Santo do Dia, 8 de setembro de 1970
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Nossa Senhora de Covadonga
Hoje é festa da Natividade de Nossa Senhora e coincidem quatro festas de Nossa Senhora ao mesmo tempo. É festa de Nossa Senhora de Covadonga. Os senhores sabem que esta festa foi instituída para comemorar a grande vitória dos espanhóis sobre os mouros em Covadonga, no ano de 722, graças à intervenção miraculosa da Santíssima Virgem que deu início à Reconquista espanhola.
Neste dia, em 1964, foi assinada a “Declaração do Morro Alto”.
As festas de Nossa Senhora que coincidem hoje são: Nossa Senhora da Saúde, patrona do grupo da Saúde; Nossa Senhora do Amparo, que é patrona do Êremo (*) do Amparo de Nossa Senhora; Nossa Senhora da Luz, que é padroeira de Curitiba e Nossa Senhora de Covadonga da qual acabo de ler algumas palavras.
E acontece que tenho pedidos, tanto do Êremo do Amparo de Nossa Senhora, quanto do grupo da Saúde, quanto do grupo de Curitiba para fazer um comentário a respeito das várias invocações de Nossa Senhora. Agora, não posso evidentemente fazer quatro Santos do Dia e não posso também deixar passar essas datas, de maneira que vou tentar reunir essas invocações numa só consideração de conjunto que diz respeito também à Natividade de Nossa Senhora.
Há livros que procuram desenvolver o alcance, a importância das várias invocações de Nossa Senhora e há livros até que colecionam essas invocações – durante muito tempo fizemos Santos do Dia na base dessas várias invocações – com o desejo de obter uma vista de conjunto de todas as invocações de Nossa Senhora. E por mais que os livros colecionem e os pesquisadores se empenhem em reunir essas invocações, não conseguimos, ninguém conseguiu até hoje, ter uma relação completa de todos os títulos que a Igreja dá a Nossa Senhora.
Há livros que procuram desenvolver o alcance, a importância das várias invocações de Nossa Senhora e há livros até que colecionam essas invocações – durante muito tempo fizemos Santos do Dia na base dessas várias invocações – com o desejo de obter uma vista de conjunto de todas as invocações de Nossa Senhora. E por mais que os livros colecionem e os pesquisadores se empenhem em reunir essas invocações, não conseguimos, ninguém conseguiu até hoje, ter uma relação completa de todos os títulos que a Igreja dá a Nossa Senhora.
Alguns desses títulos até se repetem. Nossa Senhora Auxiliadora, por exemplo, é Nossa Senhora do Amparo debaixo de certo ponto de vista, porque quem ampara auxilia, e quem auxilia, ampara. Nossa Senhora das Dores, por exemplo, é quase um [par] com Nossa Senhora das Lágrimas, porque as lágrimas e as dores indicam a mesma coisa. Depois, há títulos completamente diferentes que dizem respeito a outras atribuições de Nossa Senhora ou, então, a lugares onde Nossa Senhora apareceu: Nossa Senhora de Loreto, Nossa Senhora de La Salete, Nossa Senhora de Fátima.
Quer dizer, há tal variedade de graças dadas por Nossa Senhora e, por outro lado, de invocações dos fiéis que se admiram com as qualidades d’Ela, que não conseguiríamos reunir tudo isto, sequer numa enciclopédia, mesmo porque essa enciclopédia seria impossível de atualizar. Quando a enciclopédia estivesse no prelo já estaria atrasada, porque outras graças estariam sendo concedidas por Ela e outras invocações d’Ela estariam nascendo.
A meu ver isto é o que deveria ser e não deveria ser de outro modo, porque se as perfeições de Nossa Senhora são insondáveis e, por mais que digamos coisas a respeito d’Ela, mais ainda teremos a dizer. E a linguagem humana não é capaz de exprimir, o intelecto humano não é capaz de sondar, a vontade humana não é capaz de abarcar todas as perfeições de Nossa Senhora!
De outro lado, se a misericórdia d’Ela é incessante, a cada grau de graça que Ela dá se acrescenta algum título; e com isso, como os homens vão continuamente – apesar das heresias, das infâmias e das torpezas – crescendo no amor de Nossa Senhora, vão compreendendo coisas novas de Nossa Senhora, é natural que tudo isto seja inesgotável e que esteja num progresso contínuo até o fim do mundo.
É bem possível que no fim do mundo nós tenhamos, no Juízo Final, um dos mais belos capítulos do Juízo Final quando Nossa Senhora for mencionada! Eu não quero dizer que Ela vá ser julgada, porque eu A acho alheia a qualquer julgamento. Ela não está em juízo, Ela não está nem sequer sob o juízo de Deus, porque Ela já foi coroada, está no Céu de corpo e alma. Mas uma vez que se vão declarar não só as culpas, mas também os méritos de todos, acho impossível que os d’Ela não sejam mencionados.
E então, sim, quando Deus Nosso Senhor falar a respeito do mérito dos bem-aventurados, Ele falará d’Ela e saberá dizer d’Ela a palavra perfeita que A defina por inteiro e que contenha todos os elogios que Ela merece! E então todos os anjos vão cantar, vão desdobrar, vão repetir e todos os fiéis que se tiverem salvo, vão também louvar a Nossa Senhora! E, provavelmente, insistindo nas invocações, cada qual nas invocações que nesta terra mais serviram para aproximá-lo d’Ela ou que mais lhe falaram das graças d’Ela. E nesta ocasião Nossa Senhora vai ter o louvor suficiente, o louvor proporcional, inteiramente adequado em Deus! Balbucio além do qual não conseguiríamos ir, nós, homens, porque tudo o que diremos d’Ela é ainda um balbucio, mas que repetiremos por toda a eternidade. A coroa das glórias d’Ela estará completamente tecida!
Quando Nossa Senhora nasceu – já que estamos na festa da Natividade de Nossa Senhora – temos exatamente isto: todas essas grandezas nascem ao mesmo tempo, porque n’Ela está a raiz de tudo quanto d’Ela depois se disse, todas essas perfeições nasceram ao mesmo tempo. Ela foi perfeita desde o primeiro instante de Seu ser, não só porque foi concebida sem mancha de pecado original, mas porque foi desde logo constituída por Deus – no primeiro instante de Seu ser – num grau de graça inimaginável por nós!
Quer dizer, se fôssemos sondar simplesmente as graças que Ela teve no primeiro instante do Seu ser, não saberíamos dizer, não conseguiríamos compreender, nem conseguiríamos amar adequadamente! De lá para cá, até o fim da vida d’Ela, Ela não fez senão crescer continuamente e corresponder perfeitamente a tudo. De maneira que este insondável se tornou insondavelmente insondável quando Ela chegou ao termo de Sua vida, mas a aurora dessas insondabilidades foi no primeiro instante do ser d’Ela. Esse dia, portanto, contém em gérmen todas as invocações; e não é fora de propósito, portanto, que comemoremos Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora do Amparo, Nossa Senhora da Luz, Nossa Senhora de Covadonga, porque tudo isto estava em gérmen quando Nossa Senhora nasceu. Nossa Senhora da Natividade contém tudo isto.
O que é que devemos dizer da invocação de Nossa Senhora da Saúde? Na consideração mais imediata Nossa Senhora da Saúde é Nossa Senhora tendo pena da saúde dos homens, vendo os homens aflitos por doenças de toda a ordem. Não há um órgão humano no qual não caibam, ao menos em potência, as mais variadas perebas e doenças aflitivas. E aquilo que pode acontecer, acontece. Logo, os homens que podem adoecer de tudo adoecem, de fato, de tudo, e recorrem a Nossa Senhora para conseguir a sua cura.
É mau que os homens peçam a cura a Nossa Senhora? De nenhum modo, é até muito bom. Por quê é bom? Porque Nossa Senhora permite as doenças, permite as provações, em grande número de vezes, para que os homens peçam a cura e para que através da cura eles sintam a bondade materna d’Ela e sentindo essa bondade se sintam mais atraídos por Ela, mais conquistados por Ela. Então, Nossa Senhora da Saúde, em primeiro plano, é Nossa Senhora restituindo a saúde dos homens.
Será só isto? Nossa Senhora só é mãe quando cuida de nossa saúde? Quando ela, às vezes, permite que adoeçamos, Ela não nos concede também uma graça insigne? E quando permite que nossas doenças durem, também não nos dá uma graça insigne? Muitas vezes, sim. As doenças são meios de nos aproximarmos d’Ela, de tomarmos distância das coisas do mundo, de compreendermos de como vale pouco a vida, de, pelo sofrimento, purificarmos nossa alma de muitos pecados e de muitos defeitos. Muitas e muitas vezes a doença é um bem para nós.
Então, quando pedimos a saúde devemos dizer a Nossa Senhora que desejamos a saúde, que pedimos que Ela no-la dê, na medida em que for um bem para a nossa alma. Se a doença for melhor, que Ela nos deixe doentes. Se a morte for melhor, que Ela nos dê a morte. Mas podemos fazer uma coisa, podemos dizer a Ela: “Se a doença for melhor para minha alma, eu aceito, mas Vós, que podeis tanto, talvez possais dar um jeito com os desígnios de Deus de maneira que a saúde ainda me faça mais bem do que a doença.” Porque não pedir uma coisa dessas? “E se tal for, se até lá chegar Vossa misericórdia, se os pecados não constituírem obstáculo à Vossa misericórdia, eu Vos peço que então me sareis, senão eu aceito com humildade o que Vós destinardes”.
Houve um rei no Antigo Testamento – não me lembro mais quem era – que adoeceu e um dos profetas chegou a ele e disse: “Você vai morrer.” Ele virou doutro lado, para a parede, diz a Bíblia, e chorou. O que acho muito pitoresco! Isto corresponde, numa linguagem caseira que eu censurei, ao sujeito ficar “jururu”. Vira para a parede, chora e depois diz: “Mas, meu Deus etc., mas eu não tinha vontade de morrer”. E Deus deu a ele 15 anos de vida ainda. O que para os senhores mais moços deve parecer uma eternidade! Depois de 60 anos parece um prazo módico. Deus deu a ele mais 15 anos de vida. É claro que Deus mandou o profeta avisá-lo que ia morrer para que ele pedisse para não morrer. Devemos fazer, então, a oração como Nosso Senhor no Horto: “Pater, si vis, transfer calicem istum a me; verumtamen non mea voluntas sed tua fiat” (Lc. 22-42). “Meu Pai, se for possível afastai de mim esse cálice, se não for faça-se a Vossa vontade e não a Minha”. A mesma coisa com a morte.
Nossa Senhora da Saúde no-la restitui nesse contexto, dentro dessa visão. Evidentemente Nossa Senhora, que é nossa Mãe e que quer para nós toda a espécie de bens, se nos dá a saúde do corpo, mais ainda quer dar-nos a saúde da alma, porque a saúde da alma vale incomparavelmente mais que a do corpo, pois a alma vale mais do que o corpo. E como estou partindo de baixo para cima, — estou falando do corpo primeiro, — tratando da alma eu falo da saúde psíquica, antes de tudo. Aqueles que têm enfermidades físicas que prejudicam o bom andamento das faculdades mentais, enfermidades nervosas, etc., podem e devem dirigir-se a Nossa Senhora da Saúde para que os cure.
Mas, sobretudo, devem dirigir-se a Nossa Senhora os pecadores para que Ela restitua a saúde à alma que se tornou enferma da pior das enfermidades, que é o pecado. Assim temos em ordem ascendente os vários sentidos desta invocação e os nossos amigos da [sede da] Saúde compreenderão melhor debaixo de quantos prismas a invocação que protege o grupo deles pode ser considerada.
A segunda invocação é de Nossa Senhora do Amparo. Eu não sei bem se a geração muito nova tem idéia do que quer dizer um indivíduo desamparado. Um indivíduo desamparado não é apenas um indivíduo a quem falta algo, mas é um indivíduo que recorreu a todos os meios humanos para obter aquilo que lhe faz falta e não conseguiu. É aquele que está, portanto, desamparado, quer dizer, desajudado de tudo. O amparo é um sustentáculo, o amparo é um apoio, o amparo é um arrimo. Um indivíduo que não tem nem sustentáculo, nem apoio, nem arrimo, que está só, que está abandonado, que não tem em quem se fiar, um indivíduo que tem uma dificuldade qualquer aguda, em que a sua vida inteira está empenhada, não tem terrenamente quem o ajude.
Qual é a invocação, o significado de Nossa Senhora do Amparo? Nossa Senhora do Amparo é exatamente Aquela que tem uma particular pena dos que estão desamparados. Seja desamparados do ponto de vista da alma, seja desamparados do ponto de vista do corpo. E que com aquela compaixão especial que a mãe tem do filho aflito e precisado, faz coisas inimagináveis para ajudá-lo! Quer dizer, é Nossa Senhora de todas as solicitudes, é Nossa Senhora de todas as compaixões, é Nossa Senhora de todos os instantes em que o homem precisa de alguma coisa e recorre a Ela.
É um amparo de Mãe, é um amparo que não se limita a receber, mas atrai. Faz, portanto, como o pai do filho pródigo, mas vai mais longe do que o pai do filho pródigo. Porque do pai do filho pródigo, diz a parábola, que ele ficou olhando para ver se o filho vinha. Aí o amparo foi mais longe, foi atrás do filho e pegou longe e reconduziu para a casa paterna.
Nós devemos dizer [algo] de Nossa Senhora da Luz, padroeira [de Curitiba] e também em São Paulo [no] chamado bairro da Luz, [o] convento da Luz, Estação da Luz, invocação lindíssima! (**)
Por quê? Porque Nossa Senhora é Aquela que gerou a Luz. A Luz do mundo é Ele. Todo o resto são canais, mas a Luz do mundo é Ele. É a Luz que brilhou das trevas e que as trevas não conseguiram abarcar, não conseguiram envolver, não conseguiram impedir que fosse vista pelo mundo. Nossa Senhora da Luz é Nossa Senhora enquanto foco da Luz. Ela não é a Luz, mas é o meio pelo qual a Luz chega até nós. Ela é a que conduz a Luz até nós. Ela é a portadora da Luz. Ela, de algum modo, é a Luz. Em que sentido? Que há luzes de Nosso Senhor que Ele só dá a quem muito especialmente invoca Nossa Senhora. E Ela parece tão iluminada com a luz que vem d’Ele que quase se diria que Ela mesma é a Luz. E por isso nós tanto podemos cantar como a Igreja canta dela, Ave Virgo gloriosa, ex tua luce mundo exorta, “Ave, ó Virgem gloriosa, da qual saiu a Luz do mundo”, como podemos dizer a Ela que Ela é a nossa luz. Ela toda refulge de luz.
Nós devemos pedir a Nossa Senhora que encha a nossa alma desta luz, evitando as trevas da Revolução. A Revolução é o negrume, a Revolução é o erro, é o vício, é o crime, o mal. Nossa Senhora da Luz é Nossa Senhora da Contra-Revolução. As trevas que procuram abarcar a luz e impedem que a luz brilhe, essas são as trevas da Revolução. A luz que racha a treva e que chega até os homens, essa luz é a Contra-Revolução. Nossa Senhora da Luz é Nossa Senhora da Contra-Revolução. Que Ela toque cada vez mais para frente o nosso querido grupo de Curitiba.
Com isto está dada a vista global dessas várias invocações. Fui um pouco longe mas, pelo menos, tenho a alegria de não ter deixado de atender pedidos tão justos, sobretudo de ter tentado aproximar, tocar um pouco mais a cada um de nós de Nossa Senhora com esta meditação.
(*) “Êremos”: sedes da TFP especialmente destinadas a estudo e oração, caracterizadas por um ambiente de recolhimento e por uma regra de vida precisa.
A palavra “êremo” deve-se a Fábio Vidigal Xavier de Silveira, dirigente da TFP brasileira, falecido em 1971. Alguns anos antes da sua morte, visitando o célebre Eremo delle Carceri, em Assis, tinha-se entusiasmado com o espírito sobrenatural que o caracterizava e tinha aplicado o uso desta palavra, na linguagem familiar, à sede em que trabalhava ( Cfr. “O Cruzado do Séc. XX”, Cap. 5, 2 ).
(**) Sugerimos a nossos visitantes a leitura da matéria do Prof. Plinio sobre o Convento da Luz estampada na revista “Catolicismo”, em seu número de Junho de 2007: “O Convento da Luz e sua atmosfera espiritual sutil e envolvente”.