Desde menino “era definidíssima em mim a ideia de trabalhar como leigo na Contra-Revolução, a favor da Igreja. (…) Mas eu via com muito agrado que um outro quisesse ser padre, e via sobretudo com agrado um padre tomar a defesa do bem com esse calor”.
Auditório Nossa Senhora Auxiliadora, 13 de novembro de 1993
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Em “Santo do Dia” de sábado para os jovens da TFP brasileira, a 13 de novembro de 1993 (portanto menos de 2 anos antes de seu falecimento), o Prof. Plinio responde a pergunta relativa aos remotos tempos de sua infância. Foto ilustrativa: Dr. Plinio à época em que frequentava o Colégio São Luís, dos padres jesuítas, na capital paulista.
Faço notar aos senhores o seguinte: que é tido a muito justo título como prova de uma falta de gosto de um orador, que ele fale a respeito de si mesmo. Os franceses – sempre espirituosos e dizendo as coisas de um modo agradável de ser ouvido – formularam essa verdade de um modo muito interessante pela pena de um dos escritores deles. O escritor dizia o seguinte:
Quando eu estou com uma visita, eu tenho muita facilidade de retê-la, quer dizer, fazê-la ficar bastante tempo se eu quiser; mas também de fazê-la sair imediatamente se eu quiser. O meio que eu tenho de fazê-la reter é conversar com ela sobre ela. Fale com um homem sobre ele, dê a ele a oportunidade de “megalar” [neologismo originário da palavra “mega”, grande, empregado no sentido de gabar-se], de contar o que é que ele fez, o que é que ele é, etc., etc., e ele vai achar a conversa deliciosa e fica um tempo indefinido falando porque ele está contando de si. Se quiser que o homem vá embora, fale a respeito de si mesmo, o homem acha cacete e vai embora.
É uma grande verdade. Eu não sei se eu expliquei com clareza a coisa como é, mas os senhores querendo podem fazer a experiência.
Aparece em sua casa um rapaz, por exemplo, que seja uma má companhia, os senhores querem que ele saia, mas não podem dizer para ele: “Fulano, a porta da rua é a serventia da casa, pst!”
Não pode fazer… Ele vai se queixar com os pais, os pais deles vão se queixar com os pais dos senhores e sai choradeira, sai encrenca, etc., etc.
Então façam o contrário, se querem que ele saia já, digam: “Fulano, eu tenho dois ou três fatos importantes para contar a meu respeito, será que você tem tempo?”
Vocês vão ver ele ficar embaraçado e dizer: “Olha, eu preciso ver aí o relógio, porque eu não tenho tanto tempo assim. Enfim, conte um fato” – os senhores disseram que tem dois ou três – depois: “Você sabe? Eu lamento, mas tenho que ir embora…”, porque o fato não é sobre ele.
Agora, conte para ele outra coisa:
– Eu vi hoje no colégio várias pessoas falarem a seu respeito. E gostaria de contar a você tudo o que eu ouvi. Você tem tempo para esperar?
– Oh, claro!
Porque como se trata dele, ele quer ouvir. Quando se trata dele, ele quer falar. Quando não se trata dele, ele não quer ouvir nem ele quer falar, ele quer ir embora.
Bem, e um orador faz muito mal quando ele portanto, fala constantemente a respeito de si mesmo. E é por isso que eu me esquivo tanto quanto possível de falar a meu respeito. Tanto mais quanto Dona Lucília me dava muito um conselho.
Quando eu comecei a falar em público, que ela viu que eu talvez desse orador, ela me disse: “Olha, meu filho, um conselho sua mãe lhe dá. Você sempre fale menos do que você está querendo falar, porque todo mundo quer ouvir você menos do que você está imaginando. E, portanto, quanto menos você falar, mais agradável será aos outros.”
O fato é que eu apliquei a regra, eu era ainda novato, e apliquei a regra. Fui fazer uma conferência e comecei a falar, etc., a conferência foi andando bem e o pessoal estava acompanhando, etc., e me veio ao espírito o seguinte: “O tempo está correndo e mamãe disse que o pessoal fica caceteado e não quer ouvir. Então vamos terminar”, e terminei logo. E um ouvinte ficou danado e comentou depois etc., que era desaforo terminar tão logo etc., etc.
Bem, a gente tem que saber temperar. Eu não posso, portanto, falar todas as vezes sobre mim mesmo – vou falar agora – mas devemos falar pouco. Falar de Nossa Senhora, dos Anjos, dos santos etc., etc., os fatinhos a gente põe de vez em quando.
De maneira que vamos ser de uma certa moderação, mas enfim, eu vou contando alguma coisa que me aparece.
Eu era aluno do Colégio São Luiz (…) o fato é que o mal se expandia à vontade. E o mal podia falar mal do bem, podia caçoar do bem, podia fazer o que quisesse.
[Foi] Quando apareceu, com grande entusiasmo para mim, um padre ainda moço chamado padre Castro e Costa, do Amazonas, ele era amazonense. Homem inteligente, muito vivo, exprimindo-se com uma fluência muito grande e entrando muito nos casos concretos, nas situações concretas etc., e falando e mexendo etc. e tal e nas situações concretas dos alunos. E quando ele falava nas situações dos alunos, ele falava muito a favor dos bons contra os maus.
Os alunos maus que tinham vocabulário porco, que saíam do Colégio São Luiz e muitas vezes iam passar… não entravam – porque eram jovens demais para isso – propriamente nas casas de prostituição, mas passavam em frente etc. Um perigo medonho! Qualquer hora podiam entrar. Bem, eram numerosos.
E ele falava contra isto, mas enchia de brasas a sala. E os que mantinham a castidade ficavam contentes, eram poucos, eram uns três ou quatro na sala. Um deles os senhores o conheceram, o Dr. Arruda, aquele de barba branca que faleceu há algum tempo atrás e que foi meu colega em tempo de pequeno. E que eu tenho muita alegria em prestar essa homenagem a ele, era muito puro e ostensivamente puro. E dava nesse ponto no colégio um muito bom exemplo.
Bem, os que éramos puros ficávamos muito bem protegidos e muito bem amparados pela atitude desse padre que recomendava a energia.
E numa ocasião um aluno do Colégio São Luiz fez uma coisa que naquele tempo era considerado um verdadeiro escândalo. Combinado com o diretor espiritual dele, ele contou no colégio para todos que ele ia ser padre. Isto de um aluno querer ser padre era reputado a última coisa do feio, a última coisa do ridículo. Porque era contra-revolucionária.
O revolucionário [quer] ficar na vida da perdição e acabar indo para o Inferno, isso é o revolucionário.
Então, o padre Costa falando contou – o rapaz chamava-se Álvaro:
“O Álvaro vai ser padre etc. Os senhores têm obrigação de respeitar, não podem caçoar, ele tem o direito de ser o que ele deve, mas o caso dele é um caso especial. Ele tem o direito de ser o que quer. Mas o caso dele é um caso especial, ele não [só] quer ser padre, [como] ele quer e deve ser padre, porque o sacerdócio é uma vocação, é um chamado de Deus. E um chamado de Deus a gente não facilita, a gente tem que fazer aquilo para que Deus chama. E portanto, é preciso ser corajoso e ir. E ele teve essa coragem de dizer para todos vocês que não concordam com ele, que ele vai ser padre e o que vocês acharem é ruim, e que vão às favas e ele vai fazer o que ele entende. Se Deus o chamou, não são vocês que vão impedir a ele de fazer o que quer.”
Tudo isto para mim era néctar, porque eu não tinha a intenção de ser padre; era muito definida em mim a idéia de ser leigo e de trabalhar como leigo na Contra-Revolução, a favor da Igreja portanto, mas como leigo; era definidíssima essa idéia. Mas de qualquer maneira eu via com muito agrado que um outro quisesse ser padre, e via sobretudo com agrado um padre tomar a defesa do bem com esse calor.
Quando ele contou esse fato, esse fato coincidiu com o período em que eu estava muito mole. Eu em menino era um menino do mais moles que eu conheci, eu não conheci menino tão mole como eu. Eu era de tal maneira mole que, por exemplo, eu fui educado entre duas meninas: a minha irmã e uma prima-irmã que morava conosco em casa e que foi educada como minha irmã. Eram, portanto, duas meninas. Eu tinha uma série de primos que moravam em outra casa e com os quais eu me encontrava muito freqüentemente. Com um deles eu tinha uma amizade como se tem com um irmão quando a gente quer muito bem o irmão. Mas era uma coisa diferente, eram outras casas. Na minha casa tinha essas duas meninas mais ou menos de minha idade.
Eu era tão preguiçoso que na hora de sairmos todos à rua para fazer exercício a pé – coisa que eu detestava porque precisava fazer força – às vezes, como acontece com as crianças, levam um brinquedinho junto para ir para um jardim público, alguma coisa, e distrair-se com isto, leva uma flautinha, leva um apito, leva qualquer coisa, sobretudo menino no meu tempo levava. Eu, de moleza, deixava cair o objeto no chão, eu de moleza deixava o objeto se arrastando no chão e não levantava porque eu tinha preguiça de me agachar para pegar o objeto.
Naturalmente elas viam que eu tinha deixado cair o objeto e com bondade, com afeto elas iam correndo e apanhavam o objeto e me davam, e eu agradecia, mas achava normal, porque eu achava tão duro ter que me abaixar para pegar o objeto que eu achava natural que os outros apanhassem para mim.
É um disparate porque se era duro para mim, era para elas! Ainda mais que se eu era o homem, tinha obrigação de ser o forte; elas eram as meninas, eu tinha a obrigação de facilitar a vida para elas. Mas não era o que eu fazia.
Eu era, portanto, molíssimo! E tinha períodos em que a minha moleza ficava ainda muito maior. E a minha inclinação para ser contra-revolucionário, mas não travar a batalha contra-revolucionária, quer dizer, não falar, não discutir, mas ficar assim com um “Zé Bobo” qualquer olhando para as coisas, e até ouvindo desaforos sem reagir, era uma inclinação colossal. E era um defeito muito grave.
Agora os senhores vejam como a graça se serve às vezes das coisas para reformar uma pessoa.
O padre disse, e eu ouvindo aquilo tudo, eu estava gostando:
“O Álvaro outro dia fez uma coisa que eu aprovo inteiramente. Ele disse que ia ser padre para um rapaz que perguntou, e que chegou dando risada: `Álvaro, você vai ser padre? O que é que isso etc.’ O Álvaro disse para ele: `Vou sim, e você o que é que tem com isso?’ Ele respondeu: `Tenho, porque você é meu colega e eu não quero que um colega meu tome uma atitude ridícula.’ O Álvaro deu um passo para frente e disse: `Eu vou te ensinar.’ Abriu o braço e meteu uma bofetada colossal nele. O outro em vez de ficar furioso – era natural que os dois rolassem no chão se esbofeteando – o outro ficou quietinho e nunca mais reagiu.”
Os senhores não podem fazer idéia do bem que esse casinho me fez! Eu entendi que eu devia ser assim e tive uma reação no interior da minha alma que me levava energicamente a querer ser combativo etc., etc. E a partir desse momento é que eu comecei a ser uma pessoa combativa e enérgica. Veio da bofetada do Álvaro contada pelo padre Castro e Costa.
Ao longo de minha vida Nossa Senhora tem querido de mim muitas atitudes enérgicas, eu tenho tomado, graças a Ela eu tenho tomado. Mas várias vezes eu me lembro, várias vezes eu me lembro da bofetada do Álvaro, e formo um voto, um desejo de que ele tenha tomado bom caminho.
De fato, Nossa Senhora dispôs de um modo curioso: o Álvaro desistiu de ser padre e tomou… eu o perdi de vista, não sei que caminho ele tomou na vida.
Mas, aquela bofetada deu caminho à minha vida. E deu energia da qual restos ainda existem na minha alma, vindas do bom exemplo que ele me deu.
Não sei se está claro isso ou não.
Aqui está um casinho.
Mas a reunião terminou muito tarde, e por causa disso eu tenho que ir embora.
Me despeço dos senhores com pesar, com a esperança de que seja possível conversar-se um pouco mais em outro dia, no próximo sábado e Salve Maria!
Nota: Para aprofundar o assunto, veja O sacerdócio tem nas mãos um fogo sagrado, que é o creme dos cremes do apostolado – Por que o Sr [Dr. Plinio] não foi ser Padre?