Realizada em 18 de dezembro de 1981, e publicada na edição de Domingo, 20-12-1981
“Eu acho uma explicação bastante lógica – afirmou o repórter daquele jornal ao ouvir a resposta do Prof. Plinio à sua pergunta -, a mais lógica que ouvi até hoje. Surpreendente, realmente”.
A 9 de dezembro de 1981, histórico documento de autoria de Dr. Plinio foi publicado simultaneamente no “Washington Post” (Estados Unidos) e no “Frankfurter Allgemeine Zeitung” (Alemanha), e posteriormente em 50 outros países, atingindo o total de 33,5 milhões de exemplares. O título do referido trabalho era “O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte? O duplo jogo do socialismo francês: na estratégia gradualidade – na meta radicalidade. – Mensagem das Sociedades de Defesa da Tradição, Família e Propriedade — TFP do Brasil, Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Portugal, Uruguai e Venezuela). A tal propósito, a “Folha de S. Paulo”, a 18 de dezembro de 1981, enviou um repórter à sede do Conselho Nacional da TFP a fim de realizar minuciosa entrevista com o Fundador da TFP brasileira e inspirador das demais entidades. Vieram, então, à baila temas como a trilogia “liberdade, igualdade, fraternidade”, qual a atitude da Igreja Católica face aos que não aceitam seus ensinamentos perenes e válidos para todos os tempos e lugares, qual a finalidade da vida etc., etc.
[Ver também “Um homem, uma obra, uma gesta – Homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira”, Segunda Seção, 12. Socialismo autogestionário: denúncia da TFP atinge 33,5 milhões de exemplares e é publicada em 52 países]
https://youtu.be/pL8qT5xQGds
Folha de S. Paulo (FSP) – Numa recente entrevista o Sr. afirmou que o objetivo da Mensagem é esclarecer a opinião pública ocidental a respeito da verdadeira fisionomia do socialismo autogestionário francês. Mas o Sr. não acha que o caráter doutrinário da Mensagem resultou de uma análise parcial do governo Mitterrand?
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (PCO) – Não é uma análise do governo Mitterrand, porque a análise do governo seria uma consideração em bloco de tudo quanto o governo tem feito. É, pelo contrário, uma análise de um aspecto doutrinário do governo Mitterrand, de uma linha que o governo Mitterrand segue. Há uma porção de outros aspectos da atividade dele que não são considerados, o que é evidentemente legítimo num trabalho dessa natureza. E foi o que eu fiz. Ao escrever a Mensagem, eu analisei esse aspecto. De maneira que esta seria minha resposta à sua pergunta.
FSP – Dr. Plinio, por que, na sua opinião, o socialismo autogestinário é pior que o comunismo?
PCO – É pior no seguinte sentido: o socialismo autogestionário é a meta para a qual tende o comunismo. Quando o comunismo se sentir realizado em todos os seus efeitos e em todos seus objetivos, ele dará no socialismo autogestionário. E se trata aqui de uma caminhada processiva do comunismo para a autogestão. O socialismo autogestionário de Mitterrand visa precisamente realizar isto, é diretamente aquilo para onde o comunismo vai. Num processo, o ponto terminal é sempre mais requintado do que o ponto inicial ou os pontos intermediários.
Eu, por coincidência, tenho aqui a constituição soviética. Eu vou ler ao Sr. um artigo… A Constituição ou Lei Fundamental das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Editorial Progresso de Moscou. Portanto um documento, debaixo de todos os pontos de vista, insuspeito.
Veja o Sr. o que dizem eles aqui: “O objetivo supremo do Estado soviético é edificar a sociedade comunista sem classes das quais se desenvolverá a autogestão socialcomunista”.
Então se compreende facilmente que eu possa achar pior.
FSP – O Sr. falou que o socialismo autogestionário de Mitterrand não passou nem por essa fase, fase embrionária. Já foi direto?
PCO – É. O socialismo autogestionário de Mitterrand se aplica gradualmente, por etapas. Ele, portanto, não vai chegar às suas últimas conseqüências já, mas ele tende a chegar para lá, por meio de uma preparação da sociedade francesa e do próprio homem francês para isso. É o que está dito e provado, creio eu, na análise que eu faço, no texto da Mensagem que eu escrevi.
FSP – O Sr. falou que o “Projet Socialiste pour la France das annéss 80”…
PCO – Boa pronúncia, hein! O Sr. esteve na França é?
FSP – Não Sr. …Assume por inteiro a política da Revolução da França a partir de 1789, da Revolução. O que havia de mal nessa trilogia Liberdade, Igualdade, Fraternidade?
PCO – É curioso que até dos Estados Unidos… O Sr. quer tirar aqueles objetos para se sentar mais à vontade?
Ontem ainda eu respondi uma entrevista por telefone que me fez um jornal dos Estados Unidos com a mesma pergunta. É preciso distinguir. Mitterrand afirma que ele é o descendente, que o socialismo autogestionário é o descendente da Revolução Francesa e é quem aplica em todas as suas conseqüências a trilogia Liberdade-Igualdade-Fraternidade.
Agora, qual é a posição que eu e, na minha pena, as 13 TFPs tomam a respeito dessa trilogia?
Nós declaramos que é uma trilogia ambígua, que tem sido interpretada pelos que jogam com ela, acenam com ela, tem sido interpretada de modos diferentes: os que a interpretam mais radicalmente chegam às conseqüências onde chega o Mitterrand e ela pode ser interpretada assim. A tal ponto que dou documentos de Pio VI e depois mais adiante de S. Pio X também a respeito disso. Quer dizer, é uma das interpretações que essa trilogia tem.
Não é, portanto, uma trilogia indiscutivelmente má, mas fácil de ser interpretada mal e que, historicamente, tem sido interpretada mal muitas vezes.
FSP – Particularmente, para o Sr. qual o significado dessas 3 palavras: Liberdade-Igualdade e Fraternidade?
PCO – O significado é precisamente ambíguo. O Sr. pode me perguntar quais são os significados que a trilogia contém.
Se o Sr. entende como “liberdade” a liberdade absoluta de maneira que não haja nenhuma forma de poder – é o que, por exemplo, queriam os estudantes da Sorbonne. Se o Sr. toma como “igualdade” a igualdade total que elimina qualquer possibilidade de diferença em qualquer nível entre um homem e outro. E a “fraternidade” uma espécie de normalidade de convívio que resultaria tão só da igualdade completa e da liberdade completa, o Sr. tem a autogestão. Os corpúsculos autogestionários nos quais o Estado se deve desagregar, segundo os comunistas ou segundo Mitterrand, esses corpúsculos autogestionários são, cada um deles, inteiramente livres no que querem.
No interior do corpúsculo, o indivíduo deve obedecer, inteiramente, em todos os campos de sua atividade, ao que os entes constitutivos desse corpúsculo tenham resolvido. Então, numa fábrica autogestionária, por exemplo, o corpo autogestionário vota tudo quanto diz respeito à empresa e tem um poder ilimitado sobre a empresa. E o operário não tem nem sequer o direito de greve contra a maioria. Não vi nenhuma afirmação desse direito de greve em documentos do Partido Socialista Francês (PSF).
Bem, ele afirma que no sistema autogestionário entrará o poder desses corpúsculos até para diluir a diferenciação que fazemos no sistema de hoje entre o trabalho e o lazer, organizando um lazer-trabalho e um trabalho-lazer.
Mas, o Sr. está vendo que o homem tem que entrar num lazer organizado por outros, portanto. Até o “amenagement”, o arranjo interior da casa, a disposição, aproveitamento de espaço, etc., etc., até nisso intervém o corpúsculo. Mas onde é que está a liberdade do homem?
A liberdade está nisso: é que as decisões do corpúsculo se tomam por maioria de votos. Cada um é inteiramente livre para dar a sua opinião. E nisto ele realiza a parcela de soberania que existe nele. Então, cada um desses corpúsculos seria como um daqueles municípios latinos da antigüidade clássica que o município não tem deputados, mas tem apenas o comparecimento pessoal das assembléias na Ágora, o comparecimento dos cidadãos, esses votam e tudo se resolve de acordo com aquele voto. Seria democracia direta corpuscular se o Sr. quiser.
FSP – Dr. Plinio, um dos itens da mensagem publicada pela TFP nos jornais do Ocidente classifica como equívoca a tese dos socialistas de que o indivíduo deve produzir para o bem da coletividade. A TFP considera esse espírito gregário anti-natural, danoso?
PCO – Não, não. O espírito gregário em si é natural. O homem, de si, é sociável. Ele vive, portanto, para existir em sociedade. Mas, ao mesmo tempo em que ele é sociável por natureza, ele, como uma pessoa, tem uma finalidade que não se esgota no Estado, que é, em muitas coisas, autônomas da finalidade do Estado. E, portanto, ele também não pode ser considerado um mero elemento constitutivo do Estado. Ele é, por assim dizer, bifocal. Ele focaliza a realização de sua própria pessoa. E, de outro lado, enquanto membro da sociedade, ele vive para a sociedade.
FSP – Então o igualitarismo conduz a uma produção inferior às capacidades de trabalho do homem, é isso que a Mensagem diz. Por que a TFP se posiciona contrariamente aos direitos garantidos pelo PSF para os indivíduos? Indivíduos até agora discriminados pela sociedade: as mães solteiras, os homossexuais, seja lá o que for?
PCO – É quase o contrário. A sociedade que a TFP visa defender em seus restos agora, e que é uma sociedade que está evoluindo para esse socialismo mas que procede de uma outra origem, é a origem cristã, tempo da Civilização Cristã, as sociedades de origens cristãs eram diferentes.
Quer dizer, a sociedade se compunha das pessoas, dos corpos intermediários autônomos e do Estado. Bem, esses corpos intermediários autônomos tinham esfera própria, e, na sua esfera, eram autônomos em relação ao Estado. Depois o Estado, por sua vez, era subsidiário dessas entidades e só fazia para elas aquilo que elas, por si mesmas, não conseguissem fazer.
Então o Sr. tem o princípio da subsidiariedade, lembrado muito bem por Pio XII, o Sr. tem esse princípio da subsidiariedade definido assim: a sociedade – Estado e corpos intermediários – fazem para o indivíduo o que ele não pode fazer por si. Por sua vez, o Estado faz, em relação aos órgãos intermediários, o que eles não podem fazer por si. O Estado fica colocado, portanto, numa faixa que é apenas de fazer o que os outros não podem. Ora, eu não vejo nada disso no socialismo.
FSP – E no sistema capitalista?
PCO – No sistema capitalista eu não vejo também. Eu acho que na sociedade capitalista o papel das sociedades intermediárias é muito diminuído de maneira que fica uma espécie de desequilíbrio entre o Estado e o indivíduo e não há meio de compor bem este equilíbrio.
FSP – inaudível
PCO – Pois não, está muito bom. Estou gostando da ver que o Sr. tomou o trabalho de estudar vigorosamente o documento.
FSP – Sem dúvida nenhuma. Segundo suas próprias palavras, na lógica dos projetos socialistas franceses em implantar a sociedade autogestionária, os poderes do Estado vão minguando gradualísticamente. O Sr., contudo, afirma que o Estado é quem dispõe tudo sobre a sociedade, (inaudível)… família e subtraindo e a ser substituído. Não parece contraditória essa afirmação?
PCO – Muito.
FSP – Muito?
PCO – Mas a contradição está nele e não em mim. (risos)
FSP – Ah! ah! ah! O Sr. falou que a coisa fica só no nível teórico?
PCO – Eu digo o seguinte: se é em virtude de lei que se institui a sociedade autogestionária – é verdade que é em virtude de uma lei aprovada pela maioria, real ou supostamente aprovado pela maioria, é em virtude disso que se institua a sociedade autogestionária –, se é isto, a lei pode tudo. Ela pode hoje fazer a autogestão, ela poderia amanhã voltar ao capitalismo, ela poderia depois de amanhã fazer qualquer outra coisa. Porque é tão grande a transformação imposta pela lei passando do atual regime para o regime autogestionário, que fazer isso por golpe de lei é onipotência.
O Sr. me perguntará: “Está bem, mas como pode ser feito isso a não ser por golpe de lei?” Creio que seria esta a pergunta que o Sr. me faria. Por força da lei. A palavra “golpe” talvez pareça tendenciosa. Então eu substituo por ”força da lei”.
Eu respondo o seguinte: de acordo com a doutrina católica tradicional, a força da lei não pode tudo face a um homem. Há direitos fundamentais do homem que nem a lei pode abolir. E quando a lei tende a abolir ou tenta abolir, cabe ao homem o direito de resistência. Isso eu não vejo enunciado em nada da autogestão.
FSP – Um dos itens que me chamou atenção na Mensagem, foi o item, de acordo com a concepção da TFP, o projeto socialista francês nega os princípios fundamentais da ordem natural, não é?
PCO – É.
FSP – Não reconhece a diferenciação entre homem e mulher, da família, da autoridade patriarcal, tudo, não é?
PCO – É verdade.
FSP – No que se baseia esta ordem natural, sem referência bíblica?
PCO – Ah! ah! ah! A ordem natural é um conceito que resulta do seguinte: as coisas, por sua própria natureza, tem certos elementos mutáveis e certos elementos fixos. Esses elementos fixos não mudam nunca. É o contrário, portanto, do evolucionismo que admite que as coisas vão mudando indefinidamente. É um pressuposto fixista que nós poderíamos discutir ao infinito, mas é a partir desse pressuposto que nós admitimos uma ordem natural fixa em muitos de seus elementos.
Esta é imutabilidade da ordem natural, porque desses elementos fixos decorrem relacionamentos também fixos. Esses relacionamentos são o aspecto imutável da ordem natural. Não sei se me exprimi bem.
FSP – Sim, eu entendi Dr. Plinio. Mas eu acho que o objetivo fundamental da vida de um homem é a felicidade. Não seria isso?
PCO – Aqui está uma coisa ambígua como Liberdade-Igualdade-Fraternidade. (risos) Mas, digamos que fosse, para não entrar na discussão desse ponto que é outro ponto que estamos em desacordo á perder de vista. Porque eu diria ao Sr. que é a felicidade eterna. E o Sr. está vendo que o Sr. me pede uma definição da ordem sem fundamentação bíblica, não haveria de querer esta referência para a eternidade. Então procuro me situar no seu terreno para tratar da questão.
FSP – Não é meu terreno, eu não sou materialista…
PCO – Julguei entender na sua exclusão a uma referência bíblica…
FSP – Porque a ordem natural também é discutível como qualquer outro assunto, não é?
PCO – Bem, é discutível na medida em que o ensinamento bíblico não nos diz o contrário. Então é aprofundável. O ensinamento da Bíblia é aprofundável, não é discutível. Mas, enfim, diga lá.
FSP – Se os projetos socialistas pretendem diminuir gradualmente o poder do Estado, por que a TFP classifica esse projeto de “imperialismo”? Na Mensagem está bem explícito isso.
PCO – “Imperialista” aqui é num outro sentido, não é? É um imperialismo ideológico com que Mitterrand pretende por o prestígio do Estado francês, e na medida em que ele conseguir também o prestígio da cultura francesa, a serviço da expansão universal do socialismo autogestionário.
FSP – O Sr. prevê, na sua Mensagem, que quando o Estado-lei começa a educar as crianças aos dois anos de idade e a família for equiparada ao concubinato e às formas alternativas de vida, as igrejas vão ser esvaziadas. Mas na própria Bíblia – João 3, 16 – ele fala que todo o que nele acreditar vai ser redimido. Ou seja, a Igreja deve segregar os seus fiéis?
PCO – Não, não. Eu não acredito que ela segregue os fiéis não. O papel dela é a do bom pastor que vai atrás das ovelhas. Mas, eu acho que não compreendi bem sua pergunta então.
FSP – O Sr. fala que, quando chegar nesse ponto, quando o Estado leigo começa educar as crianças aos dois anos e o concubinato se equiparar ao casamento, e outras formas alternativas forem aceitas, as igrejas vão ser esvaziadas. Isso quer dizer que as pessoas…
PCO – Não procurarão a Igreja?
FSP – Sim.
PCO – Por incompatibilidade. Ela se tornará facilmente incompreensível às pessoas. Não é que Ela exclua. É que as pessoas educadas num sistema inteiramente diverso corre o risco de não A compreender. Também de não seguir os mandamentos dEla que são o oposto disso.
Quer dizer, toda sociedade funcionando num dinamismo oposto aos princípios dEla, Ela corre risco de ficar marginalizada.
FSP – Mas essa marginalização é feita a partir da sociedade mesmo, não é?
PCO – A partir da sociedade, não a partir dEla. É certo que Ela não poderá aceitar esta gente que continue dentro do estilo desta sociedade oposta a Ela. In concreto, para a Igreja o casamento jamais será dissolúvel. Se houver o livre amor, que é claríssimo no programa do Mitterrand, aceito – o termo pomposo é – “alternativamente” ao casamento, se a Igreja não aceita isso, quem se apresentar em estado de união livre, Ela não pode admitir que receba os sacramentos. Mas aí não é Ela que excluiu, é o homem que, pelo seu procedimento, se exclui do estado de graça.
FSP – E em relação a outras formas alternativas de vida, vamos supor os homossexuais franceses que conseguiram certas vitórias com a ascensão do Mitterrand. O que se faz com essa gente?
PCO – O que sempre foi. Quer dizer, aí vem uma teoria a respeito da homossexualidade. A homossexualidade, há uma tendência a considerar hoje, como um modo de ser legítimo como outro. Digamos, alternativo.
A doutrina da Igreja não é essa. A homossexualidade é um desvio da natureza humana. Se uma pessoa tiver essa tendência, a pessoa deve coibi-la. Se não coibir, peca.
FSP – Uma coisa que me deixou curioso na Mensagem é que o Sr. faz comparações assim: Mitterrand é o Lech Walesa da França. E, em conseqüência, o Walesacorresponde às Comunidades Eclesiais de Base no Brasil. O que tem a ver uma coisa com a outra?
PCO – É porque, se a gente examina o que consta no Ocidente a respeito do programa de “Solidariedade” de Walesa, esse programa é autogestionário. Quer dizer, o Walesa se apresenta como o propugnador – se apresentava até algum tempo atrás; últimamente a figura dele tem mudado, mas até algum tempo atrás ele se apresentava – como propugnadorde uma forma de regime social e econômico que não fosse nem socialismo nem capitalismo.
Examinadas as declarações dele mais de perto, toda a impressão que se tem é que ele deseja uma coisa à maneira da autogestão. Mitterrand deixa se constar como sendo também um elemento intermediário. Ele é o contrário, como acabamos de ver aqui, mas ele, consta isso dele.
FSP – Como o Sr. vê a situação polonesa?
PCO – A atual situação polonesa? Eu a vejo como uma luta desencadeada em torno de princípios de que não trata diretamente a Mensagem. Quer dizer, trata-se ali de dois assuntos:
1º) A independência polonesa e o direito de um povo de ser independente, um direito discutível mas que está muito em jogo, os russos querem impor um sistema, os poloneses não querem:
2º) É a liberdade interna na Polônia de expressão da opinião e de dar ao governo uma orientação que a opinião pública deseja. O exército nega isso.
Então, o que está em jogo é a independência e soberania nacional, está em jogo o princípio da democracia política. Esses dois elementos, esses dois pontos não estão discutidos na Mensagem.
FSP – Foi proposital essa omissão da situação da Polônia?
PCO – Não sei. Isso é só perguntando a eles mesmos, eu não sei. O fato é que isto está se passando assim. Os assuntos tocados na Mensagem são inteiramente colaterais do conflito polonês.
FSP – De qualquer modo, no Brasil, a Tradição, Família e Propriedade está esperando se desenrolar a situação na Polônia para publicar a Mensagem, segundo entendi.
PCO – Não. Não. Porque a situação da Polônia estava muito menos tensa quando saiu nossa Mensagem. A tensão apareceu depois. Aliás, intercorrendo de um modo desfavorável na expansão da mensagem, foi uma coincidência desfavorável, porque as atenções se chamaram muito para aquele ponto e a Mensagem, nós julgamos necessário suspender a publicação dela em Paris e na América do Sul, Paris, Itália e na América do Sul, enquanto a situação polonesa não se esclarecesse, porque as atenções estão muito voltadas para a situação polonesa.
FSP – Um ponto que não entendi muito bem: o Sr. poderia fazer uma análise assim bem particular a respeito do Walesa, o que ele representa na Polônia, o que ele representa junto à Igreja, essa luta dos trabalhadores contra o estado arbitrário?
PCO – Parece-me que há uma divisão na “Solidariedade”. Há, de um lado, o que eu chamaria talvez um cerne duro de “Solidariedade” que não quer nenhuma forma de composição com as autoridades comunistas, e que quereria levar as resistências às autoridades comunistas ao ponto de uma tensão e, se necessário fosse, de uma guerra mundial? Ou eles acham que a guerra polonesa não chega até a guerra mundial, ou eles acham que é o caso de arrastar “Solidariedade” numa guerra mundial.
Bom, há uma outra zona que eu chamaria talvez a periferia mole de “Solidariedade” que quer uma composição com o governo, entendendo que se houver um conflito com a Rússia, a Polônia será esmagada, que não virá guerra de nenhum modo, mas virá imposição do comunismo mais brutal. Walesa faz parte dessa segunda tendência.
Eu acho que a segunda tendência é menos simpática do que a primeira. Eu tenho, por mim, uma impressão que evidentemente não pode ser uma certeza, porque não estou lá, não acompanho os acontecimentos tão de perto que possa opinar, que se o povo polonês resistir de um modo heróico – heroísmo ele tem para isso – a Rússia fica tão mal, a propaganda dela no mundo inteiro fica tão prejudicada como já ficou com o esmagamento da Checoslováquia, e se ele repetir essa péssima proeza ela ainda perde mais terreno. Eu não creio que ela fará isso.
De maneira que eu considero que, até o momento, a política de Walesa tem sido uma política de meio termo, pouco feliz para a Polônia.
FSP – Dr. Plínio, naquele livro “Meio Século da Epopéia Anti-Comunista”, no capítulo 60…
PCO – Sim Sr., hein?! (risos) Este que é um leitor atento de minhas coisas hein? Ah! Ah!
FSP – … Diz que a Tradição, Família e Propriedade é por natureza uma entidade extra-partidária. Neste sentido, como explicar uma Mensagem para desedificar ou para explicar para o Ocidente uma coisa relativa a um assunto interno da França?
PCO – Uma vez que a França se coloca na postura de exportar essa sua ideologia com todo prestígio, com toda influência do Estado francês, eu me sinto, como brasileiro, concernido pelos assuntos internos da França, que deixam de ser internos a partir do momento que passam a ser assuntos de exportação. E, portanto, eu julgo que estou no meu direito e na minha obrigação de alertar os brasileiros para isso. Assim os da TFP argentina, norte-americana, ou de qualquer outro lugar.
FSP – Dr. Plínio, eu queria fazer uma pergunta…. não sei, o Sr. não precisa responder – sinceramente. Mas em outras entrevistas que o Sr. deu para jornais estrangeiros, mesmo para revistas nacionais, o Sr. se recusa terminantemente a falar quem financia a publicação de anúncio a tudo. O Sr. diz: Não respondo. Não sei se é verdade, mas na imprensa saiu um “não” categórico. Por que isso Dr. Plínio? Por que a TFP tem, afinal, a responder para o público?
PCO – Na sua pergunta há um advérbio que não está bem colocado: “terminantemente”. O “terminantemente” dá impressão assim que é terminativo, que existe uma exclusão: “jamais responderá!” E que se recusa meio indignada e, portanto, meio apavorada, a responder.
(Risos)
PCO – Eu acho esse “terminantemente” meio áspero.
FSP – O Sr. me desculpe.
PCO – Ah! ah! ah! Eu precisaria por os pingos nos “iis”. Eu nunca disse que recusaria terminantemente, nem disse que recusaria a quem quer que seja, nem disse que eu recuso para todo o sempre. Eu disse uma coisa diferente.
Eu disse que a TFP, em 1º lugar, não é uma só TFP, são 13 TFPs; que essas TFPs são jurídica e economicamente autônomas. Elas devem custear as respectivas propagandas. Eu não posso saber como essa, aquela, aquela TFP custeia. A TFP brasileira pretende custear, o Sr. sabe disso, a sua própria propaganda.
Agora, eu não quero dar os nomes das pessoas que vão pagar. Dou a qualquer autoridade que me pergunte com poderes para isso. Imediatamente, desde logo, não receio nenhum pouco. Digo assim como quem tira os nomes aqui do bolso: “os nomes são esses!”
Volto a dizer: a uma autoridade credenciada, é claro, é claro.
Bem, agora, por que não dou esses nomes para qualquer um? Antes de dizer porque não dou, quero tratar do interesse da questão. Fica em muitas perguntas que me são feitas pela imprensa – e, meu caro, também na sua pergunta há pouco havia alguma coisa disso – como se a TFP tivesse algo a esconder nessa recusa.
FSP – Um mistério…
PCO – Mistério, mistério… “terminantemente fechado aos que não pertencem ao arcano”… a coisa vem por aí, a coisa vem por aí.
(risos)
FSP – O Sr. está me reduzindo a um estereótipo…
PCO – Ah! ah! ah! Bem, o que era preciso discutir antes de tudo é se a Mensagem corresponde ou não corresponde ao bem comum. Se ela corresponde ao bem comum, então publicá-la, custear a propaganda dela é uma obra benfazeja. E aqueles que estão custeando são benfeitores. Um benfeitor quando não se mostra, merece ser chamado um homem modesto e não um homem que está por detrás de uma trincheira ou por detrás de uma árvore camuflado, dando tiros e se ocultando, etc., que fica um pouco insinuado nessas perguntas.
Se de fato a Mensagem é malfazeja, então eu concordo. Mas aí há uma grande discussão no limiar desse problema, e essa discussão não pode ser assim barateada ou esquecida quando se trata da questão.
Na realidade, alguém dirá: “Não haverá pessoas defendendo seus interesses na publicação dessa mensagem?”
Eu digo: Vamos devagar. Se a Mensagem é conforme a reta razão, eles não defenderiam seus interesses, defenderiam seus direitos. E um homem tem o direito de defender seu direito. Se a Mensagem é mais do que isso, é conforme ao bem comum, ele – como eu já disse – é um benfeitor.
Por que um homem desses vai querer não se mostrar? Por uma porção de razões. Porque ele sai do que os ingleses chamam a ”privacy”, o domínio privado e entra para o domínio público, e entra na polêmica. Eu compreendo que um homem possa não gostar disso. Ele tem filhos, ele tem família, ele tem toda uma esfera de ação própria e, por temperamento, não gosta da vida pública. Pode acontecer. Eu gosto da vida pública. Pelo que eu vejo, o Sr. gosta também, é verdade. Um outro tem o direito de gostar de vida privada.
FSP – Claro.
PCO – Mas há uma outra razão também que é preciso não esquecer: Não há nenhuma entidade que vai entregando assim, para a imprensa, a lista de seus benfeitores. Por que? Há uma série de outras entidades, mais ou menos análogas, colaterais, ou qualquer coisa, que sabendo que tais cidadãos são os desinteressados que dão dinheiro para causas que não são o próprio bolso, vão correndo atrás.
De maneira que a posição é, a priori, uma posição inteiramente normal. Não é uma posição anormal, é uma posição normal.
Não me queira mal se eu acrescento que o Sr. como repórter é um intérprete de curiosidade pública me fazendo essa questão, mas que de outro lado a pergunta podia ser mais discreta.
FSP – Sem dúvida, poderia ter feito de outra forma.
PCO – Bem, não me queira mal… Ah! Ah! Agora, se chegar um momento em que a questão resfriar, em que eu possa obter o consentimento dos doadores da TFP para dar os nomes, eu poderei dar. Mas, desde já às autoridades competentes, e sob sigilo competente, eu dou sem o menor embaraço.
FSP – O Sr. não acha que, sob certo sentido, foi negativo para a entidade, para a TFP a repercussão que teve a publicação da Mensagem, as opiniões do 1º Ministro francês, as opiniões em contrário, não foi negativo para a entidade, para a TFP?
PCO – Os resultados que colhemos por toda parte são diferentes. Só da Alemanha, nós temos mais de 200 cartas que nos escreveram de apoio, de felicitações, etc. Só da Alemanha, onde um só jornal publicou a Mensagem. Do pequeno Portugal, nós estamos com mais de 200 cartas também de apoio, de aplauso, etc. O mesmo está acontecendo na Espanha e em outros países onde a TFP publicou a Mensagem.
O resultado positivo de uma Mensagem não é de não ter quem ataque o autor da Mensagem, as entidades que patrocinam. O resultado positivo é de ter alertado aqueles que podiam abrir os olhos. Ela foi feita para isso. Que eu ia receber sapecadas do governo francês, dos socialistas do mundo inteiro, está no negócio! Ninguém sai à chuva para não se molhar.
FSP – A TFP teme represálias na França?
PCO – Não temo nenhum pouco. Eu vi um deles – Cheysson, um deles – dar uma declaração, um dia desses, de que eles não levantariam nem sequer a ponta do dedo em respeito à liberdade de pensamento que há na França, pouco depois de afirmações desairosas contra a TFP.
Então eu mandei dar uma resposta a ele, que não era apenas levantando a ponta do dedo e não era apenas com um dedo que se restringe a liberdade de pensamento, mas também com a língua. E que quando uma autoridade se serve do prestígio do seu cargo para increpar uma Sociedade, que de modo cortês, de modo elevado – isso é inegável…
FSP – Sem dúvida.
PCO – De um modo todo ideológico, sem ataques pessoais, manifesta sua dissensão contra um governo, mereceria ser tratada de outra maneira.
FSP – Última pergunta.
PCO – O Sr. pergunte o que quiser…
FSP – Dr. Plínio, qual é a diferença, para o Sr., entre doutrina e ideologia?
PCO – A “ideologia” é uma palavra – também ela – muito elástica. É quase uma sanfona que se pode comprimir e descomprimir à vontade.
Eu julgo que há um núcleo, nos diversos sentidos da palavra ideologia, há um núcleo que é ao mesmo tempo uma doutrina e a mentalidade que esta doutrina forma. Isto seria “ideologia”.
O que entendo aqui como mentalidade?
Uma doutrina, na medida em que ela sugere uma posição artística, uma posição temperamental, uma posição moral, uma posição no modo de relacionar-se, etc., etc., enfim, que ela forma, naqueles que a aceitam, uma determinada mentalidade, ela poderia ser considerada uma ideologia. E parece que esse é o núcleo fixo – não sei se a palavra fixo lhe agrada muito – mas é um núcleo fixo em torno das flutuações da palavra “ideologia”.
A “doutrina”, não. A doutrina é o conjunto de convicções, tiradas em abstrato, a respeito de determinada coisa.
FSP – É, eu acho uma explicação bastante lógica, a mais lógica que ouvi até hoje.
PCO – Não é?
FSP – Surpreendente, realmente.
PCO – Então, aqui fica uma tentativa de responder à sua pergunta e um convite a fazer outras se quiser.
FSP – Faço mais uma sim.
PCO – Faça à vontade.
FSP – Dr. Plínio, coincidentemente, essa publicação da Mensagem vem assim num período pré-eleição no Brasil. E uma revista brasileira relacionou o fato. Tem alguma coisa a ver, realmente?
PCO – Eu não creio. Quer dizer, nas nossas intenções não tem nada a ver. Mas eu não creio que a Mensagem tenha um efeito muito direto sobre as eleições.
A campanha eleitoral brasileira, com tristeza para mim, está se travando num ambiente de pobreza doutrinária surpreendente. E apenas um traço muito vago de preferência por certa coloração esquerda, em certa linha partidária. E uma coloração muito desbotada conservadora noutra linha partidária, quando o leque das opções partidárias é muito mais opulento do que esse.
Porque, mais uma vez sou obrigado a pedir ao Sr. e que a FSP não me queiram mal na afirmação, a nossa imprensa é muito monocórdica.
FSP – Monocórdica.
PCO – Quer dizer, toda nossa imprensa, tirando os órgãos caracteristicamente esquerdistas, ela é de uma espécie de esquerda, centro-esquerda categórico que sorri para a esquerda completa mas não chega até lá. Sorri de longe mas não estende a mão.
E o nosso povo ouve isso e está deformado pela idéia que a política é uma coisa “con la quale o senza la quale, il mondo va tale e quale”. O brasileiro não se interessa por política, é despolitizado a fundo.
O Sr. quer a prova disso? O Sr. imagine que nosso governo propusesse uma lei aprovada pelo legislativo, pela qual o voto, a comparecimento às urnas ficasse livre. Eu tenho a impressão de que seria uma vazante fenomenal. E que não há um político que proponha isso, porque seria a derrota de todos.
FSP – Sem dúvida.
PCO – O que quer dizer que nossa vida política não está pegando no cerne vivo da nação. Ora, eu acho que a Mensagem pega. Ela ainda não foi publicada no Brasil, mas eu acho que pega.
FSP- Sem dúvida. Pelo menos o pessoal vai ler.
PCO – Pega fundo. Até mais. Eu não sei se o Sr. é tão radicalmente brasileiro quanto eu…
(Vira a fita)
PCO – Portanto, sou brasileiro a cem por cento. O Sr. vê. Portanto, eu como brasileiro posso falar. Nós brasileiros não gostamos de ler coisas longas. Essa Mensagem vai ecoar apesar disso, apesar de ser longa, vai ecoar apesar disso. Mas ecoar numa esfera de coisas onde a política partidária não entra.
FSP – Por que isso Dr. Plínio?
PCO – Porque ela é doutrinária, se o Sr. quiser é ideológica e a política não entra quase nessa esfera.
FSP – É compreensível.
PCO – O Sr. toma a TFP. Considere de outro lado os grupos de esquerda. O Sr. vai ver numericamente, quer os quadros de esquerda, quer a TFP, ocupam um espaço visual, no horizonte mental do brasileiro, muito maior do que o número absoluto dos seus membros.
Por que isso? Porque se engajar numa coisa propriamente ideológica, o brasileiro é torcedor na arquibancada. Não acha não?
FSP – Acho que sim. É falta de oportunidade também, não é?
PCO – Em parte, mas é preciso dizer que a maior parte de nossos partidos e a maior parte de nossos órgãos de imprensa não dão muita oportunidade. Até é preciso dizer: nesse ponto eu louvo a “Folha”, porque a “Folha” abre para todo mundo. Escreve ao meu lado cada um que pensa o contrário de mim, de arrepiar… (risos)
FSP – (Inaudível)
PCO – Não quero dizer isso. Quero dizer que são muito diferentes. Eu deles e eles de mim. Aliás, eu já tive ocasião de, em carta ao Frias, louvar a “Folha” por esse lado.
FSP – É, é liberal.
PCO – É liberal conseqüente. Há jornais aqui que, se o Sr. mandar um artigo antiliberal, eles julgam que receberam uma blasfêmia. O Frias publica.
FSP – Inclusive a Mensagem. Nem sei quem fez a crítica, parece que foi um ministro francês, como um jornal democrata publicava uma Mensagem de uma entidade como a TFP. É bem estranho uma coisa dessas. Democrata pressupõe…
PCO – Ou tem liberdade de opinião ou não tem nada feito.
FSP – Dr. Plínio, eu estou satisfeito. Era isso que eu queria.
PCO – Tive gosto em conhecê-los.