Santo do Dia, 18 de fevereiro de 1989
A D V E R T Ê N C I A
Trechos de gravação de conferência a sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Nota 1: O chamado (vocação) para pertencer e servir à Igreja Católica, combatendo – segundo a lei de Deus e dos homens – a Revolução gnóstica e igualitária.
Nota 2: É disponível neste site também cópia “ipsis litteris” das apostilas para o curso de “História da Civilização”, ministrado pelo Prof. Plinio no Colégio Universitário da Faculdade de Direito (do Largo S. Francisco) da Universidade de São Paulo, em 1936, e mencionadas nesse “Santo do Dia”. Tais apostilas foram feitas com base às anotações taquigráficas das aulas dadas por Dr. Plinio.
Nesse longo percurso, nessa longa navegação da minha vida, estávamos numa fase em que eu contava a transição de minha situação de deputado para professor. E as circunstâncias em que isso se deu etc., etc. A “ponta de trilho” era alguma coisa a respeito de minha posição como professor e depois o começar minha carreira de professor.
* Eu sabia que tinha que fazer a Contra-Revolução
Para verem a verdadeira perspectiva em que eu me colocava, os senhores precisam de tomar em consideração a minha vocação e o que eu pensava do rumo a dar aos meus dias. Quer dizer, para mim, a nota preponderante era essa: eu sabia que tinha que fazer a Contra-Revolução. E toda a forma de ambição pessoal, de mando e de situação não tinham expressão. Se eu fizesse a Contra-Revolução, a minha vida estava vivida. Se eu não a fizesse, ela estava rateada.
* A incompatibilidade entre mim e a Revolução era tão grande…
Quer dizer, se eu me tornasse com o curso dos acontecimentos um homem muito rico, com uma vida muito confortável, tudo correndo muito bem segundo todos os outros desejavam, cada um para si; se eu conseguisse para mim, portanto, o que os outros viviam para conseguir cada um para si, mas não fizesse a Contra-Revolução, a minha vida estava rateada. Porque a incompatibilidade entre mim, as minhas convicções, a minha Fé Católica e a Revolução era tão grande, que não me interessava viver a vida no meio dessa gente.
Não tinha… ser importante diante deles ou não ser, ter cotação ou não ter, fazer carreira ou não fazer, a nossa incompatibilidade é completa. A diferença de pensamento, de mentalidade etc., é total. Portanto, não me interessava absolutamente nada. Eu teria a sensação de não levar a minha vida, mas a de um outro que não era eu.
Mas, se, pelo contrário, eu levasse a mais difícil e a mais miserável das vidas, e eu conseguisse, no final, fazer vencer a Contra-Revolução, eu teria vivido a minha vida.
Eu tinha, é verdade, um dever a cumprir, e que eu cumpria com um afeto enorme, com um respeito sem conta, sem palavras: era a manutenção de minha mãe. Isso é verdade.
Mas, para mim, isto estava em segundo lugar em face do problema da Revolução e da Contra-Revolução. Por mais que eu a quisesse bem, eu não tinha nascido para ela, eu tinha nascido dela. Isso era um título muito precioso e inestimável: o afeto que eu tinha para com ela. Depois, além disso, havia o fato de que ela tinha uma mentalidade contra-revolucionária. Era uma verdadeira filha da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Isso eu prezava no mais alto grau.
* Eu tinha nascido para a Contra-Revolução
Pois bem, apesar de tudo isso, eu tinha nascido dela, mas não tinha nascido para ela. Eu tinha nascido para a Contra-Revolução.
Em termos mais precisos: eu tinha nascido para servir a Igreja Católica – porque é aí que está a questão, sendo Católico, Apostólico, Romano, eu nasci para servir a Igreja Católica, para pertencer à Igreja Católica. A Igreja Católica é o significado de minha vida. Fora disso, eu não reconheço à minha vida nenhum significado. E a Contra-Revolução era o modo que eu tinha de servir a Igreja Católica.
Mas de outro lado, com o panorama que eu tinha diante dos olhos, quer dizer, vendo a Revolução como eu a vejo, eu também notava que não se tratava para mim de servir a Igreja Católica de qualquer jeito. Por exemplo: montando um orfanato colossal, magnífico; ou montando um jornal para senhoras… ou qualquer outra forma. São formas muito meritórias de apostolado. Estaria muito longe de mim de desdenhar essas formas de apostolado.
* Uma praga está devorando a Igreja inteira
Mas, eu me perguntava: se eu toco para a frente qualquer desses apostolados, eu vendo a enorme crise da sociedade temporal, quer dizer do mundo aí fora, e vendo que essa crise estava passando para dentro da Igreja, e criando na Igreja os problemas cujo início eu tocava com a mão, e cuja gravidade eu sentia inteiramente, eu me perguntava:
– O que adianta fazer um orfanato, se esse orfanato vai servir para salvar umas tantas almas, vai fazer um certo bem, mas ao cabo de certo tempo esse orfanato vai estar devorado por uma praga que está entrando na Igreja inteira? Ou eu luto contra essa praga, que se chama Revolução na Igreja, ou o que eu faço vai ser comido daqui a pouco pelo meu adversário, que me expulsa de dentro e serve-se do produto de meu trabalho, do produto do que eu possa ter de capacidade intelectual, ele se serve disso para fazer mal à Igreja. Isso não. Não contem comigo.
* A luta R-CR: a própria espinha dorsal da História
De maneira que o fim, para mim, que via o mundo como Deus me deu a graça de ver – a luta da Revolução e da Contra-Revolução como sendo a própria espinha dorsal da História, o próprio problema central da Igreja e do Estado – ou eu dedicava a minha vida inteira para a liquidar a Revolução e fazer vencer a Contra-Revolução, ou o meu serviço à Igreja Católica não tinha sentido. Portanto, para mim, era muito precisamente isto: fazer a Contra-Revolução.
* Tinha vinte e seis anos…
Agora no fazer a Contra-Revolução – eu tinha naquele tempo uns vinte e seis anos, mais ou menos… eu fui eleito com vinte e quatro, fui ano e meio deputado: vinte e cinco e meio. Depois, vim para São Paulo, cuidei de me instalar: Tinha vinte seis anos, mais ou menos.
Para mim era muito claro, tinha que fazer um balanço da minha vida e ver, no sentido da Contra-Revolução, até aquela idade, o que minha vida representava. Era uma questão de consciência, de dispor ordenadamente do que me restava de vida. Eu não sabia, mas podia entrever que a duração seria longa. Eu me sentia muito forte, muito saudável. Se os senhores me vêem forte assim com esta idade, podem imaginar aos vinte e seis anos o que eu era. Eu percebia pelos exemplos, quer da minha família materna, quer na família paterna, que se vivia muito tempo, que eram famílias onde as pessoas viviam muito tempo, era, portanto, de conjecturar que eu devesse viver muito tempo.
* …e estava na encruzilhada
Mas eu tinha que, na encruzilhada em que estava, medir: nessa meta da Revolução e da Contra-Revolução, o que eu fiz? De onde parti? A quantas eu estou para saber para onde vou! Era uma coisa natural.
E tudo quanto eu tenho contado aos senhores a meu respeito, se os senhores prestarem atenção, gira em torno desse eixo. Tem essa finalidade e gira em torno desse eixo.
* Tinha uma vida econômica e social estável
Então eu me encontrava na seguinte situação: eu até os vinte anos tinha tido uma vida social e economicamente estável, no mais alto ponto. Quer dizer, a minha família muito abastada, não riquíssima mas muito abastada, e todos os bens aplicados em prédios de aluguel. Mas naquele tempo não havia lei do inquilinato, nem nada. A gente tratava o aluguel que queria, punha fora o inquilino quando terminava o contrato. Alugava como entendia. Eram prédios todos colocados em pontos de muita valorização, muito bem colocados. Eu via a cidade que ia crescendo. E, com ela, o valor do patrimônio da família ia crescendo sem necessidade de trabalhar. E compreendia bem que se eu não fizesse asneiras, e não gastasse a parte do patrimônio que tocaria à minha mãe, com a morte de minha avó, isso dava para não perder tempo trabalhando. Não ter que perder tempo ganhando dinheiro, para me consagrar exclusivamente à nossa causa.
* Poderia fundar a Ordem de Cavalaria
Que é o que os senhores fazem. Os senhores, eremitas, camaldulenses etc., renunciam a empregar o tempo ganhando dinheiro para servir a Contra-Revolução.
Esse era o meu objetivo e o meu ideal: era servir a Contra-Revolução, e, como instrumento do serviço da Contra-Revolução, fundar o que eu dizia, para mim mesmo, uma Ordem de Cavalaria.
Então, do ponto de vista social e econômico, muito estável.
Mas, de outro lado, perfeitamente engarrafada, porque não sentia nenhuma possibilidade, depois dos dez anos aos vinte – de dez anos de apostolado infantil, juvenil e alguns anos de apostolado universitário – eu não sentia a possibilidade de conseguir para a Contra-Revolução absolutamente ninguém. Mas ninguém ao pé da letra, de mais não poder de ser: ninguém!
Muitos esforços, contínuos, feitos naturalmente com prudência, com critério, com jeito – os senhores me conhecem, sabem que não sou gato louco, que eu tentava a coisa com jeito – mas tentava o quanto podia, e nada! Bem isto, era um fracasso. Se quiserem era um fracasso deitado numa cama de penas. Mas a mim não me interessa a cama de penas dentro do fracasso… Eu não quero o fracasso! Era o fracasso…
Bom, de repente um longo ato de confiança. Para um rapaz de vinte anos, dez anos é uma eternidade. É como para um homem de minha idade, 30 anos. Para um rapaz de 20 anos, portanto, 10 anos de fracasso eu tinha a impressão de um imenso e rotundo fracasso. Mas pior do que o fracasso, havia o seguinte: quanto mais eu olhasse vastamente em torno de mim, tanto mais eu não via senão condições para não aparecer nenhum contra-revolucionário.
Minha frase talvez não tenha sido clara… Eu só via condições para não aparecer contra-revolucionários.
* Eu lia muitas coisas da Europa…
Eu tinha daí a idéia, que era a seguinte: como eu lia muitas coisas européias – naquele tempo, eu ainda lia correntemente o alemão e o inglês, lia o francês a mais não poder; não entendia ainda o espanhol e o italiano que vim a entender depois. Mas a leitura das coisas francesas, alemãs e um pouco das coisas inglesas, eu tinha todo o espírito montado com a idéia de que a Europa era o continente das tradições. Portanto, seria o continente da possível Contra-Revolução.
Quem sabe se eu encontraria uma organização contra-revolucionária na Europa, à qual eu pudesse estender do lado de cá do Oceano a mão? Me dêem licença, eu vou fundar alguma coisa assim aqui, sujeita à de vocês. Mas, vamos trabalhar juntos, fazer a Contra-Revolução no mundo inteiro, etc., etc.
* Na praia de Santos, pensando na Europa contra-revolucionária…
Quantas e quantas vezes, parado diante do mar, da praia do Gonzaga, em Santos, eu não pensava do outro lado do mar – eu creio que já disse isso aqui, eu não pensava exatamente isso? “Essas ondas vêm do continente bendito aonde deve haver a Contra-Revolução”.
E quando eu, nas marés montantes, via as águas do Oceano que vinham, eu me dizia: “Quem sabe se essas águas bateram na Europa? Bateram em Portugal, bateram na Espanha… Quem sabe se bateram na Inglaterra? Quem sabe se vieram para o Atlântico através do Mediterrâneo? Quem sabe se vieram para o Atlântico através do Mar da Mancha? Quem sabe se bateram em tais e tais países etc.. Lá deve estar a Contra-Revolução… Mas, não tenho dinheiro para ir lá. Para ir até à Europa não tenho.”
Só se minha avó morresse e aí eu herdasse, e ainda uma viagem muito modesta. Com uma viagem rápida e modesta se consegue poucos resultados. Mas, enfim… quem sabe? quem sabe? quem sabe?”
* O Príncipe Dom Pedro Henrique
A única ponta de contato que eu tinha com a Europa era o Príncipe Dom Pedro Henrique, pai de Dom Luis e de Dom Bertrand. Eu o tinha conhecido aqui no Brasil. Era de minha idade, ele tinha parece que perto de um ano menos que eu. Acho que não era um ano inteiro. Enfim, era uma idade como a minha.
Ele estando em S. Paulo, a mãe dele – eu contei isso aqui – a Princesa Pia, mais um irmão dele que morreu em odor de santidade, o Príncipe Luis Gastão, mais uma princesa, vinham a São Paulo e iam visitar minha avó, minha mãe, minha família, por causa da velha correspondência com a Princesa Isabel. Fizemos relações. Uma vez que outra eu escrevia para D. Pedro Henrique. As primeiras cartas ele respondeu. Depois não respondeu mais.
Eu me perguntava: “Será que ele não caiu na Revolução? Quer dizer, essa ponta de ouro esfarelou-se na ponta de meus dedos? Então, o quê? Então, o quê? Então, o quê?…”
* O Congresso da Mocidade Católica; dois insucessos consecutivos
Quando de repente vem o Congresso da Mocidade Católica e um outro mar se abre para mim. Daí uma ascensão vertiginosa, um sonho que se realiza.
Entretanto, eu verifico depois que esse sonho, em vez de ser o primeiro passo para a galopada vitoriosa da [Contra-]Revolução, sofre dois insucessos coordenados um com o outro.
Um insucesso político, decorrente da deliberação do episcopado de acabar com a Liga Eleitoral Católica; e um insucesso, do ponto de vista da minha liderança como líder católico, que é o aparecimento do Movimento dos litúrgicos, do movimento da Ação Católica também, que são movimentos visivelmente voltados para destruir aquele tom contra-revolucionário que o movimento católico tinha. E para transformar o movimento católico num movimento revolucionário.
Então, não só eu deixava de ter a capitânia do navio, mas o adversário penetrava pelos porões e entrava no navio.
Os senhores compreendem, então, que a minha perda da condição de deputado, mais o aparecimento disso que ameaçava a minha perda da condição de líder católico, incontestável da juventude católica do meu tempo, tudo isso ameaçava tirar-me os meios de fazer a Contra-Revolução.
Bem, os insucessos de fortuna patrimonial, na minha família, tiraram-me os meios de consagrar a vida exclusivamente ao apostolado. Eu ficava, portanto, reduzido a ter que trabalhar, quando eu não queria trabalhar.
* Morar no Interior
Mas eu tinha um problema muito importante, e que era o seguinte: naquele tempo viajava-se muito menos para o Interior do que hoje. As estradas de rodagem eram menores, os automóveis eram mais raros e mais caros. Viajava-se muito mais de trem. Mas os trens levavam muito tempo, faziam percursos muito longos, não eram percursos práticos como se tornaram com o tempo. As viagens não eram simples. O resultado era que entre o Interior do Estado e a Capital havia uma defasagem enorme. Um sujeito que morava no Interior – Campinas que fosse, uma cidade irmã de São Paulo, ao alcance da mão daqui – já é um caipira. E um caipira era um nível baixo. Na cidade dele, podia ter influência, mas no Estado não.
Eu não podia, portanto, consentir numa situação em que fosse morar no Interior, porque era a quebra de uma condição de prestígio que era morar na Capital. Isto tudo mudou muito hoje em dia. Por que mudou? Porque a vida mudou, porque no Interior as fortunas se tornaram muito grandes, e naquele tempo não eram. Porque no Interior se começou a luxar muito. Os interioranos paulistas eram muito agarrados naquele tempo, luxavam muito menos. Por uma série de circunstâncias, hoje o Interior está muito mais próximo da Capital do que estava naquele tempo. Naquele tempo era uma queda.
Os senhores imaginem morar, por exemplo, numa cidade próspera, uma verdadeira capitalzinha como Ribeirão Preto, ou morar em São Paulo, era uma diferença de nível radical, mas radical! Bem, eu tinha que me agarrar a São Paulo, e eu tinha que ocupar uma situação pessoal, humana, que me desse o nível de falar com todos num pé de igualdade. Se não fosse isso, os meus elementos de influência para fazer Contra-Revolução desapareciam.
* Estava ameaçado de perder os cargos…
Então, eu dando o balanço das coisas, verifiquei o seguinte: verifiquei que tudo quanto é cargo era para mim muito complicado. Que eu estava ameaçado de perder os cargos. É verdade que o meu cargo de professor no Colégio Universitário era vitalício, era inamovível. Mas quanto duraria essa vitaliceidade? Quando viria uma lei revogando isso? E como eu ficava?
* Faculdades católicas: “Dr. Plínio é que vai ser o grande beneficiado”
Uma ocasião, durante a reunião da bancada paulista (na Assembleia Constituinte), estavam discutindo questões de ensino, que não tinham nada que ver com a Igreja Católica: era uma outra questão. Estavam estudando uma coisa que eu não estava acompanhando bem, era indiferente. Eu vejo, de repente, o líder Alcântara Machado olhar para mim e dizer: “O que nós acabamos de aprovar aqui, e que vai ser aprovado na Constituinte, vai fazer a carreira do Dr. Plínio – ele é o grande beneficiado com isso!”
Eu que estava com o problema… levantei o ouvido. E disse:
– “Mas Dr. Alcântara, como é isso?”
– “O que tem aqui é a autorização para as entidades particulares fundarem universidades. E a Igreja, na lei brasileira, é uma entidade particular, e ela pode fundar universidades católicas, como as há na Europa, colossais, com um prestígio igual ou maior que as do Estado. E o senhor tem todas as condições para ser nomeado professor da universidade católica. Até sem concurso. E começar a sua vida por onde outros acabam”.
Aquilo… eu pensei: “Aqui está uma coisa que eu preciso agarrar com unhas e dentes!”
* Professor na Faculdade Sedes Sapientiae
Realmente, chegando a São Paulo, eu recebo dois convites. Dos padres beneditinos, que iam fundar uma Faculdade de Filosofia – estabelecimento universitário -, e me pediam para aceitar uma cátedra na Faculdade, porque com o meu renome de deputado, isso dignificava a Faculdade.
Perguntei:
– “Mas, que cátedras?”
Disseram:
– “O Sr. escolha a lista das cátedras vagas. O Sr., nomeado, será vitalício”.
Peguei e tomei a de História Medieval, Moderna e Contemporânea.
E me disseram:
– “Está bem, mas o Sr. está informado de que ganha pouco? Porque o Estado paga por volta – os senhores podem ter idéia – de um conto e quinhentos por mês para um professor universitário. A Igreja tem menos dinheiro que o Estado, pois Ela não arrecada impostos. Portanto, ela vai pagar não um valor equivalente a mil duzentos e cinqüenta, mas só a duzentos e cinqüenta”.
Eu pensei com os meus botões: é melhor do que nada. E disse:
– “Não, não… Mas eu aceito de bom grado…”
* Professor no Colégio “Des Oiseaux”
Depois veio uma ordem religiosa feminina Des Oiseaux, um colégio fundado se não me engano na Bélgica pelas cônegas agostinianas. E pelas mesmas razões me convidam. Eu escolho a mesma cátedra lá entre elas. Era uma faculdade para moças, mas com professores homens ou senhoras professoras.
“Eu aceito!” E fico com duas cátedras. E pensei: ao menos são quinhentos mil réis por mês, que já é alguma coisa para evitar o extremo da necessidade e da penúria. Tenho que trabalhar como um leão, porque são muitas aulas por semana. E aulas numa Universidade é de muito maior responsabilidade que num colégio secundário. Colégio secundário, a gente abre um livrinho, toma uma nota, dá a aula. Mas, agora, numa universidade a responsabilidade é muito maior, evidentemente.
Então, aceitei. Com o meu ordenado de professor do Colégio Universitário, que era bem maior, dava para me equilibrar.
* Advocacia pessoal e ter as noites livres
Bem, já contei como passei de uma casa pior, francamente desoladora da rua [Marquês de Itu], para uma casa de muito bom aparato, de muito bom gosto, tudo muito direito e muito barata, na rua Itacolomi. Me instalei lá com minha mãe.
Pensei: “Esses são cargos. Cargo, um homem como eu perde a qualquer hora. Eu tenho que arranjar uma outra coisa, tenho de arranjar uma advocacia pessoal que faça com que, quem me tirar os cargos, não me tire a clientela. Eu vou abrir um escritório de advocacia e ver se consigo clientes. Por esta forma equilibrar-me, de maneira a ter, não os dias livres, mas ter as noites livres. Porque simplesmente com as noites livres, já dá para fazer muita coisa, de um lado.”
Mas de outro lado também é verdade que lecionando na Faculdade de Direito de São Paulo e lecionando na Universidade Católica, eu tinha postos muitos bons para fazer a Contra-Revolução, dando um curso contra-revolucionário de História. Com possibilidade de fazer adeptos e pensar sempre na Ordem de Cavalaria com vistas à Contra-Revolução.
Está bem claro a centralização de tudo isso? O centro que isso toma?
* Dr. Paulo, sócio do escritório de advocacia
Abri realmente um escritório de advocacia, mas eu não tinha tempo de tocar o escritório de advocacia. Eu convidei Dr. Paulo (Barros de Ulhoa Cintra), advogado formado uns dois anos depois de mim, para me ajudar. E arranjei um jeito de ele ganhar uma parte do que eu ganhasse. Eu ganhava muito pouco com o escritório de advocacia. Mas, eu tinha uma vantagem que o Dr. Paulo sabia qual era: se eu perdesse os cargos, eu tomava toda aquela advocacia para mim, e ele saía. Mas eu continuava a viver.
E continuava a viver em São Paulo, naquela casa, naquelas condições, de maneira a poder continuar a fazer Contra-Revolução.
* Dar bem as aulas para criar renome e influência
Tudo isso mais ou menos se assentou, e a atenção minha principal, na utilização das circunstâncias que estavam diante de mim para fazer a Contra-Revolução, a utilização principal foi a seguinte: de momento esses cargos são vitalícios. Eu tenho que dar bem as minhas aulas. Prepará-las bem, tomar um certo renome como professor.
À medida que os anos forem correndo, são turmas e turmas e turmas de professores – porque uma Faculdade de Filosofia forma professores secundários e universitários. Então são levas de professores que vão marcados por minha influência. E que, de um modo ou de outro, irão falar de mim nas aulas deles, e que aumentarão o meu renome e modo de ser conhecido, enfim, minha influência para fazer a Contra-Revolução. De maneira que está bom.
Mas, eu de momento, tenho uma preocupação: fazer um grande curso, um curso bem feito, um curso bem dado, que impressione contra-revolucionariamente, um modo de conduzir as aulas de maneira a eles sentirem um pulso firme – e, portanto, entenderem que não estavam tratando com qualquer um – e o tempo livre para, às noites, consagrar à Congregação Mariana.
* Restinho de prestígio: um cargo como diretor de “Legionário”
E ao restinho que sobrava de cargo, de prestígio – não havia outro cargo possível senão o de diretor de um jornalzinho mensário na Igreja de Santa Cecília, chamado “Legionário”. Me convidaram para ser diretor também porque eu era deputado e enquanto era deputado, porque ficava bem para o mensário. Eu peguei. E disse: “Podem pôr o meu nome desde já. Eu só exercerei quando deixar de ser deputado, porque não é possível fazer tudo junto. Mas, quando eu deixar de ser deputado, eu vou começar a exercer o cargo”.
Deixei de ser, apresentei-me:
– “Olhe aqui, eu vim exercer…”
– “Ah, pois não! Esteja à vontade”. Instalei-me.
* Convites para discursos e festas até do Interior
Então, às noites eu dava sempre ao cultivo daqueles amigos que tinha na Congregação Mariana e ao relacionamento com o movimento mariano em geral. Era muito convidado para discursos e conferências no movimento católico: quase todo mês tinha uma, duas ou até três conferências para fazer. Eu fazia com aplicação, fazia o mais bem feito que pudesse fazer, eu fazia. Isto multiplicava os convites. Vinham os convites para ir ao Interior.
* “Deus que manda a neve, manda também a lã…”
Eu percebi que ficava mal recusar ir em festas de bispos, eu ia. Comparecia, falava, discursava… à vontade. Faziam de mim o que queriam. Também, quando sentava no trem de volta… uffff!
E é uma coisa curiosa, há uma expressão que está na Sagrada Escritura: “Deus que manda a neve, manda também a lã; e que Deus que nos manda a doença prepara a cama para nos deitarmos”. Também aqui comigo: uma série de desastres, mas depois tudo acolchoado num nível menor, mas afinal de contas, com certas garantias, certas compensações, e, sobretudo, possibilidade de fazer a Contra-Revolução.
* Minha influência como líder católico ainda cresceu mais
Nesse sentido, minha influência como líder católico ainda cresceu mais depois de ser deputado. Também, porque estava ficando um pouco mais velho, e, portanto, com mais respeitabilidade pessoal do que um moço – não me queiram mal os que têm vinte e seis anos aqui. Mas um moço de 26, 27, 28 anos não tem a respeitabilidade pessoal de um moço de trinta anos. Esse período de que estou falando englobou vários anos.
* Assim que eu entrava na sala…
Evidentemente, eu notava esses sinais. Por exemplo – eu creio já ter contado isso aqui, mas enfim -, qualquer reunião católica que houvesse, era muito freqüente haver reunião católica em teatros, lotando teatros inteiros. Se eu chegasse atrasado, o que era freqüente, era indiscutível que era convidado para tomar parte à mesa. Mas antes mesmo de me convidarem para tomar parte na mesa, quando eu entrava no teatro – não tinha cargo nenhum -, a sala toda se levantava e batia palmas.
Se houvesse um discurso, qualquer coisa assim, quando eu chegasse, o orador interrompia o discurso que estava fazendo, para me fazer uma saudação. Depois, eu me sentava junto à mesa. E claro que, a partir do momento que eu entrasse na sala, a peça de resistência era o meu discurso, no fim. Mas, não havia possibilidade de eu comparecer a uma reunião dessas sem fazer um discurso no fim. Não passava pela cabeça de ninguém.
Eu notava que a sala toda cochilava um pouquinho, enquanto estavam falando outros oradores. Quando chegava a minha vez todo o mundo se arrebitava.
Isso antes de eu ser deputado era assim. Mesmo eu sendo deputado, era e às vezes não era. Não sei o que foi que a Providência dispôs, que depois de eu ser deputado isto ainda subiu muito.
* Queixa de um velho Arcebispo: era preciso acabar com o Plinio
Chegou-me aos ouvidos a queixa de um velho arcebispo que disse:
– “Nós resolvemos mesmo abater o Plinio, porque ele tinha um prestígio que não tem propósito que um leigo tenha. Ele pessoalmente tinha mais prestígio do que qualquer um de nós, bispos. Então, era preciso acabar com ele”.
* O modo de tocar para a frente o “Legionário”
Bem. Eu dediquei-me então assim às aulas e dediquei-me também a esses exercícios de oratória, muito largamente feito. E, depois, dediquei-me também a tocar para a frente o “Legionário”.
E o modo de tocar para a frente o “Legionário” foi o seguinte: em geral, os jornalistas católicos daquele tempo, com exceção de uns poucos, mas muito poucos, eu conheço dois que abrem exceção mas que eu não conhecia, eram anteriores à minha penetração no movimento católico. Era um Jackson de Figueiredo.
A título de curiosidade, quem ouviu falar de Jackson de Figueiredo, levante a mão. Um bom número dos mais antigos ouviu. Um dos mais novos ouviu. Ele era meio conterrâneo seu, meu Dustan?
(Sr. Dustan: Parece que ele era alagoano.)
O Sr. o que é que é?
(Sr. Dustan: Paraibano.)
Não é tão longe…
Mas é um homem que eu não cheguei a conhecer. Esse era muito combativo. E havia um outro que era mais antigo ainda: Carlos de Laet. Quem é que ouviu falar dele? Os mais antigos, sim. Dos mais novos, ninguém. Aqui, um ouviu falar.
Como o nome indica, era filho de pai francês. Não sei se de mãe francesa. Laet é um nome francês, bretão se não me engano. Nasceu no Brasil. Era brasileiro. Tinha toda a leveza e toda a graça do estilo francês, se bem que escrevesse em português. Mas ele utilizava muito bem os recursos da língua portuguesa. Ele era um escritor muito mais brilhante do que o Jackson de Figueiredo, e muito cômico, muito cáustico. Não era cômico de piadinha, não. Era um homem da altura de Luis Veuillot, o grande escritor francês contra-revolucionário do século passado.
Os que aqui ouviram falar de Veuillot, levantem o braço, para ter uma idéia… Bem mais, bem mais! Ele merece.
O Carlos de Laet tinha sido um polemista também. Os outros tinham horror à polêmica e viviam de arranjos com a Revolução. Não atacavam. Não elogiavam mas não atacavam. Fingiam que não percebiam que ela existisse.
* Gênero açucarado do jornalismo paroquial de então
O gênero era, por exemplo: chega o mês de Maria, um artigo sobre o mês de Maria que entra. O artigo se intitulava: “Açucena”. É uma flor, como os senhores sabem. Essa flor dá em maio. Não sei se dá em maio na Europa ou se dá em maio aqui no Brasil.
Eu confesso aos senhores que minha ignorância em Botânica vai tão longe, que eu não sei bem qual é a diferença entre lírio e açucena. Em oitenta anos de vida não tive tempo de tirar a limpo. Mas eu sei que [a açucena] era uma flor emblemática de Nossa Senhora. Era branca, de um branco muito alvo, com um perfume muito suave. Títulos para serem comparados adequadamente a Nossa Senhora. O lírio e a açucena indiferentemente, eram flores mariais, eram emblemas de Nossa Senhora.
Então, o título era: “A açucena”, com umas florezinhas desenhadas à mão em volta. E dentro uma poesia de uma filha de Maria, composta sobre a açucena e Nossa Senhora. Bem, assim, com esses “açucares” e esses “meles” era redigido o jornal, que era lido apenas pelos que freqüentavam a sacristia e que eram daquele meiozinho. Era um boletim interno para os meios da paróquia.
* Eu formei o projeto de escrever com a “ponta da espada”
Eu formei o projeto de abrir todas as janelas, abrir todas as portas, fazer entrar largamente os ventos da política nacional, internacional, dos problemas culturais, filosóficos, teológicos etc. E tratar em estilo polêmico. Escrever com a “ponta da espada”. Mantendo uma polêmica contínua mais ou menos com todo o mundo.
Mas, acompanhando sobretudo muito bem a política internacional, nos seus aspectos ideológicos. A grande luta do tempo: do comunismo, do fascismo e do nazismo. Do nazismo alemão, do fascismo italiano em luta contra aliados, em luta contra o comunismo em vigor na Rússia.
Mas, como havia simpatizantes do nazismo e do fascismo pelo mundo inteiro, como também simpatizantes do comunismo, infelizmente, essa polêmica era uma polemica internacional, que tinha repercussões em todos os países do mundo. Tinha repercussões em São Paulo, já então uma cidade cosmopolita, nas colônias estrangeiras aqui. Qualquer coisa que eu escrevesse contra um dos dois ditadores tinha repercussão na colônia respectiva. Quando escrevia a favor de alguma coisa daquele país, repercussão favorável. Quando escrevia contra, repercussão contra. Cartas.
* “Legionário”: era o bombardeio contra a Revolução
Isto era o movimento, era a vida! E era o bombardeio da Contra-Revolução contra a Revolução. Pam!
Por outro lado, eu instituí um sistema de venda do “Legionário” nas portas das igrejas. De maneira que ia muito mais longe além da igreja de Santa Cecília. Eu pegava congregados marianos menores, com doze, treze e quatorze anos – com autorização dos pais -, que iam vender o “Legionário” por todas as paróquias.
Como o velho Arcebispo Dom Duarte (Leopoldo e Silva) gostava do “Legionário” e dava apoio ao “Legionário”, os vigários não ousavam dizer nada, o “Legionário” se vendia por toda a parte.
Dentro em breve, ele pesava na vida interna e nas discussões dos católicos do Rio, católicos de Minas, de Porto Alegre, de Recife… Repercutia em Montevidéu, em Buenos Aires… Um pouco em Santiago do Chile, que já ficava bem mais distante. E com algumas repercussões na Europa também. Muito menos, muito raramente nos Estados Unidos.
Mas isso ia aumentando. Eu consegui que o “Legionário” se transformasse num semanário, saindo portanto todas as semanas. Tendesse a transformar-se para um diário, que era a minha idéia: formar um diário, quotidiano e romper…
* Ataques a todas as heresias nascentes
Aí comecei a fazer ataques a todas as heresias nascentes: aos erros do Movimento Litúrgico, aos erros da Ação Católica, aos erros de um filósofo francês revolucionário – tinha sido contra-revolucionário – Jacques Maritain. E tomar a posição perante os erros do tempo, e posição batalhadora.
O “Legionário” transformou-se então no principal jornal católico do Brasil. Era um meio de exercício da influência de nosso ambiente e de nossas idéias contra-revolucionárias, o meio de exercer essa influência largamente no Brasil, que era onde nós queríamos chegar.
* Tomada de posição perante os assuntos da França
Com essa visão geral dos acontecimentos não podia faltar, com o meu interesse pelas questões francesas, também uma tomada de posição perante os assuntos da França.
Na França, havia uma falsa direita chamada “Action Française”, que devorava a direita aproximando-a do nazismo. E havia uma esquerda-católica, nascida da política de Leão XIII, do “Ralliement” – coisa muito complicada, que seria preciso toda uma seqüência de coisas para contar, que era da esquerda. E nós bombardeávamos a direita e a esquerda.
* O corpo redatorial de “Legionário”
Entre os que desde a primeira hora me serviram aí, estava o Dr. Azeredo Santos – alguns até conheceram Dr Azeredo pessoalmente; por curiosidade, os que conheceram o Dr. Azeredo levantem a mão… Não pensei que os senhores tivessem chegado a conhecer o Dr Azeredo. Bem, ele escrevia as críticas contra o Maritain e a corrente filosófica do Maritain. Depois, o Prof. Fernando Furquim de Almeida era professor universitário, escrevia sobre os problemas e as querelas francesas, no século dezenove e século vinte, com muita atualidade para os assuntos daquele tempo. Nota internacional de política muito bem feita pelo jovem estudante – muito jovem ainda – Adolpho Lindenberg, que depois veio a se tornar um dos maiores arquitetos de São Paulo. E o Secretário de Redação, Dr. Castilho, implacável, conhecendo português na ponta da língua, revisor gramatical estupendo, muito bom paginador, de uma dedicação extraordinária.
Além de muitos outros que nos ajudavam nisso.
* Quarta-feira: noite de redação
Nas quartas feiras se não me engano, fazíamos uma noite de redação para preparar o jornal. Então mandei fazer uns pupitrezinhos, umas carteiras pequenas, muito baratas e mandei colocar assim em fila numa sala, com cadeiras, e convidava tudo quanto era rapaz mais inteligente que eu conhecia nas congregações marianas, para vir escrever no “Legionário”. Era um meio de engrossar o nosso grupo, porque começando a trabalhar no “Legionário”, ele ia duas vezes por semana. Mas gostava do ambiente, ia três… ia quatro… ia cinco, e ficava mais habituado ao nosso grupo do que à Congregação Mariana dele. Então, pedia transferência para a Congregação de Santa Cecília. Eu não deixava. Eu dizia:
– “Você vai continuar na sua Congregação, sendo nosso representante lá. Vem aqui às noites conversa conosco, quando quiser. Entra para nosso grupo, se quiser. Mas na Congregação tem que nos representar. Aos domingos tem que ir à missa de sua Congregação”.
Não tinham muita vontade, porque queriam estar o tempo inteiro unidos e conversando, mas eu não permitia. E com isso estávamos aglutinando um bom número de congregados marianos, membros do grupo, o grupo ia crescendo, as coisas iam se desenvolvendo bastante bem.
* Bombardeio das circunstâncias começa…
Quando eu supunha que isto eram as compensações que a Providência me dava para o que eu tinha perdido, e sobretudo os meios para conseguir o que eu queria… bumba!… começa um bombardeio de circunstâncias, e tudo isso começa a ir água abaixo. Mas, não dá tempo para contar tudo isso.
* Um grupo que analise os acontecimentos vistos de dentro dos olhos do “Legionário”, antes, durante e depois da II Guerra Mundial
Me passa um pouco pela cabeça, agora pela primeira vez… Isto é mais do interesse dos mais velhos, para os muito, muito jovens não sei, o que eu vou dizer agora… é uma idéia: mas se fosse possível um grupo, ou alguns dos senhores – o João saberá organizar isso, se isto se ajustar bem a uma série de programações excelentes que ele tem em vista – constituir um grupo que dê um pouco a história dos anos 30 até a Segunda Guerra Mundial, e depois de durante a Segunda Guerra, vista de dentro dos olhos do “Legionário”, para explicar bem qual era a nossa posição. E os senhores compreenderem as raízes remotas de nosso movimento.
Os senhores fariam um resumo do que foi publicado, proclamariam aqui e eu daria [o comentário].
Seria… já que os senhores manifestam interesse pelo tema, seria um modo de fazer compreender aos senhores por que éramos antinazistas, porque éramos antifascistas, porque fomos contra o marechal Pétain, porque tivemos, pelo contrário, “torcida” pelo general De Gaulle, etc.
Depois, dentro da política brasileira, qual foi nossa atitude. Dentro das lutas que começaram a dilacerar a Santa Igreja, qual foi a nossa posição e porque foi etc. Daria uma idéia menos nebulosa desse passado remoto.
Eu normalmente perguntaria: os que acham, levantem a mão… As mãos estão se levantando em floresta. Deixa chegar o João… nós vamos ver, se não for possível este ano, no que vem.
Com isto, meus caros, “fugit irreparabile tempus”.
* As opiniões do “Legionário”: não eram as de ninguém a não ser as do Papado
(DM: …como era o ambiente que o Sr. criava na redação do “Legionário”?)
Pois não. A peça mestra da redação do Legionário – a dificuldade com que eu tinha de contar era a seguinte:
As opiniões que eu tinha não eram opiniões aceitas, em geral, no ambiente católico. Em geral, padre alemão era nazista. Padre italiano era fascista. Padre espanhol era franquista. Padre francês, havia-os pouco. Mas havia um certo número de padres franceses. Ou eram do Pétain ou eram do De Gaulle. Eles tomavam posições que não eram a posição do “Legionário”, que era de não ser de ninguém a não ser do Papado. E analisar implacavelmente os documentos e tudo, os acontecimentos e tudo, do ponto de vista os discursos do Papa e das instruções do Papa, etc., etc.
Com isso, de um lado, ficávamos muito cobertos. Mas, de outro lado, abríamos uma perplexidade para os elementos de base do Grupo, e que era a seguinte: isso tudo era uma atitude pessoal do Dr. Plínio. Até que ponto isso é a atitude da Igreja?
* Por que nasceram as Reuniões de Recortes?
As Reuniões de Recortes se fundavam na necessidade de provar aos principais do Grupo que aquilo era a atitude da Igreja. Os outros, vendo que os que eram intermediários entre eu e eles pensavam todos do mesmo modo, mais facilmente compreendiam que se poderia seguir-me. Eu fazia uma reunião para eles em que explicava também. E eles formavam uma convicção própria, com argumentos, etc., e tomavam posição: entravam em luta, alguns apostatavam, quer dizer, não seguiam o nosso caminho; outros, pelo contrário, se firmavam e seguiam o nosso caminho. Assim, íamos abrindo a nossa estrada.
Assim que se constituía o corpo do que veio a ser depois a TFP. Mais do que corpo, a tradição, o pensamento, o espírito, a linha da TFP.
Se os senhores se puserem a ler o “Legionário” encontrarão a TFP, tal e qual.
* Uma vida de colinas, de que saiu em determinado momento a TFP
Então, para a semana que vem eu daria alguma coisa desta contra-ofensiva de desastres:quer dizer, como é que eu gradualmente fui perdendo –minha atuação de professor já falei, não?
Então, antes da contra-ofensiva:
- Atitude face aos alunos, nas várias Faculdades.
- Atitude junto aos membros do “Legionário” e aos congregados marianos em geral; ao mundo católico em geral; ao Arcebispo D. Duarte, etc.
- Como é que isso tudo foi sendo bombardeado. Para isso, duas bombardas fundamentais: a esquerda-católica e o integralismo – de que eu não falei quase, aqui.
Daí uma outra derrocada, seguida de uma outra restauração.
Os senhores estão vendo: uma vida em colinas, mas da qual saiu, em determinando momento, a TFP. Que eu cheguei a definir numa ocasião como “o lírio nascido durante a noite, do lodo e na tempestade”.
Vamos andando…