Santo do Dia, 6 de fevereiro de 1965
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Hoje é novena de Nossa Senhora de Lourdes. Os acontecimentos de Lourdes são ricos em ensinamentos para nós, e um desses é a respeito do sofrimento.
Observam-se em Lourdes diferentes atitudes da Providência diante do sofrimento humano, as quais têm sua razão de ser, apesar de parecerem até contraditórias, dentro da perfeição dos planos divinos. De um lado, o que mais chama atenção em Lourdes é Nossa Senhora que tem pena do sofrimento dos homens, atende aos rogos deles e opera milagres para os livrar das dores que eles sofrem.
É, por outro lado, Nossa Senhora que tem também pena das almas, e para provar que a Fé Católica é verdadeira, pratica milagres para obter conversões.
Mas, de outro lado, vemos em Lourdes outro aspecto. E são os inúmeros doentes que vão a Lourdes e voltam sem ter sido curados. Por que razão Nossa Senhora opera a cura de uns e não de outros? Qual é o mistério? Porque é muito fácil a gente compreender que alguns sejam curados.
Nisso também Nossa Senhora nos dá um grande ensinamento. Porque mostra, por Sua bondade em Lourdes, que Ela é nossa Mãe, que tem pena de nós, que Ela quer e pode praticar maravilhas por nós, e Ela as pratica. E, entretanto, a maior parte dos doentes que vão lá voltam sem ter sido curados.
* Em Lourdes, ao não operar a cura, a Providência ensina que para a grande maioria das almas o sofrimento é necessário para a santificação ── O recado do Cardeal Segura para Pio XI
Qual é então a razão de ser disto? Qual é a razão mais profunda desse fato?
Creio que é um dos mais estupendos milagres de Lourdes.
Se a gente prestar bem atenção nesse fato, passasse o seguinte: para a grande maioria das almas o sofrimento é necessário para a santificação. As doenças são necessárias para a santificação. E é mesmo por meio das doenças e das provações espirituais que a pessoa se santifica. E quem não compreende o papel do sofrimento e da dor para operar nas almas o desapego, o amor de Deus, e a regeneração, não compreende absolutamente nada. É por esta forma que as almas se santificam. E São Francisco de Salles chegou a afirmar que o sofrimento é verdadeiramente o “8º sacramento”, de tal maneira é indispensável.
O Cardeal Segura, com quem eu estive uma ocasião, me contou o diálogo que teve com o Papa Pio XI. Este último se gabava diante dele de nunca ter estado doente. O Cardeal Segura lhe sorriu e disse: “Então Vossa Santidade não tem o sinal de predestinado”. Pio XI ficou assustado, e ele disse: “Não há predestinado que não adoeça, e gravemente, sofra muito da saúde pelo menos em determinado período de sua vida. Se Vossa Santidade nunca teve nada de saúde, não é sinal de predestinado”.
Dias depois, Pio XI teve um enfarte de coração fortíssimo. E da cama ele escreveu um bilhetinho ao Cardeal Segura, que guardava o bilhete. Era assim: “Eminência, já tenho o sinal de predestinado”. No meio de toda a doença, ele manda esse recado ao Cardeal Segura…
E realmente a doença é – como o sofrimento de toda ordem, moral etc. – o sinal dos predestinados.
Ora, Nossa Senhora agiria contra o interesse da salvação das almas, se a toda alma Ela tirasse as doenças. E certas almas, para certos efeitos, de algum modo convém tirar o sofrimento. Mas normalmente não convém. De maneira que essas pessoas vão a Lourdes e voltam sem ter sido curadas. Prova de quanto Nossa Senhora, tão misericordiosa, acha, entretanto, indispensável o sofrimento para a salvação das almas.
* O maior milagre de Lourdes é a resignação e a aceitação do sofrimento ── O Convento das Carmelitas de Lourdes que tem a missão de expiar pelos peregrinos
Mas há uma coisa muito bonita ali, que é a seguinte: em Lourdes se verifica que Nossa Senhora dá ao doente uma tal conformidade com a enfermidade, que eu nunca ouvi contar o caso de uma pessoa que tenha estado lá e não sendo curada se revoltasse. Pelo contrário, as pessoas voltam enormemente resignadas, satisfeitas de terem ido fazer sua visita a Lourdes, verem outras que foram curadas. E há até casos numerosos de pessoas que vêm de longe, da Índia, da América, vêm sei lá de onde para serem curadas, e que vendo ao lado outras que têm mais necessidade de serem curadas, pedem a Nossa Senhora isto: que eu não seja curado contanto que esse seja curado, e aquele seja curado…
Quer dizer, uma pessoa que aceita a doença, aceita o sofrimento ── e a doença que leva alguém ainda a Lourdes não pode ser qualquer resfriado, quer dizer, é uma coisa puxada, uma dor forte ── aceita isto em benefício do outro. Verdadeiro milagre de amor ao próximo por amor de Deus, milagre moral arrancado ao egoísmo humano, e que é milagre mais estupendo do que uma cura física propriamente dita.
Mas há algo talvez mais bonito ainda em Lourdes: o Convento de Carmelitas que lá existe. São contemplativas recolhidas que têm o propósito de expiar e sofrer todas as doenças para obter graças para os corpos e para as almas das pessoas que vão a Lourdes pedir essas graças. De maneira que elas nunca pedem a sua própria cura e aceitam todas as doenças que queiram cair em cima delas em benefício das almas que vão à Gruta de Lourdes para pedir a sua própria cura. Então elas sofrem coisas horrorosas, levam às vezes uma vida inteira de sofrimentos, e às vezes morrem de uma morte prematura com o fito, o objetivo especial de fazer bem para as outras almas.
* A intenção de Nossa Senhora em Lourdes é especialmente a de produzir milagres de caráter espiritual que leva almas para o Céu
Quando os senhores abrem os olhos nesse mundo aqui em volta e prestam atenção como é a natureza humana decaída pelo pecado original, compreendem que esses atos de abnegação, que estão tão longe da natureza humana e causam ao egoísmo humano um tal horror, que este é um milagre maior do que todas as outras curas que se fazem em Lourdes. E mostra bem qual é a intenção de Nossa Senhora nas curas lá feitas: produzir esses milagres de caráter espiritual, de caráter moral que levam as almas para o Céu.
Porque o que seria Nossa Senhora, se Ela aparecesse em Lourdes para fazer bem para os corpos que perecem, e não para as almas que não perecem? E qual seria esse amor dEla aos homens, a não ser o principal objetivo de levar para o amor de Deus? Porque nada de melhor para os homens se pode desejar.
E depois, porque deve-se amar mais a Deus do que aos homens, então compreendemos bem o grande ensinamento de Lourdes. O maior ensinamento de Lourdes não é o ensinamento apologético, tão grande, tão importante. Mas é o da aceitação da dor, do sofrimento, da derrota, do fracasso se preciso for.
Os senhores dirão: “Mas é muito difícil aceitar isto. É muito difícil carregar a dor por esta forma”.
A resposta temos na Agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto das Oliveiras. Quando posto diante de todo o sofrimento que estava diante dEle, disse: “Se for possível afaste-se de Mim este cálice. Mas seja feita a vossa vontade e a não a minha”.
É a posição que devemos ter diante de nossos sofrimentos particulares. Se for possível, afaste-se de mim este cálice. Mas seja feita a vossa vontade e não a minha.
Veio um Anjo consolar a Nosso Senhor. A graça nos consolará também nos sofrimentos que Nossa Senhora nos mande.
Coragem, portanto, resolução, energia, compreensão do significado do sofrimento, e alegria por nós sofrermos. Porque se sofre, é dos predestinados; são os réprobos os que não sofrem.