Santo do Dia, 5 de outubro de 1985
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Como os senhores sabem todos esses temas supõem uma preparação. Quando a preparação é feita com cuidado, o tema pode ser exposto rapidamente. Quando a preparação é feita sem cuidado, o tema sai longo e não sai claro. De maneira que é preciso nós nos habituarmos a alguma preparação.
A preparação consiste no seguinte: nós termos bem em vista que há duas espécies de gente no mundo em todas as atividades em que a gente se meta, são as seguintes: os que dirigem, os que são dirigidos; uns impulsionam e outros são impulsionados. Isto existe por toda a parte.
Tomem, por exemplo, um club de xadrez. Acho que nunca imaginaram como é um club de xadrez. Como clubes de todas as coisas, um clube de jogadores de bridge, de pólo, de tênis ou de qualquer outra coisa, existem alguns que são os que sabem mais e conhecem melhor a arte. São os melhores tenistas, os melhores enxadristas etc. E depois existem alguns que não são sempre os melhores como enxadristas nem tenistas, mas são os que tem mais entusiasmo pela matéria.
Num club de tênis – vamos deixar de lado xadrez – os senhores vejam que o club vive sobretudo de alguns sócios que acham o jogo de tênis uma beleza e que tem muito entusiasmo quando veem que o tênis é bem jogado. Estes constituem mais ou menos claramente, mais ou menos definidamente, um grupo dentro do club. E esse grupo espalha o ardor para outros que vão gostar um pouco menos de tênis do que eles, mas que gostariam ainda menos se eles não estivessem no club. Então, esses puxam para cima os outros… vamos dizer assim: os mais ardorosos do club pelo tênis são nota 10. Então, há uns que são nota 9, são muito ardorosos, mas não vivem para tênis. Depois, há outros que são ardorosos, mas não são muito. Há outros que têm algum interesse, mas não são ardorosos. E há outros que acham o tênis “pau” [cacete] e não entram no clube. Formam uma escala. Estes nem entram no club.
Mas, quem é que dirige o club, quem é a alma do clube? Não está escrito que é presidente. O presidente carimba os papéis, manda limpar a sala, manda limpar a quadra de tênis etc. Mas se ele morrer ou for trabalhar noutro lugar ou qualquer coisa, o clube continua sem ele. Elegem outro presidente e está acabado. Esse não é a primeira figura do clube. Quem é a primeira figura do clube? É aquele ou aqueles mais ardorosos que puxam todo o clube para a frente.
Os senhores podem notar muito isto no noticiário das partidas de futebol. Um clube de futebol tem seus bons jogadores de futebol. Pergunta-se: esses são os mais entusiasmados pelo futebol? São os mais entusiasmados pelo clube? Não. A tal ponto que eles se vendem oficialmente. Os senhores leem no jornal “tal esportista passou para tal clube, porque pagou mais” E está direito, não tem nada de censurável; a profissão dele é jogador de futebol, ele joga para quem paga mais. Não há nada de estranhável, nada de censurável.
Resultado: ele não tem esse interesse pelo clube. Quem é que tem interesse pelo clube? Esse pessoal que sai da partida de futebol com o estandarte do clube do lado de fora do automóvel… Esses é que fazem viver o clube, mantém os outros que gostam do clube. Então frequentam o clube, vão às partidas de futebol, fazem a torcida, pagam dinheiro para manter o clube etc. Então, é em torno destes que arrastam, que tocam para frente.
Estes exemplos que eu dei sobre clubes são os que estão ao alcance da jovem idade dos senhores.
Mas também é verdade que isto se dá no colégio. Eu nem sei como é organizado o ensino secundário hoje, quando eu lecionei, durante algum tempo no ensino secundário, ele era organizado em dois ciclos: 1º e 2º ciclo e levava ao todo sete anos.
Desde menino – os senhores notem o seguinte: entram no recreio, por exemplo – os srs. devem ter notado, se fizerem suas memórias, suas lembranças – olhem que os senhores são de bairros diferentes de São Paulo, cidades diferentes do Estado, Estados diferentes do Brasil, e países diferentes do mundo… há de tudo aqui, é natural, uma cidade muito numerosa, é essa disposição natural das coisas – apesar disso eu não tenho receio que o que eu vá dizer seja desmentido por nenhum dos senhores – desde que se entre, portanto, no primeiro ano, no primeiro grau existem dois modos de ser do colégio, logo se nota dois modos de ser do colégio, considerado não os professores, mas um mundo diferente que é o mundo dos alunos.
Os senhores devem ter notado desde o começo que o mundo dos alunos constitui um mundo diferente do dos professores e muito diferente da família. Os professores ficam de fora, dão a aula e vão embora. Os alunos, em geral, não dão muita importância ao professor.
Quando os alunos estão na sala de aula, a vida do colégio fica como uma lâmpada dentro do abajur, toda a luz se difunde pouco, todo o mundo fica estudando, achando cacete o estudo, fica em silêncio etc. Depois vai para o recreio, ao menos era assim no meu tempo, recreios muito grandes, iam em fila.
Não sei se ainda é assim… Como tudo muda! Iam em fila e em silêncio. Isso levava mais ou menos uns cinco minutos, porque era tudo muito organizado. Os padres jesuítas tinham todo o escoamento feito etc.
Quando se chegava lá, cada turma ia para o recreio que lhe era próprio. Eram três recreios, conforme a idade. Quando estavam todos no recreio, as filas paradas, um padre só dava um apito – priuuuuuuuu – comprido… e era uma explosão.
Aí já começavam os meninos a brincar de um lado para o outro, enquanto outros pegavam a bola de futebol e se dispunham para começar a partida. Cada grupo tinha a sua partida de futebol, eram três recreios – três campos de futebol. Alguns iam jogar precisamente tênis, indo para outro lado. E alguns não jogavam nada. Eu era desses.
Sem eu me dar conta – eu pensava que… eu me interessava muito por uma coisa: um jogo de bolinha… Eu estou vendo pelas reações que ainda existe hoje… bolinhas de vidro muito bonitas, muito decorativas; ou bolinhas de aço. Não sei se existe hoje? Tirada das rodas das bicicletas etc. Essas casas que vendem artigos automobilísticos vendiam bolas de aço. E era muito prestigioso para um aluno, quando ele tinha bola de aço e metia a bola de aço em cima da bola de vidro de um colega e rachava a bola de vidro do colega.
De fato, eu sem perceber, estava me preparando para outro jogo: o jogo da vida.
Dez para uma, já?
Eu vou resumir isso…
Depois, o recreio acabava. O padre dava um apito e acabava tudo, jogo de futebol e tudo. Silêncio. Quem quisesse beber água ia beber numas coisas assim, a gente apertava e a água entrava em esguicho na boca. Depois formava a fila e voltava.
Mas eu percebi – eu era muito menino e não percebia, mas eu gostava muito de observar a vida. Eu percebi o seguinte: cada um destes setores era um mundinho que não se misturava com os outros mundinhos e que tinha as suas regras próprias. E [havia] uma coisa chamada prestígio. Quem seguia essas regras – mas não eram regras escritas, eram regras que estavam na cabeça de todos – quem seguia essas regras conseguia alcançar prestígio; quem não seguia essas regras ficava sem prestígio. Eu nem sei se a palavra prestígio ainda se usa entre os senhores. Não sei se essa coisa chamada “prestígio” existe entre os senhores…
Para perguntar – eu não vou pedir a definição a ninguém, é um mero inquérito – quem sabe o que é prestígio levante o braço…
Os senhores veem que é um tema que toca, não é? A tal ponto que mesmo neste meu querido auditório, eu verifiquei um fato curioso: os que estão sentados neste lado de cá (ala direita) e os que estão na frente, quase todos deram sinal de que sabiam que era prestígio. Os que estão para lá (os da ala esquerda), deram a entender que não sabiam.
O que quer dizer isto? Entrou pelo meio que, com certeza, por imponderáveis, nesta zona assim (ala direita a frente) pareceu bonito, prestigioso saber o que é prestígio… Naquela zona de lá (ala esquerda), deve ter parecido mais prestigioso não saber o que é prestígio.
Vejam que no total, a média, uns pelos outros, sabem o que é prestígio, mas não sabem muito claramente. Mas que a palavra é uma palavra tal que ela pica e movimenta, de maneira que poucos assuntos, em tão poucos minutos, provocariam tanto interesse no auditório quando manusear este tema: prestígio.
O que é o prestígio?
Vamos dar não uma definição teórica, mas uma coisa concreta: eu estou jogando bolinha de gude com dois, três, ou quatro companheiros do São Luís que gostavam da fazer esse jogo. Como digo, entre outras coisas que davam prestígio era ter uma bola de aço. Dava prestígio, porque, primeiro, a bola era mais cara. Depois, o aço é um material forte, resistente e o impacto da bola de aço toca as coisas; em terceiro lugar, quebrar o adversário é um belo modo de vitória. De maneira que quebrar… sem ser assim, jogar em cima, isso seria um ato de vandalismo, mas ter bastante força no dedo para acionar uma bola de aço e quebrar uma bola de vidro, era prestígio de quem a quebrou.
Então, estamos jogando no Colégio São Luís dois alunos que os senhores conhecem, o Dr. José Gonzaga de Arruda e eu… fomos colegas no São Luís e jogávamos bola de gude. Mas o jogo de bola de gude não era um jogo prestigioso. Não era caçoado, não era reprimido pelos outros, mas ninguém se interessava. Nenhum jogador prestigioso de futebol viria nos perguntar durante o recreio: “como vai essa partida de bolinha de gude?” Era um jogo pouco prestigioso. Era apenas um jogo não ridículo. Era apenas um jogo tolerado. Por quê? Isto tudo tinha que ter a sua razão. Vamos ver qual é a razão.
Entre os jogadores de futebol – eu aprendi naquele tempo quais são as posições do jogo de futebol. Não sei se mudaram. Havia o “goal keeper”, o goleiro, parece que é como se chama ele hoje; havia dois jogadores cuja função era proteger o “goal” de maneira a não deixar que a turma próxima chegasse muito perto, chamavam-se naquele tempo “beque”, não sei como se chamam hoje. Depois havia três ou cinco, não me lembro lá muito bem, na primeira fileira e que tinham por missão levar a bola para o campo do adversário. Qual dessas funções era a mais prestigiosa?
Era a daquele que estava no centro da primeira fila e que dava o primeiro pontapé na bola, e que devia dirigir a ofensiva daqueles que estão contra o outro lado, que devia invadir o outro campo. E, no fundo, o jogo das duas primeiras fileiras, era decisivo. Era muito decisivo quando havia um erro e havia uma punição chamada “penalty”, penalidade. Não sei como se chama esse negócio hoje em dia. Isso tudo deve existir com outros nomes. Então, parava o jogo e um punha a bola bem diante do goal do outro e ficava incumbido de dar o pontapé na bola, arranca-toco … E o “goal keeper”, o goleiro – eu tenho até ouvido até falar de goleiro – e o goleiro ficava assim, pulando de um lado para outro… Conforme fossem os movimentos daquele que estava diante da bola, ele ia mais ou menos intuindo para onde ia ser jogada a bola. Ficava assim, assim, balançando mesmo. O que dava o chute procurava dar [o chute] numa hora em que ele percebia que o goleiro estava esperando a bola de outro lado. Ao menos no Brasil o jogo era assim, no meu tempo.
Eu não sei se eu torno bem claro que era, portanto, um jogo psicológico. Era um jogo de duas personalidades. Era muito glorioso apanhar a bola, era preciso pegara a bola no peito e segurar e ganhar. Mas era muito mais glorioso meter a bola no “goal” do adversário. Aí o time vencedor gritava: “goal! goal! goal!”. A partida terminava com 1 a 0, 2 a 0, 3 a 0 … dependendo da barbeiragem e do tempo que durava a partida.
Eu me perguntava o seguinte: por que razão a bola de aço é a coisa mais prestigiosa neste jogo sem prestígio? Por que razão este jogo tem menos prestígio? Por que razão, no futebol, tem mais prestígio o que bateu com a bola e varou o “goal”. [Por que isto] é mais prestigioso do que tudo?
Eu não estou pergunto o seguinte: se essa razão é uma razão razoável. Eu pergunto: na cabeça deles como é que isto se põe? Era um estudo da psicologia deles.
Outra coisa é se eles tinham razão de considerar a coisa assim.
A pergunta era: por que era? Eu dizia o seguinte: essas coisas devem ter a mesma razão. Todas essas “superioridades” que conferem graus de prestígio diferentes – o que é o prestígio nós vamos daqui a pouco vamos ver – todas essas superioridades que conferem graus de prestígio diferentes, essas superioridades devem conferir graus de prestígio segundo a mesma razão. Deve haver o mesmo motivo válido de alto a baixo para os vários jogos e dentro dos jogos, para os vários prestígios. Para o prestígio de futebol mais do que para o tênis; do tênis mais do que para o pingue pongue, do pingue-pongue mais do que para da bolinha de gude que era o último dos jogos.
No pingue-pongue havia um negócio chamado “cortada”. Não sei como chama hoje. Era uma sapecada dura com a raquete. Particularmente dura. Era muito apreciada. Era também muito apreciado um certo jogo de pegar longe a bola de pingue-pongue e dar uma voltada naquela bola. Não era uma contra-ofensiva, era aparar a defesa com muita destreza.
Eu achei muito interessante a pergunta e comecei a estudar. Estudar como uma criança pode estudar. Eu comecei por perceber que eu não podia perguntar a ninguém. Se eu perguntasse, dariam risada, diriam que o problema era um problema aéreo, que eu era uma cabeça de vento, isso não era assim e que, portanto, não valia a pena nem conversar a esse respeito. Que prestígio não era isso, não havia prestígio, que isso não era pensamento para menino etc. Era, portanto, proibido conversar sobre isso entre os meninos. Mas, eu percebia que existia. Por que era proibido? Quem proibia?
Aos poucos, uma criança interessada no jogo da vida, se pergunta essas coisas e vai formando seu questionário. Eu cheguei – não foi logo, não – eu tive que observar muito até em parafusar bem a coisa, no silêncio de minha alma, não comuniquei isso a ninguém. Creio que é a primeira vez na minha vida que eu estou falando disso.
Então, eu cheguei à conclusão seguinte: aqueles meninos eram todos influenciados por dois fatores. Um fator era o natural desenvolvimento da natureza do homem. O homem por sua natureza tende a isto, é uma coisa reta, boa. Mas era sobrecarregada pelos filmes de cinema que eles assistiam.
Naquele tempo não havia televisão. Quem quisesse assistir películas tinha que ir ao cinema. Todos os domingos havia “matinê” infantil em todos os cinemas. E “matinê” infantil era uma bagunça. Eu ia. Mas eu ia porque meus companheiros iam, porque os meus primos iam etc. Mas eu não achava muito interesse no cinema.
O tipo de filme que eles mais gostavam, era o que eu mais detestava: era filme de cowboy. O herói do cowboy era um homem cheio de coragem, másculo, e capaz de todas as realizações. Era forte, musculoso, tinha boa pontaria, era esperto de maneira que sabia pregar surpresa nos outros. Ele dava tiros, criava situações e dominava os outros pela sua força, mas pelo conjunto de sua decisão.
Então, o auge do herói era entrar, por exemplo, no baileco desses do tempo dos cowboys, com lâmpada de petróleo iluminando o teto, entrava e começava por dar um tiro na lâmpada e a lâmpada caía no chão. Em geral, era uma cabana de madeira feita com troncos de árvore e começava a pegar fogo em tudo. No meio do fogo saía pancadaria. Na pancadaria ele dava em todo o mundo e saía montando a cavalo representava no fundo que ele era o homem por excelência e que tinha… sabia se impor aos outros, homens e mulheres. Era prestígio.
Então, qual era a ideia? A ideia era de que o homem deve ser forte, realizador, deve saber se impor. Nas devidas medidas, isto é verdade. O homem deve ser feito assim. Esta era, portanto, uma ideia.
Agora, segunda ideia: basta isso para ser plenamente um homem. Estes heróis nunca tinham um ato de virtude, nunca diziam uma coisa que revelasse leitura, revelasse cultura, nem talento. Era no músculo. Quem tinha isto era o colosso, porque tinha realizado toda a condição humana. Quem não tinha isso não valia nada, porque não tinha realizado toda a condição humana. Por detrás, havia uma teoria sobre a condição humana. E que isto vinha, em última análise, da fita de cinema.
Aos domingos os meninos se embriagavam disso; por outro lado, os que não iam a isso, iam a futebol e a outros esportes, mas sobretudo ao futebol. Natação não muito. O futebol era o mais prestigioso. E, portanto, quem mais imitava o cowboy era o que mais jogasse bem o futebol.
Não sei se percebem a relação. Portanto, o prestígio do jogador de futebol era o prestígio do plenamente homem, sobre os outros que se revelavam sucessivamente mais moles.
O tênis é um jogo menos bruto do que o futebol; o ping-pong é menos do que o tênis; e a bolinha de gude era um jogo supremamente mole. De maneira que então os senhores estão vendo que a escala do prestígio se construía em torno desta ideia.
O que era o prestígio? Era a ideia, era o respeito que aqueles meninos eram levados a ter em relação àqueles que realizavam mais plenamente a condição humana. Esta é a definição.
Sejam muito francos e me digam se até hoje no fundo, não é isso em todos os ambientes?
(Sim!)
Acontece que instala-se nisso a pergunta: nós, como membros da TFP, nós como católicos apostólicos romanos que somos, pela graça de Deus e católicos fiéis à tradição católica – não é qualquer um que vai aí, não sei, mas é o católico verdadeiro – temos prestígio ou nós temos desprestígio? Vem a pergunta.
Depois, vem uma outra pergunta: do que é que vale o prestígio?
Se tem prestígio quem é mais conforme à natureza humana, nós notamos na mentalidade de quase todos os homens, uma espécie de estrabismo, vesgueira. Imaginem um vesgo que olha a coisa assim… eu nunca fui vesgo, mas posso imaginar que ele olha por exemplo aquele lustre e vê dois lustres… Esse é um vesgo. Então, o vesgo olha e vê dois lustres. Assim também o homem de hoje é vesgo de alma a respeito desse ponto, porque ele tem duas ideias de prestígio dentro da alma.
Uma nasce do ambiente todo revolucionário: é a Revolução que fabrica. Para os meninos de colégio é por meio de filmes. Para outros é por meio de televisão etc., os meios de comunicação social, os ambientes etc., produzem prestígio. É um ideal, um modo que como acham que deve ser o homem, um modo como acham que deve ser a mulher. E quem segue esses modos tem prestígio.
Agora, eles sabem de outro lado – e sabem, porque eu vou dizer por que é que sabem – eles sabem que este ideal não corresponde, de fato, à natureza humana. E que o que eles seguem para serem aplaudidos, para serem apoiados, para serem cortejados, isto que eles seguem é uma coisa que eles aplaudem porque todo o mundo aplaude, por oportunismo, que terá talvez alguma coisa de verdadeiro, mas que tem uma porção de aspectos falsos. Mas como eles sabem que se na roda que frequentam, não estiverem de acordo com essa ideia, são marginalizados, são postos de lado, são caçoados, para evitar isto, fingem que acham assim e de tanto fingir acabam achando.
Mas na alma deles fica uma outra ideia: que o homem deveria ser diferente. E essa ideia vem de onde? É que a natureza humana se conhece a si mesma e não pode deixar, por mais obliterado que esteja um homem – mais desviado, mais errado que esteja um homem – ele não pode deixar de notar que determinadas coisas estão erradas.
… O Modelo! Nascido das estranhas virginais de Maria, Encarnado, e que foi o Modelo. Este é o supremo! E uma vez eu li numa revista de história, uma revista muito “ploc-ploc” [de mentalidade muito geométrica, n.d.c.], mas o historiador fazia esta observação que me causou pasmo de ele fazer, ele dizia: pode-se dizer de Jesus Cristo o que se quiser, porque cada um diz o que entende. Mas a verdade é a seguinte: diante de ninguém, nenhum homem nascido neste mundo, se ajoelharam tantos potentados, tantos povos dos primeiros da terra reconhecendo diretamente como Deus.
Então, pergunta: Nosso Senhor Jesus Cristo tem prestígio junto ao homem de hoje?
Em algum sentido, um prestígio supremo. Mas abafado, comprimido. E de outro lado, Ele não tem prestígio: é ignorado, é negado, é zupado, é deformado pelos maus sacerdotes que O apresentam como Ele não foi, se blasfema contra Ele; Ele não tem prestígio. Então, Ele é ao mesmo tempo o Modelo supremo de todo o prestígio e ao mesmo tempo o desprestigio.
Por que é o Modelo supremo de todo o prestígio, até da parte de homens que não creem nEle mas O admiram? Os senhores já pensaram o que representa isto: a História do mundo ser dividida em dois capítulos, um antes dEle e outro depois dEle? Só isso! O Nascimento e a Morte dEle dividem a História em duas vertentes. Quem é que teria coragem de propor isso com outro homem? Nem sei qual é o homem a respeito do qual se pudesse propor uma coisa dessas. Ele, não; Ele divide a História! A cruz em que Ele foi crucificado ficou no alto da mais alta joia dos povos civilizados, que é a coroa, no alto tem uma cruz.
As condecorações têm forma de Cruz; são sinal de honra, tem forma de cruz. E daí para diante… São coisas que impressionam profundamente.
Então, o que acontece? É que está escrito na Escritura, se não me engano é São Paulo que diz isso, “christianus alter Christus” – o cristão é um outro Cristo. O verdadeiro cristão é o católico, apostólico, romano. Quando o indivíduo é católico apostólico romano de verdade, ele é um outro Cristo.
Em que sentido da palavra ele é um outro Cristo? No seguinte sentido: ele vive da vida da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. A graça é uma criatura Deus, é um dom criado de Deus que nos faz participar da vida incriada de Deus. É a própria vida de Deus que vive em nós. Vida de Deus é a vida dEle, porque Ele é que trouxe a graça sobre a terra. E, portanto, participamos dEle. E se nós somos como Ele, verdadeiramente, brilha em nós algo do que se chama o “lumen Christi”, a luz divina e celeste de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Resultado: o que se deu com Ele tem que se dar forçosamente conosco. Quer dizer, aqueles que nos odeiam, no fundo e em parte nos odeiam porque nos respeitam e nos admiram. Porque eles percebem, porque sentem na sua própria natureza que eles deveriam se ter modelado assim. Sentem em nós uma luz, sentem em nós uma censura, sentem em nós a dentada salvífica e salutar do remorso. E, portanto, ao mesmo tempo, nos admiram e nos detestam.
Ou fica dividido esse ambiente – pouco importa, dividiu – mas nós conquistamos para nós um campo onde praticar a virtude e praticar de cabeça erguida é o nosso próprio campo; onde a tabela dos valores está invertida: tudo quanto eles acham feio, nós achamos bonito; tudo quanto… nós somos o anti eles. E eu sei que o domínio deles – é pintado por Santo Inácio [de Loiola] como pintado sobre um trono de fumaça. O trono deles é de fumaça. Se forem muito numerosos assim, dos que seguem a eles, muitos começam a ter coragem de contestá-los. E tendo coragem de contestá-los – contestar quer dizer negar, protestar – o trono deles se desfaz e o demônio cai no vácuo dele e vai para o Inferno.
Donde a minha ideia era essa: fazer da TFP – era a imagem que eu usava para a TFP nascente, eu chamava a “doutrina dos dois palácios”. Eles têm construído um palácio do mal; nós, em frente do palácio do mal, vamos construir o palácio do bem. Em frente ao palácio de Satanás, o palácio de Nossa Senhora! E só de estarmos um de pé diante do outro, nós nos combatemos, já por aí!
Eles vão fazer tudo para nos convencer que nós não temos nenhuma ação sobre a base deles; e nós vamos não ligar, porque eles mentem. Temos ação sobre a base deles. E haverá um dia que, se a TFP for inteiramente assim, o palácio deles cai sem nós termos dado um murro nem ter dado um peteleco. É o nosso arraial, é o nosso lado, é a nossa falange, é o nosso país: é o Reino de Maria que começa!
Os senhores estão cantando “oh! Oh! Fenomenal! Eu gosto, mas os senhores já pensaram quanta gente acha inexplicável que numa noite de sábado, à uma hora da manhã, em vez de os senhores estarem fazendo umas “dançarocas” infectas, os senhores estejam ouvindo uma conferência? E que os senhores estejam tendo nesta conferência o entusiasmo que não têm com a “dançaroca” infecta? Eles acham inexplicável isso! Mas no fundo da consciência de todos que lhes ouvem, o estrábico começa a duvidar do olho que ele seguia, e começa a seguir o olho de quem ele duvidava.
Isso se dá em toda esta redondeza; se dá na Sede do Reino de Maria, que a bem dizer está no centro de um teatro, aqueles prédios de apartamentos enormes todos e no centro está a Sede do Reino de Maria.
Eu já ouvi repercussões da impressão que causa os rapazes que chegam, se ajoelham diante da imagem de Nossa Senhora do Coromoto e depois entram. Para os senhores é tão natural como beber um copo d’água; para eles… mas é uma coisa incompreensível! O que eles menos compreendem é que os senhores façam isso com naturalidade.
A única coisa que tem é o seguinte: assim como um copo d’água pura se compõe de gotas de água pura – é claro – também uma TFP assim precisa se compor de homens puros, porque quem não é puro não tem essa coragem. Há coisas reservadas aos castos; uma delas é a coragem e a outra é a firmeza e clareza no raciocínio!
Os senhores ainda são muito jovens, mas daqui a pouco – um ano ou dois – um grande entusiasta de São Tomás de Aquino lhes começará a ler – se já não começou – trechos de São Tomás.
Os senhores vão ver o que é a limpidez daquilo! Eu dei-me conta logo: esta é a lógica dos castos! E para que um homem sejam assim, ele precisa de ter coragem assim não só dentro da TFP, mas quando ele está sozinho num lugar onde todo o mundo é anti-TFP. Ele tem que estar de cabeça erguida, passo firme, desembaraçado e sabendo discutir.
Aprendam esta arte de saber discutir. Um pouquinho – e não é tão pouquinho não, é um pouquinho muito grandão – nas reuniões, os senhores devem ter notado, nas reuniões de sábado eu procuro fazê-las tão pouco cacetes quanto eu consiga, mas são reuniões o tempo inteiro raciocinadas, porque eu quero dar a minha contribuição para os senhores aprenderem a argumentar. Saber raciocinar: “Você acha assim? Vem cá, me dá as suas razões, eu vou dar as minhas, pam, pam!”
Qual partida de futebol! qual esgrima! qual nada!… Raciocinar! Persuadir! Lógica! Ó maravilha!
Se a gente é assim, pode estar no meio dos outros, perseguido e odiado como for, com o sinal de todos os desprezos que eles queiram; no fim, os senhores por um lampejo qualquer, perceberão: os senhores terão uma gota infinitesimal do prestígio dAquele que foi a fonte de todo o prestígio, todo o prestígio verdadeiro, todo o prestígio santo, fora do qual qualquer forma de prestígio é vergonha. Esse foi Nosso Senhor Jesus Cristo!
Meus caros, está terminado…
Salve Regina, Mater misericordiae…