Sede São Milas, 15 de setembro de 1973, sábado, Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de exposição do Prof. Plinio para sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Ilustração: bela pintura na igreja de São Cláudio, dos sacramentinos, em Roma, mais precisamente na Praça São Silvestre
O que é que os srs. preferem? Preferem me fazer perguntas ou preferem um outro Exercício [Espiritual] de Santo Inácio, como foi feito da última vez? Os que preferem as perguntas, levantem o braço. Os que preferem o Exercício de Santo Inácio.
Bem, eu acho que é melhor – tanto quanto me seja dado conhecer a minha dileta geração nova – tenho impressão de que é melhor não dar a continuação do mesmo, mas pegar um outro pode ter mais fogo, mais “entrain”. Estou vendo várias aquiescerem. Vou escolher um novo…
Deixa eu ver no índice qual seria o Exercício…
Está aqui uma muito boa: sobre a instituição do Santíssimo Sacramento.
Nós temos tanta oportunidade de receber a Eucaristia etc., etc. que a meditação sobre o Santíssimo Sacramento não podia ser melhor.
Eu vou, então, fazer como da outra vez, lendo trechos e depois fazendo comentários com os srs.
Essa meditação é dividida por Santo Inácio em três pontos. O primeiro é o seguinte:
“Considera que três coisas podem concorrer para fazer a um dom grandemente estimável: a grandeza do mesmo dom, o afeto de quem o dá, a utilidade de quem o recebe, as quais três coisas todas se acham maravilhosamente na divina Eucaristia.”
Eu gostaria que os senhores apanhassem o raciocínio de Santo Inácio a respeito da matéria para ver como é lógico. Ele quer fazer uma consideração sobre o Santíssimo Sacramento enquanto dom, como presente. Então monta, na preliminar do assunto, uma teoria do presente, quer dizer, do que vale um presente. Mas válida então para todos os presentes, em todas as épocas do mundo e sobre toda face da Terra.
É curioso que a ordem hierárquica de valores é muito diferente da do homem contemporâneo. Diz o seguinte:
“O que torna um dom muito estimável, quer dizer, muito apreciado é: 1) a grandeza do mesmo dom; 2) o afeto de quem o dá; 3) a utilidade de quem o recebe.”
A ordem é perfeita, porque num dom há fulano que dá uma coisa a sicrano. A ação reduzida à sua expressão mais simples é isso. Logo, para eu analisar o que é um dom, preciso analisar a coisa, o fulano e o sicrano. E o dom está analisado.
Não sei se os senhores percebem a limpidez de espírito que há nisso, descasca o assunto pela raiz. Quer dizer, tomado o assunto assim, não há nada nele que escape. Está bem pensado, bem entendido o tema. Isto posto, ele vai tratar do dom que é a sagrada Eucaristia.
Hoje – de modo geral –, o indivíduo recebe um presente: “Está bom…” – Ahhhh! – “Mas o que é que você gostou?” – “A coisa é muito boa…” – “O valor, o que é que é?…” Nem sabe, é uma maçaroca de impressões confusas que não estão bem separadas e que é contra o espírito inaciano e o espírito católico em geral. A pessoa que tem espírito católico analisa seus próprios sentimentos para depois verificar que razão tem, o que é bom e o que é ruim. Isso é o verdadeiro espírito da Igreja.
Os senhores conhecem o caso de Santo Inácio de Loyola em que ele dizia que era capaz de pôr num papel as dezesseis razões pró e contra pelas quais ele tinha cumprimentado um noviço da Companhia de Jesus quando passou perto dele em determinado momento. Quer dizer, tudo tão bem pensado e tudo tão bem calculado que ele seria capaz de pôr a qualquer hora isso por escrito.
Eu quereria, por exemplo, depois que dois dos senhores se cumprimentam, parar e perguntar: “vamos ver três razões pelas quais o cumprimento foi daquele modo.” Eu acho que haveria dificuldade em responder.
Isso não é tanto uma censura aos senhores – algo disso tem -, mas não é tanto uma censura aos senhores quanto à geração que formou os senhores… tudo colaborou. Mas a verdade é que assim se forma uma pessoa. E já que nós estamos penetrando nos firmamentos do espírito inaciano, entendamos que esse firmamento é ordenado, em que tudo tem conta, peso e medida. A Escritura diz que as obras de Deus são assim: todas elas têm conta, peso e medida. Aqui os senhores vem como na mente de Santo Inácio tudo tem conta, peso e medida.
Primeiro elemento que se considera no dom é o seu valor. Hoje não, hoje é a utilidade própria. A segunda é quem deu; a terceira é a utilidade de quem recebe. Esta é a verdadeira hierarquia.
Se o sujeito me deu um brilhante, a primeira coisa que eu devo perguntar é qual o valor do brilhante (é o valor do dom). Segundo: quem me deu. Por exemplo, os srs. se coloquem nesse papel: aqui está um brilhante, a rainha da Inglaterra que mandou; ouviu falar de “seus singulares dons, e a rainha da Inglaterra mandou”. Imediata reação: “que psicóloga essa rainha! Ela de longe percebeu (quem sou eu)…”.
Terceiro: o que vou fazer do brilhante? É a utilidade. Está tudo bem pensado, tudo razoável, magnífico! Assim eu quisera que cada um de nós fosse. E’ um convite, é um firmamento que se abre.
Então ele diz o seguinte:
“Considera em primeiro lugar a grandeza do dom. Grandes coisas tinha o Senhor já dado aos homens. Tinha nos dado a nós mesmos e juntamente nos tinha dado inumeráveis criaturas para o benefício de nossa criação e conservação. Mas essas coisas, ainda que muito estimáveis, eram limitadas. Deu, pois, o Senhor aos homens, na Encarnação, um dom infinito. Porém esse dom foi imediatamente dado à humanidade de Jesus Cristo, e a nós por Ele, só medianamente. E por isso podia ainda o Senhor dar-se a Si mesmo a cada um dos fiéis em particular, estendendo dessa forma o benefício da mesma Encarnação.”
Quer dizer, o pensamento dele aí é o seguinte: Deus, para o homem, deu uma porção de coisas. O primeiro dom que Deus nos deu foi de nos criar, porque não adiantava dar todo o resto se nós não existíssemos. Portanto, primeiro dom que ele nos deu foi o de nos criar.
Além disso Ele criou todo o céu e a terra para todos os homens. O céu, por exemplo. Não adianta dizer que é para todo mundo, porque se todo mundo não existisse, ele brilharia igualmente para mim. De maneira que eu devo agradecer como se ele fosse só para mim. Deu o céu, deu a terra, deu todas as coisas que existem, deu saúde, deu inteligência, deu isso, deu aquilo, deu uma porção de coisas para cada homem.
Na vida terrena dEle, Ele deu a encarnação do Verbo. Ele se fez carne para nos salvar, é um dom enorme. Nosso Senhor Jesus Cristo ter condescendido, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade ter condescendido em ficar Homem para nos salvar é um dom enorme. Os senhores imaginem uma pessoa que fizesse uma viagem interplanetária para ir a um outro planeta só para chegar lá e fazer, por exemplo, ao outro uma doação de um olho para enxertar no outro. Nós consideraríamos isso de uma generosidade do outro mundo. Se a gente fizesse isso para um indivíduo, achava que esse indivíduo pela vida inteira tinha que cantar os nossos louvores por causa dessa generosidade.
Ora, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade percorreu um espaço muito mais do que planetário para vir a nós. Ele é Deus verdadeiro, e entretanto se abaixou, condescendeu a ser Homem. Quer dizer, a menor das criaturas racionais que há, já misturada com a matéria como é o homem. Não é um Anjo; é misturado com a matéria. Ele condescendeu em fazer-se Homem.
De tal maneira é grande o dom que Ele deu ao homem fazendo-se Ele mesmo Homem, que São Luís, Rei de França, introduziu na Igreja o costume de quando se canta o Credo, as pessoas se inclinarem quando se diz et Homo factus est, porque é tão extraordinário o dom que nós homens temos de que Deus se tenha feito Homem como nós, que todos devem se inclinar para agradecer a Deus esse dom.
Então os senhores estão vendo que muito mais que o Céu e a Terra, Ele deu todos esses dons de que nós estamos falando e esse dom supremo: Ele se fez Homem.
Mas ainda mais: fazendo-se Homem, Ele passou trinta anos na vida privada com Nossa Senhora, para glorificar a Deus e para rezar pelos homens. Ele passou orando durante esse tempo inteiro pela missão que Ele depois haveria de exercer. Durante três anos fez maravilhas tais que São João diz que se fosse narrar esses fatos [realizados por Ele] dava para encher a Terra com os feitos que realizou em três anos. Os Evangelhos nos contam apenas uma parte desses feitos. São feitos tão maravilhosos que a gente nem sabe o que dizer.
Depois de ter dado todos aqueles ensinamentos, depois de ter dado todo o exemplo que Ele deu, toda a paciência, todo o carinho, todo o perdão, Ele ainda fez uma coisa a mais: Ele instituiu a Sagrada Eucaristia. Quer dizer, como coroa de todos os dons anteriores, Ele deu a Sagrada Eucaristia.
Nós vamos ver daqui a pouco que espécie de dom é a Sagrada Eucaristia. Ele vai mostrar daqui a pouco que dar a Sagrada Eucaristia é de algum modo mais do que Ele se ter feito homem; Ele adquiriu uma união mais íntima conosco pelo fato da Sagrada Eucaristia do que pelo fato de se ter Encarnado. A Sagrada Eucaristia é uma consequência, é um fruto da Encarnação. Os senhores compreendem, portanto, que dom prodigioso é a Sagrada Eucaristia.
Ele continua:
“Isto, pois, é o que Ele fez na Eucaristia comunicando quanto tem de riquezas e de bens: o seu corpo, o seu sangue, os seus merecimentos, as suas virtudes, a sua alma, a sua divindade, com uma invenção tão admirável que por toda a eternidade não viria jamais ao pensamento dos Serafins. Não se pode, pois, pedir outra coisa melhor, maior a nosso Salvador nesta vida, e se lhe pedíssemos poderia Ele responder que ainda que é Senhor de todos os bens. Agora não tem mais o que nos dar, dando-nos tudo: o Pão dos escolhidos, o vinho das virgens.”
O pensamento dele é um pensamento admirável. Ele diz o seguinte: Nosso Senhor na Eucaristia se dá a nós, mas se dá a nós de um modo como ninguém poderia inventar. É um modo tão admirável que os mais altos dos Anjos, que são os Serafins, se pensassem sobre o assunto por toda a eternidade não podiam excogitar essa ideia de Deus se dar ao homem sob as espécies de pão e de vinho. De maneira tal que Ele penetra no homem e é assimilado por assim dizer pelo homem. Não se poderia imaginar uma união tão íntima.
Não há na Terra, por exemplo, nas relações de pessoa a pessoa, nenhuma forma de união tão íntima como existe entre Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia e nós. Então ele mostra quais são esses dons: Nosso Senhor veio com seu Corpo e seu Sangue, com todos seus méritos. Quais são os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo? São méritos tais que por uma gota de [seu] Sangue Ele resgataria o mundo inteiro. Ora, Ele derramou todo o Sangue dEle no alto da Cruz. Como é que nós haveríamos de dizer qual é o mérito disso? É simplesmente infinito esse mérito! E então todo o sangue derramado por nós, vem em nós.
Depois, as virtudes dEle todas vem em nós. Quer dizer, Ele vem com toda a sua santidade em nós. Portanto, por assim dizer, nos toca com a sua santidade e por assim dizer nos contagia santamente com sua santidade. Ora, a santidade de Nosso Senhor Jesus Cristo é infinita, nós não podemos ter uma idéia de como é a santidade dele. A santidade de Nossa Senhora é incomensurável, mas a santidade Nosso Senhor Jesus Cristo não é incomensurável: é infinita! A de Nossa Senhora nós não podemos medir, mas tem fim, porque Ela não é infinita; a dEle não, é estritamente infinita, Ele é A santidade. Aquele que é A santidade condescende, então, de vir a cada um de nós na Sagrada Eucaristia.
Os senhores estão vendo que dom formidável é Ele ficar no sacrário trancado até a hora em que Ele vem visitar a cada um de nós, mas visita mais intimamente do que a casa de Lázaro e Maria quando Ele estava vivo na Terra. Porque Ele não entrava em Lázaro e Maria; na Comunhão Ele entra em nós. É, portanto, um dom verdadeiramente inestimável. Todas as riquezas da terra, inteligência, glória, fama, saúde, nada poderia se comparar a uma Comunhão.
Alguns de nós comungamos há dez anos, todos os dias. Outros há vinte anos. Eu comungo há quarenta e cinco anos todos os dias. Os senhores multipliquem quantas comunhões isto quer dizer, os senhores imaginem quantos dons foram se acumulando ao longo desses anos nessa Comunhão diária. É uma coisa verdadeiramente inimaginável! Esta é a amplitude do dom que Deus nos dá.
Como é que se aproveita essa meditação de Santo Inácio?
É, por exemplo, quando se prepara para a Comunhão, ter este texto à mão, batido à máquina de um modo cômodo e ler. E tomarem um só desses pontos para meditar.
Vamos imaginar que um rapaz esteja com um problema de inveja: “Eu vou receber Aquele que é a suma generosidade, a suma bondade, que nunca invejaria ninguém, mas pelo contrário se alegrou com todo bem que fez a todos os outros. Senhor, vinde a mim e dai-me essa Vossa bondade, lavai-me do defeito da inveja que eu noto em mim”.
É assim que a gente se prepara para uma Comunhão: a gente se recolhe antes, e meditando esses pontos.
Esses pensamentos são tão profundos que não há possibilidade de se considerar a todos antes da Comunhão, mas bastaria um pensamento desses tomado a sério, para fazer uma Comunhão bem feita.
A pureza. Nosso Senhor Jesus Cristo é a própria pureza. O Sangue dele se chama o “vinho que gera virgens”, quem não tiver parte com Ele não consegue a pureza. Então pedir a Ele: “Senhor, dai-me a pureza. Vós vindes à minha alma para me comunicar a vossa pureza. Por meio de Maria Santíssima eu Vos peço, tornai-me puro de uma pureza que lembre a pureza dela, o melhor espelho de Vossa própria pureza”. Esse é o tamanho do dom que entra em cada um de nós por ocasião da Comunhão.
Ele acrescenta:
“Em comparação, pois, com uma liberalidade tão excessiva de teu Deus para com tua alma, quão enorme será tua avareza para com Ele se não lhe ofereceres pelo menos aquela liberdade que te resta? Tens até agora feito resistência aos outros dons, mas poderás resistir a um Deus que te dá a ti mesmo?”
Essa pergunta é uma pergunta admirável. Os senhores imaginem que entrasse uma pessoa de suma importância na casa de um dos senhores e dissesse: “Fulano, eu vim aqui e eu quero ser seu amigo, e quero me dar a você completamente”. Qual é a reação que um dos senhores normalmente teria? “O que eu tenho aqui de excelente para dar a ele para retribuir? É um presente tão grande que ele me faz, toda a fortuna dele que me está dando, todo o dinheiro dele, automóveis, riquezas, aviões, tudo o que for, caderneta em banco, ele está me dando nesse momento. Eu alguma coisa deverei fazer por ele”. Então pega um objeto fino que tenha na casa e diz: “Bem, não está na proporção desse seu dom, mas para lhe dizer quanto eu estou grato, leve isto”. É o mínimo que a gente poderia fazer. Ou então manda vir uma bebida excelente que a gente tenha e diz: “Eu sei que isto não paga em nada, mas eu lhe peço, aceite essa bebida, é uma magra expressão daquilo que eu gostaria de fazer”. A mais elementar das gratidões leva a isto.
Então Santo Inácio põe diante de nós, à vista da Eucaristia, uma dessas perguntas sumamente lógicas – mas que levam a nossa alma quase que de elevador para o caminho da virtude -, ele põe a seguinte pergunta: Você está recebendo esse dom; o que é que você vai fazer? Você tem resistido a outras graças; você resistirá a essa graça? Deus se dá a ti e tu não te dás a Ele? Que propósito tem não te ofereceres a Ele, inteiro, nessa Comunhão? Então ele dá tanto mais e pede tão pouco! O que sou eu para Deus Nosso Senhor? Nada. Ele não precisava de mim, eu não me ofereço a Ele?”
O corolário normal de uma Comunhão é, portanto, um oferecimento e um oferecimento assim: “Senhor, eu não sou digno de vos receber, mas já que entrais na minha alma, dai-me a graça de desejar dar-me a Vós. E dai-me a graça de que um dia – o mais breve possível -, eu me dê a Vós inteiramente. Ou seja, que eu abandone o pecado, deixe de Vos ofender, pratique inteiramente a virtude, seja um perfeito soldado de Vossa Causa, por meio de Maria eu Vo-lo suplico.”
Quer dizer, é a retribuição forçosa: quem recebe tanto, deve pagar ao menos um tanto do que recebeu. E se Deus se dá inteiramente a nós, que tal será que nós não nos dermos inteiramente a Ele?
Não sei se os senhores percebem que são reflexões que vão até o fundo e que se a pessoa tomar um pouco a sério não pode deixar de ficar profundamente persuadida com isso. Porque, em última análise, se eu acredito na Eucaristia e se eu acredito que é o Corpo e o Sangue de Cristo que eu estou recebendo ali, como posso negar a validade desse raciocínio? É o raciocínio mais evidente que há.
Os senhores vejam como é bom a gente levar um pensamento para ter durante o dia. Lembrar-se por exemplo: “hoje Nosso Senhor se deu a mim; vou pedir a Ele que eu me entregue inteiramente a Ele em tal ponto, faça, portanto, tal sacrifício, entregue tal coisa que me custa, tal oportunidade difícil eu faça por Ele.”
Ou então o contrário: “Eu hoje sei que vou ter uma aflição muito grande, tenho uma coisa muito difícil diante de mim, mas se Deus se deu a mim hoje e vai se dar a mim amanhã, será que eu não vou confiar nEle? Será que eu não vou confiar que Ele, que me deu tanto, não vai me dar mais um pouco? Não vai me dar ajuda em tal ocasião? Não vai me dar um sorriso em tal oportunidade? Não é possível. Eu vou viver esse dia com confiança porque Deus Nosso Senhor me ajudará”.
Essas são as atitudes de alma normais de quem tem uma vida vivida em função da Comunhão que fez hoje e da Comunhão que fará amanhã. Assim é que preparamos em nós uma alma verdadeiramente eucarística.
Os senhores veem que esses raciocínios pedem muita seriedade. Hoje, infelizmente, não é corrente ouvir coisas dessas, mas isto é de Santo Inácio de Loyola, e é uma doutrina extraordinária, aprovada por não sei quantos Papas em não sei quantas ocasiões. E é a própria lógica; a lógica é assim.
Os senhores imaginem uma pessoa que mora num país aonde há um rei. O rei dá a esse indivíduo um principado. Depois, durante o dia, o indivíduo precisaria do rei uma gentileza, por exemplo que o rei mandasse alguém lhe dar um certificado de vacina; ele tem medo de pedir ao rei que lhe deu um principado? Ele deve ser largo na sua alma, deve pedir muito: “Quem me deu tanto mais, não me dará menos”. Deve, portanto, fazer pedidos largos, pedidos abundantes. É assim que se prepara a vida em função de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia.
Tudo isso é profundamente sério, é verdade, mas essas conferências são um convite à seriedade. E os senhores sabem por quê? Porque se nós não formos sérios nessa vida, ao morrer nós vamos ter o maior choque que se possa imaginar, porque nós vamos nos defrontar com a infinita seriedade de Deus. Ele dirá o seguinte: “Eu te visitei durante tantos anos diariamente; diariamente eu te dei essa graça de desejar a Minha visita; diariamente você correspondeu à graça e foi Me visitar, mas todas as vezes que você Me visitou, você não foi sério na visita que Me fez e em que você Me recebeu. Você Me recebeu não refletindo sobre o que isso significava, não tirando as consequências disso.”
O que nós vamos dizer? Ficaremos com a face no chão e com o perigo de penas que podem ser, pelo menos, um grosso purgatório por termos recebido Nosso Senhor com desatenção. Evidente. Os senhores compreendem, portanto, como vale a pena meditar sobre isso.
Valeria a pena fazer um recolhimento, por exemplo, sobre o assunto. E alguém fazer o desenvolvimento ainda mais amplo do que eu estou dizendo e os senhores irem meditando aos poucos, parando cada cinco minutos por exemplo, seguir adiante, tomando notas para prepararem o manual do comungante que tenha essas considerações no espírito na hora de comungar. Isto é a verdadeira seiva da vida espiritual.
Continua Santo Inácio:
“Que dirão os Anjos do céu que conhecem muito bem de um a outro extremo a liberalidade de Cristo e a excessiva estreiteza de teu coração?”
É uma coisa que nos deixa confundidos. Os senhores sabem que os Anjos mais altos do Céu nem eles têm com Nosso Senhor a forma de união que nós temos recebendo a Eucaristia? Um Anjo não pode comungar, ele não tem corpo. Ele tem até a visão beatífica, ele vê Deus face a face, ele está inundado por todas as graças do Céu. A Sagrada Eucaristia ele não tem.
Os senhores já pensaram numa coisas dessas? Já pensaram que, portanto, os Anjos do Céu olham como que nos invejando essa graça e nós não haveríamos de receber essa graça com o maior respeito, a maior meditação, a maior consideração prévia?
Os senhores considerem quando alguém vai receber a Comunhão. Visível apenas um discosinho de farinha e água. Mas a fé nos ensina que todos os Anjos e Santos do Céu adoram continuamente todas as partículas do Santíssimo Sacramento que há na Terra e que presenciam aquela Comunhão e que cantam e louvam a Nosso Senhor. Nossa Senhora louva Nosso Senhor porque Ele está se dando a este, àquele e aquele outro, de maneira que o Céu inteiro está olhando para aquela cena, o Céu inteiro pede a Nosso Senhor misericórdia por aquele que está recebendo a Eucaristia.
Os senhores podem imaginar que coisa mais alentadora para nós, ao receber a Eucaristia, saber que o Céu inteiro está olhando para nós e está nos ajudando? Se nós pudéssemos usar a palavra, eu diria que o Céu inteiro está “torcendo” por nós, está pedindo a Nosso Senhor para ter pena de nós, para nos ajudar. Que alegria e que beleza na cena!
Mas se nós antes de comungar pensássemos um pouco nisso, nós não iríamos comungar com mais esperança, com mais confiança, com mais alegria? É evidente. Nós devemos pensar nisso, devemos ter isso em vista antes de comungar.
É tão denso um exercício de Santo Inácio que os senhores estão vendo que eu estou comentando dois, três textos, mas a questão é que isto daria para um sermão, qualquer desses pontos. Mas Santo Inácio dá esquematicamente, e eu não poso deixar de ser esquemático também.
Então diz o seguinte:
“Confunde-te de tua ingratidão, lembra-te que a medida dos benefícios, se abusares deles, serão os castigos; propõe-te dar tudo a quem te dá tudo sem reserva. Dá graças ao Senhor de uma magnificência tão excessiva para contigo e roga-lhe que a tão excessivos benefícios, acrescente este de te dar um novo espírito e um novo coração para O estimares e Lhe corresponderes como deves.”
O pensamento ainda aqui é muito profundo. Ele diz o seguinte: “Confunde-te de tua ingratidão”. Quer dizer, nós devemos pensar nas nossas comunhões e ficar confundidos diante da ingratidão.
O que é “confundido”? É não saber o que dizer, é não ter palavras para o que dizer. Mas notem bem o que é o “confundido” na doutrina católica: é um confundido cheio de confiança, como quem se ajoelha aos pés de Nosso Senhor e diz: “Meu Senhor, eu não tenho o que Vos dizer. Eu vejo que andei mal, mas eu confio em Vós porque Vós sois a solução de tudo, Vós sois o caminho, a Verdade e a Vida. Eu me prostro aqui aos Vossos pés com os meus pecados, como Santa Maria Madalena. E com confiança, eu sei que Vós não me repelis nem me abominais. Com confiança eu Vos peço, emendai-me. Vós sois aquele que emenda a todos, Vós sois aquele que cura a todos; curai-me e emendai-me a mim também. Eu estou aqui como o cego do Evangelho, como o paralítico do Evangelho, como o leproso do Evangelho; curai-me das minhas doenças de alma como Vós curais aqueles corpos. Por Vossa Mãe, a quem Vós nunca negais nada e a qual nunca nega coisa que se pede, eu Vos suplico, curai-me.”
Aqui está a confusão confiante, a confusão cheia de certeza de ser atendido, que é a confusão com que a gente deve ir à Sagrada Eucaristia. Assim é que nós devemos comungar.
Santo Inácio continua:
“Nós devemos pedir a Deus que Ele mude o nosso espírito.”
Nosso Senhor pode mudar o espírito de um homem de um momento para o outro. A história conhece inúmeros casos de conversões súbitas. Ele pode mudar o espírito de um homem aos poucos também, por degraus, Ele pode converter um homem ao longo dos anos.
Se cada dia nós pedirmos a Nosso Senhor na Comunhão que Ele nos converta, que Ele nos mude, um belo dia Ele nos mudará. Conta-se de São Francisco de Sales – eu não verifiquei o caso, mas eu acho o caso em tese possível -, conta-se que ele durante trinta anos deu a Comunhão todo dia a um homem ao qual tinha que ouvir em confissão todo dia; esse homem era muito débil, muito fraco, cometia pecados, ele absolvia e dava a Comunhão. Ao cabo desse tempo, esse homem se emendou e levou uma vida modelar.
O que era isso? Era a Eucaristia recebida com santa confusão, com confusão confiante; todo dia, todo dia, ele ia melhorando, ele ia subindo. Por que? Porque a Eucaristia é a alma de nossa vida espiritual, é o centro e o foco de nossa própria vida espiritual. Assim é que nós devemos considerar a Comunhão que nós recebemos.
Agora Santo Inácio vai considerar o afeto de quem dá:
“Considera o afeto com que Jesus Cristo te dá esse soberano bem. Foi, pois, tão excessivo esse amor de Cristo ao nos dar a Eucaristia que chegou a tocar o último termo. E assim como uma fornalha pelas chamas que lança fora dá a conhecer os ardores que em si contém, assim a imensidade com que Cristo instituiu esse sacramento se dá a conhecer pelo tempo e o modo de instituir, e pelas dificuldades que venceu para essa instituição.”
Ele diz o seguinte: se é para considerar o afeto com que Nosso Senhor deu, é preciso considerar antes de tudo o amor – o afeto é idêntico ao amor –, o amor com que Ele deu. Para considerar o amor com que Ele deu, Santo Inácio desce então à análise e diz o seguinte: para conhecer bem esse afeto é preciso considerar que foi dado no último termo da vida, pelo tempo e modo de instituir e pelas dificuldades que teve o amor para instituir. Tempo, modo e dificuldades.
“O tempo: foi aquele mesmo em que os homens tratavam de lhe dar uma morte crudelíssima. Então, achando um modo de ficar sempre conosco quando seus inimigos mais do que nunca tratavam de O tirar desse mundo.”
A reflexão é a mais comovedora que se possa imaginar. Os senhores sabem que a Sagrada Eucaristia foi instituída na Quinta-Feira Santa.
Ele cita aqui um trecho do Evangelho de São Paulo aos Corintios que diz o seguinte:
“Na noite em que Ele foi traído, nessa noite Ele nos deu o Pão”.
Quer dizer, é fato que enquanto os judeus estavam planejando a traição contra Ele, estavam planejando matá-lo, estavam querendo tirá-lo da Terra, Ele estava instituindo um modo de ficar com os homens, ininterruptamente. E de fato é uma coisa muito bonita. Nosso Senhor não deixou mais, depois da Eucaristia, de estar na Terra por um instante porque Ele instituiu a Sagrada Eucaristia. E segundo conta Ana Catarina Emmerick e piedosamente se pode crer, logo depois de instituída a Sagrada Eucaristia, a primeira pessoa a quem Ele deu… os Anjos levaram a Sagrada Eucaristia a Nossa Senhora e Ela comungou antes dos Apóstolos e qualquer outra pessoa. E em Nossa Senhora a Sagrada Eucaristia ficou incorrupta, de tal maneira que nela as espécies de uma Comunhão só desapareciam quando comungava outra vez. Ela foi um sacrário permanente até o momento de morrer.
De maneira que no momento em que os judeus pensavam que expulsavam Nosso Senhor da Terra, no momento em que O traiam, faziam uma cilada para Ele para expulsá-lo da Terra, Ele fazia uma sacratíssima cilada para os judeus e Ele ficava na Terra, instituindo a Eucaristia. Ele estava na Eucaristia como Ele estava em Nossa Senhora durante o período da gestação, quer dizer, Ele não abandonou a Terra em nenhum momento.
Aí os senhores veem o amor dEle ao gênero humano, a maravilha que Ele engendrou para estar com os homens o tempo inteiro; em Nossa Senhora como um sacrário, até o momento em que os Apóstolos começaram a dizer Missas e a presença eucarística dEle na Terra começou a se multiplicar.
Essa ocasião denota uma inteligência suma e um grande amor, uma grande vontade de estar conosco. Na hora em que os homens O traiam, Ele arranja um jeito de dar aos homens o supremo Dom. Os senhores percebem que é uma verdadeira maravilha.
Depois Santo Inácio diz o modo com que Nosso Senhor instituiu esse divino sacramento:
“É debaixo das espécies de manjar, para se unir tanto a nós que, assim como não há arte que possa separar de nossa substância um nutrimento que já se tenha distribuído por todo nosso corpo, assim não há arte nem força que possa separar-nos do mesmo Cristo.”
Isto é um raciocínio belíssimo. Ele quis estar conosco sob a forma de alimento. Os senhores tomem um homem que comeu um pão comum. Esse pão se incorpora ao corpo do homem, não há mais quem possa separar isto. Ele diz: esta é a maneira da união da Eucaristia conosco. Quer dizer, Nosso Senhor não se separa mais de nós, Ele está ligado a nós, Ele está entranhado em nós, nós por assim dizer “O digerimos”. Isto foi o que Ele quis. Quer dizer, o modo estabelece uma união super íntima, como no começo nós consideramos.
“Mas sobretudo manifesta a sua caridade nas dificuldades que venceu para nos fazer tanto bem, porque prevendo uma inumerável multidão de irreverências, de desprezos, de sacrilégios dos infiéis para com seu Santíssimo Corpo, de todos cristãos, tíbios ou indignos, contudo Se expôs a tolerar tudo para chegar a unir-se com tua alma, e a esta mesma tolerância acrescentou desejos e desejos veementíssimos. E disse na Ceia – está aqui na nota – Desiderium magno desideravi – Com grande desejo eu desejei comer esta ceia convosco, e ainda que para vir ao mundo e encarnar-se se fez desejar e esperar e por tantos séculos, agora para vir ao teu coração Ele mesmo te solicita a ti com um desejo digno somente de Seu coração divino.”
É um outro pensamento belo como um sol. Ele diz o seguinte: os senhores para compreenderem o pensamento tem que se por no espírito de Nosso Senhor antes de instituir a Sagrada Eucaristia.
Nosso Senhor – como os Senhores sabem – conhecia o passado, o presente e o futuro. E tinha, como dificuldade para instituir a Eucaristia, a previsão de todos os sacrilégios que iriam se cometer até o fim do mundo com o Santíssimo Sacramento. Pois bem, diz ele, nem todos esses sacrilégios foram capazes de evitar que Nosso Senhor instituísse o Sacramento.
Portanto, um sem número de injúrias, de tibiezas, de indiferenças foram as dificuldades que Ele quis vencer para te dar – ó católico! – o Santíssimo Sacramento nessa hora. É um pensamento de uma beleza estupenda!
Fôssemos nós receber por Nosso Senhor tudo aquilo que Ele recebeu por nós, quer dizer, um centésimo das injúrias que Ele recebeu, nós desmaiávamos e talvez não tivéssemos coragem. Ele está aceitando tudo isto para o Santíssimo Sacramento chegar até nós.
Quer dizer, o amor dele é tão grande, a bondade dele é tão grande que Ele deseja chegar a nós por essa forma.
Os senhores estão vendo: é impressionante! E eu insisto com os senhores sobre a confiança e o respeito que isto nos deve dar na hora da Comunhão. Quanto é enorme o Deus que é capaz dessa maravilha, mas quanto Ele é bom. Porque nós temos que imaginar Ele entrando em nossa alma com o afeto correspondente a isto.
Não devemos imaginar Nosso Senhor entrando em nossa alma e fazendo uma inspeção seca e aborrecida: “tal defeito! tal coisa! Esse tipo não Me deveria ter recebido!” Não. Nós devemos imaginar o contrário: Ele entra em nossa alma como Ele entrava na casa dos doentes que ia curar. Ele não ia fechando o nariz para o mau cheiro da doença. Ele ia com afeto, com vontade de curar, entrava com o semblante sereno, com ar bondoso, disposto a ouvir e depois dava a graça. Devemos, então, ter em mente a Nosso Senhor transbordando dessa bondade.
São raciocínios que é impossível não reconhecer a limpidez e o acerto deles. Então, sempre por meio de Nossa Senhora – porque nós não podemos perder Nossa Senhora de vista um instante – nós devemos dizer a Nossa Senhora o seguinte: “Minha Mãe, essa razão é grande demais para eu compreender inteiramente. Mas Vós quando comungáveis, Vós a compreendíeis. Eu Vos peço que Vós adoreis a Deus por isso que eu não sou suficientemente grande para adorar. Vinde espiritualmente à minha alma e tratai a Nosso Senhor como Vós o tratáveis na Terra, porque eu não sou capaz de tratá-lo devidamente.”
Mas fazê-lo com confiança. Então receber Nosso Senhor alegre. Nossa Senhora O está tratando por mim, Ele está sendo esplendidamente recebido em minha alma, eu estou oferecendo a Ele uma festa regia.
Vamos, por fim, à utilidade do dom:
“Considera a utilidade desse dom da Eucaristia, porque isto se chama Comunhão para significar que torna comum aos homens todos os bens de Cristo, de sorte que todo aquele capital imenso de merecimento, em toda sua vida e Sua morte aplica-se todo nesse divino sacramento, no qual pretende Nosso Senhor, em cada pessoa particular, provocar os mesmos efeitos que sua Paixão tem produzido em todo o mundo.”
Esse é um outro pensamento desses em que a pessoa não cabe. Os senhores imaginem que estivessem ao pé da Cruz, ou imaginem-se ao pé de um crucifixo – vamos dizer aquele crucifixo que está na Sala da Santa Cruz, na Rua Maranhão, ou aquele crucifixo que está no alto da escada daquela mesma sede. Os senhores estão considerando aquele sangue que verte. Uma bonita oração seria: “Meu Senhor, fazei com que uma gota desse sangue caia sobre mim e me transforme.”
Pois bem, a Comunhão é muito mais do que isto porque na hora da Comunhão todos os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo são oferecidos por mim, para apagar os meus pecados, e, portanto, eu devo ir confiante à Comunhão, porque todos estes méritos ali obtém o perdão dos meus pecados, lavam a minha alma, porque o Sangue de Cristo pode tudo e eu ali estou recebendo o Sangue de Cristo, estou recebendo, portanto, a solução para todos os problemas e o remédio para todos os males. É claro que eu devo me oferecer nesta forma, me unir a esses méritos pedindo que eles se apliquem a mim.
Então, um pedido a Nossa Senhora: “Minha Mãe, fazei com que esses méritos se apliquem a mim de um modo semelhante àquele com que se aplicaram a Vós, para que minha alma se entranhe continuamente desses méritos. Eu vou ficar milionário de méritos por uma simples Comunhão”.
Quer dizer, se um homem passasse numa gruta fazendo penitência a vida inteira, sozinho e rezando, ele não adquiriria tantos méritos quanto adquire numa Comunhão. Isto é o valor de uma Comunhão. E aí os senhores compreendem o dom inapreciável que isto representa. Então é quanto à utilidade que a Eucaristia tem para nós.
Santo Inácio termina com um pensamento simples:
“Ó Deus, depois de ver isto, o que é que eu poderia vos negar? Depois de ver tão grandes dons que Vós me fazeis, eu posso – ó Deus! – recusar-vos alguma coisa?”
Então, o final da Comunhão ele sugere que seja uma oração que o homem faça a Nosso Senhor sacramentado. E nós, que somos escravos de Maria segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, fazemos por meio de Nossa Senhora uma oração pedindo a Nosso Senhor que nos dê dos seus inumeráveis dons mais este: o dom de dar tudo a Ele.
Seria muito bonito terminarmos a nossa Comunhão com aquela jaculatória de São Nicolau de Flue: “Meu Deus, dai-me tudo que me une a Vós, e afastei de mim tudo o que me afasta de Vós”. É um modo completo de nos unirmos a Ele.
Há uma outra oração, uma série de jaculatórias muitíssimo bonitas e que se aplicam muito bem a essa meditação de santo Inácio de Loyola e é o Anima Christi, que os senhores com certeza já leram: “Anima Christi, santifica me, Corpus Christi, salva me, Sanguis Christi, inebria me” etc. É exatamente calcada para a sagrada Comunhão.
O que quer dizer “Sangue de Cristo inebria-me”? A sagrada Comunhão, como Sangue de Cristo, dá-nos uma lucidez por onde a nossa alma fica levada muito além das realidades comuns. Ao contrário da embriaguez do vinho que nos leva para um irreal de mentira, a “embriaguez” do Espírito Santo nos leva para o auge da posse da verdade, o auge do conhecimento da verdade revelada, da religião. Essa é a casta embriaguez do Espírito Santo.
“Aqua lateris Christi, lava me”: aquela água do lado de Cristo que correu por ocasião da Paixão dEle, que caia sobre nós para nos lavar. Os senhores conhecem a piedosa tradição de que o centurião (Longinos) que perfurou Nosso Senhor era quase cego, tinha uma vista muito curta e que aquele Sangue jorrou, aquela água caiu sobre ele e curou-o da cegueira.
Que bonita coisa para pedir para nós: “Eu sou quase cego para as coisas de Deus; eu ouço as coisas de Deus e não sei bem o que dizer a respeito delas, não as vejo bem. Meu Deus, que vosso sangue, a água do vosso lado, que está aqui, está em mim, que essa água de vosso lado caia sobre mim e que ela me tire as escamas de minha vista. Por Nossa Senhora eu vos peço, atendei a minha oração”.
* * *
Devemos habituar nossa ótica às verdadeiras dimensões da religião católica: o sobrenatural nos cerca de todos os lados; somos filhos de Deus e o termo normal de todas as nossas perspectivas são imensas. Não podemos, portanto, viver na “microlice”. Mas é, pelo contrário, a grande perspectiva que está na ponta disto. E aí todos os defeitos do homem sentem um repelão, tanto a microlice, quanto a megalice.
A megalice, porque a gente fica pequenino diante disso. Quem é o homem… os senhores tomem o homem mais extraordinário que tenha havido, um São Tomás de Aquino por exemplo. Ele se aproxima pequenino diante da Eucaristia, porque essas são tão grandes coisas que qualquer homem se sente reduzido às proporções de um átomo. E a megalice frita com isso: “Como é? Eu não era então um grande homem? O centro de todas as coisas?” – Não, meu filho, você é um grande beneficiado; você é grande pelos dons que recebeu. Trate de agradecer esses dons e de corresponder.”
Nós não estamos habituados também a uma ideia de sermos objeto de uma tão grande bondade. E uma das razões pelas quais não estamos habituados é porque o mundo revolucionário não tem mais bondade; tem cálculo, tem proporção assim: “eu te dou, você dê; eu faço, você faça.” Não tem mais nada do que isso. Na melhor das hipóteses, conhece só a justiça. Mas essa generosidade que dá assim a perder de vista, essa generosidade o mundo revolucionário não tem mais.
Nós por isso não sabemos o que é confiança, não sabemos o que é perdão, não sabemos o que é a bondade extrema com que Nosso Senhor fecha os olhos a tantos pecados nossos, para ainda mais uma vez, desde que nós nos confessemos, se dar de novo.
Para os senhores compreenderem uma coisa… Santo Inácio evidentemente não podia fazer uma “Suma” sobre a Eucaristia. Mas para os senhores compreenderem isso é preciso ver o seguinte: esses Apóstolos a quem Ele se deu pela primeira vez estavam tão tíbios que eram eles que naquela noite iriam abandoná-Lo etc., etc., e Ele sabia. E essa prova suprema do amor dEle, Ele deu com alegria. Ele disse o seguinte: “Eu desejei de um grande desejo” – está no Evangelho, são palavras de Fé, a gente não pode por dúvida – “Eu desejei com grande amor comer essa ceia convosco”. Quer dizer, Eu desejei com grande desejo ser recebido por vossas almas tíbias.
Então, quando a gente vai comungar a gente deve pensar isso: Nosso Senhor está ali dentro desejando com grande desejo ser recebido por minha alma, com todas as suas imperfeições. Com que confiança eu vou para a Comunhão, com que festa é durante todo o dia pensar: “Nosso Senhor está me desejando com grande desejo para o dia seguinte.”
Os senhores tomem a mais santa das comunhões que houve na Terra: a Comunhão de Nossa Senhora, porque todo o resto não é nada em comparação com Ela, a mais santa das comunhões. Ela estava abrasada do [desejo] de comungar; o desejo dEla de receber a Nosso Senhor era infinitamente menor do que o desejo de Nosso Senhor de receber a Ela, de tal maneira o amor dEle é maior do que o nosso. Aí os senhores podem imaginar o amor que Ele tem de nos receber.
Então nós não devemos ir para a Eucaristia como quem acha que vai submeter a Nosso Senhor a um tormento. Podemos rezar: “Ele vai entrar na minha alma indigna. De fato, é indigna, e eu me confundo. Mas de outro lado eu me maravilho pensando que dentro do sacrário Ele está à minha espera com um sorriso, e que na minha alma indigna, minha alma que está em estado de graça – mas só isso -, na minha alma indigna Ele entra com verdadeira delícia.” “A delícia dEle é de estar com os filhos dos homens”, são a palavras do Espírito Santo. Quer dizer, assim nós devemos ir para a Comunhão.
Então os senhores compreendem por que na Quinta-feira Santa a Igreja faz uma festa da instituição da Eucaristia, tudo flores, paramentos claros etc., etc. Por quê? Porque é a festa de suma indulgência dEle dando-se para todos os homens, em todos os tempos, e para aqueles homens tíbios, naquela ocasião.
Aí os senhores compreendem bem como essas coisas grandes não nos devem achatar, mas como elas tem inteira proporção com a nossa pequenez, e como há um modo de vê-las como não ficamos exilados diante delas, mas nós nos sentimos diante delas inteiramente à vontade.
Eu lhes daria uma comparação: os senhores imaginem que um homem, o maior artista da Terra e que além do mais fosse um gigante que tivesse o tamanho do Pão-de-Açúcar, fizesse um trabalhosinho em esmalte, pequeno, muito delicado e muito bonito. Ele consideraria esse trabalho em esmalte com encanto, foi ele que fez e ali está uma expressão de sua arte.
Assim Deus infinito olha a nossa alma, tão pequena para Ele, mas nós somos de algum modo miniaturas dEle. E Ele olhando a nós, feitos à Sua semelhança, se encanta em ver algo por onde nós, correspondendo à graça, podemos parecer com Ele e é com esse amor que Ele nos espera. Quer dizer, é para essa intimidade que Ele nos convida.
Nunca os senhores serão íntimos de ninguém como podem ser íntimos de Nosso Senhor na Sagrada Eucaristia.
Então isso não nos deve trazer a sensação de estar meio exilados dentro de um temática grande demais e que ao mesmo tempo nos atrai, mas diante da qual nós perdemos a força. Mas nós devemos compreender que um amor imensamente maior de tudo o que nós pensamos, um carinho, uma alegria, nos esperam na hora da Comunhão.
Poucas coisas talvez sejam tão boas, para a minha geração nova que tem acessos de timidez, quanto comungar pensando na alegria que Nosso senhor está tendo em ser recebido em Comunhão por cada um de nós. Quem sabe se é esse o tema da Comunhão amanhã. Os Srs. terão feito uma linda Comunhão.
Eu pergunto se querem me perguntar alguma coisa.
(Pergunta: Gostaria de dizer o seguinte: essa teorização que o Sr. está fazendo é muito ortopsíquica para todos nós, o pedido era mais o seguinte: que o Sr. complementasse isso com parábolas)
É exatamente… aqui “espreme” a estória. Porque Santo Inácio quer que a gente fique na lógica.
Eu poderia em alguma outra meditação sobre os Mistérios da Paixão, por exemplo, ou os Mistérios da vida de Nosso Senhor fazer a composição do lugar, conforme indica Santo Inácio. Mas propriamente ele quer que se fique na lógica, porque o suco da virtude é ser uma água que nasceu da pedra. A água é o afeto da alma nascido da pedra que é a lógica. A água, para ser pura, precisa nascer da pedra. E a virtude, para ser verdadeira, precisa nascer da lógica. “Il faut passer par là” (é preciso passar por aí). Está bem, meu caro?
E é por causa disso que os srs. verão que eu nunca peço aos senhores alguma coisa sem fundar em raciocínio. Nunca! Tudo o que eu peço, os srs. sabem por que é que eu peço.
Por quê? Porque eu não quereria que os senhores fizessem sem saber o porquê. Pois teria muito menos mérito aos olhos de Nosso Senhor. Mas sabendo o porquê, sendo fruto da lógica… Deus é o Deus da verdade. Quer dizer, a lógica é o meio de conhecer a verdade. Ele é, portanto, o Deus da lógica e quer que as nossas deliberações de alma nasçam da lógica. Onde o senso lógico está cambaleante, a virtude está cambaleante.
Essas conferências de Santo Inácio, de minha parte, são tentativas de estaquear a lógica, para que ela sirva exatamente de ponto de partida para todas as construções de nosso espírito. Não evidentemente uma lógica racionalista [cartesiana], mas uma lógica baseada na Fé. Esse é o ponto. Não sei se está claro, ou se alguém quer me perguntar alguma coisa…
(Pergunta inaudível, mas cujo sentido é porque antigamente a Igreja não promovia a Comunhão frequente?)
Os historiadores da Igreja costumam acentuar que, anteriormente, nos primeiros tempos das catacumbas etc., durante a Idade Média, houve a Comunhão diária, em várias fases. E que depois, nas fases de decadência, havia esfriamento [em relação à Comunhão]. E a Igreja abandonou… a “Igreja”…, o corpo abandonava a Comunhão diária. E séculos mais tarde, houve uma heresia chamada jansenismo, condenado pela Igreja, mas que apesar disso se difundiu muito entre os fiéis. E que considerava que a pessoa devia comungar no máximo uma vez por ano, e comungar com verdadeiro terror diante da grandeza de Deus que vinha para ele.
Então, este erro ficou mais ou menos entranhado, como castigo para os homens, até que São Pio X rompesse. Não sei se minha resposta foi clara.
(Pergunta inaudível)
Houve períodos de comunhões frequentes e até diárias, porque correspondiam a muito fervor; e depois períodos de decadência em que a Comunhão deixava de ser diária, como na vida de um homem. Pode-se imaginar que ele tenha períodos de Comunhão diária e depois decaia infelizmente e deixa de comungar diariamente e depois então volta. Está certo?
Então, meus caros, creio que nós podemos encerrar…
Eu recomendo que passem diante de uma ou outra imagem de Nossa Senhora e rezem três Ave-Marias pedindo a Nossa Senhora para que a Comunhão de amanhã seja impregnada dessa confiança, dessa alegria e dessa seriedade que nós devemos levar na Comunhão e que com isso Nosso Senhor nos favoreça cada vez mais.