Folha de S. Paulo, 18 de novembro de 1973
Plinio Corrêa de Oliveira
O século de Paulo VI
A imprensa noticiou, há dias, que visitou Paulo VI o “camarada” Stefan Olszowski, chanceler do governo comunista polonês. Foi esta a primeira vez que um Papa recebe um ministro do Exterior de país comunista.
Segundo declarações do diplomata, no decurso da audiência – que transcorreu na maior cordialidade – formulou ele, em nome do governo polonês, um convite para que Mons. Agostino Casaroli, encarregado da ostpolitik de Paulo VI, vá proximamente a Varsóvia. Mais importante ainda é que o camarada Olszowski deixou entrever como francamente possível uma visita de Paulo VI à Polônia, talvez já na próxima primavera. A confirmar-se esta visita, seria um acontecimento muitíssimo mais inesperado e sensacional do que a ida de Nixon a Pequim e a Moscou, há um ano e meio atrás.
Com efeito, que o representante máximo do mundo capitalista se aviste com os dois mais importantes governos comunistas, é um fato intrinsecamente menos importante do que a ida do representante de Cristo na terra, a uma capital de um país telegovernado do Kremlin pelos sumos representantes do ateísmo mundial, sediados em Moscou.
À notícia do evento, meu coração de católico, devotado até o mais fundo à Santa Sé, sente, como é natural, palpitações contraditórias. Exponho-as ao leitor.
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Mais do que tudo, meu coração palpita de apreensão. Tenho exposto reiteradas vezes, nestes artigos, que a “détente” entre os Estados Unidos e a Rússia Soviética – versão, em escala mais ampla, da ostpolitik de Willy Brandt – é toda ela baseada na hipótese da sinceridade dos propósitos pacifistas do comunismo internacional.
Ora, quer se seja propenso aos árabes, quer aos israelenses, é impossível não reconhecer o caráter essencialmente imperialista da jogada que o Kremlin faz dentro do conflito do Oriente Médio. Détente, ostpolitik passam, assim, a ser mitos já envelhecidos. O próprio Kremlin se encarregou de destruir a ilusão em que eles se baseavam. Este fato, notório aos olhos do mundo inteiro, não pode ter sido ignorado pelos argutíssimos diplomatas da Santa Sé. Mas, sem embargo, quer Varsóvia, quer o Vaticano resolveram atuar, neste lance, como se o mito ainda estivesse de pé, e Moscou ainda pudesse ser tida como uma potência pacifista. Essa ficção diplomática envolve necessariamente uma complexa jogada de uma e de outra parte. Nessa jogada, é notório que o Vaticano entra com intuitos sumamente pacíficos, e o Kremlin com intuitos sumamente imperialistas. Por mais que confie na sagacidade da diplomacia vaticana, é explicável que eu – como tantos outros católicos – me pergunte o que poderá resultar desta fricção entre o pote de barro e o pote de ferro.
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De minha parte, tal apreensão chega até os limites da angústia. Explico-me.
Aos olhos da opinião mundial, a détente está no mais alto grau de desprestígio, por várias e graves razões: 1) na Rússia, os gemidos – que melhor se chamariam bramidos – de Sakharov e de seus amigos, exprimem a inconformidade de todos os elementos válidos e genuinamente representativos, contra o fato de Nixon estar ajudando a manter no governo uma equipe de tiranos, responsáveis pela destruição de toda a liberdade e de toda a prosperidade por trás da cortina de ferro; 2) nos EUA, a popularidade de Nixon vai rolando despenhadeiro abaixo. À primeira vista, este fato se deve exclusivamente ao caso Watergate. Na realidade, porém, ele importa num julgamento severo, se bem que implícito, da própria détente. Se os norte-americanos vissem em Nixon um político genial capaz de evitar os horrores da guerra, não seria simplesmente pelo escândalo Watergate que estaria arriscado a perder o poder; 3) ademais, a miséria confessada da Rússia e dos satélites, entre os quais incluo Cuba e o Chile de Allende, está a provar, aos olhos do mundo, que o regime comunista só produz miséria e desgraça; 4) para cúmulo da impopularidade desse regime, tornou-se notório que se por todo o mundo capitalista se vai generalizando a lepra de uma gravíssima inflação, é porque somos forçados a nutrir o mundo… comunista!
Assim, pergunto-me, aflito, como verá a opinião mundial esta aproximação entre o Vaticano e o regime comunista. E se, na primavera, Paulo VI visitar Varsóvia, que espécie de primavera será esta para o mundo?
Sumamente desejoso de ver o Papado e a Igreja postos no mais alto do prestígio e do amor dos povos, é legítimo que eu tema os resultados que da visita de Paulo VI a Varsóvia possam advir.
Encontro de São Leão Magno com Átila, afresco de Rafael (1514), Museu Vaticano