Para a TV Itacolomi (Belo Horizonte). – A liberdade de ser proprietário, o direito de ter propriedade e de a transmitir a seus filhos, é precisamente uma das liberdades que integram as liberdades fundamentais do homem.

Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Entrevista para a TV Itacolomi

 

 

 

 

16 de agosto de 1965

NR: A presente entrevista foi concedida durante visita do Prof. Plinio a Belo Horizonte por ocasião da inauguração do Diretório Seccional de Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP. Uma reportagem completa dessa visita e de seu impacto junto à opinião pública local pode ser vista em  “A TFP de Minas recebe solenemente o Presidente do Diretório Nacional”
O professor Plinio Corrêa de Oliveira – da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, co-autor de “Reforma Agrária, Questão de Consciência” e autor do best-seller “A Liberdade da Igreja no Estado Comunista”, obra elogiada pela Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades de Santa Sé, que já conta com 22 edições que remontam a 108 mil exemplares – pronunciou no Instituto de Educação, ontem, conferência sobre: “Face ao comunismo, coexistência ou luta?”, com auditório repleto. Serão respondidas agora as perguntas que foram encaminhadas à mesa do auditório, após a conferência. Será entrevistado pelo universitário Armando Pinheiro Lago, da Faculdade de Direito da Universidade Católica.

 

Entrevistador – Passarei a formular a primeira pergunta feita no auditório: Dr. Plinio, por que o Sr. acha que nós, os católicos, não podemos trocar alguns de nossos princípios como, por exemplo, a propriedade, pela liberdade em países oprimidos pelo comunismo, já que a liberdade é um valor muito maior no desenvolvimento das almas cristãs?

Plínio Corrêa de Oliveira (PCO) – Senhores telespectadores, respondo com muita satisfação às perguntas que o público inteligente, e tão atento, e tão gentil que me honrou, ontem à noite, no Instituto de Educação, formulou a respeito da conferência que ontem pronunciei.

E respondendo a essa primeira pergunta, cabe-me ponderar o seguinte: que o direito de propriedade não deve ser visto apenas como uma vantagem ou uma regalia pessoal. Vê-lo por essa maneira é falsear todas as respostas que sobre ele se possam dar. O direito de propriedade – ensinam-nos isso os mais variados documentos pontifícios – é uma condição normal ao homem e, ao mesmo tempo, é um apanágio da pessoa humana ser proprietário e é uma necessidade para a sociedade humana que haja o maior número possível de proprietários. De maneira que o direito de propriedade, sendo assim indispensável, ele não pode ser trocado por liberdade nenhuma, porque a liberdade de ser proprietário, o direito de ter propriedade e de a transmitir a seus filhos, é precisamente uma das liberdades que integram as liberdades fundamentais do homem. Nessas condições, nós não podemos aceitar a disjuntiva que essa pergunta pressupõe.

Eu gostaria de acrescentar a esse respeito mais uma observação, que é a seguinte: liberdade, de que liberdade se trata? A mais preciosa de todas as liberdades, aquela que é o fundamental de todas as demais: é a liberdade que tem a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo de ensinar na sua totalidade os mandamentos contidos nos Mandamentos da Lei de Deus. E dois desses mandamentos consagram, de modo definitivo e eterno, a propriedade privada: “Não roubarás e não cobiçarás os bens do próximo”. Nessas condições, abolir a propriedade é exatamente negar à Igreja a liberdade de ensiná-la. E, portanto, não há maior negativa da liberdade do que exatamente negar a propriedade.

Pergunta – Pode conceber V. Excia. uma esquerda católica? Admite que a Igreja progressista avança para se antecipar ao comunismo? Como conceber o cristão defendendo idéias comunistas?

PCO – Se eu posso conceber uma esquerda católica? Como é fluida a expressão “esquerda” e, entretanto, que carga ela trás consigo! Por esquerda se costuma entender sempre algo que participa em grau maior ou menor da extrema esquerda e que participa, em grau maior ou menor, da extrema esquerda, na medida em que a extrema esquerda é esquerda e é extrema. Quer dizer, é uma maior ou menor diluição de um extremismo que continua sempre extremismo. Ora, a extrema esquerda o que é? É o comunismo. Se nós consideramos como esquerda a participação nas doutrinas comunistas, se não a profissão integral delas, ao menos a aceitação de uma parte delas e naquilo que elas têm de radical e de incompatível com a doutrina católica, eu devo dizer que não concebo uma esquerda católica. Poderia então me perguntar se eu concebo uma direita católica ou se eu concebo um centro católico.

A esse respeito nós poderíamos dar uma outra resposta: é que as palavras centro e direita foram qualificadas em função da esquerda. O centro não é senão uma posição que fica entre a direita e a esquerda; e a direita não é senão o contrário da esquerda, aquilo que mais dista da esquerda. Se nós devemos entender por direita apenas o contrário da esquerda, mas algo que não chega, simetricamente, a erros tão graves quanto os de esquerda, uma direita católica é possível. Mas se nós devêssemos entender também como adesão àquilo que o direitismo pudesse ter de mais excessivo, evidentemente também uma direita católica não se poderia admitir.

Entretanto, as palavras esquerda e direita, segundo o vocabulário comum, significam: a direita como algo que visa uma ordem de coisas tradicional e hierárquica; o centro como algo que quer o meio termo dentro disso e a esquerda como algo que quer uma participação do comunismo. Se se admite esse modo de indicar os vocábulos, uma direita católica me parece compreensível: um centro católico ainda me parece inteligível. Em qualquer caso do sentido das palavras, uma esquerda católica ma prece incompreensível.

Mas, meu caro entrevistador, sua pergunta comportava uma outra nota. Qual era? Depois da esquerda católica, o que dizia?

Pergunta – Admite que a Igreja progressista avança para se antecipar ao comunismo?

PCO – “A Igreja, como progressista, avança para se antecipar ao comunismo”. Cada uma dessas palavras, para ser bem esclarecidas, mereceria uma conferência. Eu devo antes de tudo dizer que em nome da Igreja só fala a Igreja. Um fiel não tem uma palavra judicial a respeito do que a Igreja pode fazer ou deve fazer. Ele apenas dá um comentário da doutrina católica. Nesse caráter, eu devo dizer que a palavra “progresso”, sobretudo com o sentido de “progressista” que está aí tomado, é também muito ambígua. Porque, afinal de contas, o que é o progresso? Se é o movimento que ruma para a esquerda, então pelas razões que eu dei, não se pode admitir. Mas se é um simples melhorar das condições gerais da humanidade e, sobretudo, das condições espirituais da humanidade, então, evidentemente, a Igreja não é só progressista, mas é o foco de todo progresso. Mas progressivo favorável ao progresso é uma coisa. Progressista é outro. O vocabulário comum toma o progressista como sendo aquele que efetua e trabalha para que a Igreja caminhe para a esquerda e para a extrema esquerda. Eu não posso compreender como a Igreja seja progressista.

Pergunta – Essa pergunta, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, é de Deonira (?) S. A.: Como conceber o cristão defendendo idéias comunistas?

PCO – Eu respondo com muito prazer a pergunta de Da. Deonira, que revela uma atenção vigilante e inteligente do momento atual. Eu não compreendo como é que um cristão possa ser comunista ou colaborar com o comunismo. Porque há uma contradição nos termos. É como uma pessoa ter ao mesmo tempo patriotismo e trabalhar para destruir a sua própria pátria. Como isso se pode conciliar? Positivamente, não há conciliação.

Pergunta – O Sr. acha que seria possível fazer retroceder o avanço do comunismo e do socialismo que se deu até hoje? O Sr. não vê que é querer que a história volte para trás?

PCO – Voltar para trás… Todas essas perguntas contêm termos que pedem explicações. O que é propriamente “voltar para trás”? O que é voltar para trás na vida de um homem? A vida de um homem não volta para trás? Quando um homem erra, quando um homem peca, quando um homem reconhece nobremente seu erro e seu pecado e se regenera e volta às idéias ou aos costumes que tinha, ele não volta para trás? Então, quantos episódios da vida dos homens, episódios nobres, elevados, dignificantes da história humana, a história registra de homens que voltaram para trás.

Voltar para trás… A Espanha era cristã. Entretanto, ela foi invadida pelos mouros e depois de séculos de dominação moura, ela recuperou a sua independência. Isso será, por acaso, voltar para trás? Corrigir os grandes erros da história, retificar as grandes catástrofes, isso é voltar para trás? Eu o contesto. Assim como na história dos homens, na história dos povos é possível voltar para trás. O Brasil foi invadido pelos holandeses. Eles estabeleceram longamente aqui o domínio do herege invasor. E com a expulsão dos holandeses, nós voltamos para trás, isto é, ao estado anterior. Isso não foi um grande feito da história do Brasil?

A história, meus senhores, volta para trás sempre que ela anda mal e os homens corrigem seus erros. Os homens podem corrigir a série de erros que os levaram às portas do comunismo! Duvidar disso seria duvidar da misericórdia de Deus. Seria duvidar da missão da Igreja que com força e dignidade Ela anuncia a todos os povos. Sim, eu acredito que os homens podem voltar para trás, desde que se entenda que eles caminharam em rumo oposto a Nosso Senhor Jesus Cristo, mas que voltando para Nosso Senhor Jesus Cristo eles voltam para trás. Nesse sentido, Nosso Senhor Jesus Cristo não está apenas na vanguarda, mas também está atrás de todos os caminhos e está também atrás dos maus caminhos esperando o filho pródigo, esperando o pecador. A história pode voltar para trás.

Pergunta – Eu não entendo que relação possa ter com isso a defesa da tradição, família e propriedade.

PCO – O que vem a ser o anticomunismo? O anticomunismo é um esforço para evitar que o comunismo se implante. Ora, o que é o comunismo? É precisamente uma ordem de coisas que, sendo evolucionista fundamentalmente, está em guerra contínua com a tradição; sendo favorável ao amor livre, é contrária à família; sendo literalmente contrária à propriedade privada, é contrária à propriedade. Ora, eu pergunto: um trabalho para fortalecer a tradição, a família e a propriedade não é exatamente o único modo de tornar as almas infensas ao comunismo? Ou em termos mais precisos: há algum trabalho contra o comunismo que possa não incluir esse desiderato? Embora não seja apenas esse trabalho que esgote todas as tarefas e todas as obrigações de uma luta anticomunista, isso me parece impossível. Eu não acredito num anticomunismo sério, que não se esforce para manter a tradição, a família e a propriedade, não só contra uma eventual investida comunista, brutal e direta, como também contra essa erosão, esse desgaste contínuo desses três valores da civilização cristã, nessa atmosfera da vida de hoje, que não sendo uma atmosfera comunista, é, entretanto, infiltrada de tantas influências comunistas.

Pergunta do Sr. Sérgio F.: Sabe-se de uma organização chamada Ação Popular que congrega em sua maioria elementos da Ação Católica. Sabe-se também que a doutrina ideológica da Ação Popular consiste no comunismo da linha chinesa e chega a taxar o comunismo soviético de raciocínio. Sabe-se também que o bispo coadjutor de Belo Horizonte, um dominicano e mais alguns representantes da Igreja Católica é que asseguram essa organização subversiva. Pergunta: 1. Que relação tem a Igreja Católica, representada pela JUC, JEC, JIC, JOC com a Ação Popular? 2. Se o comunismo que prega a Ação Popular é tão radical, por que tem tantos adeptos cristãos? 3. O embaixador do Vaticano no Brasil não poderia tomar medidas contra a ação subversiva do bispo, dos freis Marcelos e outros pastores católicos?

PCO – As perguntas realmente não me deixa bem à vontade. Porque embora eu reconheça as intenções elevadas que o levaram a formular essas questões, se eu disser que essa pergunta contém no seu núcleo uma pergunta que, em outros termos, se poderia formular de maneira seguinte: “o Sr., o que acha do senhor bispo ou do senhor arcebispo de Belo Horizonte? O Sr. o que acha da vigilância que eles exercem sobre os organismos aqui indicados? Como é que o Sr. explica que a situação esteja no modo pelo qual o Sr. a descreve?” Ora, é fácil compreender que sendo a Igreja uma instituição hierárquica, não compete a mim, de nenhum modo, dar uma opinião a respeito de uma autoridade eclesiástica; antes é a autoridade eclesiástica que, se e quando quiser, pode dar uma opinião a meu respeito. Porque eu estou sujeito à autoridade e vigilância dela. Ela, entretanto, não está sujeita às minhas apreciações. Paira acima das minhas apreciações. Nessas condições, eu só posso responder que a sua pergunta seja dirigida a ela, não a mim. Eu sou um soldado da Igreja. E sou para ser dirigido e guiado por meus Pastores e não para os retificar ou ensinar algo.

Pergunta – Visa apenas o movimento do Sr. prevenir os povos contra os perigos do comunismo, ou se destina mesmo a despertar a ação dos princípios morais e espirituais?

PCO – Um modo breve e direto de responder à pergunta de caráter como essa é estabelecer uma comparação com a vida de todos os dias. Acontece na experiência corrente na vida dos indivíduos que, muitas vezes, uma pessoa atraída por um falso ideal, e atraída veementemente por esse falso ideal, para ele caminha gradualmente, com ele se compromete cada vez mais. Acontece também que, por vezes – e infelizmente quanto isso é raro -, por vezes a pessoa corta o passo a esse mau processo de deterioração e quanto pior era o ideal, e quanto maior era a velocidade com que a pessoa caminhava para esse ideal, tanto mais correspondentemente, em reação, a pessoa volta com mais força para o ponto de equilíbrio saído do qual se havia originado a deterioração. Um trabalho levando a humanidade a recusar fortemente os erros comunistas leva-a a recusar séculos iniciados com o fim da Idade Média,  com o Protestantismo, com a Revolução Francesa e, por fim, com a explosão comunista. Séculos de erros que se foram acumulando e que continham no seu bojo o erro comunista. A ruptura final com o comunismo trará como conseqüência a rejeição de todos os erros intermediários e o renascimento, no espírito dos homens, das verdades as quais tantos e tantos homens infelizmente deixaram de dar crédito. Nessas condições, me parece indiscutível que o trabalho anticomunista, na medida em que tenha êxito, é uma contribuição preciosa para a instauração de uma ordem de coisas futura baseada em princípios eternos e adequada às circunstâncias que possam sobrevir.

Entretanto, eu devo dizer que isso não basta. E que o verdadeiro anticomunismo tem que ser acompanhado de elementos positivos. E esse elemento positivo é, a meu ver, antes de tudo, a restauração da fé e de uma fé ortodoxa, fé de acordo com seus princípios autênticos, vivida e praticada sem moleza, sem cegueira, sem transigências com o neopaganismo moderno. Ao par disso, toda uma série de obras sociais de que têm tratado as Encíclicas dos Papas, toda uma série de obras sociais é indicada. E é indicada também a luta em favor da tradição, família e propriedade, a qual, como entidade de caráter temporal e essencialmente civil se consagra a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, de cujo Diretório Nacional tenho a honra de ser presidente.

Pergunta – Vivendo nós sob a égide de um sistema democrático em que o povo escolhe livremente seus representantes, perguntaria se basta esclarecer as massas e preveni-las contra os erros doutrinários, ou vosso movimento interferirá mais diretamente nos pleitos eleitorais, vindo mesmo a indicar candidatos que lhes sejam mais ou menos de acordo com os princípios e ideais cristãos?

PCO – Nós não cogitamos no momento de uma interferência dessa natureza. O autor da pergunta apanhou bem o fato de que sendo nós uma sociedade civil destinada a operar no plano estritamente temporal, não estaria fora de nossas cogitações defender, no terreno cívico e eventualmente até no terreno eleitoral, as doutrinas e as instituições e os valores para cuja preservação e defesa exatamente nos estruturamos e organizamos. Entretanto, os trabalhos de organização num território grande como um continente, com a repercussão que essa organização tem tido no exterior, nos países irmãos da Argentina, do Chile, da Colômbia, em outras nações da Europa também e nos Estados Unidos, tudo isso constitua um acervo de trabalho tais que nós não podemos encarar – no momento, pelo menos – como uma realidade próxima, uma intervenção nossa em algum pleito, exceto se as circunstâncias mudarem muito.

Pergunta – Considerando a meticulosa articulação dos comunistas, por que não se concretiza a formação de uma frente única dos grupos democráticos em defesa do bem comum?

PCO – Eu acredito que algo desse gênero já existe na ordem concreta dos fatos. Sempre que se luta contra um adversário comum, implicitamente se colabora. É possível que essa luta torne aconselhável um maior número de articulações e essas articulações, em tal eventualidade seriam, ao menos de nossa parte, consideradas com simpatia. Entretanto, eu devo dizer que a confusão característica dos dias de hoje torna, mesmo nos arraiais que se entregam à luta contra o comunismo, difícil às vezes uma certa articulação. Porque se é verdade que, por exemplo, de nossa parte, consideramos a luta contra o comunismo como invocando necessariamente a preservação dos valores da tradição, da família e da propriedade e, portanto, também a luta contra aquele tipo de reformas de base que possam pôr em risco esses valores, em muitas organizações de caráter anticomunista só se visualiza como progresso do comunismo o trabalho específico do Partido Comunista brasileiro enquanto tal, e enquanto podendo desencadear, em determinado momento, um golpe de força.

Essas duas visualizações têm disso de diferente que, em conseqüência, nós encontramos muitas vezes, até entre anticomunistas que se professam tais, uma tal ou qual simpatia por reformas de base, cujo efeito concreto, como teria sido o caso da reforma agrária, seria de aproximar a morfologia social brasileira da morfologia comunista. Daí, por vezes, dificuldades e incompreensões que constituem empecilhos provisórios, espero eu, para uma maior articulação.

Pergunta – Quais são as ligações da frente de Defesa da Tradição, Família e Propriedade com os monarquistas e particularmente com a família imperial brasileira?

PCO – Não se trata da “Frente de Tradição, Família e Propriedade”, mas da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Se por família imperial brasileira se deve entender o conjunto dos descendentes do imperador D. Pedro II, nós não temos nenhuma ligação com a família imperial. Trabalha apenas, entre nós, como pessoa de reais serviços e elevado valor moral e de destacada atuação nos meios estudantis de São Paulo, S. A. o príncipe Dom Bertrand de Orléans e Bragança, sem que isso constitua, evidentemente, uma vinculação nossa com aquilo que se poderia chamar a causa monárquica.

É preciso dizer, meu caro interpelante, que se eu entendo bem sua  pergunta, ela parece exprimir um certo receio de que a presença desse valoroso militante nas nossas fileiras, ou a coincidência da palavra tradição com algo que a família imperial necessariamente representa, possa significar de nossa parte uma tomada de posição monarquista. Seria talvez então o caso de dizer a esse respeito algo de esclarecedor.

Eu não acredito que em nossa era histórica a monarquia possa ser restaurada. Não acredito que, se ela fosse restaurada, decorresse daí uma vantagem para a ordem de coisas atual. De maneira que não acredito que uma ação destinada, no plano político, a restaurar a monarquia, seja uma ação que tenha a menor possibilidade de êxito. Nessas condições, estamos todos desligados de qualquer caráter monárquico.

Entretanto, é preciso dizer que depois de um período de republicanismo jacobino na Europa, em que os republicanos tomavam, em relação às dinastias que sucessivamente foram depostas, uma atitude muito contrária, depois desse período sucedeu, na Europa, uma atitude de respeito, de cortesia, de compreensão para com as famílias que outrora tinham reinado sobre os vários estados europeus. O Brasil, nesse sentido, foi precursor da Europa. Mesmo no momento em que a república foi proclamada, o Brasil não deixou, ininterruptamente, de professar respeito e admiração pela figura do imperador D. Pedro II, pela figura de Dona Isabel, a Redentora, pela figura de Dom Luís, o autor do livro famoso sobre o Cruzeiro do Sul e, englobadamente, pelos membros da família imperial. E isso por um princípio que me parece muito justo e do qual eu sei que toda a nação brasileira, sem nenhuma discrepância política e partidária [aceita]: e o princípio é o seguinte: os filhos herdam a gratidão que as ações dos pais lhes merecem. Se alguém me salva a vida, eu não sou grato apenas a ele, mas serei grato à sua descendência. Portanto, eu acho que os Estados devem ter gratidão, como têm os indivíduos. E um Estado que recebeu, durante séculos de uma dinastia, ou de uma família, notáveis benefícios, não pode deixar de considerar com respeito e com reconhecimento os descendentes dessa dinastia, ainda que o regime político haja sido mudado.

Nessas condições, o Brasil inteiro, sem discrepância política – repito eu – o Brasil inteiro homenageia e  reverencia a família imperial brasileira. A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, sem tomar posição política nessa matéria, homenageia e respeita a família imperial, sente-se honrada em ter em suas fileiras destacadamente S. A. o príncipe D. Bertrand e, eu aproveito o momento para manifestar esse respeito ao chefe da Casa Imperial brasileira, o príncipe D. Pedro Henrique de Orléans e Bragança. Isso é a posição correlata da que tomam, por toda parte, hoje as autoridades e a opinião pública de todos os países, inclusive os não monárquicos. E basta ver a situação do conde de Paris, herdeiro do trono da França, na tão republicana e jacobina França, para compreender bem que essa posição é uma posição de equilíbrio e não envolve implicações políticas.

Pergunta do estudante Flávio: Poderia o Sr. professor apresentar sugestões práticas para o combate ao comunismo nas escolas secundárias e superiores?

PCO – Uma pergunta de um estudante é sempre uma pergunta particularmente simpática. Eu creio que em relação aos estudantes, mais do que em relação a qualquer outra classe, o esclarecimento ideológico é o mais importante. E para se localizar bem como é que o combate ideológico deve ser feito, é preciso saber dar uma descrição exata, tanto quanto as circunstâncias do ambiente estudantil permitam, do que é a doutrina comunista, para destruir a ilusão de que o comunismo é co-idêntico com o mero e desinteressado amor às classes menos privilegiadas da população. É preciso romper esse mito. É preciso mostrar que se pode ser perfeitamente anticomunista e, ao mesmo tempo, trabalhar com entusiasmo e dedicação a favor dos que são deserdados da fortuna e ainda, ao mesmo tempo, trabalhar para a conservação do instituto da propriedade privada numa sociedade com classes, como uma sociedade cristã deve ser.

Apresentando esse equilíbrio e mostrado como o comunismo representa, nesse sentido, o desequilíbrio; orientar o espírito dos estudantes, portanto, para a compreensão de que interessar-se pelos pobres não é comunismo e que comunismo é o contrário de interessar-se pelos pobres; que a hierarquia social e a propriedade privada são condições de ordem e bem estar para ricos e pobres, para grandes e pequenos, e que é contra o comunismo que é preciso defender esses valores, creio eu que se fará o melhor das melhores [ações] para orientar contra o comunismo a opinião estudantil.

Pergunta do Sr. (?): Informaram-me de que os comunistas estão interessados em difundir que é boa e deve ser seguida a teoria do padre Teillard de Chardin. A doutrina é boa?

PCO – A doutrina do padre Teillard de Chardin é algo que não pode ser dito no singular, mas deve ser dito no plural. A gente deveria falar das doutrinas do padre Teillard de Chardin. Porque em torno de um núcleo central, a meu ver fundamentalmente errado, que é o sentido evolucionista, em torno desse núcleo central… [vira a fita]

…manter terrenos vagos pode ser nocivo ao bem comum e em outros bairros pode não ser nocivo, para todas essas situações diversas fazer uma mesma lei, é uma dessas coisas abstratas que o espírito revolucionário [apraz]. E que, em última análise, só podem favorecer a causa do comunismo. E eu chamo aqui o espírito revolucionário o espírito que conduz ao comunismo e não o espírito revolucionário no sentido do espírito da revolução recentemente ocorrida no Brasil.

Agora, pergunta-se: em face da especulação imobiliária, é justa essa medida? Em primeiro lugar é preciso dizer que o único elemento para a consideração do assunto não é a especulação imobiliária. Vamos dizer que alguém tenha num ponto central de uma cidade um imóvel que é indispensável que seja construído para o bem de toda a cidade, porque faz falta que ali haja edifícios em número suficiente para a atuação do comércio etc. Então, não será legítimo que se desaproprie o local, desde que o proprietário não queira construir? Eu acrescento: desde que lhe tenham sido dados os meios de financiamento para construir e ele não queira construir, eu acho que sim. Nesse caso, havendo uma verdadeira necessidade do bem comum, seria legítima uma desapropriação.

Entretanto, é preciso fazer atenção: o mesmo empenho em manter o bem comum deveria dar matizes à nossa infelicíssima Lei do Inquilinato, contra a qual, com tanta energia, se levantou a Sociedade que eu tenho a honra de presidir. Manter casas de comércio num ponto onde elas não ganham o suficiente para justificar o aluguel verdadeiro, não é manter em ponto central, estagnando o desenvolvimento da cidade, empresas que não têm vitalidade para estar num ponto central? Então, por que não se faz uma lei também impondo que os aluguéis, pelo menos os comerciais, que não possam corresponder a uma certa majoração, bem mais enérgica do que a concedida pela atual lei, que esses estabelecimentos tenham o seu despejo autorizado com mais facilidade? Por que tanto zelo, louvável em si mesmo, pelo bem comum, no caso de proprietários, não aparece no caso dos inquilinos? Por que um projeto de lei como esse do Sr. Deputado, não vem complementado com a sugestão que eu dou? Aqui fica uma proposta para o deputado que apresentou esse projeto.

 

 

Contato