Castelo de La Brède, a beleza do micro-maravilhoso, o encanto da vida da pequena nobreza em seu castelo

Santo do Dia, 4 de setembro de 1967

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Hoje nós não temos propriamente santo do dia, mas uma exposição de alguma coisa da Europa que desperte o senso do maravilhoso, o senso do admirável, do estupendo, do esplêndido; porque a apetência das coisas maravilhosas é um elemento fundamental para o desenvolvimento de uma verdadeira civilização, desde que esse maravilhoso seja um maravilhoso reto e bom.
Aqui os Srs. têm uma espécie de micro-maravilhoso, cuja maravilha consiste precisamente em ser micro. Trata-se de um pequeno castelo francês — não é um castelo de grande luxo, é uma habitação apenas comum, mas que tem as proporções de um castelo — e que tem uma certa importância histórica, porque é o castelo chamado de La Brède, onde morou Montesquieu, o malfazejo Montesquieu, o célebre Montesquieu. É um castelo na Gironde, nas proximidades de Bordeaux.
Para os Srs. compreenderem a arquitetura um pouco singular do castelo e as várias partes de que se compõe, os Srs. notem que o castelo se compõe de um corpo grande, depois uma ponte levadiça, e entre o corpo do edifício maior e o menor, corre água, de maneira que, suspensa a ponte, ninguém entra no castelo. Aqui existe outro corpo de edifício. Depois, isto constitui uma pequena ilhazinha autônoma, que é ligada por uma ponte levadiça da madeira. Quem olha a fotografia de perto percebe a cor de madeira e do outro lado a cor comum da terra. E ao lado os Srs. têm uma terceira ilha. São portanto três ilhas.
A fotografia não está muito clara mas eu tenho a impressão de que essa ilha – o quadrilátero – é fortificado também. De qualquer forma, os Srs. encontram uma fortificação maior e ao lado outra, para guarnecer o corpo principal. Entre eles corre água de novo. E mais além os Srs. percebem uma estrada.

 

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Então os Srs. compreendem a razão estratégica do conjunto. O conjunto é um sistema de defesa do castelão e de sua família, na hipótese de um ataque.
O lago — os Srs. vêem pelo traçado que se trata de um lago artificial ou de um lago natural que foi muito retificado em seus contornos — serve de fossos para o castelo. E todas as janelas do castelo, como os Srs. podem ver, ficam a uma considerável altura da superfície das águas. De maneira que mesmo que uma pessoa possa encostar um barco para subirem homens armados, eles facilmente podem ser atingidos pelos defensores postados nas janelas mais altas. E o ataque direto ao castelo fica difícil para quem queira atingi-lo por água.
O recurso é atingir por terra, entrar pela porta. Mas quem corre para entrar pela porta encontra várias dificuldades. Primeiro, há uma verdadeira fortaleza esperando quem vêm pela estrada. Os Srs. estão vendo que primeiramente tem que fazer baixar uma ponte levadiça e travar uma batalha. Depois a porta, mas esta porta com a seguinte ponte levadiça suspensa é quase inacessível. Provavelmente o quadrilátero era fortificado, tem outra torre. De maneira que quem quisesse fazer o ataque do lado do quadrilátero seria atingido pelas setas dos defensores da torre. Os defensores da torre se situam nesta faixa. E o telhado, pontudo, é feito para evitar que projéteis incendiários caiam sobre os defensores
Então, este quadrilátero é um segundo campo de batalha. Se os defensores da fortaleza forem derrotados nele fogem, se fecham na ilha seguinte, e começam uma terceira batalha. Se eles forem derrotados, fogem para o último edifício e começam uma quarta batalha. Os Srs estão vendo que, ou os agressores são em número extremamente grande – o que é pouco compensador para um castelo pequeno, e de uma importância estratégica pequena portanto — ou esse castelo é inconquistável.
É portanto um castelo que se pode chamar estritamente funcional. Porque, como os Srs. vêem, todas as partes dele foram calculadas para uma determinada função militar muito definida. Apesar dele ser estritamente funcional, não lhe faltam uma grande beleza e um grande encanto. E isso não obstante de se tratar de uma construção pobre. De onde é que vem essa beleza e esse encanto? Qual é o valor artístico desse castelo construído manifestamente com a preocupação de ser uma fortaleza e não de ser uma bonita construção?

 

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A impressão que se tem é de que o primeiro elemento de beleza é dado pelas águas. Tudo que fica à beira da água sobe de valor. Se os Srs. imaginassem esse castelo colocado no meio do campo, ele perderia enormemente. Mas a água lhe dá uma moldura de irrealidade. O céu se reflete na água, aspectos do castelo se refletem dentro da água, e com essa proximidade da água toda a arquitetura se nobilita. Há um modo digno e plácido do castelo dominar a água, que lha dá assim uma espécie de distinção aristocrática tranqüila. E por esta forma, o castelo já sai da linha do vulgar.
De outro lado, o que é bonito nele é o contorno da ilha. Se bem que não seja um contorno regular, há uma espécie de suavidade, de inopinado nessa forma, de doçura nessa forma, que o que ela tem de um pouco achatarrada, juntamente com o telhado central também um pouco achatarrado, é vantajosamente compensado pelas torres, que de um lado e de outro se levantam.
Nada menos do que 6 torres ou cúpulas se levantam no castelo. À direita a principal das torres, que parece dominar todo o castelo com a sua massa. Depois pequenas torres que fazem cortejo a esta. E esta cúpula que dá toda impressão de ser a cúpula da capela do castelo, encastoada no corpo da construção.
Por outro lado, se é agradavelmente surpreendido por essas duas ilhotas de uma forma tão diferente. A primeira, que é uma outra torre separada, mas que tem um quê de indefinivelmente digno e plácido, apesar de seu ar de fortificação. Esta torre flanqueada por duas outras torres menores, que lhe dão como que um apoio, e que se perde nas águas, distanciada do resto. E depois, muito inopinadamente, esse quadrilátero, realçado ainda por uma espécie de arbusto no centro e esse grande gramado verde, com a beleza dos gramados europeus.
Aqui e ali, outra nota inesperada. O conjunto dá um ar simultâneo de calma, de dignidade, de altaneria, de distinção, de harmonia, mas ao mesmo tempo de fantasia, com esses corpos de edifício, que distraem a vista e agradavelmente fixam o olhar sobre a massa do edifício e o lago.
É o charme, o encanto, do pequeno castelo e da pequena vida de castelo da pequena nobreza, que é uma nobreza já mais próxima do povo, nobreza que vive na familiaridade dos homens do trabalho manual, nobreza que constitui o ponto de apoio da verdadeira aristocracia na massa da nação, nobreza exatamente que conseguiu, em algumas regiões da França, levantar os camponeses contra a Revolução Francesa e produzir a Chouannerie. É deste tipo de castelo, deste tipo de coisa.
A vida que aqui se leva é uma vida de que gênero? Em geral as famílias deste tipo aqui eram famílias numerosas. O filho mais velho ficava habitando no castelo. E como o castelo era ao mesmo tempo a sede de uma propriedade rural grande, ele se dedicava à exploração da agricultura e da criação, e exercia alguns poderes governativos sobre seus súditos; restos do feudalismo, regime político, social e econômico no qual esse tipo de construção foi concebido.
Um nobre desse tipo de vez em quando freqüentava a corte real, em cujo protocolo ele tinha um lugar, embora modesto, mas definido, em razão de sua categoria e de seu nascimento. Mas, em geral, a sua vida era uma vida pacífica. Quando moço ele servia o exercito, e quando ele se tornava um pouco mais maduro, ele se retirava para as suas terras. E então empregava o resto da vida na agricultura, na criação,  nesse pequeno governo local, na educação de seus filhos, no convívio com sua esposa, e de vez em quando ia ver o rei em Paris. Era esta a vida da um castelão desse tipo.

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