Eremo do Amparo de Nossa Senhora, jantar, 30-12-1981
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Quando Napoleão atacou a Áustria, esta se defendeu. Mas ela estava encharcada- como toda Europa – e se defendeu de um modo incompleto, sendo surrada violentamente. Como a Prússia, aliás, também foi, a Rússia e todo mundo foi surrado.
Depois veio o Tratado de Viena, 1814, que consagrou a extinção do Sacro Império Romano Alemão, e ficou a Áustria.
A Alemanha liderada por Bismarck deu no que sabemos: parte de seu povo ficou com mentalidade industrial, mecanizado, “ploc-ploc” [espírito geométrico, n.d.c.]. Ou seja, transformou-se em matéria prima para a tentativa de Hitler fazer o que bem entendeu…
A Áustria ficou com qual missão? Não é como habitualmente se apresenta nos manuais de História. A Revolução, para conquistar a Europa, tinha que conquistar os Balcãs e aquela parte da Europa Central que ainda não estava inteiramente civilizada. Os Balcãs tinham sido até há pouco domínio turco e a Revolução tinha que industrializar os Balcãs para alterar a mentalidade deles e ela mesma dominá-los.
A Hungria estava muito incompletamente adaptada à civilização moderna, a Tchecoslováquia também.
Viena se transformou num centro bancário enorme que estendeu as redes da finança por toda aquela zona, engajando no regime de banco, de finanças e no regime moderno a economia agrícola, rural, pastoril e primitiva daqueles povos. E espalhando o que se chama “progresso” por aquela região toda para ali entrar a Revolução.
De maneira que ela que fora a capital da expansão da Fé, que tinha a representação, as lembranças, as joias de Carlos Magno, tudo isso Viena deixou de ser isso para ser a Viena da finança, a Viena do “progresso”, a Viena da Revolução. E só lhe foi tolerada alguma grandeza, pela Revolução, na medida em que Viena servia de escrava para a Revolução.
Até que ponto a Providência permitiu isso, com os braços cruzados? Até que ponto a Providência tentou repor a Áustria no seu verdadeiro caminho?
É óbvio que estou pensando num documento que creio ao menos os mais velhos conhecem, e é a famosa carta de São João Bosco a Francisco José.
Carta de São João Bosco ao Imperador Francisco José I, 24 de maio de 1873
Isto diz o Senhor ao Imperador da Áustria:
“Cobra ânimo: zela por meus servos fiéis e por ti mesmo.
“Minha ira está para estalar sobre todas as nações da Terra, porque se quer fazer olvidar minha lei e levar em triunfo os que a profanam, oprimir os que a observam.
“Queres tu ser a vara de meu poder?
“Queres cumprir minhas vontades arcanas e tornar-te benfeitor da humanidade?
“Apoia-te nas nações do Norte, mas não na Prússia.
“Estreita relações com a Rússia, mas não faças nenhuma aliança com ela.
“Associa-te à França católica. Atrás da França virá a Espanha.
“Formai um só espírito, uma só ação.
“Sumo segredo com os inimigos de meu santo nome. Com prudência e com energia vos tornareis invencíveis.
“Não acredites nas mentiras dos que te dizem o contrário.
“Não pactues com os inimigos do Crucificado.
“Espera e confia em mim, que sou Quem dá as vitórias aos exércitos, o salvador dos povos e dos soberanos”.
Amém. Amém.
Fonte: Archivio Salesiano Centrale, Roma, (AS S132 Sogni 1). Fotocopia del manoscritto di Don Gioacchino Berto segretario, con postille marginali autografe di San Giovanni Bosco, descritto e trascritto da Don Angelo Amadei nel vol. X delle Memorie Biografiche.
Nota: Infelizmente, o imperador Francisco José I não obedeceu e aliou-se com a Prússia durante a Primeira Guerra, falecendo em 1916.
Francisco José foi um homem representativo de sua Pátria no mais alto grau. Se há um homem que foi o austríaco, a meu ver esse foi Francisco José. E é muito bonito a gente ver um soberano que é a encarnação de sua própria pátria, fica-se encantado com aquilo. Ele tinha a majestade de um imperador, com a doçura de um austríaco, a firmeza de um militar, as mil gentilezas de um diplomata. Ele era um homem completo.
Ele era muito inteligente? Há dois modos de ser inteligente: um modo é saber fazer raciocínios, conferências, escrever e – em ponto maior – fazer o que estou fazendo aqui.
Há um outro modo que não é diretamente fazer nada disso, mas é compreender seu próprio papel, sua própria missão e realizá-lo até os próprios limites. Não é ler nenhum livro, não é fazer nenhuma conferência, mas é esta superior forma de inteligência que comunica ao indivíduo a arte de saber ser. Essa arte ele possuía com uma espécie de plenitude.
O imperador Francisco José em 1874, com a idade aproximada em que recebeu a carta que lhe enviou São João Bosco, com as instruções dadas pelo próprio Deus, de qual deveria ser sua geopolítica (pintura de Heinrich von Angeli, Museu do Hermitage, São Petersburgo)
Mas ele tinha uma coisa das mais grotescas que pode haver e que era moda no tempo dele: uma barba que chega até aqui (…) e depois está aqui (…); no meio raspado. E por cima passa como ponte um bigode… Mas como era moda em seu tempo – ele não devia seguir a moda… – deixou crescer aquilo. De maneira que ficava naquela cara raspada e um pescoço peludo. Uma coisa difícil de entender e de imaginar, mas era assim.
Com o tempo – como todo mundo – ele foi envelhecendo. Até o fim de sua vida, mantinha o porte ereto, em uma atitude prestante. Ele tinha qualquer coisa do jovem nos invernos da velhice.
Bom! Esse homem quando tinha em torno de 40 anos, pelo que estou calculando, recebeu a famosa carta de São João Bosco. Se eu tivesse previsto que íamos tratar disso aqui, teria trazido a carta para reler, mas essas coisas se improvisam, não são programadas; a improvisação dá pelo menos um pouco de atrativo a uma conversa durante um jantar.
Então a recomendação para ele era nesse sentido: procurar ser aliado da França, aliado da Espanha; cuidado com a Prússia, cuidado com a Rússia. Sem atacar, não se deixar envolver. E que ele tomasse a liderança da luta pela causa católica na Europa inteira, a começar dentro da Áustria. Punisse os maus e apoiasse os que fossem de acordo com a Igreja Católica. Quer dizer, fazer a Contra-Revolução.
Deus lhe prometia, por meio de São João Bosco, que ficaria ao lado dele e levaria o poder da Casa da Áustria ao maior esplendor.
De maneira que antes da casa ruir, antes da flor fenecer, antes da fruta cair do tronco, Deus ainda se voltou afável e disse: Eu que sou onipotente não quero colher-te, nem imolar-te antes de te dar essa possibilidade. Vem e basta que tu Me ames e que tu executes tua tarefa natural – porque era bem a tarefa dela naquele tempo –e eu me esqueço de todo o passado, vencerei na Europa pela força do teu braço. Convido o teu braço, tua espada, tua glória, o nome da tua família, o teu sangue, a se pôr a serviço dessa causa. Vamos, Meu filho e anda!
E Francisco José não fez nada. O resultado foi a série de desastres que se abateram sobre a Áustria e sobre a Casa dele. Os senhores conhecem todas aquelas coisas: a atitude da imperatriz que se separou dele, que levou a uma vida errante, sem destino, pela Áustria afora, acabou sendo assassinada por um anarquista italiano na Suíça. Como teria sido fácil à Providência evitar isto. Aliás para Deus tudo é fácil, o que não é fácil para Ele?
Mas o que quero dizer é que não dependia aqui da correspondência, da virtude de alguém; era só Deus não querer que se acabou!
Os senhores conhecem o drama de Mayerling com o filho de Francisco José. Os senhores conhecem o drama de Saravejo com o herdeiro do trono. Os senhores conhecem toda a tragédia da destituição da monarquia na Áustria, do imperador Carlos que morreu de tuberculose na ilha da Madeira, no exílio, na pobreza, em condições tristíssimas, sendo que ninguém o socorreu. Os srs. conhecem todo o resto dessa história.
História tristíssima e que levou imbecis – aliás, os imbecis são sempre muitos… – muita gente disse que havia uma espécie de fatalidade que pesava sobre a Casa d’Áustria e a estrangulava. E mais ou menos dando a entender que Deus já não amava a velha Casa d’Áustria e a entregava ao demônio para fazer dela o que quisesse. Um pouco havia de razão, porque depois desta prova de amor da Divina Providência, a recusa, o que significa?…
Há uma coisa mais cruel do que isso: creio que hoje em dia não poucos nobres austríacos não sabem mais dessa carta, sendo que ela se encontra na coleção das obras de São João Bosco, editada pela famosa editora espanhola B.A.C. [Biblioteca de Autores Cristianos], cujo original se encontra em poder dos salesianos. De tal maneira o documento foi menosprezado por Francisco José que ele provavelmente não contou aos parentes, sendo que São João Bosco tinha fama de santo em vida dele! Era generalizada sua fama de santidade.
E é uma coisa incrível: os revolucionários, para terem face, fingiam que admiravam a São João Bosco. O famoso revolucionário italiano Cavour, por exemplo, fingia-se de amigo de São João Bosco e se alegrava de fingir-se tal.
O Imperador de Áustria, nos seus 40 anos, receber uma carta dessas e não dar importância…
O jantar terminou…
Cabe-nos agradecer a Nossa Senhora e considerar o seguinte: quando bate um vento que leva a semente de uma árvore muito longe e deposita essa semente num solo onde ela pode expandir-se, a gente cultiva a árvore alienígena que aí se desenvolve com todo o afeto. Mas pensando nisto: que bonito se esta árvore der sementes e a gente puder replantá-las na terra de origem e formar um grupo que faça ali Contra-Revolução. Como seria uma coisa bela!
Se a Providência nos ajudar, portanto, a isso, como eu gostaria! Um dia eu falarei das perspectivas para a Espanha, da terra dos ”hidalgos” altivos e altaneiros e falaremos de outras coisas desse gênero. Hoje me pediram especialmente que falasse da Áustria, alguma coisa, “à vol d’oiseau” [como um voo de pássaro], está falado.
Quem sabe se o orvalho cai sobre toda a velha Europa e no Reino de Maria ainda teremos uma França no apogeu, uma Áustria… uma Europa toda no apogeu, um Portugal no apogeu… Esperemos, esperemos!
Vamos encerrar não rezando apenas as orações do jantar, mas três Ave Marias para agradecer a Nossa Senhora tudo quando Ela fez a esses povos e pedir que Ele faça de novo. Sem esquecer do “hífen”…
Ave Maria gratia plena…