Santo do Dia, 7 de setembro de 1977
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
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Nota do site:
[Texto (póstumo) de Georges Bernanos (1948), adaptado da narração de “A última ao cadafalso” de autoria de Gertrud von Le Fort, narração esta inspirada na história verídica das Carmelitas guilhotinadas na Place du Trône (1794), e conhecidas como “Carmelitas de Compiègne”, à qual a romancista acrescentara o personagem fictício de Blanche de la Force (transliteração de von Le Fort). Bernanos trata da questão da graça divina, do medo e do martírio.]
[O filme evoca o martírio das dezesseis freiras Carmelitas de Compiègne. Uma jovem freira – Soeur Blanche de l’agonie de Christ -, durante a perseguição religiosa levada a cabo pelos revolucionários, apostata, mas ao ver suas irmãs de vocação martirizadas na guilhotina, resolve unir-se a elas]
[Os comentários do Prof. Plinio foram feitos à medida em que o filme ia se desenrolando. Na impossibilidade de entrecortar aqui a projeção com as análises feitas, cada um obviamente pode optar entre assistir primeiro o filme e depois ler os comentários ou vice-versa]
* * *
A Blanche é o tipo da atriz norte-americana, segundo os cânones daquele tempo, representando o papel de francesa. Mas é o tipo da atriz norte-americana do tempo em que o filme foi passado. Ela imita na perfeição a cara do que ela vai representar depois, que é a mulher meio psicopata.
Este filme tem dois gumes: de um lado o enredo é bom, mas de outro lado ele facilita muito o mal. No fundo prega um verdadeiro heroísmo, mas deixa o heroísmo comum muito mal à vontade, vai um pouco na linha dos falsos dilemas.
Em outros termos. O enredo do filme apóia uma forma de bem autêntica. Em termos de ortodoxia pode perfeitamente passar-se o que está projetado aqui. Mas é uma coisa tão excepcional, que deixa as formas comuns de bem muito mal à vontade. Sobretudo abre para o poltrão [covarde] a esperança de – sem reação sobre si mesmo – seguir o mesmo caminho que a Blanche e ter o mesmo desfecho…
Ela [Blanche] é uma pessoa que não consegue, por características psicológicas próprias, agir de outra maneira, mas o comum das pessoas deve atuar de outro modo. Entretanto, a tendência é de não reagir contra si, não lutar contra si, dizendo que “somos almas a la Blanche de la Force…”. Não tenho a mínima objeção doutrinária à peça [e, pois, ao enredo do filme], e se eu conhecesse uma pessoa como essa freira [Blanche] que ela representa, eu respeitaria muito, eventualmente até pediria para rezar por mim.
Mas o comum das pessoas vai começar a julgar-se no caso de Blanche de la Force, porém na hora de ir para a guilhotina não vão… |
Muito bonitinha a cena em que, dentro da Igreja as noviças fazem a apresentação com vestidos de noiva, como que casando-se com Nosso Senhor Jesus Cristo.
A Igreja apresenta uma espécie de pequena gala, pequena cerimônia, ou grande gala de gente média do Ancien Régime, muito interessante.
Que bonita cena! O pavilhãozinho da catedral, todo revestido de hera e todo o resto sem hera, um gosto extraordinário.
Muito bonito o cortejo no meio do povinho. Se hoje fossem estes os costumes da Igreja, o que seria! Que maravilha!
Não há como a cabeleira empoada, queiram ou não queiram, é um colosso! Marquis de la Force: era uma grande casa!
Os nobres da Chouannerie vestiam assim este chapéu, esta fivela. Vê-se a diferença do traje de corte e deste outro. O Marquis de la Force está muito bem, um colosso.
(Quando as religiosas estão prosternadas e se canta o Veni Creator)
Cena linda! Queiram ou não, o hábito de carmelita é lindíssimo!
(Ao ver quando saiam para o claustro)
Cortejo é isto! Elas andam cerimoniosamente, porte ereto, cabeça levantada, cônscias que são carmelitas.
+ A superiora agonizante teve um papel muito bem representado.
+ Lindíssima a cena do irmão de Blanche andando na igreja às penumbras.
(Após o 1º rolo de filme)
Toda a encenação, a entrada dos soldados na igreja, o encontro com o padre, tudo está monumentalmente bem feito.
O ator que representa o padre tem o seguinte mérito: dá a impressão de inteiramente sacerdotal, mas nada de mocorongo, onde tem que ir ele vai, onde ele tem que pisar ele pisa, o que ele tem que fazer ele faz, é decidido!
O filme nos imponderáveis dá um pouco a idéia da tragédia prodigiosa da França. Quando começam a passar aqueles cavaleiros diante do convento, tem-se a idéia de uma tragédia desatada sobre um país, mas de um país dividido, em que as duas partes vão se jogar uma sobre a outra porque não se compõe. É a Revolução!
E para dizer tudo, o que me corta a alma: isto é no tempo da Revolução Francesa!… Hoje, se entrassem os comunistas, não encontrariam o país dividido em nenhuma parte do mundo, em nenhuma parte do mundo!
[O comissário] É um “animalis homo” que não percebe as coisas de Deus. Está perfeitamente bem representado. Na linha “ambientes e costumes” é muito interessante.
+ Perfeita a maneira delas colocarem o véu. Fazem com distinção, elegância. Elas também estão compenetradas do que seja uma carmelita. Nos gestos, no andar, no falar, em tudo deixou de existir a vida anterior ao carmelo. Elas estão impostadas diante da nova vocação.
(Alguém comenta: se os homens da época tivessem a altaneria que as carmelitas tinham, eles barravam a Revolução)
Sem dúvida. Sobretudo se tivessem a fé que elas tinham. Fé é isto!
(O Prof. Plinio apreciou a maneira como a Madre, na cela de Blanche, enfrentou o comissário e pronunciou a palavra “Carmel”, bem como a posição de sua boca)
+ As duas freiras não agiram bem ao olhar para fora [dos muros do convento para ver os soldados que entoavam a “Marseillaise”], contra as leis do Carmelo. Grossamente errado. Deviam receber punição, pelo menos por suspeita de simpatia com os erros revolucionários.
(Terminado o 2º rolo)
Ao se ver esta cena de plebe revolucionária invadindo e destruindo o convento, fica-se indignado. A indignação é mais do que razoável. Depois as freiras apavoradas entregam os hábitos com tristeza, fica-se ainda mais indignado. Isso tudo é menos ruim do que o progressismo…
O que é horrível é que muitas freiras que teriam resistido se tivesse entrado um tipo comunista para arrancá-las do convento, por autorização superior abandonam o convento e depois caem. Mas como isto se passa de um modo incruento, nós assistimos pensando em nossa vidinha…
Em vez do fervor, da abnegação, da renúncia, do entusiasmo, nota-se infelizmente em nós, e em não poucos de nossos contemporâneos, toda espécie de apegos, susceptibilidades, amor-próprio ferido, etc.
Essa freira imaginária chamava-se Soeur Blanche de l’agonie de Christ. Acho que quando a agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo chegou ao ponto dEle quase morrer na última agonia, a tristeza de ter fiéis como nós esteve presente na alma dEle. Esses entre os poucos fiéis… Se isto é uma coisa que se apresente?! Não se apresenta! Não é apresentável.
(Conclusão da projeção)
A peça de teatro é um pouco diferente: todas são guilhotinadas, não sobra nenhuma como aconteceu no filme.
No fim da fita aparecem aquelas nuvens que passam: é a trans-esfera! É dessas grandes coisas, que depois do fato acabar, ainda permanece um eco dele nas nuvens que passam pelo céu.
O que dizer? Não tem o que dizer, nem o que comentar…! (profundo silêncio).
O que está próximo de nós é um martírio de outra natureza. É lutar, dentro das leis de Deus e dos homens, contra o revolucionário sentado ao nosso lado e com ares de católico. Não é outra coisa senão isso. E lutar em meio à pasmaceira geral, com um inimigo que gostaria de nos poupar, para fazer com que tudo fosse mirrando em torno, e acabássemos apostatando, não de medo de guilhotina, mas do desprezo geral e da incompreensão.
Citei no outro dia, creio que foi até no artigo da “Folha” aquele episódio do Büllow [“Folha de S. Paulo”, Por um lugar ao sol, 28-8-1977], contando que os soldados alemães, de medo do ridículo, enfrentavam o tiroteio dos franceses, no batalhão dele, durante a guerra de 70. Nós vamos ter que enfrentar uma coisa pior do que a guilhotina: é a incompreensão e o ridículo. Já estamos enfrentando…
De baixo de um certo ponto de vista, a nossa posição é parecida com a das carmelitas naquela carreta, cercados de incompreensão e de ridículo por toda a parte, mas percebendo que no meio daquela multidão que nos vaia, há algumas pessoas que de modo oculto racham de remorso e admiração. Neste exato momento nós ficamos impressionados com aquelas cenas, mas daqui a pouco estaremos respirando tranqüilamente e achando as nossas camas gostosas…
E vamos perguntar a nós mesmos se não é verdade que é bom que tudo isto esteja tão longe! E vamos aceitar os trinta dinheiros que nos são oferecidos: a vidinha com essa intimidade, com essa serenidade, com essa despreocupação para o dia de amanhã… A vidinha!
É verdade que o desprezo chove em cima, mas fazemos com ele mais ou menos como o caipira faz com a goteira dentro de casa: se começa a cair goteira perto dele, muda o catre para outro lado e continua a levar a vidinha dele. Pactua!
A perseguição toda mudou de aspecto, está imensamente mais requintada, mais refinada.
Entretanto, está se passando uma coisa imensamente bonita. Vimos o martírio daquelas que nos precederam com o sinal da fé (qui nos predecesserunt cum signum fidei) e somos os egressos de uma porção de situações materiais muito melhores do que a que temos aqui.
Nós viemos, a bem dizer, recrutados de todas as tribos e de todas as nações. Encontramo-nos dentro deste salão, isolados e comparando os dois martírios. Um dia talvez se venha a dizer que não vale a pena derrubar este prédio porque nessa sala foi passada esta fita e feito este comentário, por aqueles que continuaram essas freiras, essas religiosas. Por causa dessas duas épocas históricas de perseguição que se oscularam! E por causa desse nosso mea culpa e desse nosso confiteor que sobe aos pés de Nossa Senhora nesse momento. Quem sabe?
Uma coisa é salvar a própria alma; outra é realizar a missão! [ou seja, realizar a missão dada por Deus abarca obviamente salvar a própria alma, mas vai além disso] Até neste prédio há uma nota de tragédia…
Uma diferença das carmelitas conosco: elas são chamadas para vítimas expiatórias.
(Alguém comenta: elas morreram por um ideal religioso, enquanto nós temos também um ideal temporal.)
Amar o Céu não é um puro não olhar para a terra e olhar só para o Céu, mas é querer que a terra seja para os homens o vestíbulo do Céu. E que a terra seja o meio de caminhar para o Céu. É a luta para realizar o Céu na terra, de maneira a termos depois o Céu: “Venha a nós o Vosso Reino”.
(Alguém lembra: Na fórmula do voto de martírio que elas pronunciaram, uma das intenções era “pour l’exaltation de l’Eglise”)
Foi um bálsamo ouvir falar em exaltação da Santa Igreja! Porque isso toca mais à nossa vocação do que uma simples fórmula genérica: “a glória de Deus”. A exaltação da Santa Igreja é certamente a glória de Deus, mas é uma forma de glória de Deus que faz a nossa alma crescer tanto!…
Para encerrar. Foi lindo e creio que foi uma graça que tivéssemos assistido a essa fita juntos e comentado. Agora sou obrigado a olhar o relógio para ver se há mais um pouco de tempo para trabalhar pela exaltação da Santa Igreja…