Exposição aos membros das Caravanas da TFP brasileira [Eremos Itinerantes], Sede do Reino de Maria, Domingo, 11 de junho de 1989
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
(Pergunta: …para a sociedade. Deu as doutrinas revolucionárias de Fénelon, de Rousseau, e como é que essas doutrinas foram divulgadas pelas “Sociétés de Pensée”, pelos clubes, pelos cafés, de modo a preparar a explosão dos fatos. Agora, nós queríamos que o senhor nos desse um fecho de ouro nesse simpósio. O senhor nos desse uma visão de conjunto à luz da vocação do senhor, da teologia da história…)
Isso é uma conferência! Isso é uma cosia, mas continue, meu filho.
(Não, era isso que queríamos pedir ao Sr.)
Quer dizer, o prof. M., com o talento, a cultura e a habilidade didática que lhe é própria, ele colocou bem claro o que é a Revolução Francesa e que finalidade ela tinha.
Qual era a finalidade última da Revolução Francesa?
Nós poderíamos dizer que o lema dela: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, mas entendida no sentido mais radical.
O lema é um lema ambíguo, porque “Liberdade”… uma certa liberdade a Igreja até introduziu no mundo.
Por exemplo, em todos os países anteriores a Nosso Senhor Jesus Cristo havia escravos. Foi lentamente, com os séculos, que a Igreja foi abolindo a escravidão nos países onde Ela tinha influência, nos países católicos. E acabou libertando completamente os escravos, substituindo a escravidão por duas formas muito bonitas.
Uma era o feudalismo, que era um modo muito atenuado, muito suavizado e muito inteligente, muito bom de relações entre senhores que representam o dinheiro e os outros que representam o trabalho, de um lado.
E depois fazendo continuar, mas de uma forma nobre, elevada, santificada etc., fazendo continuar algo da escravidão nas Ordens religiosas, em que o religioso se dá à Igreja para a Igreja dispor dele, fazer dele o que quiser etc., etc. Mas não com os horrores da escravidão antiga, mas com o lado materno, bondoso, sério e forte do direito canônico, do direito da Igreja – fazer uma entrega completa da pessoa, mas de uma Igreja que é Mãe e não uma carrasca, como muitas vezes eram os senhores dos escravos. Às vezes não eram, mas muitas vezes eram, sobretudo no tempo dos romanos.
Por exemplo, cena que não era rara no tempo dos romanos: um senhor de escravo chamava o escravo. “Venha cá!” Ele vinha. “Está vendo isso aqui? Essa garrafinha tem um veneno; eu estou querendo me matar. Mas eu vou experimentar a coisa em você, para ver que dores você vai sofrer. Você vai morrer, mas eu verei que gênero de morte esse veneno vai dar-me, e por isso eu quero que você morra antes. Beba isso!”
O escravo não tinha outro remédio senão beber e morrer com o dono dele olhando ali, para ver se convinha para ele… É uma coisa de uma brutalidade que custa crer que fosse praticado entre homens!… Era corrente entre eles, daí para fora. Bem, isso acabou completamente, com a religião Católica.
Portanto, uma certa liberdade está inteiramente dentro do espírito da Igreja, da bondade, da misericórdia da Igreja.
Igualdade: no fundo há um certo elemento de igualdade nisso. Quer dizer, um homem não pode dispor de um outro homem como dispõe de um bicho. Isso eu posso fazer com um bicho, numa cobaia. Eu dou um veneno para uma cobaia para ver que mal vai fazer para a cobaia, para ver se depois se pode dar para homens ou não pode. Isso se faz continuamente nos laboratórios, com bichos, mas não se pode fazer um homem com outro homem.
Por que é que não pode fazer?
Porque há uma certa igualdade entre os homens. Eles têm a mesma natureza humana e, portanto, um homem não pode sujeitar um outro homem a certas coisas que pode sujeitar um animal. Portanto, uma certa igualdade está na doutrina da Igreja.
Uma certa fraternidade. Muito mais do que uma certa fraternidade, os homens podem se dizer irmãos, porque descendem de Adão e Eva. Mas nós nos dizemos irmãos a um título muito mais elevado: é o fato de que nós somos irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo, somos irmãos em Nossa Senhora que é nossa Mãe. Isto é um título muito mais elevado, não tem comparação. E que convida e obriga a provas de dedicação, de abnegação, muito maiores do que simplesmente dois pagãos entre si.
Agora, a questão é que a Revolução Francesa – mentirosa como o demônio – empregava essas formas no sentido radical que então é errado.
Então, liberdade qual é? Não há mais leis, e ninguém obedece a nada.
Igualdade o que há? Não há mais governos, e todo mundo faz o que entende.
Fraternidade o que é que é? É um princípio pelo qual mandar em outro e fazer lei para um outro é falta de fraternidade.
Forma uma cinta, uma fivela de erros brutais: é a IV Revolução! A IV Revolução é isso! A Sorbonne foi isso! Um dos cartazes que tinha na revolução da Sorbonne era: “É proibido proibir!”
Dom Casaldáliga, Bispo aqui de São Félix do Araguaia, tem um livro que eu refutei num outro livro, em que ele diz que queria acabar com todas as cercas da terra, acabar com todas as paredes e muros de terra, para tudo ficar comum para todos, que é o que ele queria. É o comunismo!
E a Igreja nos ensina que deve haver uma hierarquia, que deve haver um governo, que todo governo legítimo tem uma autoridade que vem de Deus, e que precisa ser obedecido, porque Deus quis que houvesse governos entre os homens etc., etc.
Deus estabeleceu hierarquia até entre os Anjos que entre os anjos não há a liberdade criminosa, celebrada, da Revolução Francesa, porque todos fazem continuamente a vontade de Deus. Os menores obedecem aos maiores etc., e há hierarquia, há autoridade.
Os anjos maiores mandam nos menores, e mandam muito mais até do que um homem manda num outro na terra. Porque nós, homens, somos todos da mesma natureza. Mas os anjos são tais que cada anjo é único, e cada anjo tem sobre o anjo que vem depois uma autoridade que é uma autoridade porque Deus dá – é uma autoridade que ele tem, porque ele é superior ao outro por sua natureza e o outro nem tem força para se opor a ele, porque é de uma natureza tão mais alta que nem tem força para se opor.
Bem, então, o espírito da Igreja Católica, o espírito da Corte celeste, como nós seremos no Céu, ocupar os lugares que os demônios deixaram vazios, esse espírito é oposto ao espírito da Revolução Francesa.
A Revolução Francesa quer chegar ao “non serviam” [não servirei] de satanás.
E o brado da Contra-Revolução é o “Quis ut Deus?” de São Miguel. Quem é como Deus?! Deus mandou, tem que obedecer. Quem são vocês para desobedecerem etc. E daí “praelio magno factum est in coeli – uma grande guerra, uma grande batalha se engajou no céu”. E São Miguel Arcanjo mandou a canalha toda para baixo, pela força de Deus. Deus deu a ele força para dominar os outros, os anjos rebeldes etc., que foram mandados embora.
Agora, como tal, nós devemos entender que o demônio quer pôr o reino dele na terra para que?
Para que os homens todos violem o mais possível os Mandamentos de Deus. Porque onde não há autoridade, onde não há lei; os maus instintos estão debandados, é evidente. Onde os maus instintos estão debandados o pecado não tem punição. E onde o pecado não tem punição ele se torna frequente, se torna fácil, torna atraente, porque não acontece nada!
Então, o homem, por exemplo, tem vontade de matar o outro, mas como não há purgação, ele mata, e deixa aquele cadáver lá no chão e vai embora. E como o outro tem vontade de agredir o outro, agride. E todos os crimes ficam livres…
E é para isto que a Revolução Francesa quis conduzir, para isto que nasceu (da Revolução Francesa) a Revolução Russa, que é um passo enorme nesse sentido.
E da Revolução Russa está se gerando a IV revolução, a revolução de Gorbachev, que é a Revolução da autogestão.
O que é que vem a ser essa autogestão?
Gestão. Quem diz “gestão” diz dirigir, diz direção. Por exemplo, gerente é aquele que tem a gestão. Gerente de uma loja, é aquele que tem a gestão de uma loja. Vem do latim “gerem” etc.
Então, a autogestão é que cada qual tenha a gestão de si mesmo. A gerência de si mesmo.
Em que condições?
Os autores da autogestão, os escritores da autogestão deixam isso bem claro. Deve haver grupos humanos pequenos e não grandes cidades. As grandes cidades devem acabar. Deve haver grupos humanos pequenos e nesses grupos humanos pequenos tudo é comum, inclusive as mulheres e os filhos.
Também os bens, todos trabalham, têm uma certa extensão para trabalhar, e o produto do trabalho de todos vai para todos, quer dizer, vai para uma comissão que distribui. Eu não posso, portanto, dizer: “eu plantei, eu vou comer”. Não. “Eu plantei e todos vão comer.”
Agora, o que é que acontece? Que nesse princípio que “eu plantei e todos vão comer”, se eu plantar menos, o que eu poupo de esforço não traz como consequência que eu coma muito menos. Não sei se está claro isso? De onde então eu perco o estímulo de trabalhar.
Porque se todo o fruto de meu trabalho vai para eu comer, se eu tenho fome, eu tenho que trabalhar muito para comer. E trabalho. Mas se eu planto uma cenoura, dá uma cenoura desse tamanho… e dessa cenoura desse tamanho, eu vou comer quando muito um pedacinho assim… No fundo eu posso dizer: “eu acho tão cacete plantar cenoura, que a cenoura vai sair menor porque eu não tenho interesse nisso. Porque meu pedacinho, se a cenoura sair menor, ao invés de ser assim… é assim. Não vale o trabalho que eu tenho de plantar cenouras. Então está acabado! Vão plantar batatas! Não me interessa mais nada!”
E dá na pobreza de todos, que é o que eles querem. É preciso notar bem isso! Eles têm a ideia de que o homem deve ser pobre, e que o que ele deve ter de recursos é apenas o necessário para não morrer de fome. Fora disso é abuso, é ser “pai da vida”, é um tipo inútil! Que não serve para nada!
Então, ele deve só querer o necessário para não morrer de fome, e o resto o que é que é? Não tem resto! Porque ninguém faz mais do que o necessário para não morrer de fome.
E isto – dizem eles – é ascese. Os senhores sabem qual é o resultado? As pessoas deixam de ser gulosas. Então, para que as pessoas não sejam gulosas, todo mundo tem que viver nos limites da fome.
Depois, tratamentos, tratar de gente doente: “para que tratar de gente doente? Eles consomem mais do que os que produzem. Para que ter um doente? Acaba com o doente!”
Os senhores já conhecem essa teoria da eutanásia, não é?
Quando o velho fica muito belho, não adianta mais conservar o velho, mata o velho… Mas acontece que, então, quando um moço, por exemplo, sofre um desastre de automóvel e fica paralítico das pernas e dos braços, não podem mais tratar nada. Mata o moço! Do que é que adianta? Então, o Estado condena à morte o velho, condena à morte o moço que ficou aleijado, que ficou cego, que ficou qualquer coisa assim, condena à morte porque são uns inúteis.
Não condena os assassinos, porque é proibido proibir o assassinato. Mas condena os pobres coitados que cometem o único “crime” que há, que é de comer sem produzir…
É uma lógica de louco. Mas dentro da loucura, partindo de uns pressupostos de louco, tem lógica.
Bem, e o que eles acham de Deus?
Não tem Deus. Por quê? Porque não pode ter! Havendo um Deus, Ele é infinito e manda em nós. Mandando em nós, não há liberdade, nem igualdade, nem fraternidade. Portanto, não há Deus.
Ou… ou… eles vem com outra cantiga – não me consta que eles já tenham saído com esta, mas está todo trilho preparado para o trem continuar por aí, o trem da ignomínia -, é o seguinte:
Há Deus. Mas há dois deuses. Houve um combate antigamente entre dois deuses, e um Deus dominou o outro e jogou o outro numa jaula de tormentos. Mas esse outro, que vocês católicos chamam demônio, é bom, é sofredor, é doce, e haverá um dia em que ele terá tantos partidários entre os homens, que se revoltará contra o Deus que está em cima. E aí virá o reinado do outro “Deus”.
E aí, se fosse possível realizar esse reinado do outro “deus” – não é possível, Deus não permitirá –, mas se fosse possível, o resultado seria que aí não haveria nem liberdade, nem igualdade, nem fraternidade. É morte para todo mundo que não acreditar e não adorar o demônio. O trilho chega até lá! Essa é a Revolução Francesa no seu espírito, na sua tinta!
Bem, o que é a Contra-Revolução? A Contra-Revolução como a TFP a vê, como ela a delineia, descreve no livro “Revolução e Contra-Revolução”?
É uma organização que dá o brado que é o brado de São Miguel Arcanjo: “Quem como Deus?” E que puxa o gládio da polêmica, o gládio da discussão para impedir que os partidários desse deus das trevas, deste deus de fancaria e de mentira, que não é deus nenhum, os partidários dele vençam no mundo.
E esse é o choque colossal da Revolução e Contra-Revolução, no qual choque nós temos um papel análogo ao dos anjos.
Isso é, meu caro Eduardo, em duas palavras o assunto da Revolução e Contra-Revolução.
Não sei se querem me perguntar alguma coisa sobre isso?
[pergunta inaudível]
Naquele tempo não havia imprensa e o boato era “rei”. Eles imprimiam uns jornaizinhos pequenos que circulavam pouco. O boato era “rei”.
Eles organizaram uma máquina para difundir boatos, quer dizer, não é máquina-máquina, é organizações para difundir boatos. Essas organizações para difundir boatos iam espalhando boatos cada vez mais terríveis para pegar uma minoria de revoltados e de gente maluca, e fazer com eles uma organização.
Essa organização clandestina tinha certamente apoio da polícia, que era dominada pela maçonaria e traía a realeza. E os próprios “tiras” da polícia, os próprios secretas etc., que a polícia já tinha, ganhando dinheiro do rei para viver, trabalhava contra o rei.
Então, eles foram espalhando boatos sucessivos a respeito do rei e da rainha, que eram de que o rei e a rainha, para manter o luxo de Versailles, queriam empobrecer o povo; e que então não havia grãos, não havia trigo, não havia comida e o abastecimento faltava. Mas que em Versailles o pessoal continuava na festa, e dançando, naquelas despesas etc., etc. E que o povinho levava uma vida pavorosa.
Para dar crédito ao povo, eles mandaram cortar as estradas das províncias que forneciam trigos, as províncias que forneciam uvas para vinho etc., etc., todo o abastecimento de Paris, eles mandaram cortar as barreiras. E como não tinha jornal, não tinha nada disso, ninguém podia saber. Isso não era publicado, todo mundo acreditava no que se contava. E eles diziam que era o interior que estava pobre porque a França estava mal administrada pelo rei.
Por quê? Porque o rei não prestava atenção, porque era o povo, era a plebe que estava com fome, e que ele era o rei nobre, excelso e que não prestava atenção na ralé. E a rainha estava gastando cada vez mais, os irmãos do rei, todo mundo no luxo cada vez maior… E então, começava o povo a sofrer miséria.
E eles iam a Versailles, que fica a pouca distância de Paris, e viam aquela sobra, aquela fartura. Por quê? Porque para Versailles levavam tudo, e de Paris tiravam tudo.
De maneira que Versailles ignorava isso. A polícia não avisava ao rei que estava acontecendo isso, e o rei estava despreocupado. Em Versailles eles tinham mesmo tudo.
Em Versailles, no parque, no castelo em que todo mundo podia entrar durante o dia, dias de sábado e domingo, tinha gente que dizia: “Olha lá o luxo daquela! Olha aquele brilhante que está no chapéu daquele homem! Olha não sei o que, não sei o que! Está vendo? Isto foi comprado do joalheiro com seu dinheiro! Você está sem pão por causa disso. Seu filhinho morreu outro dia sem remédio, mas é porque você não tinha dinheiro. E não tinha dinheiro porque não tem trabalho, e não tem trabalho porque eles compram coisas dessas para se enfeitarem, eles desprezam vocês etc.
Isso foi espalhado intensamente. E o rei e a rainha não sabiam. A corte estava alheia a isso.
Eram também muito imprevidentes, eram muito superficiais, eram muito levianos e não faziam uma análise séria da situação.
O rei tinha inclusive os princípios de Fénelon [* vide explicação no final, n.d.c.], os princípios criminosos – poderia quase dizer isto – de Fénelon, o rei tinha. De maneira que ele era otimista, achava que tudo estava bem etc. Com isso eles foram preparando motins em Paris, revoltas em Paris.
E acabou com a ideia de que, se o rei estava na fartura e eles sofrendo fome em Paris, obrigando o rei a ir para Paris, eles obrigariam o rei a prestar atenção na situação e a resolver.
E obrigaria a tudo que ia atrás do rei, tomadas e tudo, entrar para Paris também, e viravam a situação. E levaram o rei preso.
No meio da efervescência dessas coisas começam os boatos, começa a queda da Bastilha, porque na Bastilha havia “vítimas” do rei, era preciso portanto acabar com a Bastilha! Essas coisas todas ao infinito! E um mare magnum de boatos, mare magnum de calúnias a que umas atitudes da rainha davam fundamento.
Porque a Rainha, sendo embora uma pessoa da qual nunca se fez uma acusação de adultério, quer dizer, fez-se a acusação, mas falsa, nenhum historiador admite que ela praticasse adultério, entretanto era muito leviana, ela ia à noite em Paris, num carrinho ligeiro, ao invés de ir com toda pompa da rainha. Ela não gostava, ela gostava de levar uma vida…
Mas a questão é que a pompa protegia a moralidade da rainha. A rainha não podendo sair senão com destacamentos da cavalaria, gente tocando corneta, indo num coche dourado, com gente com tochas acesas etc., todo mundo sabia onde ia a rainha.
E como essa rainha começa a sair com vestido comum, em carro comum, para andar correndo por Paris, é o paraíso da calúnia: “onde é que foi essa rainha? Por que é que ela escondeu a pompa dela? Ela mesma não toma a sério o papel dela. Que mulher é essa? etc., etc.”
Depois, ela era austríaca. O choque entre a França e a Áustria era de séculos.
A Áustria dirigia o mundo alemão, e a Alemanha e a França sempre tiveram fricções. É uma coisa que qualquer um sabe.
A Espanha foi muito tempo governada por príncipes da Casa D’Áustria, também pressionava a França. Naturalmente os franceses detestavam a Áustria. E os austríacos não gostavam muito da França. Era o que todo mundo sabia.
Boato: “ela espiona os segredos de Estado e manda para a mãe dela que é a imperatriz na Áustria, para trair a França.”
Esse conjunto todo de boatos criou uma situação em que eles, que não tinham nem se quer jornais para se justificar, não tinham nada, ficaram como mudos diante de um mundo de gente que os ataca.
Bem, então, a ideia do rei: “como não há senão um enorme equívoco nisso, vamos ceder para eles ficarem contentes”. Cede, cede, cede e cai tudo no lixo! Foi o que aconteceu.
Os senhores dirão: “Mas que grande coisa é a imprensa que impede essas calúnias…”
É… sempre que ela não é o veículo dessas calúnias, impede, não é? Mas nós sabemos conosco, o que é o trabalho da imprensa que nos tem caluniado… Quer dizer, a imprensa seria boa se ela estivesse em outras mãos. Mas ela está nas que nós sabemos… imprensa, a mídia em geral, rádio, a televisão etc., sabem de tudo isso.
(Pergunta: Como é que o senhor teria agido se o senhor estivesse lá nessa ocasião?)
Eu teria feito uma coisa… a gente vê que não passou pela cabeça deles – que é simples como o “ovo de Colombo”: eu teria mandado uma pessoa de toda minha confiança, emissário, ao Papa, com um relatório de toda a situação, dizendo a ele o seguinte:
“Eu descubro essa trama toda, e só tenho um jeito: é se Vossa Santidade mandar ordem ao clero católico para ir desmentindo essas coisas de acordo com o que eu for indicando. Eles vão ao púlpito, e nas Missas, nas cerimônias religiosas eles desmentem. Mais ainda: fazem procissões nas ruas, em que a procissão para a cada dez quarteirões, qualquer coisa assim, e um homem vestido de padre, um padre sobe numa espécie de púlpito ambulante e declara: “isto é errado! Eu anuncio isso da parte do rei, por ordem do Papa, não acreditai etc., etc.” Em pouco tempo estava reduzido a zero.
Mas diria ao Papa: “eu [Luís XVI] vou mandar cópia desta carta a todos os reis da Europa. E se as ordens que Vossa Santidade mandar forem insuficientes, ou não vierem ordens, eu direi a todos os reis da Europa que foi a omissão de Vossa Santidade que causou essa situação. Agora, não pense que isso vai ficar impune, porque eu tenho exército valoroso e saberei o que fazer dele.”
E teria feito o que ele [Luís XVI] deveria fazer. Ele tinha o exército com tropas inteiramente fiéis, municiadas etc., a pouca distância dele – mais de uma vez ele pode fugir até o exército, não fugiu porque não quis, por “fenelonismo”.
Eu sou o anti-Fenelon por excelência, eu teria capitaneado o exército, entrava à frente dos exércitos em Paris, chamava a polícia e dizia: “Vocês todos vão responder a um inquérito militar: por que é que não me avisaram dessa situação?
“E quem não se explicar bem, vai preso com algemas nas mãos e nas pernas, servir na Guiana francesa. Ou será morto aqui. E os que forem condenados à morte aqui vão ser executados na minha presença, na praça pública que fica em frente à Igreja Notre-Dame. E prazo para isso é tal dia assim. E não tem juiz para julgar isso, porque estão metido no negócio. É militar que vai julgar!
A coisa teria corrido no extremo oposto…
Eu me inspiraria não em Fénelon, nem nessa corja toda, mas em São Miguel! Quis et Deus?!
E mandava a todos os soberanos da Europa a prova da conspiração, e a prova da culpabilidade deles, dizendo: “vede em vossos reinos, em vossas terras, se não há coisa igual. Porque temos que estripar essa praga no mundo inteiro.”
É assim!
(*) Nota: François de Salignac de La Mothe-Fénelon (1651-1715) foi um teólogo católico, Arcebispo, poeta e escritor francês, cujas ideias liberais e utópicas sobre política e educação influenciaram profundamente a mentalidade de importantes personalidades da nobreza francesa, inclusive de Luís XVI. Este último se empenhou em aplicar na política os estilos fenelonianos, ou seja, realizando uma monarquia que os franceses qualificaram de “monarchie de Bisounours”, ou seja, uma monarquia de muita ingenuidade, de excessiva bondade, de um otimismo estúpido, em uma perpétua decalagem com a realidade, e que desfechou na difusão de numerosos erros doutrinários, com o consequente derramamento de tanto sangue inocente na França, mas também em muitas outras partes do mundo.