Escudo episcopal de Dom Antonio de Castro Mayer
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– No atual estágio da evolução da sociedade humana, o Estado tomou consciência maior de sua própria autonomia, pelo que já não lhe é mais possível manter com a Igreja relações tão íntimas quanto outrora. Ao antigo Estado farisaicamente cristão, deve suceder, na futura Cristandade, um Estado vitalmente cristão, isto é, animado pelo espírito evangélico, fruto da colaboração de todas as religiões cristãs, seja mais ou menos densa a mensagem de cada qual, mas sem que haja por parte do governo especial proteção para qualquer delas. |
* O Estado tem por fim próprio prover o bem temporal, e em sua esfera é soberano. A Igreja, tutora do direito natural em todo o orbe, tem o direito de ver respeitadas as suas leis e doutrinas pelos poderes públicos temporais. O Estado deve declarar-se oficialmente católico, deve por ao serviço da preservação e expansão da Fé todos os seus recursos. |
Explanação
A sentença impugnada leva logicamente à doutrina da separação entre a Igreja e o Estado, condenada pelo Syllabus (prop. 55, D. 1755), e novamente proscrita por Leão XIII na encíclica “Immortale Dei” e pelo Bem-aventurado Pio X na encíclica “Vehementer”, e mais recentemente pela Carta da Sagrada Congregação dos Seminários ao Episcopado Brasileiro (A. A. S. 42, p. 841). Além disso a sentença impugnada contém varias outras noções inaceitáveis. No rigor da expressão, dir-se-ia que o regime de união entre a Igreja e o Estado, como existiu na Idade Média, representava uma fase incipiente ou intermediaria, que os povos, movidos pela força imanente da evolução, teriam superado. Ora, a Igreja não admite o determinismo histórico evolucionista, que contém a negação do livre arbítrio e da Providência divina. E igualmente não admite que as condições da humanidade tenham superado um regime de relações logicamente deduzido da Revelação, e da ordem natural e imutável das coisas (6).
Menos ainda pode a Igreja admitir que tal evolução se dê no sentido de um indiferentismo religioso, de tal sorte que numa futura cristandade, o progresso do Estado devesse consistir na equiparação de todas as religiões cristãs. Leiam-se as proposições condenadas no Syllabus sob n.° 77 e 79 e ver-se-á que esta é a doutrina da Igreja. Nesse célebre documento, o imortal Pio IX condenou a opinião daqueles que acham que a equiparação dos cultos significa um progresso (prop. 77, D. 1777), e a daqueles que negam que semelhante equiparação conduza ao indiferentismo religioso (prop. 79, D. 1779) (7).
Merecem ainda reparo as palavras “cristandade”, “farisaico”, “vital”. Uma cristandade é uma ordem temporal de coisas, baseada na doutrina de Jesus Cristo. Se só a Igreja Católica ensina esta doutrina de modo genuíno, como pode uma cristandade organizar-se a igual distância do que ensina a Igreja e do que pregam as seitas heréticas? Um exemplo concreto. Se tal cristandade admitisse o divórcio, a organização da família seria cristã? E se o rejeitasse, poder-se-ia dizer inspirada tanto pela doutrina católica, quanto pela das seitas cristãs divorcistas?
De outro lado, parece que a palavra “farisaico” soa como uma injúria à Igreja. Se o regime de união da Igreja e do Estado foi sempre o único aceito pela Igreja; se, a despeito de irregularidades aqui e acolá, foi ele aprovado, mantido, praticado por tantos Papas, por tantos Reis elevados à honra dos altares, como conceber que este regime seja susceptível de ser qualificado de “farisaico”, sem daí inferir conseqüências das mais injuriosas para a Santa Sé e para tantos Santos?
Quanto a “vital”, que quer ao certo dizer esta expressão? Vital significa normalmente o que tem vida. Não foi vitalmente cristã a civilização nascida das mãos da Igreja na Idade Média? Há esperanças de que seja vitalmente cristão o Estado interconfessional da cristandade futura?
Para terminar esta nota, seria conveniente lembrar que o regime de união entre a Igreja e o Estado traz como característica necessária a maior independência da Igreja em relação ao poder civil, em tudo quanto seja de alçada espiritual ou mista. Principalmente nos Tempos Modernos, este regime foi deformado por crescentes invasões do Estado na esfera eclesiástica. Cumpre censurar absolutamente tais invasões, reivindicar a liberdade da Igreja, mas não renunciar ao princípio de sua união com o Estado. E quando em algum país a desgraça das circunstâncias é tão profunda, que a separação constitui mal menor do que a união, que necessariamente seria deformada, é preciso temer por esse país. Pois nada do que se separa de Deus e de sua Igreja tem possibilidade de se manter por muito tempo. Um dos piores efeitos da separação entre a Igreja e o Estado – mesmo quando um mal menor – é a deformação produzida na mentalidade popular que se habitua a considerar num plano absolutamente naturalista a vida temporal. Formam-se assim mentalidades profundamente laicizadas, e é forçoso confessar que à vista deste teor de relações é muito difícil plasmar a alma de todo um povo numa concepção reta da subordinação da vida temporal ao serviço de Deus.
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– O dever político dos católicos consiste tão somente em prover o bem temporal. Em favor da Igreja, devem eles limitar-se a pedir ao Estado as liberdades conferidas a qualquer associação privada. |
* O católico deve agir em política, não só no sentido de promover o bem comum na esfera temporal, como ainda para obter que o Estado reconheça à Igreja a qualidade de entidade de direito público, soberana em sua esfera, e munida de todas as prerrogativas que lhe competem como única Igreja verdadeira. |
Explanação
A sentença impugnada se ressente da influência de dois erros: da Moral Nova, cuja aplicação neste ponto consiste em considerar o bem comum temporal como um fim em si mesmo, inteiramente independente de outra esfera; e da equiparação da Igreja verdadeira às igrejas falsas e às associações privadas.
Aliás, a sentença impugnada conduz logicamente à proposição condenada por Pio IX no Syllabus, que declara lícita a educação alheia à Fé católica e à autoridade da Igreja e orientada apenas ou principalmente para a ciência das coisas naturais e o bem terreno social (propus. 48, D. 1748). E também conduz ao erro da proposição 54 do mesmo Syllabus, segundo a qual a Autoridade civil deve sobrepor-se à Autoridade eclesiástica (D. 1754).
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– Na seleção de imigrantes não importa a sua crença; basta que se considerem as conveniências econômicas, étnicas e políticas. |
* Na seleção de imigrantes, deve tomar-se em consideração em primeiro lugar sua crença, e não só as conveniências de ordem econômica, étnica e política. |
Explanação
A unidade do país na verdadeira fé constitui o mais alto de seus valores espirituais. É óbvio que tal unidade pode ser quebrada se se abrirem as fronteiras a correntes imigratórias que venham a constituir quistos religiosos tão perigosos na esfera espiritual, quanto o são os quistos raciais na esfera política. A sentença impugnada, que se ressente do laicismo das proposições anteriores, faz abstração destas considerações.
Aliás, foi diretamente condenada pelo Santo Padre Pio IX, na proposição 78 do Syllabus, que reza assim: “É pois justo que, em certos países católicos, a lei tenha estabelecido que os imigrantes possam exercer publicamente seu culto, seja ele qual fôr” (D. 1778).
Em assunto de imigração, pois, a consideração do fator religioso deve ocupar o primeiro posto. Embora seja um direito natural das nações superpovoadas poder encaminhar emigrantes aos países capazes de recebê-los, não obstante é preciso que esse direito seja exercido com as cautelas exigidas pelo direito superior das populações católicas, de fidelidade à Igreja. Em outras palavras: quando as circunstâncias obrigam países católicos a receber imigrantes de países pagãos ou heréticos, impõe-se uma série de medidas, de si aliás complexas, para que tal imigração não venha em detrimento espiritual das populações católicas. Veja-se neste sentido toda a preocupação da Santa Sé pela assistência espiritual aos emigrantes, na Constituição Apostólica “Exsul Família”, de 1º de agosto de 1952 (A.A.S. 44, p. 649 ss.).
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– Os católicos devem unir-se, no terreno social e econômico, a qualquer grupo, corrente, ou movimento político, que os auxilie contra o capitalismo. Assim, podem eles aceitar, com relação aos comunistas, a chamada política da mão estendida. |
* Os católicos podem consentir numa coincidência de esforços com outros movimentos, correntes, agrupamentos, se casualmente têm eles o mesmo fim imediato. Isto não autoriza, porém, uma colaboração estável com elementos de outra doutrina. Sendo diferentes os fins últimos, os meios empregados e o espírito com que cada um caminha para seu fim, há uma verdadeira impossibilidade de colaboração durável com comunistas. Tal colaboração poderá, além disso, se tornar gravemente nociva aos católicos, e levar o público a confusões perigosas. Os católicos devém evitar sempre, nas suas intervenções nas questões sociais, um ar de luta de classes. |