Do coração das mães ao coração dos filhos: Dona Lucília Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira (* 22-4-1876 + 21-4-1968)

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O Cruzado do século XX – Plinio Corrêa de Oliveira, Roberto de Mattei, Editora Civilização, Porto, 1997

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Os pais de Plinio, Dr. João Paulo Corrêa de Oliveira e Dona Lucília Ribeiro dos Santos

Lucília Ribeiro dos Santos (61), mãe de Plínio, nasceu em Pirassununga, São Paulo, a 22 de Abril de 1876, sendo a segunda de cinco filhos. A sua infância transcorreu num ambiente doméstico tranquilo e aristocrático, iluminado pela figura dos pais António (1848-1909), um dos melhores advogados de São Paulo naquela época, e Gabriela (1852-1934). Em 1893, a família transferira-se para São Paulo, residindo num palacete no bairro dos Campos Elíseos. Aqui, com trinta anos de idade, Lucília conhecera e desposara o advogado João Paulo Corrêa de Oliveira (62), oriundo de Pernambuco, no Nordeste brasileiro e que se mudara para São Paulo, talvez por sugestão do tio, o Conselheiro João Alfredo.

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Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira, tio-avô de Plinio e presidente do Conselho de Ministros do Império, autor da célebre lei Áurea que, em 1888, aboliu a escravidão no Brasil.

Quando esperava o nascimento de Plínio, o médico anunciou a Dª Lucília que o parto iria ser arriscado e que provavelmente ela ou o menino morreriam. Perguntou-lhe se não preferiria que lhe praticassem o aborto, para não arriscar a própria vida. Dª Lucília de modo tranquilo, mas firme, respondeu: “Doutor, esta não é uma pergunta que se faça a uma mãe! O Sr. nem deveria sequer tê-la cogitado!” (63) Este acto de heroísmo reflecte bem o que foi a sua vida inteira.

Da. Lucília tendo aos braços Plinio

“A virtude – escreve Mons. Trochu – passa facilmente do coração das mães ao coração dos filhos” (64). “Educado por uma mãe cristã, corajosa e forte – escreveu o Padre Lacordaire da sua mãe – a religião tinha passado do seu seio para mim, como um leite virgem e sem amargura” (65).

Em termos análogos Plínio Corrêa de Oliveira atribuiu a Dª Lucília o cunho espiritual que desde a infância selou a sua vida:

A minha mãe ensinou-me a amar Nosso Senhor Jesus Cristo, ensinou-me a amar a Santa Igreja Católica” (66). “Eu recebi dela, como algo que deve ser tomado profundamente a sério, a Fé Católica Apostólica Romana, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora” (67).

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Imagens na igreja do Sagrado Coração de Jesus, na capital paulista

Numa época em que Leão XIII havia exortado a colocar no Coração de Jesus “toda a esperança, a pedir-Lhe e esperar d’Ele a salvação” (68), a devoção que caracterizou a vida de Dª Lucília foi a do Sagrado Coração de Jesus, que é por excelência a devoção dos tempos modernos (69). Uma igreja dedicada ao Coração de Jesus erguia-se não longe da casa dos Ribeiro dos Santos (70). A jovem mãe visitava-a todos os dias, levando consigo Plínio e a sua irmã Rosée. Foi aqui, no clima sobrenatural que caracterizava as igrejas de outrora, observando a mãe em prece, que se formou no espírito de Plínio aquela visão da Igreja que o marcou profundamente. “Eu percebia–recordaria Plínio Corrêa de Oliveira- que a fonte do seu modo de ser estava na sua devoção ao Sagrado Coração de Jesus, por meio de Nossa Senhora” (71). Dª Lucília permaneceu sempre fiel à devoção da sua mocidade. Nos últimos anos da sua vida, quando as forças já não lhe permitiam dirigir-se à igreja, permanecia longos períodos em oração, até altas horas da noite, diante de uma imagem de alabastro do Sagrado Coração de Jesus, entronizada no salão principal da sua moradia (72).

As notas dominantes da alma de Dª Lucília eram a piedade e a misericórdia. A sua alma caracterizava-se por uma extraordinária capacidade de afecto, de bondade, de amor materno, que se projectava para além dos dois filhos que a Providência lhe deu.

“Ela possuía uma enorme ternura – dizia Plínio Corrêa de Oliveira – foi afectuosíssima como filha, afectuosíssima como irmã, afectuosíssima como esposa, afectuosíssima como mãe, como avó e mesmo como bisavó. Ela levou o seu afecto até onde lhe foi possível. Mas, eu tenho a impressão de que alguma coisa nela dá a nota tónica de todos esses afectos: é o facto de ela ser, sobretudo, mãe! Ela possui um amor transbordante não só para com os dois filhos que teve, como também para com filhos que ela não teve. Dir-se-ia que ela era feita para ter milhões de filhos, e o seu coração palpitar do desejo de conhecê-los” (73).

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Quem não conheceu Dª Lucília pode intuir a sua fisionomia moral por meio de algumas expressivas fotografias e através dos numerosos testemunhos dos que a recordam nos últimos anos da sua avançada idade (74). Ela representava o modelo de uma perfeita dama, que teria encantado um São Francisco de Sales à procura da figura exemplar que imortalizou com o nome de Filotéia (75). Pode-se imaginar que Dª Lucília educasse Plínio no espírito daquelas palavras que São Francisco Xavier dirigiu certa noite ao seu irmão, quando o acompanhava a uma recepção: “Tenhamos boas maneiras, ad majorem Dei gloriam”.

A perfeição das boas maneiras é o fruto de uma ascese que só se pode alcançar com uma educação aprimorada através de séculos ou com um exímio esforço de virtude, tal como se pode encontrar com frequência nos conventos contemplativos, nos quais se ministra às jovens noviças uma educação que, sob este ponto de vista, se poderia considerar régia. Além disso, o homem é feito de corpo e de alma. A vida da alma manifesta-se de forma sensível através do corpo, e a caridade exprime-se em actos externos de cortesia. A cortesia é um rito social alimentado pela caridade cristã, que também se ordena à glória de Deus. “A cortesia é para a caridade o que a liturgia é para a oração: o rito que a exprime, a acção que a encarna, a pedagogia que a suscita. A cortesia é a liturgia da caridade cristã” (76).

Lucília Ribeiro dos Santos encarnava o que de melhor havia no espírito da antiga aristocracia paulista. Na cortesia da sua mãe, expressão da sua caridade sobrenatural, o jovem Plínio via um amor à ordem cristã levado às suas últimas consequências e uma repulsa igualmente radical pelo mundo moderno e revolucionário. Desde então, as maneiras aristocráticas e a afabilidade no trato foram uma constante da sua vida. Plínio Corrêa de Oliveira, que nos seus modos fazia lembrar o Cardeal Merry del Val, o grande Secretário de Estado de São Pio X, célebre pela sua humildade de alma e a perfeição das suas maneiras, sabia proceder magnificamente em sociedade. A sua compostura era exemplar, a sua conversação inesgotável e fascinante.

A Providência dispôs que estas qualidades se alimentassem e renovassem num convívio quotidiano que se prolongou até 1968, quando Dª Lucília morreu, aos 92 anos de idade.

Notas:

(61) Sobre esta extraordinária figura remetemos para a biografia citada de J. S. CLÁ DIAS, com um prefácio do Padre Antonio ROYO MARÍN O.P. “Trata-se – como escreve este último – de uma autêntica e completíssima Vida de Dona Lucília, que pode equiparar-se às melhores `Vidas dos Santos’ aparecidas até hoje no mundo inteiro” (ibid., p. 11).

(62) João Paulo Corrêa de Oliveira, nasceu em 1874, morreu em São Paulo em 27 de janeiro de 1961. Mais que da figura do pai, a quem foi ligado por um longo e afetuoso convívio, a vida de Plínio Corrêa de Oliveira foi iluminada especialmente pela mãe, assim como Lucília tinha o próprio modelo no pai, António Ribeiro dos Santos.

(63)  J. S. CLÁ DIAS, “Dona Lucília”, cit., vol. I, p. 123.

(64) Cón. François TROCHU, “Le Curé d’Ars”, Librairie Catholique Emmanuel Vitte, Lyon-Paris, 1935, p. 13. De Santo Agostinho, São Bernardo, São Luiz de França, até São João Bosco e a Santa Teresinha do Menino Jesus, é altíssimo o número dos santos que reconheceram na virtude das mães a fonte da própria. Como observa Mons. Delassus, nas origens da santidade frequentemente se encontra uma mãe virtuosa (cfr. Mons. Henri DELASSUS, “Le problème de l’heure présente”, Desclée de Brouwer, Lille, 1904, (2 vol.), tr. it. vol. II, pp. 575-576).

(65) P. BARON, “La jeunesse de Lacordaire”, Cerf, Paris, 1961, p. 39. Cfr. também Geneviève GABBOIS, “Vous êtes presque la seule consolation de l’Eglise”, in Jean DELUMEAU (org.), “La religion de ma mère. Le rôle des femmes dans la transmission de la foi”, Cerf, Paris, 1992, pp. 314-315.

(66) Plínio CORRÊA DE OLIVEIRA, “Un uomo, un’ideale, un’epopea” in Tradizione, Famiglia, Proprietà, n° 3 (1995), p. 2.

(67) J. S. CLÁ DIAS, “Dona Lucília”, cit., vol. III, p. 85. “Havia um aspecto em mamãe que eu apreciava muito: o tempo inteiro, e até o fundo da alma, ela era senhora! Em relação aos filhos, guardava uma superioridade materna que me fazia sentir o quanto eu andaria mal, caso transgredisse a autoridade dela, e como semelhante atitude, de minha parte, lhe causaria tristeza, por ser ao mesmo tempo uma brutalidade e um malefício. Senhora ela o era, pois fazia prevalecer a boa ordem em todos os domínios da vida. Sua autoridade era amena. As vezes mamãe castigava um pouco. Mas mesmo em seu castigo, ou em sua repreensão, a suavidade era tão saliente que confortava a pessoa. Com Rosée, o procedimento era análogo, embora mais delicado, por se tratar de menina. A reprimenda, entretanto, não excluia a benevolência, e mamãe estava sempre aberta a ouvir a justificação que seus filhos lhe quisessem dar. Assim a bondade constituía a essência do senhorio dela. Ou seja, era uma superioridade exercida por amor à ordem hierárquica das coisas, mas desinteressada e afectuosa em relação àquele sobre quem se aplicava” (ibid., vol. II, pp. 16-17).

(68) Leão XIII, Enciclica Annum Sacrum, de 25 de Maio de 1889, in “Le Fonti della Vita Spirituale”, (1964), vol. I, p. 198. A consagração do género humano ao Sagrado Coração, anunciada por Leão XIII na sua Encíclica, ocorreu em 11 de Junho de 1890.

(69) A devoção ao Sagrado Coração está exposta em três magistrais documentos pontifícios: Encíclicas Annum Sacrum (1889) de Leão XIII; Miserentissimus Redemptor (1928) de Pio XI; Haurientis Aquas (1956) de Pio XII. O Seu grande apóstolo no século XIX foi o jesuíta francês Henri Ramière (1821-1884), que difundiu e desenvolveu em todo o mundo a associação “Apostolado da Oração”. No Brasil, o grande propagador da devoção ao Sagrado Coração foi o Padre Bartolomeo Taddei nascido em San Giovanni Roveto, Itália, em 7 de Novembro de 1837. Ordenado Sacerdote em 19 de Abril de 1862, em 13 de Novembro do mesmo ano entrou para o noviciado da Companhia de Jesus e foi destinado ao novo Colégio de S. Luiz de Gonzaga, em Itú, no Brasil. Ali fundou o “Apostolado da Oração” e começou a difundir a devoção ao Sagrado Coração que foi o centro da sua vida. Quando morreu, em 3 de Junho de 1913, o número dos Centros do “Apostolado da Oração”, por ele promovidos em todo o Brasil, ascendia a 1390 com cerca de 40.000 zeladores e zeladoras e 2.708.000 associados. Cfr. Luigi ROUMANIE s.s., “Il P. Bartolemo Taddei della compagnia di Gesù apostolo del S. Cuore in Brasile”, Messaggero del Sacro Cuore, Roma, 1924; Aristide GREVE, S. J., “Padre Bartolomeu Taddei”, Editora Vozes, Petrópolis 1938. Sobre a devoção ao Sagrado Coração cfr. a obra clássica de Auguste HAMON, “Histoire de la dévotion au Sacré-Coeur”, Beauchesne, Paris, 1923-1945, 5 vol. e a obra recente de Francesca MARIETTI, “Il Cuore di Gesù. Culto, devozione, spiritualità”, Editrice Ancora, Milão, 1991.

(70) A igreja do Sagrado Coração, edificada no bairro dos Campos Elíseos, foi construída entre 1881 e 1885, e confiada aos salesianos. O Padre Gaetano Falcone foi por longos anos o estimado Reitor do Santuário. Nesta igreja, em que se destacava na nave lateral direita uma bela imagem dedicada a Nossa Senhora Auxiliadora, desenvolveu-se a devoção do jovem Plínio por Nossa Senhora Auxilium Christianorum de Lepanto e do Santíssimo Rosário.

(71) J. S. CLÁ DIAS, “Dona Lucília”, cit., vol. I, p. 214.

(72) Ibid., vol. III, pp. 91-92. Dª Lucília implorava habitualmente a protecção divina, rezando o Salmo 90 e uma “novena irresistível” ao Sagrado Coração de Jesus (ibid., pp. 90-91).

(73) Ibid., vol . III, p. 155.

(74) J. S. CLÁ DIAS, “Dona Lucília”, cit., vol. II, p. 173. “Entre as suas qualidades estava o contínuo senso da oposição inconciliável entre o bem e o mal, como lembra o sobrinho Adolpho Lindenberg: Manteve esta polarização em alto grau: uma acção é óptima, outra é péssima. Chamava-me muito a atenção o fundamental horror que ela sempre teve ao pecado. Para a minha óptica de menino ou de mocinho, mais do que esta ou aquela virtude, sobressaía nela esta postura: a noção de um bem pelo qual temos de nos entusiasmar e sacrificar, e a noção do mal, que é hororroso, que se odeia e se despreza”.

(75) O Santo saboiano ensina na sua célebre obra como uma alma pode viver no mundo sem embeber-se do espírito do mundo: “Deus –afirma ele–quer que os cristãos, plantas vivas da Igreja, produzam frutos de devoção, cada qual segundo a própria qualidade e devoção” (São Francisco DE SALES, “Filotéia “, parte I, cap. III).

(76) Roger DUPUIS, S. J., Paul CELIER, “Courtoisie chrétienne et dignité humaine”, Mame, Paris, 1955, p. 182.

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