“Catolicismo”, n° 483, março de 1991 (www.catolicismo.com.br)
TFP PEDE A COLLOR RECONHECER LITUÂNIA LIVRE
O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira remeteu carta ao Presidente Collor, datada de 15-2-91, cujo teor levamos ao conhecimento dos leitores de CATOLICISMO, devido à importância e candência do tema nela versado.
Senhor Presidente
O que me leva a escrever a V. Exa. é a sensibilidade de nossa alma ante o gemido de um povo e a defesa de um direito.
1. A Lituânia, outrora cativa, e sujeita a toda a tirania do regime comunista, adversário irredutível da Religião, como da Família e da Propriedade, durante meio século sofreu fome, miséria e perseguições debaixo do tacão da bota soviética. Afinal viu ela, por um momento, raiar o sol da independência, e, conseqüentemente, sentiu aberto diante de si o caminho de retorno à civilização e à prosperidade de outrora, das quais o regime comunista a privara de modo inclemente.
Ato contínuo, afirmou ela sua independência, constituiu seu governo e começou a reconstrução da pátria.
Gorbachev, frustrando as vãs esperanças que sua política da “perestroika” fizera nascer no Ocidente, violou a soberania dessa nação que acabava apenas de renascer. E, sob o pretexto de que os filhos dela se recusavam a servir no exército – por eles tido como estrangeiro – da URSS, mandou esmagar as reações na Lituânia.
2. Sr. Presidente, tanques comunistas se atiraram então contra um povo inteiramente indefeso, alentado tão-só por suas armas espirituais que são a Fé católica e a determinação inquebrantável de assegurar sua independência.
Assim, as multidões desarmadas da Lituânia, entoando hinos de Fé e de patriotismo, se ergueram como barreiras vivas ante os tanques soviéticos, e não recuaram quando – com assombro para os agressores a mando do Kremlin, como para o mundo – verificaram que as primeiras vítimas se deixavam trucidar barbaramente, porém não desertavam do campo da honra.
O que faria então o governo de Moscou? Compreendendo que o prosseguimento no ataque genocida levantaria contra Gorbachev a justa indignação de todos os povos livres, o Kremlin desautorou o ataque, atribuiu ao comandante das forças comunistas sediadas na Lituânia a responsabilidade pela agressão e mandou retirar desse país parte dos para-quedistas, que há pouco ainda enviara contra ele.
Mas… há nisto um “mas”. Pouco depois, o ministro do Interior, coronel Boris Pugo, apontado como um dos instigadores da ação feroz das tropas russas na Lituânia, foi promovido a general. Assim, mal fora divulgada a repreensão daquele coronel por seu violento procedimento – com evidente vantagem publicitária para o sr. Gorbachev no Ocidente – sobreveio a promoção do “culpado” ao generalato. E assim ficava mostrada a evidente inconsistência da referida censura! À violência, se somava a duplicidade.
3. Foi nessa atmosfera, entretanto tão desfavorável, que o Presidente Vytautas Landsbergis, Chefe de Estado lituano, convocou leal e corajosamente um plebiscito, para dar a cada lituano a ocasião de se pronunciar livremente sobre se queria continuar sob a dominação comunista do Kremlin ou prosseguir – quaisquer que fossem os riscos – na gloriosa via da independência nacional.
Tal plebiscito, Sr. Presidente – V. Exa. o sabe, sabe-o o mundo inteiro – transcorreu do modo mais liso e ordeiro. E, feita a apuração dos respectivos resultados de forma igualmente exemplar, chegou-se ao que segue, diante de Deus e dos homens, diante do Presente em que se encontram e do Futuro que os aguarda:
a) 90,47% dos votos se pronunciaram a favor da independência: da independência, sim, plena, total e imediata, como é óbvio;
b) 6,56% dos votantes foram contrários à independência;
c) compareceram às urnas 84,52% dos eleitores.
4. Isto posto, isto proclamado, ou todas as nações livres da terra acorrerão solícitas em prol da independência da Lituânia, e com esta entabularão imediatamente relações diplomáticas, constituindo embaixadas em Vilnius e abrindo-se para que a Lituânia constitua embaixadas nas capitais delas; ou hesitarão, tergiversarão, e quiçá só algumas se animem a defender essa pequena nação coberta de glórias, contra o que a mídia insiste em apresentar como o “colosso” soviético.
Mas as nações que vacilarem reconhecerão implicitamente que elas mesmas não têm o direito líquido e certo à sua liberdade. Pois quem hoje vacile em reconhecer os direitos incontestáveis do mais fraco torna automaticamente contestáveis os análogos direitos que tenha a defender amanhã contra o mesmo agressor mais forte.
Quem nega direitos – não obstante líquidos e certos – de terceiros, só porque é poderoso o injusto contestador desses direitos, deixa ver que, quando amanhã esse contestador lançar sua sanha contra o país que de braços cruzados e lábios cerrados presenciou a agressão, este último nada terá a alegar em sua própria defesa.
Por certo, Sr. Presidente, V. Exa. não consentirá em que nossa nobre e valorosa Pátria se veja eventualmente colocada nessa postura.
Assim, representando a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP, de cujo Conselho Nacional sou presidente, bem como – devidamente credenciado – as outras 14 TFPs coirmãs e autônomas da entidade brasileira, existentes respectivamente na África do Sul, Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela, peço a V. Exa. que entre urgentemente em contacto com o governo lituano sediado em Vilnius, a fim de estabelecer desde logo relações diplomáticas com essa heróica nação, e entabolar entendimentos para a abertura de embaixadas nas respectivas capitais.
Pedido idêntico ao presente está sendo por mim enviado a todos os Chefes de Estado do mundo livre.
5. A V. Exa., Sr. Presidente, tudo quanto acabo de afirmar se afigura por certo com cristalina evidência.
E é por isto que estou seguro de caminhar ao encontro dos mais fundamentais imperativos de consciência de V. Exa., quando peço que faça sua a causa pleiteada nesta mensagem e que a tome como o que realmente é: um apelo em favor da causa da Lituânia, que é coidêntica com a causa da independência do Brasil e com a causa da própria civilização cristã.
Nosso país passaria por uma terrível crise de identidade se visse que, em socorro da pequena e heróica Lituânia, não correm céleres, nas vias da diplomacia e da paz, as autoridades de nossa imensa nação, que a Providência destina a ser nação-chave do mundo novo. Deste mundo novo que se vai abrindo com o advento do terceiro milênio.
Queira V. Exa. receber meus antecipados agradecimentos, Sr. Presidente, por tudo quanto nesta luminosa perspectiva, nosso país ficar devendo a seu patriotismo e a seu espírito empreendedor. E me valho do ensejo para lhe apresentar as expressões de meu
alto apreço e distinta consideração.
PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA
Nota – Carta de análogo teor foi dirigido ao Ministro das Relações Exteriores, Sr. Francisco Rezek.