Bem-aventurada Hosana de Mântua (18/6): na infância recebe o chamado de um Anjo para estudar Teologia e Nossa Senhora torna-se sua Mestra

Santo do Dia, 18 de junho de 1976

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

A festa de hoje é de Santo Efrem, sírio, diácono, confessor e Doutor da Igreja. Chamado “cítara do Espírito Santo”, grande devoto da Virgem, lutou contra os hereges. Século IV. Estamos também no terceiro dia da Novena do Sagrado Coração de Jesus.

Temos aqui a ficha a respeito da bem-aventurada Hosana de Mântua [também conhecida como Osanna Andreasi, n.d.c.], tirada do Rohrbacher; e outra tirada de Régamey “Les plus beaux textes sur la Sainte Vierge”.

Confesso aos srs. que tenho mais propensão para comentar a vida da bem-aventurada Hosana de Mântua porque nunca ouvi falar dela e talvez nos traga algo de novo, diferente do aliás conhecido e admirável que existe a respeito de Santo Efrem, que tantas vezes tenho comentado aqui, na presença dos senhores.

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Fonte: Wikipedia (Di Sailko – Opera propria, CC BY 3.0)

Hosana Andreasi, que nasceu em Mântua, no dia 17 de Janeiro de 1449, num esplendoroso palácio, pertencia à nobilíssima família vinda da Hungria. Com seis anos, passeava sozinha pelas margens do Pó quando ouviu uma voz clara, que lhe dizia com firmeza: “A vida e a morte consistem em amar a Deus”. Extasiada, viu-se erguida do solo por um grande e belo anjo. “Para entrar no Céu é necessário que a Deus muito ames. Vê como todas as coisas cantam-lhe a glória  e os homens a proclamam. Ama-O. Ele a tudo criou para que O amem”.

Disse o Anjo a essa bem-aventurada.

“Diante de Deus, então, ela rezou: “Ó Deus, Deus meu, por amor Tu me criaste e antes de que existisse, para te amar e ser reconhecida pelas imensas e inumeráveis bondades. Ó meu Deus e Senhor, inclina os ouvidos de tua bondade e escuta só um pouco o meu pedido, não desdenhes de minha intenção e do meu santo desejo. Eu rezo, Senhor, porque tenho medo de não te amar e de não te conhecer como deves ser amado e conhecido. Eis, ó Bondade Eterna, estou disposta no seu espírito a só tomar a Ti. Oh! eu queria saber, meu doce Senhor, queria encontrar um modo e a maneira de poder, com atenção, abraçar-te a Ti só. Por isso rogo-Te, ilumina-me muito com o fogo do Espírito Santo, ensina-me, estabelece-me de tal sorte que perfeitamente possa amar-Te e só a Ti, meu Deus, e de coração perfeito possa servir-Te.

Um grande desejo de ser teóloga invadiu-a avassaladoramente. Mas o pai achava que aquilo não convinha a uma criança. Proibiu-lhe. Então, Hosana recorreu à oração. Nossa Senhora Ela própria ensinou-a, ministrou-lhe lições, e a bem-aventurada, dominando o latim, chegou a um sólido conhecimento da Escritura Sagrada, até podendo citar Padres da Igreja. E a proibição paterna a pouco e pouco caiu por terra. Falecida em 1505, o corpo de Hosana de Mântua, intacto depois de 400 anos, acha-se atualmente na catedral”

Se ela morreu em 1505 e nasceu em 1449, ela morreu com 56 anos.

Aí os senhores têm nessa narração o esplendor e, ao mesmo tempo, a dificuldade de se fazer ideia do que seja um santo através dessas narrações. Porque conta um fato realmente admirável da vida dela, que se passou aos 5 ou 6 anos de idade. Depois conta que ela ficou teóloga; mas não nos dá suas elucubrações, o que ela estudou, o que pensou, nem nada. Depois, sabe-se que ela morreu e que o corpo não se putrefez. E fica muito difícil formar a ideia de um todo com esses elementos, que são fulgurações dentro das penumbras de uma vida cujo “unum” se gostaria de conhecer, para se ter uma noção geral do que ela fez.

Por exemplo, se ela se casou, ou não; se entrou para uma Ordem religiosa ou não; foi perseguida por amor de Deus ou não; se teve ou não lutas com hereges, ou com autoridades temporais simoníacas que vendiam cargos eclesiásticos; se teve provações extraordinárias, consolações; se teve outras aparições? Tudo isso não nos é possível saber, em primeiro lugar porque uma ficha não pode contar tudo isso; não posso fazer toda uma narração dessas numa noite. De outro lado, também, é muito possível que a biografia não conte mais do que isso.

Então, fico na dificuldade de apresentar aos senhores um comentário que, de fato, atinja o seu fim, que é de dar a todos nós uma vontade séria, não uma veleidade, mas um firme propósito de nós mesmos nos tornarmos santos, que é a razão de ser dessa ficha.

Entretanto, os fatos aqui selecionados são muito bonitos e se prestam a algumas considerações que podem nos interessar hoje à noite.

* Ao fazer-lhe aparecer um Anjo, Deus incutia em sua alma o amor à meditação

Os senhores já ouviram falar em estudos de teologia e filosofia, e devem ter a ideia de tais estudos, por sua grande profundidade, exigindo um exercício muito grande da razão ─ mesmo a Teologia, que é toda ela baseada em dados da Fé, é uma elucubração racional a respeito dos dados da Fé, exigindo, portanto, um grande exercício da razão ─, esses estudos convêm às pessoas maduras. E que quanto mais maduras, tanto mais convém esse estudo.

Vemos, entretanto, uma coisa curiosa: a Providência que determina, por assim dizer, confiscar essa menina… notem bem, sexo feminino, de 5 ou 6 anos de idade, que está passeando às beiras do lindíssimo rio Pó, que percorri longamente no espaço que vai de Milão a Veneza, encantado com a beleza dos panoramas ─ então, passeando ao longo do rio Pó, cujo nome aliás, para nossos ouvidos brasileiros não podia ser mais feio, porque um rio de pó é propriamente um horror… Mas passeando, essa menina está se distraindo, aparece diante dela um Anjo. Um Anjo, ser magnífico – que anjo seria? Mais adiante vamos nos pôr em indagações  –  e lhe faz uma comunicação, diz a ela o seguinte:

“Para entrar no Céu é necessário que a Deus muito se ame. Vê: todas as coisas cantam-lhe a glória e O proclamam os homens. Ama-O, ama-O, eis aí tudo o que criou, para que O amem”.

O sentido é: Ele que criou tudo e deve ser amado.

Por que a aparição de um Anjo para dizer essas coisas? E qual o Anjo que teria dito essas coisas? Qual o modo de proceder do Anjo sobre a alma da menina?

O Anjo tinha a menina colocada provavelmente face a um panorama bonito e impressionada ─ como costuma acontecer na infância e na inocência primeira ─ com as belezas da natureza. Mas é evidente que quando o Anjo lhe apareceu, a mais bela coisa que tinha diante dos olhos era ele, que é de uma beleza toda espiritual, mas esplendorosa, e que ela teve a graça de conhecer diretamente, de contemplar face a face.

E quando ele disse: “Veja como todas as coisas que Deus criou são belas; ama-as“, naturalmente sabia que ele era o mais belo que ela tinha diante dos olhos, a maior beleza que tinha visto. E quando ele dizia: “Deus criou todas as coisas, todas as coisas refletem a Deus, ame-O“, significava-lhe sobretudo o seguinte: “Eu fui criado por Deus, reflito a Deus de um modo magnífico, ame a Deus contemplando-me a mim“.

E Deus concedeu a essa menina um convite enfático, arrebatador para, pela visão do Anjo, compreender a magnificência dEle e de toda a ordem da Criação que fica fora do alcance de nossos sentidos. E com isso convidá-la a transpor-se além de tudo quanto é sensível, a situar o espírito em tudo quanto é imperceptível aos sentidos, mas que tem muito mais densidade de ser, que são os seres meramente espirituais; infinitamente acima deles, evidentemente, Nosso Senhor.

Qual era a intenção dEle? Era criar nela, já nessa primeira apresentação, uma pessoa destinada à reflexão. Porque o Anjo apresentou-se dizendo o seguinte: “todas as coisas refletem a Deus, faça um esforço de inteligência para, através desse reflexo, conhecer a Deus. Aí está indicado o caminho de tua santificação. Aí está indicado o prêmio: se um Anjo é tão belo, quanto mais belo será Deus, Nosso Senhor! Aplica-te à meditação”.

E é tão pronunciado esse chamado para a teologia nesse modo de dizer do Anjo, que ela responde com uma oração que já é um verdadeiro tratadinho. E é uma menina de 5, 6 anos de idade. É uma teologazinha que na sua inocência começa a falar.

* Qual teria sido o desenvolvimento normal do espírito da Bem-Aventurada Hosana de Mântua em sua infância?

Os senhores então precisam imaginar a cena: o rio Pó que deflui tranquilo e luminoso… vamos imaginar algum barranco algum tanto acima do rio, um jardim. A ficha biográfica nos diz que ela era de uma família nobilíssima. Naquele tempo em geral, as famílias nobres eram ricas e, o mais das vezes, as famílias ricas eram nobres. Podemos imaginar, portanto, uma menina rica e vestida como se vestiam as meninas naquele tempo.

Como se vestia uma menina daquele tempo? Não tinha o tal traje de criança de nossos dias. Era uma miniatura do traje das pessoas adultas. Temos, portanto, que imaginá-la vestida como uma mulherzinha, com sainha, saia comprida, arrastando pelo chão, com cintura, com cabelo penteado como seria de uma mulherzinha e, possivelmente, com uma flor na mão. E temos que imaginar uma menina dessas, uma verdadeira boneca de se expor em vitrine e que, de repente, tem um êxtase.

Vê um Anjo e os que estão em torno dela não veem nada. De repente se dão conta da menina com o timbre delicado da voz feminina, e ainda acentuado pela delicadeza da infância, com os fulgores dos flashes da inocência primeva e que sai com todo esse tratadinho de oração diante dos circunstantes, verdadeiramente arrebatados…

O que se passou nela, criança, para se ter iluminado de tal maneira? Qual foi esse convite da graça para ela? O que aconteceu para que ela, uma criança,  fazer o que não lhe é dado realizar, como seja raciocinar tão bem e com essa segurança?

Aqui ela já disse uma palavra que era o “ecce ancila Domini” [“eis a escrava do Senhor”, palavras que Nossa Senhora disse a São Gabriel, por ocasião da Anunciação, n.d.c.] dela para o Anjo: “Eu aceito, vou contemplar a Deus a vida inteira. Vou contemplá-Lo enquanto Criador das coisas que existem; vou contemplá-Lo, portanto, enquanto presidindo a ordem dessa Criação, enquanto conservando a ordem dessa Criação. É nessa qualidade que vou contemplar. E essa contemplação eu a farei como finalidade de minha vida“.

Os srs. podem imaginar o que seria a infância de uma menina assim… Ora brincando ─ não é, portanto, uma doutorinha, à toda hora dardejando uma lição ─ mas deveria ser uma menina brincando, com boneca, com casinha, de costura, de comidinha e que enquanto isso, fazia reflexões… E, ajudada pela graça, parava e dizia alguma coisa. É assim que devemos imaginar o desenvolvimento normal do espírito. Como foi com o Menino Jesus, que teve verdadeiramente infância. Mas, era Ele! E como terá sido com Nossa Senhora também.

Os srs. podem imaginar então as pessoas piedosas na casa, e encantadas ─ pessoas sob o influxo medieval ─, encantadas com isso e considerando que essa menina não era qualquer uma, que Deus, por ela, quereria fazer maravilhas.

* Proibida pelo pai de estudar teologia, aparece-lhe Nossa Senhora em pessoa para ensinar-lhe

Mas sente-se na ficha o embate que teve com o mundanismo. Ela pediu para ser teóloga, e o pai não quis que o fosse. Compreende-se que o pai não tivesse querido porque, naquele tempo, uma mulher ser teóloga era muito raro. Mas percebe-se, entrevê-se que o pai queria para ela uma carreira terrena e não a de teóloga, que era raríssima. Ele lhe desejava uma carreira de “grande dame” [senhora de corte], e chegou a proibir o curso de teologia para uma menina tão fortemente chamada por Deus. Em outros termos, ele tinha um milagre diante de si, mas afirmou com os gestos: “não a Deus, a menina não pode ser teóloga!”…

Não sei se isso não lembra aos senhores outras situações.

Os srs. viram a solução que Deus deu ao caso. Está bom, não pode estudar teologia? Nossa Senhora ensina teologia para ela! E é um curso. Esse dado é um dado encantador… A ficha é muito categórica:

“Nossa Senhora, Ela própria, ensinou-a, ministrou-lhe lições. E a bem-aventurada, dominando o latim, chegou a um sólido conhecimento das Sagradas Escrituras, até podendo citar Padres da Igreja”.

Quer dizer, deu-lhe uma interpretação da Sagrada Escritura e podemos imaginar a menina se fazendo mocinha e, de vez em quando, Nossa Senhora que aparece e ensina alguma coisa da Escritura, dá uma lição de teologia e, provavelmente, concede o próprio método de pensar da teologia. E ela se torna assim uma pesquisadora autorizada e sólida da Sagrada Escritura.

Os srs. considerem a vitória dos desígnios da Providência e aí uma luz que se acende na Igreja e é não mais a do pensador, mas a da pensadora. A da pensadora, exceção ─ como deve ser para o gênero feminino ser pensadora, exceção ─, mas exceção legítima, exceção válida, exceção magnífica. E que mostra que não é por inferioridade que a mulher não é pensadora, mas por uma vocação adequada ao que ela tem que fazer na terra etc., etc. Portanto mostra também que “o Espírito sopra onde quer” (Jo. 3, 8-10).

E os srs. sentem com certeza a mesma curiosidade que eu: não haverá um livro da bem-aventurada Hosana de Mântua, que tenha as meditações dela sobre as Escrituras? E não estará dito aí quais são as meditações que Nossa Senhora lhe ensinou Quem de nós não teria curiosidade de conhecer?

É tal o inaproveitamento dos tesouros da Igreja, que acho que vários dos senhores não teriam surpresa em saber que isso jaz em algum velho alfarrábio de alguma velha biblioteca e que nunca ninguém se lembrou de pesquisar nem editar. Mas para o Reino de Maria isto seria um elemento muito interessante!

Por exemplo, se Nossa Senhora lhe ensinou algo sobre o Apocalipse, se ensinou algo sobre Seu próprio Reino… Quem sabe?

E quem de nós não teria vontade de mandar procurar na biblioteca de Mântua, para ver se ali encontra algum dado, alguma xerox, alguma coisa que se possa mandar aproveiar das revelações que Nossa Senhora lhe ensinou.

Nossa Senhora não se limitou a revelar, mas lhe ensinou, quer dizer, adestrou o exercício da razão para conhecer as verdades que deveria conhecer.

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Livro contendo a lista do Index Librorum Prohibitorum (Veneza, 1564)

* Há um “índex” que proíbe a divulgação de santos que não possam ser facilmente apresentados sob o prisma “heresia branca”

Um último comentário: é claro que essa bem-aventurada é muito pouco conhecida. Por quê?

Porque se vê que há um “index sanctorum prohibitorum”, como havia um “Index librorum prohibitorum”. Todos os santos cuja vida fica difícil de apresentar num enfoque “heresia branca“, não são mencionados, ficam marginalizados. E só se divulgam em profusão biografias com partes eventualmente amputadas ou com trechos adulterados, de santos cuja obra possa ser considerada num enfoque “heresia branca“. Ou então de santos tão grandes que não é possível silenciá-los, mas ainda assim, com sua biografia adulterada…

Não seria muito bonito, na entrada de uma universidade católica, um grupo de escultura, Nossa Senhora ensinando teologia, e a bem-aventurada Hosana de Mântua,  ajoelhada e apreendendo? Pois bem, se eu fosse o autor dessa escultura, não a figuraria assim. Mas Nossa Senhora em pé, ensinando, e a bem-aventurada Hosana sentada, junto ao “pupitre” [mesa de estudo], escrevendo e estudando, no duro! E não na mera contemplação…

Até mais: eu me atreveria a representá-la fazendo uma pergunta e Nossa Senhora respondendo. Aí a realidade dessa relação de vida mística se tornaria mais clara.

Os senhores dirão: “Considerações muito sumárias sobre uma vida que se gostaria de conhecer mais a fundo…”

O Santo do Dia tem essa finalidade: não é dar a conhecer uma vida, mas de dar o desejo de conhecê-la. Se eu consegui esse resultado, já dou por bem empregado o Santo do Dia. E por esta forma podemos dar por encerrado o Santo do Dia de hoje, passando para a outra parte da reunião.

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