidade do planalto da Transjordânia, olhando para essa terra onde Moisés não entrará.

Ele tinha 120 anos. Sua missão estava cumprida. Ele atingia o fim de sua viagem terrena. ‘Sua vista não se tinha enfraquecido, suas forças estavam intactas’.

120 anos, hein?

“E, entretanto, ele sabia que não iria longe. A dúvida de Meriba o deteve na soleira de Canaã. Mas não são os bens deste mundo que foram prometidos ao Profeta, e a amizade de Deus se reservava o direito de o consolar em sua justiça.

“Então, enquanto Israel aturdido lançava seus olhares em direção à planície de Jericó, Moisés, o servidor de Yaveh, morreu no país de Moab, segundo a vontade do Eterno. E foi enterrado no vale. Ninguém até agora descobriu o seu túmulo”.

Os séculos passam, o túmulo de Moisés está intacto. Ninguém descobriu. Os Srs. já podem imaginar como vai ser linda a ressurreição de Moisés no dia do Juízo! Nós estamos tão penetrados de igualitarismo que pensamos que todas as ressurreições serão iguais. Não é verdade. Todas serão esplêndidas para os eleitos! Serão horríveis para os outros, como o despertar de um frenético.

Mas, assim como haverá ressurreições desigualmente hediondas, haverá ressurreições desigualmente lindas! E nós vamos ver a ressurreição lindíssima de Moisés, com uma coorte de Anjos e com tudo e tudo e tudo e tudo, não é verdade? Talvez ele seja o único a ressuscitar naquele deserto. É uma coisa maravilhosa! Talvez seja o primeiro a ressuscitar dentre os homens…

“Na planície de Moab, os filhos de Israel choraram Moisés durante trinta dias, antes de caminharem para o Jordão, luto e alegria misturados em seus corações. Sem dúvida, a possante beleza desse caráter, o extraordinário gesto de energia que exige o governo de um povo fugitivo entre os terrores e os sofrimentos do deserto, sugeriram aos historiadores e a Sir Winston Churchill…

Ele dá a entender que [Churchill] não é um historiador, é um literato. É a “cotovelada” francesa… [risos]

“… retratos de um Moisés como chefe de guerra e como ditador inspirado. Mas toda a força de Moisés lhe vinha de sua Fé em Deus, a qual sua humildade fazia brilhar. Não foi um déspota esclarecido nem um general infalível que Israel chorou nas portas de Canaã. Este conquistador era suave e este chefe era mais humilde que o mais humilde de seus companheiros de caminho.

“Em meio ao brilho fulgurante das armas e até sob a tempestade dos anátemas, sua vida tremulou ao sopro de uma imensa ternura vinda de outro lugar. Os homens reconhecerão este mesmo acento nas palavras de um Outro, o próprio amor desprezado expirando na Cruz sobre uma colina de Jerusalém”.

Não se poderia dizer mais de um homem! Está tudo dito, tudo feito!…

Bom, aqui está. Aqueles dos srs. que queiram conservar, podem levar. Agora eu pediria que o Sr. P. Solimeo fizesse o favor de mandar reimprimir para os meus ultra diletos Êremos a quantidade suficiente.

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