Catecismo de verdades oportunas que se opõem a erros contemporâneos — Diretrizes

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Escudo episcopal de Dom Antonio de Castro Mayer

1.  A fim de que vossa ação no combate a esses erros seja mais completa, recomendamo-vos ainda a maior precisão de linguagem. Em escritos religiosos contemporâneos, destinados não raras vezes à divulgação entre o povo fiel, lêm-se palavras que melhor ficariam em trabalhos de caráter estritamente técnico, destinados a especialistas. Estes termos, entretanto, passam, como é natural, dos escritos para a pregação, para as conferências e reuniões das associações religiosas, a ponto de se tornarem às vezes de uso corrente em certos meios. Destes termos, se alguns são excelentes, outros são simplesmente susceptíveis de um sentido bom, e outros, por fim, são ininteligiveis. De tudo isto resulta não pequena confusão para o grande público em que são lançados. Citemos alguns: igreja pneumática, viver no pneuma, espiritualidade transpsicológica, antropocentrismo religioso, espiritualidade cristocêntrica, viver numa tensão fortíssima, virtutocentrismo, moralismo, etc.

2. Ao tratar da Santa Missa, convém acentuar sempre que a Consagração é sua parte essencial mais importante; que a Missa como verdadeiro Sacrifício da Nova Lei tem quatro fins: latreutico, eucarístico, propiciatório e impetratório; e bem assim que a Comunhão é meio excelente de participar do Santo Sacrifício, de forma a excluir a idéia de que a simples assistência à Missa é mais importante do que a Comunhão.

3. Ao expor a doutrina do Corpo Místico, cumpre evitar qualquer expressão que possa induzir a uma conceituacao panteista.

4. Ao inculcar a devoção ao Padre Eterno, não deveis falar de Jesus Cristo exclusivamente como de simples mediador. Tal maneira de proceder induziria os fiéis a julgar que a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade não pode ser termo de nossa adoração, mas simples intermediário entre nós e Deus Nosso Senhor. Este cuidado é exigido especialmente nas regiões onde grassa mais intenso o espiritismo, que, como sabeis, diletos Cooperadores, nega a divindade de Jesus Cristo.

5. Lembramos que, segundo a “Mediator Dei”, “está fora do caminho quem repudia, e reprova o canto polifônico ainda quando conforme às normas emanadas da Santa Sé” (A.A.S. 39, p. 545/6). A mesma encíclica recomenda o canto religioso popular (ib. p. 590).

6. Sôbre o uso do latim na Sagrada Liturgia, atendam nossos caríssimos Cooperadores ao que sabiamente diz o Santo Padre Pio XII, na mesma “Mediator Dei”: “O uso da língua latina vigente em grande parte da Igreja é claro e nobre sinal de unidade e um eficaz remédio contra corruptelas da pura doutrina” (A.A.S. 39, p. 545).

7. Não percam ocasião de inculcar verdadeira devoção ao Santo Padre o Papa, e, em grau menor, ao Bispo Diocesano.

Neste ponto, é preciso evitar certa tendência que, no louvável intuito de estreitar os laços de caridade entre as ovelhas e o Pastor local, apresenta uma tal idéia do Bispo que lhe conferiria uma espécie de infalibilidade, e o colocaria quasi ao lado do Santo Padre, o qual, nesta concepção, não passaria de um simples fiscal dos Bispos. Ensinai neste assunto das relações entre o Papa e os Bispos a doutrina exata.

Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu na Igreja uma só Hierarquia de governo, composta de dois graus harmônicos: o Papa, e, a ele subordinados, os Bispos (can. 108, 3.°). A unidade dessa Hierarquia é noção indispensável para que o fiel saiba situar-se diante dela. Vendo-a como um só todo, que tem no ápice o Soberano Pontífice, fonte de toda jurisdição na Igreja, considerando na mesma perspectiva os Bispos e o Papa, o fiel tributará a todos o respeito, a veneração, o amor que lhes deve.

Nesta perspectiva, cumpre lembrar que a plenitude do poder cabe ao Romano Pontífice, que tem jurisdição direta e imediata sobre os Bispos e os fiéis. A jurisdição dos Bispos, sucessores dos Apóstolos, se exerce em harmonia com a jurisdição pontifícia e na dependência desta.

Tal o quadro normal da Igreja. Querer inculcar uma devoção ao Papa que fosse coisa inteiramente diversa e até oposta à devoção ao Bispo, e vice-versa, pretender inculcar uma devoção ao Bispo que fosse diversa e até oposta à devoção ao Papa, seria negar implicitamente a unidade harmônica da Hierarquia. Ame-se com extremos de carinho e devotamento ao Papa e ao Bispo, cada qual segundo a posição e na medida dos poderes que Nosso Senhor Jesus Cristo lhe conferiu.

O fiel mais devoto de seu Bispo – e todo católico deve sê-lo – não terá dúvida em se mostrar respeitosíssimo da suprema autoridade do Romano Pontífice, em toda a extensão em que esta lhe foi dada pelo Divino Fundador da Igreja.

8. Sobre o Magistério Eclesiástico, ensinai que, sendo o magistério pontifício infalível, e o de cada Bispo, ainda que oficial, falível, está na fragilidade humana a possibilidade de um ou outro Bispo vir a cair em êrro; e a História registra algumas dessas eventualidades. Elas produzem de si, como é óbvio, consequências das mais perigosas. Isto não obstante, não se pode deixar de ensinar aos fiéis como agir em tais contingências. Em circunstâncias tão dolorosas, o primeiro dever do fiel consiste em manter todo o respeito à pessoa sagrada do Pastor que lhe foi dado pela Providência, e acatar-lhe filialmente as ordens, em tudo quanto não obste à fidelidade direta e mais alta que deve ao Vigário de Cristo.

9. Inculcai também veneração ao celibato eclesiástico, que consitue uma das mais lídimas glórias do pensamento católico e da Igreja latina.

10. No tratar das relações entre a Teologia e a Filosofia, nunca adoteis uma linguagem que negue explicita ou implicitamente o princípio de que a Filosofia é uma auxiliar da Teologia e a verdadeira sabedoria está na Revelação, dádiva misericordiosa de Deus, para iluminar as almas e encaminhá-las à salvação.

Não se perca ocasião de inculcar admiração e confiança na Filosofia Escolástica, evitando atitude de indiferença entre esta Filosofia e outras. Igualmente não se consinta em apontá-la como superada por novas correntes do pensamento moderno, ou novas escolas apologéticas.

11. Tôda a linguagem dos católicos seja sobrenatural. Não receiemos afirmar a qualquer momento nossa crença na Revelação, na Graça, na divindade da Igreja. A Fé é o maior dom de Deus. Ela nos firma nos conhecimentos mais necessários para a elevação de nossa natureza e para a orientação de nosso procedimento, na caminhada para nosso destino eterno. Seria lamentável que, para não desagradar ao mundo, mostrássemos qualquer receio de afirmar a nossa Fé. Daríamos a impressão de que ela não é sólida, e de que, a nosso ver, todas as religiões são iguais.

12. Neste mesmo sentido reprovamos um sistema de apologética que pretende apelar apenas para os argumentos de razão, contentando-se em conduzir as almas a uma religião meramente natural, na expectativa de que as irremediaveis insuficiências da religião natural movam as almas a encontrar por si mesmas a Revelação.

13. Igual prudência de linguagem se recomenda com relação aos problemas sociais. Não devemos parecer soldados de outra causa que não a nossa, nem dar a impressão de uma unilateralidade incompatível com a santidade de nossa missão. Sobretudo, não cortejemos o grande poder do dia que é a multidão, dando-lhe a idéia de que nos associamos ao progresso revolucionário que está chegando, com o comunismo, à última etapa de destruição do mundo ocidental. Ouvimos alhures a afirmação de que a Igreja é revolucionária e só não descobre inteiramente suas posições porque ainda precisa dos ricos para construir templos. É fácil perceber quanto de oportunismo, de degradante naturalismo, de profunda corrupção doutrinária vai nesta frase. Não é a serviço de “mamon” que a Igreja luta contra a demagogia e o socialismo. Muito menos é ela uma escrava da multidão. Somos o Corpo Místico de Cristo, que está incomensuràvelmente acima de tudo isto, e que luta para implantar na terra o reino da justiça e da caridade, sem acepção de pessoas.

14. Precaução ainda maior se recomenda na formação da pureza e na explanação dos deveres conjugais. A Moral católica, bem como as praxes tradicionalmente seguidas na Igreja resguardam perfeitamente, no trato destes delicados assuntos, todas as conveniências da virtude. Nesta atmosfera de crescente corrupção, cumpre nos apeguemos com redobrado fervor aos nossos princípios e tradições. Devemos evitar, não só o que é mau em nosso procedimento, mas qualquer atitude que possa exprimir aprovação, de nossa parte, da atmosfera sensual do mundo hodierno.

A pureza supõe, para plena e estavelmente praticada, todo um ambiente de dignidade, gravidade e recato. É inútil imaginar que esta virtude possa existir em grupos onde não se evita cuidadosamente não só o pecado, mas tudo aquilo que pode ser qualificado como hálito do mal. Por isto não admitam os fiéis em seu convívio gracejos e expressões mais ou menos equívocas, canções carnavalescas, termos da gíria cuja trivialidade excessiva não se coadune com a dignidade que deve reinar nos ambientes católicos.

15 . No considerar os problemas atinentes à ação da Igreja em nossos dias, Nossos amados Cooperadores se mostrem realistas, sem contudo pactuar com o espírito de novidade que ataca tudo quanto é antigo, só por ser antigo, tende a louvar tudo quanto é novo, só por ser novo, e assim se distancia do verdadeiro espirito tradicional da Santa Igreja, como mostra a Carta da Sagrada Congregação dos Seminários ao Episcopado Brasileiro: “O espírito de novidade não deixará jamais sem crítica nada de quanto até hoje, mesmo com visiveis vantagens, se tenha praticado. Aproveitar-se-á de qualquer abuso, ou ainda de algum exagero num costume tradicional ou num método de apostolado, para ridicularizar e hostilizar o todo, tomado no seu conjunto” (A.A.S. 42, p. 840).

* * *

Diletos Filhos e amados Cooperadores, muito importa ao Sacerdote instruir. Mas de que vale a instrução se não vem acompanhada do amor? Ai da ciência – exclamava Bossuet – que não se transforma em amor e ação!

Conhecer a Deus e a sua Santa Igreja é condição normal para a salvação. Mas além de conhecer a Deus é preciso adorá-Lo; além de conhecer a doutrina da Santa Igreja é preciso amá-la com um amor entusiástico e extremoso, reflexo límpido e ardente do amor que tributamos ao próprio Deus.

Expondo a vossos paroquianos os erros que apontamos, expondo-lhes sobretudo as verdades que a estes erros se contrapõem, formai-os de maneira a que não fiquem só no conhecimento, mas que cheguem também ao amor. Em outros termos, transfundí em suas almas aquele amor ardente à ortodoxia, aquela dedicação à causa católica, de que sois naturalmente, como Sacerdotes, exemplos vivos e edificantes.

Esta virtude do senso católico, deveis pedi-la para vossos paroquianos, como Nós mesmo a pedimos, para Nós, e para todos os Nossos diocesanos; com oração desvaliosa mas incessante. Ensinai-lhes também a pedi-la para si. E para que Nossas preces, as vossas, amados Filhos e diletos Cooperadores, e as de todos os Nossos caríssimos diocesanos sejam recebidas de Deus, ao concluir esta Carta voltamos Nossas vistas, humildemente, para o Sagrado Coração de Jesus, abismo de todas as virtudes, fornalha de caridade, centro e modêlo de todos os corações. Possa a tibieza de nossas almas transformar-se em zêlo ardente, ao contacto das chamas que brotam do Coração Divino. Possam nossas faltas, nossas misérias, nossa indignidade, atrair sobre nós a misericórdia daquele Divino Coração que é um abismo de caridade. Possam as graças de que esse Coração divino é fonte, fluir em toda a sua plenitude sôbre nós, iluminando nossas inteligências, fortalecendo nossas vontades, para que alcancemos em toda a medida que nos foi destinada, aquela santidade, anseio supremo de nossas almas.

Para que isto se realize, e recebamos a efusão plena das graças do Coração de Jesus, acerquemo-nos do Coração Imaculado de Maria, canal necessário por onde nossas preces vão ao Coração de Jesus, e por onde as graças vêm do Coração Divino até nós. O Coração Imaculado de Maria se manifestou em nossos dias aos pastores de Fátima, conclamando-nos à penitencia, e prometendo-nos as mais eleitas graças. Atendamos ao apelo deste Coração materno, e confiantes em sua intercessão, trabalhemos, diletos Filhos e amados Cooperadores, para que se implante quanto antes em nossa Diocese o Reino do Sagrado Coração. Com os olhos postos neste ideal, a todos vós e aos Nossos amados filhos, vossos paroquianos, damos com afeto paternal, a Nossa benção pastoral. Em Nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo. Amén.

Dada e passada em Nossa Episcopal Cidade de Campos, sob selo e sinal de Nossas Armas, aos 6 de Janeiro de 1953, festa da Epifania de Nosso Senhor Jesus Cristo.

L † S:

† Antonio, Bispo de Campos.

 

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