Santo do Dia, 13 de maio de 1970
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Francisco Marto (* 11 de junho de 1908 + Aljustrel, Fátima, 4 de abril de 1919)
Temos uma festa hoje tantas vezes comentada entre nós – a aparição de Nossa Senhora de Fátima – que me sinto quase um pouco sem jeito de fazer um comentário, porque o que se poderia, ou ao menos o que eu saberia dizer, foi dito.
Mas eu poderia perguntar se, não mais nas grandes linhas de Fátima, mas dentro de seus riquíssimos pormenores, nós não poderíamos encontrar algum fato que poderia servir para nossa edificação espiritual.
Creio que poderíamos dizer que há um dos mil aspectos pormenores de Fátima, que é muito interessante e que pode nos servir.
Numa interlocução com uma pessoa, podemos considerar três graus: o grau mais perfeito é quando a gente vê o interlocutor, ouve e lhe fala. Há um segundo grau menos perfeito, em que a gente vê e ouve o interlocutor, mas não fala. E há um terceiro grau, menos perfeito ainda, em que a gente só vê; nem ouve, nem fala; é a comunicação menos plena, menos completa que pode haver. São os três graus decrescentes de uma interlocução.
Ora, exatamente, Nossa Senhora teve em Fátima esses três graus. Porque Lúcia A viu, Lúcia A ouviu e falou com Ela. Portanto, a Irmã Lúcia teve a plenitude do contacto com Nossa Senhora em Fátima. Jacinta, pelo contrário, viu e ouviu, mas não falava, apenas presenciou. É preciso dizer também que Jacinta era muito pequena.
Francisco, pelo contrário, só via. Ele nem ouvia nem falava, apenas viu Nossa Senhora. Soube pelas outras o que passava, mas ele apenas viu Nossa Senhora. E a explicação Nossa Senhora lhe deu ou deu às videntes para depois dizerem a ele era o seguinte: Nossa Senhora estava descontente com algumas suas imperfeições, com alguns seus defeitos, alguns relaxamentos do ponto de vista moral. E por causa disso Nossa Senhora, sem lhe cancelar o inestimável dom de participar das visões, entretanto barrou-o em dois pontos: ele não pôde ouvir nem falar, mas apenas pôde ver a Nossa Senhora.
Nossa Senhora o converteu durante essas visões. “Converteu” no sentido minor da palavra, porque isto não significa que ele fosse um pervertido. Mas era um relaxado, uma pessoa que estava em condições menos perfeitas; porém Nossa Senhora teve pena dele, tornando-se um menino exemplar, pediu muito perdão pelas imperfeições que teve e morreu verdadeiramente como um santo.
De maneira que todas as pessoas que acompanham os fatos de Fátima, não só estão certos de que Jacinta é canonizável, como de que Francisco é canonizável também.
Tenho memória má e não me lembro exatamente dos pormenores dessa conversão, mas me recordo que quando li isso, fiquei impressionado e que em meu espírito veio a seguinte ideia – eu ainda era muito moço naquele tempo – mas então será possível que uma pessoa mude tanto quanto ele? Quer dizer então que há mudanças assim? Há conversões assim? Há afervoramentos tais? E estou falando intencionalmente em “conversão”, de afervoramento, pois ele era uma pessoa pouco fervorosa por alguns aspectos pelo menos, e que se tornou depois plenamente ardorosa.
Os senhores têm, então, um esquema da vida espiritual de Francisco: 1) grande chamado; 2) correspondência medíocre; 3) imensa misericórdia (não foi barrado das aparições); 4) entretanto, não deixou de perder algo; 5) Nossa Senhora, entretanto, depois lhe deu tudo, porque se uniu a Ela no Céu como se ele tivesse sido fiel durante todo o tempo. Os senhores têm, portanto, as cinco notas dominantes da virtude de Francisco.
Não sei se os senhores percebem bem que há uma outra nota colateral a essa, mas que é o melhor sorriso de Nossa Senhora. Porque com isso tudo Ela indica Sua misericórdia. Ela mostra aos que chama, e que não são talvez bastante fervorosos, que pede uma plena entrega e que se bem que Ela seja a Mãe de misericórdia, Ela não é nenhum pouco conivente com os defeitos morais.
Os senhores podem imaginar tudo quanto Francisco perdeu em não ouvir e em não poder falar com Nossa Senhora? O que é ouvir o timbre de voz de Nossa Senhora? O que é receber na alma as mil graças que entram pelo timbre da voz de Nossa Senhora?… Para lhes dar um pouco uma ideia, os senhores podem imaginar qual é a infelicidade de um homem que nunca ouviu a música da igreja, mas sómente músicas profanas? Que homem de horizontes limitados é necessariamente este? É muito melhor ter ouvido somente música eclesiástica e nunca ter ouvido todas as profanas do mundo, a ter ficado privado na sua alma do conhecimento desse valor maravilhoso, que é a Igreja cantando.
Pois bem, se o canto da Igreja tem tanta expressão e faz tanto bem para a alma, como pode ser benfazejo o timbre de voz de Nossa Senhora?… É um timbre de voz que traz consigo a modelação de todas as virtudes que se podem imaginar, num grau maior do que se possa cogitar. Os senhores estão vendo, portanto, a enorme perda que Francisco teve.
Os senhores seriam mais sensíveis – e é natural, legítimo – à ideia da privação que ele teria se não tivesse visto Nossa Senhora. Porque ver é uma ação mais cognoscitiva do que ouvir, sob certo ponto de vista. Mas por tudo quanto se perde não vendo, os senhores podem calcular algum tanto do que se perde não ouvindo.
Em outros termos, ele foi punido, mas considerem com que maternal bondade o foi. Poderia ter sido excluído das aparições. E, entretanto, lhe foi dado isso de maravilhoso: ver. Ele viu e recebeu aquelas graças enormes que decorrem do ver. Mais ainda: no ver ele se converteu; ao se converter, amou plenamente, recebeu a graça das graças de uma plena fidelidade e da morte perfeita. Ele recebeu a graça da santidade!
Nossa Senhora nisso, que foi uma lágrima dEla, deixou, entretanto, brilhar um sorriso. No que este consistiu? Francisco foi o padrão, o modelo, o exemplo da esperança de todos os que, chamados, não se sentem bastante fiéis, preocupam-se quanto à fidelidade que tenham tido e têm medo do dia em que Nossa Senhora, pela voz da Providência, por Suas vias – não de um modo sensível, mas de outra maneira – bater às portas de suas almas e eles também não “verem”…
Então os senhores estão observando aí como Nossa Senhora indica bem que Ela constituiu um padroeiro para os imperfeitos, um padroeiro cuja oração é exatamente a esperança dos que poderiam desesperar por estarem tristes consigo, quem foi chamado e foi infiel. Sendo infiel, em parte foi punido, em parte foi, entretanto, aceito. Sendo aceito, foi convertido, sendo convertido foi chamado ao Céu; sendo chamado ao Céu, foi um ânimo para os que estivessem nas mesmas condições que ele na terra!
Assim, se alguns de nós se encontram na situação do Francisco, então têm todas as razões para bater no peito. E nesse dia de Nossa Senhora de Fátima, pedir a Ela, por meio de Francisco, que ponha na nossa alma uma esperança viva: “como ele, também eu poderei ser perdoado. Nossa Senhora me deu a glória, Nossa Senhora me deu a mercê de ver dentro do panorama da TFP isso de incomparável que é a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana; de ser devoto dEla; de conhecer a causa ultramontana. Eu vi, mas hélas! Quem sabe se eu não ouvi, quem sabe se ouvi menos do que deveria; quem sabe se a voz da graça, quem sabe se a voz da TFP eu ouvi com alguma surdez”…
Então, que Nossa Senhora me cure dessa surdez para que eu aproveite inteiramente a presença e o calor daquilo que me foi dado ver, para que eu também seja perdoado inteiramente, para que no dia da realização de Suas promessas feitas em Fátima seja fiel como Francisco foi no momento da morte, para que eu seja um santo como ele. Para que reze no Céu por todos os que, à maneira minha e à maneira dele, nos arrastamos e cambaleamos pelos caminhos da fidelidade, até o momento em que Nossa Senhora tenha tido pena de nós. Esta é a meditação que eu creio que se torna oportuna no dia de hoje.
Consulte a coletânea de documentos relativos a Nossa Senhora de Fátima.