Santo do Dia, 22 de fevereiro de 1964
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Os senhores sabem que Pio IX, um grande Papa do qual temos uma relíquia indireta, — um pedaço de seu caixão mortuário, — e cujo processo de canonização está introduzido [ foi beatificado por S.S. João Paulo II em 3 de setembro de 2000 ], teve um primeiro período de seu governo considerado liberal. Não que ele tivesse defendido algum erro doutrinário do liberalismo em seus documentos, mas tomou uma série de medidas tidas como liberais (*).
De tal maneira que na Itália daquele tempo, — dividida pitoresca, proveitosa e eficientemente em pequenos reinos, principados e cidades livres, — que pendia para a unificação, os independentistas que queriam unificar a Itália, davam um brado revolucionário pelas ruas para ligar e atrair a uma ação comum os anarquistas e os afilhados da seita de Mazzini: “Viva Pio IX!”.
Este brado recrutava nas ruas a fina flor dos lazzarones, dos sem vergonha, dos revolucionários, da máfia, da camorra e de tudo o mais que queiram, na luta contra aqueles pequenos tronos cujo desaparecimento hoje lamentamos.
Nessa situação difícil, em que um Papa era transformado em símbolo da Revolução, vivia o grande santo D. Bosco. Nos colégios de D. Bosco penetrava também o brado “Viva Pio IX”. E um ou outro desses alunos, que os senhores podem imaginar de que jeito eram, gritavam “Viva Pio IX” no meio do recreio. O brado de revolta.
Dom Bosco teve então uma atitude, que foi a seguinte: “não gritem ‘Viva Pio IX’, gritem ‘Viva o Papa’!” (**) É a saída soberanamente inteligente, porque “Viva o Papa” a gente deve gritar sempre. Isto está no processo de canonização de D. Bosco e não impediu que fosse canonizado nem que sua obra fosse abençoada pela Providência de todos os modos.
Na raiz disso está uma distinção muito importante: a distinção entre o Papa e o papado; entre a pessoa do Papa, sujeita às misérias humanas, sujeita também a erros onde não é amparado pela infalibilidade e, de outro lado, a instituição, que é inteiramente distinta da pessoa. E se é verdade que de vez em quando se grita: “viva fulano” e às vezes se cala e às vezes se chora, e sempre se reza, há um brado que se dá sempre, e este brado é “Viva o Papa”!, “Viva o Papado”!
É por causa disso que a festa que vai ser celebrada hoje, a festa da Cátedra de São Pedro, é uma festa extremamente oportuna, porque ela celebra o Papa enquanto mestre, ela celebra o Papado enquanto tendo uma Cátedra infalível que se dirige ao mundo e que esta é, de fato infalível. E é portanto a infalibilidade do Papa, por assim dizer, é a ortodoxia, aquilo em que o Papado não erra nunca, que é o objeto dessa celebração de hoje.
Sabemos que da Cadeira de São Pedro conservou-se quase toda a estrutura, guardada na Igreja de São Pedro, em Roma. Na “Glória” de Bernini existe uma Cátedra de bronze, oca, que de vez em quando se abre e que contém dentro um banquinho, que é considerado como tendo sido a cadeira de São Pedro.
A festa da Cátedra de São Pedro tem em vista este objeto, mas tem, muito mais do que esse objeto, em vista o fato de Roma ser a Cátedra de São Pedro, e o fato de Nosso Senhor Jesus Cristo ter dado a São Pedro uma Cátedra infalível, e o fato dessa Cátedra governar a Santa Igreja Católica Apostólica e Romana. É, portanto, esse fato que se celebra no dia de hoje.
Na nave central da Basílica de São Pedro há uma imagem, preta, de material escuro, que representa o Papa. É São Pedro, com as chaves na mão, sentando numa cátedra e com o pé à altura dos lábios dos fiéis. E todos os peregrinos que vão a Roma passam por lá e osculam o pé de São Pedro. O resultado é que com o ósculo mil e mil vezes repetido, o pé de São Pedro está até desgastado. Acho que é o único exemplo na história em que ósculos destroem bronze.
E o bonito é que no dia da festa do Papa — parece-me que no aniversário do Papa, em todo o caso no dia de São Pedro, — essa imagem é revestida com os ornamentos pontificais. De maneira que ela tem tiara, tem tudo, fica vestida como se fosse um Papa vivo, para indicar a magnífica e evidente solidariedade e continuidade que vai de São Pedro até o Papa de nossos dias.
Nós o que devemos fazer hoje? Em espírito, oscular o pé dessa imagem. Quer dizer, em espírito oscular o Papado, em espírito oscular esse princípio de sabedoria, de infalibilidade da autoridade que governa a Igreja Católica. E, por meio de Nossa Senhora, agradecer a Nosso Senhor Jesus Cristo a instituição da infalibilidade desta Cátedra, que é propriamente a coluna do mundo; porque se não houvesse infalibilidade, o mundo estava completamente perdido, a Igreja destroçada e com ela o mundo perdido. E também o caminho para o céu. Porque os homens não encontrariam o caminho para o céu se não houvesse uma autoridade infalível para governar.
Entretanto, uma coisa que devemos lembrar é o seguinte: a fidelidade à cátedra não se confunde inteiramente e sob todos os pontos de vista com a aceitação incondicional do que faz a pessoa. Nosso Senhor Jesus Cristo faz uma distinção entre a cátedra e a pessoa. Embora o catedrático seja ele e os poderes da cátedra residam nele, nem tudo nele é cátedra, e não podemos imaginar a Igreja como ela não foi feita por Nosso Senhor Jesus Cristo. A Igreja foi feita por Nosso Senhor Jesus Cristo de maneira a ser assim. (***)
Com a cátedra ou com o catedrático? Com a cátedra, até morrer, notando sempre que a cátedra nunca está fora do catedrático. E que portanto não se pode ter uma fidelidade abstrata ao papado, que não seja fidelidade concreta ao Papa atual, em toda medida em que ele é infalível e tem o poder de governar e reger a Igreja Católica.
LE BAISEMENT DES PIEDS DANS LA BASILIQUE DE SAINT-PIERRE A ROME
HAUDEBOURT-LESCOT, Antoinette Cécile Hortense, 1er quart 19e siècle
Musée National du Château de Fontainebleau
Notas:
(*) Para uma informação mais detalhada deste assunto ver, por ex., a matéria publicado por “Catolicismo” na edição de Janeiro de 1992, “Pio IX e Metternich”.
(**) Ver “I sogni di Don Bosco”, escrito por Eugenio Pilla, publicado pela editora Cantagalli, Siena, 2004, 4a. edicao, pag. 104
(***) Uma explicação mais detalhada deste ponto pode ser encontrada no livro “As CEBs… Das quais muito se fala, Pouco se conhece – a TFP as descreve como são”, de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e de Gustavo Antonio Solimeo e Luiz Sérgio Solimeo, na parte I, Cap. III – A intelecção deformada do tríplice “sentire” ( “cum Romano Pontifice”, “cum Episcopo”, “cum Parocho”).