Plinio Corrêa de Oliveira
Uma carta:
“Dr. Plinio. Não sou o que o senhor chama um “sapo” ou N-A-N-E. Reconheço que algo de uma e outra coisa existe em mim. Não obstante, julgo-me antes de tudo uma leitora imparcial. A tal ponto que, em determinados momentos, percebo que certos laivos da mentalidade da TFP também afloram em mim. Meu marido me disse que a coexistência, em mim destes três aspectos, o do “sapo”, do N-A-N-E e da “tefepista” não é imparcialidade: são três parcialidades que se sucedem rotativamente. Mas, quando se trata de mim, ele é que tem duas parcialidades rotativas, uma pró mim e outra contra mim. Fico, portanto, em alguma dúvida se sou mesmo parcial ou não, em face do problema que lhe vou pôr. Mas, enfim, passo ao problema.
“Vejo bem o que a TFP fez contra o progressismo. Poderia o senhor explicar precisamente o que faz ela contra o comunismo? Porque, afinal, o perigo comunista consiste em que há elementos do PC coligados para impor, pela força, o regime de sua preferência. À força, se responde pela força. Então, combater o comunismo é espioná-lo, denunciá-lo, desmantelar suas células e aparelhos, prender os elementos que o constituem etc.
“Se isto é assim, uma organização como a sua, que é puramente cívica, que jamais emprega a força senão em legítima defesa, e age em um plano meramente doutrinário, do que adianta?
“Agradeço-lhe desde já a resposta. Não assino, porque tenho medo das horas de parcialidade má de meu esposo. Em alguma hora da parcialidade boa, lhe contarei tudo.”
Respondo, minha leitora, tomando a defesa de seu marido. A senhora o julga mal. Pois, quem quer que ele seja, e por piores que sejam suas horas de parcialidade má, ele não poderia deixar de apreciar sua carta, nela sentindo quanto há de leveza de alma e de estilo.
Já que a senhora é, para mim, uma anônima, serei franco em minha resposta. Vejo em seu feitio de alma uma contradição singular. Como pode a senhora ter tanto espírito, e contudo reduzir ao mero emprego da força material a solução do problema comunista?
Isto me leva a conjeturar que a senhora tem uma prosa muito agradável, mas, na prática da vida cotidiana, só confia nos métodos fortes. Esboçada essa hipótese, fico a pensar com simpatia no bom do seu marido…
Fui franco. Vou ser esquemático. Pois é limitado o espaço que disponho. Apresentar-lhe-ei três séries de pontos para a reflexão:
- Para que uma corrente ideológica, seja ela qual for, chegue a impor-se a um país de 90 milhões de habitantes, tem de ser numerosa, ainda que minoritária. Pois com quatro gatos pingados ardendo de febre ideológica, não se consegue dominar 90 milhões de homens.
- Essa corrente minoritária precisa ser convicta e coesa, senão se dispersará ou se dividirá, antes mesmo de alcançar o poder.
- Alcançado o poder essa corrente não se manterá nele senão obtiver o apoio mais ou menos definido de uma parcela ainda bem maior (se bem que sempre minoritária da população).
- Em conseqüência, a força material não é tudo. Ela tem seu papel por vezes imenso, sempre indispensável, jamais suficiente só por si — para as grandes revoluções sociais ou políticas. Além da força material — insisto — é indispensável a persuasão. Esta é que reúne os homens para manusearem as armas, esta é que os mantém dedicados e coesos. Esta é que os torna estáveis no leme.
Negar tudo isto, minha amável e espirituosa leitora, é negar a própria evidência dos fatos.
Agora, permita que entre com outra seqüência de teses:
- Se o comunismo não vence sem recrutar e unir, e não recruta nem une sem persuadir, quem se empenha em impedir que persuada, muito faz para tornar impossível que ele vença.
- Persuadir é obra eminentemente ideológica. Pois é fazer aceitar suas próprias idéias por outrem.
- Isto não se consegue sem uma ação ideológica. Logo, o terreno ideológico em que a TFP se situa é de alta importância na luta anticomunista.
Também isto, minha leitora, é evidente, não acha?
Suporte, por fim, mais uma seqüência de teses, e espero então tê-la persuadido inteiramente:
- Em um país com a maioria de 95% de católicos, em cada 100 homens que a propaganda comunista aborde, ela encontrará 95 católicos. Que enorme obstáculo para uma seita irreversivelmente materialista e atéia como é a de Marx!
- Mestra em toda sorte de manejos, a alta direção do comunismo não pode deixar de tentar amolecer e putrefazer tão formidável obstáculo, de preferência a atacá-lo de frente.
- Amolecer o obstáculo é amolecer o espírito religioso da população, o que se pode conseguir impregnando o ambiente nacional de indiferentismo religioso, de laicismo e de sensualidade. Bastará que a senhora veja, em torno de si, quantas revistas, quantos jornais, quantas emissoras, quantas cátedras, quantas casas de modas e de diversão se entregam a este mister, a senhora compreenderá então a imensidade do proveito que o comunismo aufere com este esforço de penetração velada, implícita, omnipresente, infatigável, que nos atinge a todo momento.
- Putrefazer o obstáculo é putrefazer a própria Religião. Isto se consegue formando padres e leigos que sonham com uma “Igreja-Nova”, na qual se odeie o princípio da autoridade, e qualquer forma de hierarquia. Deus, sim. Mas um Deus-títere, que não impõe mandamentos, não premeia nem castiga: o contrário seria atentatório da dignidade humana. Papa, sim. Mas um Papa-títere, sujeito a um congresso mundial de bispos, padres e leigos eleitos pelo povo. Bispos e párocos, sim. Mas bispos-títeres e párocos-títeres, governados por congressinhos eletivos locais. Pois o Papa, monarca espiritual, tanto quanto o bispo ou o pároco, que governe por um poder vindo de Deus, sem delegação humana atenta contra a dignidade humana.
- E por que atenta? Porque — segundo os progressistas — para o homem moderno toda e qualquer submissão a toda e qualquer autoridade é sentida como um ultraje.
- Se esse princípio se toma a sério, também a submissão política, econômica, social e familiar é ultrajante para o homem. De onde, todo progressista sério é necessariamente partidário da sociedade anárquica sonhada por Marx.
- Se o maior obstáculo ao comunismo é a religião, a melhor auxiliar do comunismo é a seita que tenta levar os católicos a destruir a religião. Esta seita é o progressismo. Portanto, lutando contra o progressismo, a TFP presta um serviço grave e absolutamente indispensável no combate ao comunismo.
“Indispensável” não quer dizer “suficiente só por si”. Pois — e nisto tem a senhora toda a razão — sem a força usada segundo a moral e a lei, é quimérico pensar que o comunismo possa ser vencido.
Mais. Não há emprego mais sagrado e mais sublime da força legítima, do que a luta anticomunista.
Isto dito, minha leitora, resta-me só enviar meus cumprimentos à senhora e seu bom esposo…