Catolicismo, Nº 15 – Março de 1952, págs. 3 e 4
Plinio Corrêa de Oliveira
São João de Capistrano (1385-1456) pregando durante a batalha de Belgrado (Museu nacional abruzesse, pintor ignoto, Aquila, Itália)
Senti sempre marcada predileção por São João de Capistrano, cuja festa a Igreja celebrará no próximo dia 28 de março (atualmente celebrada a 23 de outubro, ndc). As razões desta predileção não são meramente pessoais. Antes parece-me que se nossos contemporâneos – pelo menos os católicos – conhecessem, todos, e admirassem a figura do grande Franciscano, outra seria atualmente a situação da Igreja e do mundo. Assim, pois, parece-me que algumas reflexões sobre São João de Capistrano, e a oportunidade de seu culto em nossos dias, constitui matéria de interesse para mais de um leitor. É tendo isto em vista, que escrevemos o presente artigo.
A perfeição moral e o ato de fé
O ponto de partida destas considerações se localiza em uma verdade fundamental, e por isto mesmo muito conhecida. Não há o que disponha mais as almas para aceitar os argumentos de credibilidade e fazer o ato de fé, do que o conhecimento do que seja a verdadeira santidade. Em outros termos, a Igreja ensina aos homens um ideal de perfeição moral. Este ideal é extremamente árduo, e exige terríveis sacrifícios. Evidentemente, o receio destes sacrifícios mantém muitas almas arredias da Religião. Para não reconhecerem a necessidade de suportar o jugo dos Mandamentos, aceitam sem maior exame, e muitas vezes com sofreguidão, quaisquer argumentos que encontrem contra a doutrina católica. E, de outro lado, submetem em seu foro íntimo todos os ensinamentos da Igreja a um exame hiper-crítico, unilateral e apaixonado, procurando de todos os modos argumentos que lhes permitam continuar fora dela. O melhor modo de vencer este estado de espírito consiste em mostrar aos não católicos, em suas verdadeiras cores, a sublime perfeição moral a que a Igreja chama os fiéis, e despertar neles a admiração por esse ideal, juntamente com o desejo de o realizar em si mesmos. Não foi de outra maneira, que o Cristianismo venceu a Roma pagã. Se bem que a austeridade da Religião de Jesus Cristo desagradasse à sensualidade, à moleza, ao orgulho dos pagãos, entretanto muitos houve que se deixaram empolgar pela consideração das virtudes que brilhavam nos cristãos, e se sentiram propensos a aceitar os maiores sacrifícios a fim de realizar em si mesmos estas virtudes. É supérfluo encarecer quanto este movimento de alma predispunha os espíritos a julgar sadiamente as coisas, e a realizar o “rationabile obsequium” do ato de fé.
Na história de todas as conversões, encontra-se qualquer coisa disto, mais ou menos explicitamente, mais ou menos marcadamente; e em todo o caso, sem que alguém professe admiração pelo ideal de perfeição moral praticado e ensinado pela Igreja, a conversão, em todos os tempos, é impossível. De onde decorre ser altamente desejável que este ideal seja bem conhecido pelos não católicos.
A perfeição moral e a emenda da vida
O mesmo se poderia dizer, mutatis mutandis, dos católicos. Também para nós, católicos, uma “conversão” é possível. Convertemo-nos quando passamos de uma vida má, ou pelo menos tíbia, para uma vida fervorosa. Esta conversão implica sempre em uma mais perfeita prática dos Mandamentos. E, por sua vez, o católico só se resolve a esta prática quando, tocado pela graça, se sente penetrado de compreensão e admiração do que seja a virtude cristã. Sem que alguém admire uma virtude, não é capaz dos sacrifícios – muitas vezes heróicos – que sua prática supõe. De outro lado, impossível é que conheçamos e admiremos uma virtude, sem que experimentemos o desejo de a realizar em nós. Assim, pois, o afervoramento dos fiéis – tema de importância suma em um país como o Brasil, em que a população é quase unanimemente católica, mas em que os católicos em sua grande maioria não têm fervor – depende também de um conhecimento exato, e de uma profunda admiração pela santidade.
Um problema básico
A conversão dos infiéis, o afervoramento dos fiéis, nisto se compendia todo o esforço do apostolado cristão. Se para um e outro ponto é de capital importância que se conheça e admire a santidade como a Igreja a ensina, é evidente a importância da seguinte pergunta: a generalidade dos homens, a generalidade dos fiéis gostaria de ser católicos fervorosos e completos? Em caso negativo, porque não? Sabem eles o que é um católico na plena acepção do termo?
Tornemos mais nítidos os contornos da questão. CATOLICISMO é especificamente uma folha para orientação da opinião católica. Seus leitores supõe-se que sejam católicos, com um nível de instrução religiosa e de fervor superior à média. Seria, pois, descabido perguntar-lhes se sabem no que consiste o ideal de perfeição moral ensinado pela Igreja. Consideremos um brasileiro mediano qualquer, ou seja o primeiro homem que encontramos diante de nós na rua, ao lado do qual nos sentamos no engraxate, ou que viaja a nosso lado no auto-lotação. E perguntemos a esse brasileiro mediano qual é a seu ver a fisionomia moral de um homem que se deixe influenciar inteiramente pela Igreja, pensando como Ela pensa, freqüentando assiduamente os Sacramentos, praticando à risca Sua moral. A maior parte das pessoas medianas a quem nos dirigirmos nos fitará no primeiro momento, um pouco surpresa e perplexa com a pergunta, pensará talvez um minuto ou dois, e responderá com toda a naturalidade: “… é claro, um tal homem ficaria um carola”.
Convém não exagerar. Não queremos afirmar que a imensa maioria dos brasileiros de mentalidade religiosa standard respondesse assim. Mas é certo que em um muito grande número de casos a resposta será esta. “Um carola”, um “beato”, o que vem a ser isto? A pergunta apresenta grande interesse. Pois, para todos estes numerosíssimos brasileiros, existe a idéia de que se eles próprios se tornarem muito católicos ficarão “carolas” ou “beatos”. E sua atitude perante a Igreja será, portanto, influenciada a fundo pelo que pensarem a respeito de “carolice” e “beatice”. Pois dado que “carola” e “beato” lhes parecem coisas nefandas, consideram nefando ficar muito católicos. E, pelo contrário, dado que a “carolice” e a “beatice” lhes parecessem coisa decorosa e atraente, seriam propensos a se afervorar.
A questão, posta assim, penetra de tal maneira na trivialidade da vida quotidiana, é tão pouco acadêmica, tão pouco livresca que fará sorrir os sociólogos de gabinete. É natural. Não há coisa que um sociólogo de gabinete mais despreze, do que a realidade objetiva, crua, palpitante, a realidade – não dos romances, nem das academias, nem da literatrice sociológica – mas da vida quotidiana, em sua autenticidade absoluta, em seu aspecto prosaico, em seu sabor de verdade. Deixemos pois de lado os sociólogos de gabinete, deixemo-los com seu sorriso e sua sociologia, em seu gabinete, e vamos nós à realidade.
O que é um “carola”?
Para a categoria de brasileiros de que falamos, a personalidade do carola ou do beato, outros diriam do “maricas”, se define mais ou menos assim:
1 – Ele se orienta muito mais pelo sentimento do que pela razão. Não tem propriamente opiniões, mas impressões. Crê, precisamente por isto. Sua fé seria um modo de satisfazer as aspirações de seus sentimentos. E não propriamente um “rationabile obsequium”.
2 – Por isto mesmo, também, é muito “bom”, esmoler, compassivo. Nunca se irrita, porque toda e qualquer irritação é defeito espiritual. Não luta, não combate, nem sequer para se defender: seria pecado. Não fala contra nenhum erro, nenhum vício: poderia ofender a alguém, e sempre que se causa desgosto a alguém, é sinal de que se pecou contra a caridade. Ademais, falar mal de quem quer que seja supõe anteriormente pensar mal. E sempre que fazemos de outrem um juízo desfavorável cometemos o pecado de juízo temerário.
3 – O carola entende muito de orações, pequenos fatos eclesiásticos, enfim tudo quanto se passa dentro do templo ou na sua vizinhança imediata: a sacristia, as associações religiosas, etc. Entretanto, fora disto nada lhe interessa. Nem política, nem economia, nem administração, nem ciências, e nem sequer os campos mais altos da cultura religiosa: filosofia, teologia. Quando muito abrirá exceção para a vida dos Santos. Mas neste caso procurará livros de gênero literário, que acentuem a todo o momento o lado emotivo e sentimental.
4 – Em matéria de caridade, será muito propenso a tudo quanto diga respeito à beneficência material. Curar ou diminuir dores materiais, é coisa de que certamente ele entende. Mas apostolado, salvar almas, curar dores espirituais, eis aí o que lhe parece secundário!
Tudo isto constitui, no conjunto, o que depreciativamente se poderia chamar um “rato de sacristia”.
O “carola” e o homem contemporâneo
Que pensar de um católico assim? Em sua personalidade se congrega caracteristicamente tudo quanto há para o homem do século XX de mais desprezível. Em primeiro lugar, porque o “carola”, bem ou mal, é um idealista, e, de certo modo pelo menos, um homem de Fé. Ele possui todas as grandes qualidades essenciais que o pagão do século XX abomina: puro de costumes e de linguagem, calmo, desapegado dos bens da terra, honesto, é ele a antítese mais flagrante do homem dinâmico, brasseur d’affaires, ou business man, que vive não para o Céu mas para esta terra; que deseja antes de tudo e acima de tudo enriquecer, honestamente se possível; que depois de um dia de trabalho agitadíssimo, encontra tempo e disponibilidades mentais para freqüentar as boites, os night-clubs, os dancings em que ficará até altas horas. Para um homem que endeusou assim a lascívia e o dinheiro, do que pode valer um “pobre coitado” que só pensa em Deus, seus Anjos e Santos?
Não é de espantar se, tudo somado, o “carola” seja, para o homem de negócios, para o sibarita, uma espécie de palhaço.
Não podemos passar adiante, sem dizer nossa opinião acerca desta crítica. Se devêssemos escolher entre os dois extremos, preferiríamos mil vezes o carola. Pois este ao menos não ofende gravemente, nem a Deus, nem à Igreja, nem ao próximo. De outro lado, se a mentalidade hodierna, em lugar de ser dominada pela sensualidade e pela ganância, não tivesse senão os defeitos do “espírito carola”, o mundo de hoje estaria talvez mais atrasado. Mas pelo menos não estaria, como está, às portas do abismo.
O “carola”, caricatura do verdadeiro católico
Mas, isto não obstante, se não concordamos em ver no carola um palhaço, somos obrigados a dizer com toda a sinceridade que vemos nele uma caricatura. Triste e perniciosa caricatura do que o verdadeiro católico deverá ser.
Segundo a doutrina católica, a Lei de Deus preceitua para o homem um procedimento em harmonia com a própria natureza humana. Assim, desde que o homem conforme todos os seus pensamentos e seus atos à Lei de Deus, deve forçosamente vencer tudo quanto moralmente o limita, o deforma, o degrada; e deve desenvolver tudo quanto realiza plenamente sua personalidade.
Assim, o fruto verdadeiro e próprio da piedade consiste em estimular de todos os modos a inteligência e a vontade, em elevar, afinar e disciplinar a sensibilidade. E um homem assim enriquecido em sua personalidade, quando posto diante das tarefas e das lutas da existência quotidiana, não pode deixar de se afirmar de modo excepcional, na adversidade como no sucesso.
É certo que para o bom católico o centro da vida é a Igreja, com Seu magistério, Sua vida de oração e de apostolado, de sorte que não só este seja o pólo de atração constante de seu pensamento, o móvel último de suas ações, mas o ponto de vista do qual considerará toda a vida.
Mas – note-se este particular – quanto mais alto o mirante, tanto mais vasto o panorama. A fé, longe de estreitar as vistas do fiel, amplia imensamente seu campo de visão. Política, economia, sociologia, História, artes, ciências, em tudo isto sua inteligência vê mais claro, precisamente porque vê mais do alto.
E porque o católico vê tão bem, tão de cima, tão a fundo, é ele não um homem de impressões sentimentais e cambiantes, mas um homem de convicções rijas, sadias, razoáveis, fecundas; em uma palavra, um homem de princípios.
Homem de princípios firmes implica em dizer homem de vontade forte. O católico tem que possuir uma têmpera exímia de realizador e de lutador. Pois os princípios o obrigam a uma luta constante, em que deve aprender, não só a discernir entre bons e maus, mas a desmascarar a maldade disfarçada em virtude, e a abater a impiedade cínica e insolente.
A este respeito, cumpre acrescentar que nada é mais falso do que imaginar que o católico jamais deve irritar-se. A ira, em si, é um movimento de sensibilidade – uma “paixão” diz a Filosofia – como os demais: nem bom nem mau. Será bom se vibrar conforme a razão, e mau se vibrar contra a razão. Se uma pessoa se irrita sem motivo, comete uma imperfeição. Se, de outro lado, tem justa causa para irritar-se, e permanece átona, também cai em imperfeição.
Comparando-se um homem estruturado segundo estes princípios, com o “carola”, bem se compreende como este é a mera caricatura daquele.
E de outro lado, quantas almas há, que entenderiam mais a Igreja, e ambicionariam mais a virtude, se se lhes explicasse que nossa Religião não tem por fruto próprio e normal formar carolas, mas homens como os que acabamos de descrever.
São João de Capistrano, antítese perfeita do “carola”
O Santo é um fiel que praticou em vida, em grau heróico, todas as virtudes que a Igreja ensina. Canonizando-o, a Igreja proclama reconhecer na pessoa dele a imagem fiel e autêntica do espírito católico. Por isto a leitura de qualquer vida de Santo – exceção feita das que, com intenções presumivelmente boas, desfiguram o Santo apresentando-o como um carola – confirmaria o que estamos dizendo. Mas em certos Santos nossa tese é particularmente saliente. É o caso de S. João de Capistrano, frade piedosíssimo, diplomata brilhante, orador sacro dos maiores de seu século, e um dos guerreiros mais famosos de seu tempo.
Nasceu João de Capistrano na Itália, em 1385. Sabe-se que seu pai era um guerreiro que acompanhou o Duque de Anjou em sua expedição à península, mas os historiadores não são concordes quanto à sua nacionalidade: se francesa ou alemã.
Jurista e homem de Estado
Desde cedo, consagrou-se João à vida pública, indo estudar leis em Perugia, onde foi aluno do famoso Pietro Ubaldo. Tal foi a consideração de que soube cercar-se, que pouco depois foi elevado à dignidade de governador da cidade, cargo durante cujo exercício lhe tocou, em 1416, representar Perugia nas difíceis negociações destinada a pôr termo à guerra em que se encontrava com a família Malatesta. Durante estas negociações, foi aprisionado. E, pouco depois, atendendo ao chamado de Deus, deliberou abandonar o século, fazendo-se franciscano.
Vigário geral e Reformador da Ordem Franciscana
Religioso exemplar, teve João a ventura de possuir como mestre de Teologia o grande São Bernardino de Siena, que influenciou a fundo seu espírito, e do qual hauriu uma ardentíssima devoção ao Nome de Jesus. Esta devoção fora propagada por São Bernardino com imenso êxito, e João foi seu continuador neste santo apostolado. Arguto, enérgico, percebeu com clareza que perigosos germens de decadência espiritual minavam naquele tempo a Ordem Seráfica. Por isto, foi dos mais ardentes propugnadores de uma reforma na Família de São Francisco. Para levar a cabo esta obra delicadíssima, e de caráter essencialmente religioso e espiritual, seus irmãos de hábito o elegeram em 1438 Vigário Geral da sua Ordem. Empreendeu ele então diversas viagens pelo exterior, a fim de estender e assegurar por toda a parte os benefícios da reforma. Foi durante uma destas viagens, que conheceu na França Santa Colette, que com exemplar austeridade reformava as Clarissas de seu país. São João de Capistrano estimulou-a para a realização de seu árduo apostolado, pois propugnava por toda a parte o espírito de mortificação e de austeridade.
Orador sacro e taumaturgo
Ao mesmo tempo, São João se revelou um orador sacro famoso. Em uma de suas prédicas, chegou-se a computar em 126 mil o número de seus ouvintes, dos quais muitos evidentemente não podiam escutar sua palavra, mas se contentavam com vê-lo, ou participar pelo menos da atmosfera do religioso entusiasmo que despertava. Sua fama de santidade espalhava-se ao longe. Por onde passava, postavam-se os doentes, à espera de uma cura por sua intercessão. E de tal maneira se generalizou a convicção de sua ação miraculosa, que certo dia foram mais de 2 mil os doentes aglomerados ao longo de seu caminho.
Sob estes aspectos, São João de Capistrano se nos afigura um homem da Igreja no sentido mais alto e completo da palavra. Insigne pela virtude, orador sacro empolgante, envolvido a fundo em negócios eclesiásticos de uma importância transcendente, como seja a reforma de uma grande Ordem Religiosa, revelava ele em todas estas atividades que seus dotes de homem de estudo, de governo, e de diplomata, longe de terem expirado sob o burel franciscano, haviam florescido admiravelmente para a maior glória de Deus. A santidade não fanara, mas elevara, desenvolvera, sua admirável personalidade.
São João de Capistrano com o rei Casimiro IV, da Polônia
Diplomata
Entretanto, São João de Capistrano, embora vivendo exclusivamente para a Igreja, seria chamado a prestar-lhe seus serviços em uma esfera mais próxima dos interesses temporais. A seu tempo, consumou-se a queda do Império Romano do Oriente, tendo sido conquistada a cidade de Constantinopla, em 1453, por Mahomet II. O islamismo representava naquele tempo, para a Cristandade, perigo semelhante ao do comunismo em nossos dias. Inimigo da Fé, visava exterminá-la da face da terra. A seu serviço, tinha as riquezas, as armas, o poderio de um dos mais vastos impérios da História, qual era àquele tempo o dos turcos. A luta entre os muçulmanos vindos do Oriente, e os cristãos do Ocidente, não era apenas um choque entre dois povos, mas entre duas civilizações, mais do que isto entre duas religiões. Ora, com a queda de Constantinopla, abriam-se para os turcos os caminhos da Europa Ocidental. Mahomet II não se deteve diante da brilhantíssima vitória que alcançou em Constantinopla. Prosseguiu pelos Bálcãs a dentro, visando atingir a Cristandade na Europa Central.
Ora, os europeus daquela época – parecidos nisto com os homens de nossos dias – preferiam não ver de frente os perigos, não tomar atitude, não lutar. Sensuais, dissolutos, com um fervor religioso muito decadente – preparava-se já a Renascença e o protestantismo – pouco se lhes dava do dia de amanhã, e menos ainda da eternidade. Queriam gozar somente o momento presente.
Como galvanizar contra o formidável poderio do Islã as forças dessa Cristandade decadente?
Tratava-se de agir sobre Príncipes e Reis, sobre Cardeais, Bispos e Clérigos, sobre fidalgos e sobre letrados, enfim sobre toda a massa da população, despertando a consciência de um perigo real, e aplainando as vias para uma geral colaboração no interesse da Igreja e da civilização cristã ameaçadas. Assim, tornar-se-ia por fim possível lançar contra Mahomet II uma cruzada.
Para este trabalho titânico, o Papa Calixto III e o Imperador lançaram os olhos sobre São João de Capistrano, que já exercera com brilho as funções de Núncio Apostólico, a pedido do próprio Imperador.
Sempre recolhido, sempre devoto, sempre contemplativo, São João de Capistrano lançou-se de cheio na tarefa. Participou ele assim em 1454 da Dieta de Frankfurt, em que o Sacro Império tomou a Cruz para repelir os turcos, e sua ação diplomática foi decisiva para obter a coligação dos príncipes cristãos, divididos entre si por questões temporais de toda ordem.
Guerreiro
O comando da expedição foi confiado a um nobre húngaro que se tornara ilustre em lutas anteriores, e que mais tarde adquiriu imortalidade na luta contra os turcos. Hunyade, auxiliado por São João de Capistrano, caminhou com as tropas cristãs em direção aos infiéis. O encontro decisivo deu-se na altura de Belgrado. Faltando a Hunyade quem capitaneasse a ala esquerda de seu exército, disto se encarregou São João de Capistrano, que se houve com raro acerto e vigor. Quando terminou a batalha, jaziam no campo mais de cem mil guerreiros muçulmanos, e Mahomet II estava em fuga. A Igreja conquistara admirável triunfo, a investida turca estava rechaçada.
São João de Capistrano incentivando as tropas católicas em plena batalha de Belgrado, defendendo a Civilização Cristã
Humanamente falando, que homem foi em seu século maior do que São João de Capistrano? Santo, orador, estadista, diplomata, Geral de uma Ordem Religiosa importantíssima, e por fim guerreiro, foi exímio em tudo. E o segredo de sua grandeza está precisamente na santidade, no auxílio da graça que lhe permitiu vencer os defeitos da sua natureza, e aproveitar admiravelmente todos os dons sobrenaturais e naturais que Deus lhe dera.
Pode haver algo de mais diferente do “carola” que descrevemos linhas atrás?
Não é bem verdade que muita gente teria mais desejo de ser ardentemente católico se compreendesse que a Igreja não forma carolas, mas homens com o esplendor da natureza elevada e dignificada pela graça?