“Santo do Dia”, 17 de Março de 1967 (1)
A D V E R T Ê N C I A
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.
A Santísima Virgen ama tanto a alma de cada um individualmente, que ainda que houvesse um só para ser salvo por aquele período de dores, Ela aceitaria que o Filho d’Ela passasse por aqueles tormentos para salvar essa alma.
A respeito das dores de Nossa Senhora, basicamente pode-se dizer o seguinte: engana-se quem pensa que Ela teve na vida apenas um episódio de dor, no momento supremo da Paixão de seu Divino Filho. Não foi este um momento único, embora tenha sido a maior dor que jamais se tenha sentido no universo, abaixo da dor insondável de Nosso Senhor Jesus Cristo em sua humanidade santíssima. Foi uma dor tão grande, que recapitulou todas as dores do universo e tudo quanto os homens sofreram desde a queda de Adão e sofrerão até o último momento em que haja homens na Terra.
Nosso Senhor Jesus Cristo foi chamado pelo profeta Isaías de Vir Dolorum (Is 53, 3) [Varão das Dores]. A Paixão de Nosso Senhor não foi um fato isolado na sua vida, mas foi o ápice de uma seqüência enorme de dores, que começaram desde o primeiro instante de seu Ser e foram até o momento em que, com um dilúvio de dores, Ele exalou o terrível Consummatum est (Jo 19, 30) [Tudo está consumado].
Ela começou a sofrer já antes de saber que seria a Mãe de Deus. Tendo sido concebida sem pecado original, pensava e tinha profundo conhecimento de tudo que se passava.
Nossa Senhora, sendo um espelho da Sabedoria e da Justiça, reflete em si tudo quanto é de Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, pode-se afirmar que Ela foi a Mulier Dolorum, a Dama das Dores. Teve a sua vida inteira invadida pela dor. Foi no entanto uma dor proporcional às forças incalculáveis que a graça lhe dava.
Como dor imposta pela Providência, por mais lancinante que tenha sido, não era dessas dores que põem tudo em turbulência, em provação, e que devastam uma alma. Eram dores imensas, mas muito arquitetônicas, sábias, e recebidas com uma serenidade de alma admirável. Na suprema amargura, conservava a paz. Assim, também de Nossa Senhora pode-se dizer que estava em paz em meio a uma amargura suprema.
No meio de um oceano de dores, tudo era equilibrado, raciocinado, carregado com amor e equilíbrio de alma incomparável, sem super-emoções, embora com uma quase infinitude de sentimentos. Sem torcidas, sem pânicos, mas com muito medo, muita angústia; e, nos momentos devidos, com um peso de dor que chegava quase a estraçalhar.
Durante a vida inteira, Nossa Senhora foi uma grande sofredora, mas teve também alegrias ao longo da vida inteira. Todas as alegrias do mundo –– desde o primeiro instante em que o homem nasceu no Paraíso terrestre até o último momento em que haja homens na Terra, todas elas somadas –– não se comparam às grandes alegrias da Santíssima Virgem. Essas dores e alegrias entrelaçaram-se continuamente. Ela vivia suportando o fardo das mais tremendas dores, e ao mesmo tempo aliviada pelas mais admiráveis alegrias.
Quais foram as dores de Nossa Senhora?
Fundamentalmente, Ela começou a sofrer já antes de saber que seria a Mãe de Deus. Tendo sido concebida sem pecado original, pensava e tinha profundo conhecimento de tudo que se passava. E tinha pela glória de Deus um zelo tal, que daria mil vidas para evitar um pecado mortal. Entretanto passava pela dor tremenda de ver a humanidade inteira inerte no pecado. Mais do que isto, Ela viu os pecados que se cometeriam por ocasião da vinda do Messias e os que viriam depois do Messias até o fim do mundo. E esses pecados causavam-lhe um tormento do qual simplesmente não temos idéia. Santo Inácio de Loyola disse que, se ele tivesse que passar a vida inteira de sofrimentos simplesmente para evitar que se cometesse um só pecado mortal, daria por bem empregados todos os sofrimentos de sua existência, de tal maneira o pecado mortal é um mal insondável.
Mas se esse santo pensava assim, o que pensava Nossa Senhora, diante da qual o maior santo é menos do que uma gota de água comparada a todos os mares? A santidade de Nossa Senhora não tem proporção com nada. Nós não podemos fazer o cômputo da desproporção entre a santidade de Maria Santíssima e a de todos os anjos e santos reunidos. Então, que tormentos isso seria para Ela?
Depois Ela recebeu a notícia magnífica de que seria a Mãe do Verbo Encarnado. Pode-se imaginar a alegria que Ela teve em adorar o Deus encarnado, no primeiro momento em que O concebeu por obra do Divino Espírito Santo. Mas também se pode imaginar a dor, pensando nos sofrimentos inenarráveis que seu Divino Filho padeceria.
Pode-se imaginar a alegria que Ela teve em adorar o Deus encarnado, no primeiro momento em que O concebeu por obra do Divino Espírito Santo. Mas também se pode imaginar a dor, pensando nos sofrimentos inenarráveis que seu Divino Filho padeceria.
Desde a infância de Nosso Senhor até sua morte na cruz
Nossa Senhora passa pelas dores na infância do Menino Jesus, depois pela dor da separação d’Ele. Mais tarde começam os milagres operados por Ele, começam as vitórias d’Ele — é o momento da alegria. Mas, pouco depois, começa a ingratidão dos homens. Começa a se preparar a tempestade das injustiças que levaram Nosso Senhor até a Crucifixão. Ela vai sofrendo com tudo isso. Por exemplo, considerando a ingratidão de que Ele era vítima por toda parte.
No momento da Paixão, Ela vê tudo o que Nosso Senhor sofreu, em cada transe, e sofreu junto. Se há santos e santas que desmaiaram ao terem a revelação do que Nosso Senhor sofreu na Paixão, como avaliar o que seria para Nossa Senhora o mínimo episódio da Paixão?
Afinal, vendo seu Filho no alto da cruz, as dores de Nossa Senhora atingem o inenarrável. Ela fica nessa alternativa: de um lado, desejar que Ele morra logo, para diminuir as dores; de outro lado, desejar que a vida d’Ele ainda se prolongue, porque toda mãe deseja prolongar a vida de seu filho; mas também devido à idéia de que assim Ele sofreria mais, e seria melhor para a remissão dos pobres pecadores. Ela adere à Paixão, adere ao prolongamento desse sofrimento, e mantém o propósito de concordar em que Nosso Senhor seja imolado.
Aceitação do sacrifício da cruz pela salvação das almas
Ela ama tanto a alma de cada um individualmente, que ainda que houvesse um só para ser salvo por aquele período de dores, Ela aceitaria que o Filho d’Ela passasse por aqueles tormentos para salvar essa alma.
A Santíssima Virgem desejava tanto a salvação de nossas almas, que aceitou que seu Filho passasse por tudo aquilo, pela alma de cada um de nós. Ela ama tanto a alma de cada um individualmente, que ainda que houvesse um só para ser salvo por aquele período de dores, Ela aceitaria que o Filho d’Ela passasse por aqueles tormentos para salvar essa alma.
Imaginem Nossa Senhora vendo todos os tormentos. Por exemplo, a coroa de espinhos penetrar na fronte de Nosso Senhor e produzir lesões nervosas, fazendo todo o corpo estremecer no meio de todas aquelas dores; a coroa de espinhos chegando a atingir os olhos sagrados d’Ele; na Cruz, os braços d’Ele semi-separados dos ombros; a sede tremenda; o sangue que escorria de todos os lados; a febre altíssima; os estertores de todo o corpo contorcido pela dor.
Ela sabia de tudo isso, media tudo isso, entretanto aceitava tudo. Desejava que fosse assim. Era como que um sacrificador, um sacerdote que imola a Vítima Divina no alto do Calvário. Ela queria que aquilo fosse assim, pois se era este o preço para salvar uma alma, Ela queria que o Filho d’Ela sofresse o que estava sofrendo.
Aqui está a grandeza de Nossa Senhora. Não tanto na enormidade das dores que Ela sofreu, mas por ter desejado sofrer o que sofreu. Ela quis que o Filho d’Ela fizesse esse sacrifício tremendo e admirável por amor a cada um de nós, porque Deus quis sacrificar por amor de nós o seu Filho Unigênito.
Na Semana Santa, minha primeira preocupação deve ser a de pensar na minha alma. Pensar sem temor, sem pânico, porque Deus é o Pai de Misericórdia e Nossa Senhora é a Mãe e canal de todas as misericórdias. Pensar com seriedade, pensar a fundo. Colocar-me diante do Sangue de Cristo que corre, avaliar o que fiz desse sangue
Eu tenho idéia do que tem sido a minha ingratidão?
A Semana Santa está se aproximando, e é o momento de fazermos uma reflexão a esse respeito. Cada um deve se colocar sozinho diante do Crucifixo, diante da imagem de Nossa Senhora das Dores, e esquecer o mundo inteiro. Diante de Deus, fazer esta pergunta: eu tenho consciência do que custou a minha salvação? Tenho idéia das dores que custaram as graças todas que tenho recebido? Tenho idéia de que, no alto da Cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo pensou nominalmente em cada homem, desde o começo até o fim do mundo? E que, portanto, eu passei pela mente divina d’Ele, com pensamento de misericórdia, de bondade e de salvação?
Ele viu a minha alma, viu minha pessoa. Ele amou o meu ser, criado por Ele, e se imolou num ato de amor, porque quis minha salvação. Tenho idéia de que a minha salvação custou tudo isso? Tenho idéia do modo pelo qual eu tenho correspondido a isso? Tenho idéia do que tem sido a minha ingratidão? Quantas faltas cometidas, muitas vezes por imprudência, simplesmente porque não quis evitar uma ocasião de pecado, porque eu não quis fazer uma pequena mortificação! Pecando, peguei o Sangue de Cristo e o joguei na sarjeta. Sangue derramado por mim, e mesmo assim eu me pus em condições de perdição. E Deus ainda me tolerou nesta vida, me suportou e me esperou com outras graças novas, ainda maiores do que aquelas graças que eu tinha recebido.
E agora estou mais uma vez no momento da Semana Santa, uma ocasião de graças. O flanco de Nosso Senhor Jesus Cristo está aberto, jorrando misericórdia para mim e chamando-me à contrição, à penitência, à reconciliação magnífica com Ele. Há uma efusão de bondade e de carinho, como eu jamais poderia imaginar. Na Semana Santa, minha primeira preocupação deve ser a de pensar na minha alma. Pensar sem temor, sem pânico, porque Deus é o Pai de Misericórdia e Nossa Senhora é a Mãe e canal de todas as misericórdias. Pensar com seriedade, pensar a fundo. Colocar-me diante do Sangue de Cristo que corre, avaliar o que fiz desse sangue.
“Que utilidade houve no meu sangue?”
Nosso Senhor fez esta pergunta, e foi um dos maiores sofrimentos d’Ele: Quae utilitas in sanguine meo? Em última análise, do que adianta o meu sangue? Ele pensou em tantas almas que haveriam de pisar no sangue d’Ele. Levianamente, estupidamente, por uma ninharia, por uma bagatela. Por uma risada de criada, como no caso de São Pedro. Por trinta dinheiros, como Judas. Por preguiça, por vontade de dormir, como os outros Apóstolos. Por medo, por oportunismo, por sensualidade, por quantas coisas as almas haveriam de rejeitá-lo!
Nosso Senhor teve em vista a nossa época, e Nossa Senhora também. Ele teve em vista todas as traições de nossos tempos, todos os abandonos, tudo quanto as almas sacerdotais O fizeram sofrer. Se o pecado de qualquer homem tanto fez Nosso Senhor sofrer, quanto o faria sofrer o pecado dos próprios membros da Santa Igreja?
David, no Livro dos Salmos, tem esta queixa em relação a um que lhe fez mal: “Se o ultraje viesse de um inimigo, eu o teria suportado; se a agressão partisse de quem me odeia, dele me esconderia. Mas eras tu, meu companheiro, meu íntimo amigo, com quem me entretinha em doces colóquios; com quem, por entre a multidão, íamos à casa de Deus”. (Sl 54, 13-15).
Tudo de nossa época foi visto por Ele, mas visto também com amor. Pelo fruto desse sangue infinitamente precioso, haveria de brotar uma graça especial para alguns que são tão ruins quanto os outros — e às vezes piores do que os outros, mas que, por essa graça especial, foram chamados para serem fiéis nessa hora de infidelidade –– para serem aqueles que estão junto à cruz, como São João Evangelista, junto à ortodoxia, junto à verdadeira doutrina, na hora em que todo o mundo a abandona. São aqueles que compreendem o martírio da Igreja, a tragédia da Igreja corroída internamente pelo progressismo e entregue aos seus piores adversários. Esses foram chamados para lutar por Ela, para compreender sua dor, meditar sobre essa dor e viver essa dor — a dor da Santa Igreja Católica Apostólica Romana em nossos dias.
NOTAS:
[1] Extratos de conferência do Prof. Plinio a sócios e cooperadores da TFP. Resumo e adaptação para linguagem escrita pela revista “Catolicismo” Nº 687 de março de 2008, não revisto pelo autor.