Fábio Vidigal Xavier da Silveira, o íbero-americanista cristão – Folha de S. Paulo, 2 de janeiro de 1972

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Quando foi inaugurado um pequeno quadro de Dr. Fábio em uma das salas da então sede do Conselho Nacional da TFP brasileira (a 28 de dezembro de 1972), Dr. Plinio pronunciou as palavras acima registradas.

Para aprofundar o alcance do best-seller abaixo referido, consulte aqui.

 

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Fábio Vidigal Xavier da Silveira, autor do best-seller “Frei, o Kerensky chileno”, ante a Igreja de Santo Antonio, em São Paulo, por ocasião do lançamento da campanha de esclarecimento da opinião brasileira sobre a vitória do candidato marxista no Chile, Salvador Allende (setembro de 1970)

 

No momento em que largos e expressivos círculos tanto da vida pública como da vida social de São Paulo lamentam o falecimento de Fábio Vidigal Xavier da Silveira, cabe aqui uma palavra sobre a obra e a pessoa do autor de “Frei, o Kerensky chileno“.

A lutuosa circunstância em que escrevo, não comporta lances polêmicos. Assim, não é o caso de provar aqui o inteiro acerto da tese sustentada por Fábio em seu “best-seller”. Aliás, a prova está feita pelos fatos, a tal ponto que quando Allende substituiu a Frei na suprema magistratura, não faltou quem chamasse — e merecidamente — de profética a clarividência do jovem autor brasileiro. E o nome do líder pedecista chileno ficou para todo o sempre ligado ao de Kerensky.

Assim, prefiro ressaltar neste artigo, a valiosa contribuição de “Frei, o Kerensky chileno”, e de seu autor, para a causa de palpitante atualidade, da unidade dos povos íbero-americanos.

Esse livro, escrito por um brasileiro, repercutiu intensamente no Chile, onde foi lido e comentado em todos os ambientes culturais e políticos. Mal foi ele divulgado no Brasil, sua circulação no Chile foi proibida pelo governo Frei. Organizou-se então, naquele país, um verdadeiro “câmbio negro” para a compra da obra aos numerosos turistas chilenos que, vindos de Buenos Aires, traziam em suas bagagens a edição castelhana promovida pela TFP argentina. Ao pé da letra, o livro abalara o Chile.

Não foi só. Posto à venda em campanha de rua, por sócios e militantes das TFPs ou entidades congêneres em quase todos os outros países sul-americanos, alcançou “Frei, o Kerensky chileno” rápido e fulgurante sucesso. Assim, foi a obra editada na Argentina (seis edições), na Venezuela (duas edições), na Colômbia, no Equador e em El Salvador, o que, com as quatro edições brasileiras, perfaz o imponente total de quinze edições, superando a casa dos 102 mil exemplares. Não sei de livro do gênero, escrito por autor brasileiro, que haja alcançado igual sucesso fora do País.

E não se trata apenas de sucesso. A experiência demo-cristã, lançada por Frei, hipnotizava literalmente numerosos e influentes setores da opinião pública íbero-americana. O livro de Fábio Vidigal Xavier da Silveira, desfazendo o mito pedecista, concorreu notavelmente para que o rumo histórico do continente passasse a demandar outros horizontes.

É preciso explicar em que sentido esses fatos serviram à causa da unidade íbero-americana. Assisti de perto à elaboração do brilhante trabalho, e auscultei bem, naquela ocasião, a alma de seu autor. O grande intuito dele não era a vanglória. Consistia em bem servir a civilização cristã, que ele via comprometida pela experiência chilena.

Profundo admirador e conhecedor de todos os povos íbero-americanos, o jovem diretor da TFP tinha, no mais alto grau, a consciência de que todos os povos latinos deste continente formam uma só família, unida pela Fé, pela tradição, pela raça e pela comunidade de uma mesma missão histórica. As divergências entre as nações nascidas da gloriosa Ibéria, ele as via como secundárias em face desta majestosa unidade fundamental. E a sobrevivência de tais divergências no século XX, lhe parecia um verdadeiro anacronismo. Isto o levava a considerar, com verdadeiro amor, as perspectivas de ascensão e os problemas de cada país irmão. E o persuadia de que nenhum problema grave poderia ameaçar a qualquer deles sem afetar todos os demais. Foi por estas razões que Fábio V. Xavier da Silveira se interessou tão a fundo pela situação no Chile.

Cumpre ressaltar que não foi só por amor ao Chile e ao Brasil, que “Frei, o Kerensky chileno” foi escrito. Foi também por amor a todos e cada um dos povos do mesmo tronco, desde o México até o Uruguai e a Argentina.

Tenho por certo que este estado de alma, nobre e desinteressadamente íbero-americanista, refletido a fundo nas páginas de “Frei, o Kerensky chileno”, impediu, inteira ou quase inteiramente, que o livro fosse visto como uma interferência em assunto de país alheio.

Ademais, a acolhida vivaz do livro em todas as nações irmãs provou que elas vão tomando consciência de seu destino comum.

Nesta grande hora de aproximação dos povos íbero-americanos, a divulgação do livro de Fábio serviu, assim, de teste para demonstrar que os tempos já haviam chegado de estreitar laços, de acelerar comunicações e intercâmbios, e traduzir em fatos a transcendental unidade que a todos nos vincula.

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Bem entendido, esta unidade, Fábio não a via no prisma lanussiano de um continente sem barreiras ideológicas. Uma unidade puramente geográfica e comercial parecia ao lúcido diretor da TFP, vazia, débil e precária. Ele concebia a unidade latino-americana como alicerçada sobretudo na comunidade da Fé, da tradição religiosa e do porvir cristão. Sua solidariedade com Cuba, por exemplo, não o levava a querer relações diplomáticas e comerciais com Fidel Castro, mas antes a ajudar, de todos os modos lícitos, o povo cubano a libertar-se da tirania castrista. O pan-americanismo ibérico de Fábio V. Xavier da Silveira não era o de um negociante, nem o de um etnólogo, nem o de um geógrafo. Sem negar a legitimidade dos vínculos comerciais, a nobreza das afinidades raciais, e a importância das contigüidades geográficas, Fábio via o pan-íbero-americanismo com uma alma de cruzado.

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Nas numerosas viagens que empreendeu pelo continente, estudando e estabelecendo por toda parte contatos com núcleos de jovens interessados em valorizar, nos respectivos países, a tradição, a família e a propriedade, o modo de ser de Fábio contribuiu largamente para o êxito de sua atuação como aproximador de povos irmãos. Para isto, era admiravelmente apta sua personalidade.

Quem não o conheceu pessoalmente, dificilmente terá uma idéia do que era seu dom de atrair. Inteligente, culto, dinâmico, sagaz e cheio de tato, Fábio acrescentava a essas qualidades um certo “charme” pessoal indefinível, a que era difícil resistir. Sua vivacidade extraordinária, a amenidade de seu trato, seu espírito incessantemente jovial, sua “verve” originalíssima faziam de sua conversa uma verdadeira caixa de surpresas, da qual saíam, quando menos se esperava, observações penetrantes, chistes brilhantes, lances de alma generosos, e golpes polêmicos dos mais rijos. Sua presença era tida como um regalo, e sua passagem deixava um sulco de luz, em que se confundiam o apreço, o afeto e o sorriso divertido dos que com ele haviam tratado.

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Este, o Fábio da vida pública. Os que com ele convivemos na intimidade tivemos ocasião de apreciar também o Fábio da existência quotidiana.

Era ele um trabalhador infatigável, a quem as grandes tarefas atraíam. Um amigo leal, cuja solidariedade era inteira, mesmo nos momentos mais difíceis. Leitor apaixonado do teatro clássico francês, tinha na alma alguns reflexos cornelianos. Entretanto, a par disto, havia um Fábio bem brasileiro, que levava freqüentemente o afeto até os limites do carinho, um Fábio lhano e até humilde, sempre pronto a aceitar sugestões, a reconhecer falhas, a desculpar-se por elas, e até a atribuir-se escrupulosamente defeitos que não tinha.

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É cedo para tratar aqui do aspecto mais profundo desta alma que Deus acaba de chamar a Si. Falo do cunho religioso da mentalidade de Fábio.

Em meu olhar jamais se apagará a recordação da fisionomia de Fábio nos lances últimos de sua dolorosa enfermidade. Ele não temeu a morte. Pelo contrário, caminhou serenamente para ela, considerando-a sob o duplo prisma da libertação e do holocausto. Libertação de nossa condição de homens pecáveis. “Prefiro morrer, a expor-me ao risco do pecado”, disse-me ele. Holocausto pela Igreja. Cerrou os olhos oferecendo a Nossa Senhora — de quem era devotíssimo — suas dores e sua morte, em prol da Igreja dividida, conspurcada, traída, mas sempre divina e inefavelmente santa.

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Tal foi a pessoa, tal a obra, tal o fim desse insigne lutador do pan-íbero-americanismo tradicional e cristão.

(*) Nota: Este é o título original dado pelo Prof. Plinio a esta sua colaboração à Folha, a qual, por motivos de espaço, publicou apenas o nome deste valoroso diretor da TFP brasileira.

Clique aqui para ler o discurso feito pelo Prof. Plinio à beira do túmulo de Dr. Fábio.

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