Avareza: apego exagerado a bens terrenos (não só por dinheiro) leva a pessoa a não confiar em Deus, mas em si própria

Conversa durante almoço no Êremo São Bento, 9 de julho de 1987

 

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

 

(…) Mas há a tomar em consideração o seguinte fato: é que se nós formos procurar o mal que existe na questão do dinheiro, o mal assim ao pé da letra, nós então podíamos nos perguntar: do que é que adianta uma pessoa acumular dinheiro mais do que ela precisa? Porque a adoração do dinheiro não é o procurar o dinheiro na medida daquilo que a gente tem necessidade, para guiar-se e para arrumar a vida, mas é uma outra coisa: é a mania de ganhar dinheiro em quantidade indefinida. De maneira que quanto mais a gente ganhe dinheiro, tanto mais a gente quer ganhar dinheiro.

E isso constitui um vício que é qualificado pelo Catecismo: o vício da avareza. Os senhores conhecerão inúmeras pessoas com esse vício da avareza. Quer dizer, elas tem dinheiro e querem ter mais. É para gastar, é para levar uma vida melhor, é para se tornarem, vamos dizer, pessoas que querem fazer viagens, querem fazer grandes estudos, querem cultivar, nada disso. É para guardar mais, mais, mais. E quanto mais elas vão ficando ricas, tanto mais elas vão querendo dinheiro. Sem razão nenhuma. É dinheiro, dinheiro, dinheiro. Isso seria uma linha.

Qual é a razão disso? A gente pode discutir.

Agora, é propriamente desta mania que fala Nosso Senhor. E é sobre ela que nós devemos dizer uma palavra. Porque a objeção que eu fiz contra os que procuram acumular dinheiro, mais dos que precisam dizendo que é uma coisa inútil, é uma objeção inteiramente verdadeira. E aí está o mal. É que o indivíduo faz uma coisa contra a ordem razoável das coisas. Ele faz uma coisa que a razão não justifica. O mal está nisso. Como é que foi fazer uma coisa que  a razão não justifica? Essa é a questão.

Bom, toda ação que é pecado, a razão não justifica. Então, qual é o mal da avareza?

… digamos que tenha sido assim, nos casos de avareza que eu tenho conhecido tem sido assim, a pessoa começa na avareza por uma espécie de pânico de cair na miséria e aí lhe faltar alguma coisa para a vida. Como toma um pânico exagerado de lhe faltar o necessário, a pessoa fica com um amor exagerado de ganhar dinheiro. E quando fica com esse amor, a pessoa começa a querer dinheiro, primeiro para não cair na miséria, mas depois começa imaginar os riscos de cair na miséria, que já nem existem.

Por exemplo, pareceu-me – eu não ouço bem – mas pareceu-me ouvir aí, ao longe, um latido de cachorro. Bom, imagine que eu tivesse locomoção fácil, e pudesse sair a pé depois da sesta. É uma coisa que eu talvez fizesse. Bem, “eu por aquela rua não vou passar, porque pode ser que aquele cachorro esteja solto. Se ele estiver solto pode ser que esteja louco. E se ele estiver louco, eu vou ter que fazer um tratamento muito dispendioso no Instituto Pasteur para readquirir meu equilíbrio mental. Então, eu por aquela rua não passo”.

Isso é uma coisa razoável? Não. Porque os riscos muito remotos o homem não deve desempenhar um grande esforço em evitar. O homem vive cercado de riscos nessa Terra, e Deus quer que haja esses riscos remotos, para nós percebermos quanto somos frágeis e quanto dependemos dele. De maneira que se fosse possível eliminar os riscos remotos, o mundo ficava cercado de riscos próximos, porque o homem que perdeu o temor de Deus é um perigo. E o risco remoto é uma garantia posta por Deus para que os homens tenham bom senso e não fabriquem os riscos piores do que lhes convém.

Bom, mas vamos dizer, há um fazendeiro muito rico da zona x. Depois de ele tem feito para si uma fazenda magnífica etc., etc., ele poderia dizer: bom, agora estou garantido contra todas as misérias. Mas, ele é fazendeiro numa zona quente. Na zona dele não dá geada. Mas ele ouviu contar pelo avô dele, que o pai do avô dele, num ano de frio excepcional, viu uma geada naquele lugar.

Aí começa, o pânico. Um homem normal diz: “Bom, foi lá com meu bisavô. Isto acontece como que nunca, porque de lá para cá nunca aconteceu”. O homem com pânico raciocina de outra maneira: – “Puxa, isso aconteceu com meu bisavô, há tanto tempo não acontece. De repente acontece agora! Porque as coisas muito raras de vez em quando acontecem. Quando é que acontece? Quando há muito tempo não aconteceram. Então eu preciso economizar bem para fazer uma fazenda numa outra zona, que é uma zona onde não gia [de geada] nunca. Eu vou comprar uma fazenda no Ceará!”

Então, apertar as finanças até o último para comprar uma fazenda no Ceará.

Faz a fazenda no Ceará: “Olha, aqui tem a seca… é verdade que no Ceará, dizem, que há tempo não tem seca. Mas de repente então agora tem, porque se há tempo não tem, chegou a hora de ter. Eu vou comprar uma fazenda nos bordos do Amazonas. Porque ali não tem seca, é o maior rio do mundo!…”

Bom, vai, faz a fazenda lá. De repente vem uma notícia: o Amazonas inundou! Como é que vamos arranjar esse caso? O sujeito diz: “está vendo? O único jeito é economizar muito. Corre um rumor de depreciação da moeda… se eu deixo o dinheiro no Banco eu estou perdido, porque a moeda está se depreciando”. Então o sujeito fica carregando quantidade de ouro cada vez maiores para fugir de riscos que o assaltam de todo lado, porque onde está o homem está o risco, onde está o dinheiro está o risco, ele fica todo rodeado de riscos, porque a fortuna dele é enorme!

Acaba levando uma vida miserável, não aproveitando o dinheiro que Deus dispôs que ficasse à mão dele para vários bens que ele pode fazer, e não fazendo bem para pobre nenhum, não ajudando ninguém, porque ele é o grande pobre: porque ele é rico, mas pode ficar pobre de um momento para outro.

Bom, isso dá um fechamento de espírito, uma estreiteza de vistas, uma caipirice, uma sujeira que acaba se traduzindo no físico. Eu conheci gente assim: muito rica, muito rica no tempo em que as fortunas eram muito estáveis, que viviam com cada vez mais pânico do que podia perder. E, portanto, vestindo-se mal, arranjando-se mal…

Eu conheço até o caso característico do castigo que um desses levou. Ele ficou rico, coisa e tal, e era um homem que também tinha uma mania parecida com a mania de acumular dinheiro: é a mania de acumular saúde. Um gênero de gente que tem mania de acumular saúde: “Eu senti nesse dedinho aqui hoje uma pequena dor, vou ao médico…” Mas não tenham dúvida, o médico pespega uma injeção nele, isso não tem… Não vai perder uma tão boa ocasião!

– “Olha, o senhor está com começo de uma osteoporose…” Uma palavra de som terrível, parece que é o carro de defunto que está chegando!… Uma osteoporose terrível! O senhor é feliz porque está ainda no comecinho. E essa injeção, se o senhor fizer uma série de 40 injeções ao longo de um ano, o senhor pode conter essa osteoporose, e fará bem porque conterá o envelhecimento de seus ossos de tal maneira, tal maneira, tal maneira. Mas olhe, não deixe fazer por enfermeiro, porque esses enfermeiros de Farmácia às vezes fazem uma barbeiragem, e pode dar uma contra-osteoporose, mais perigosa ainda do que a osteoporose. De maneira que o verdadeiro é o senhor vir falar comigo mesmo, eu atendo o senhor na hora… (naturalmente, no fim do mês, a conta, não é? Isso custou tanto, trabalho tanto, tatá.)

 O sujeito faz. Depois da osteoporose ele começa a desconfiar que ele está piscando com mais frequência do que deve piscar. E ele percebe até que os netos dele deram a ele o apelido de Doutor Pisca-pisca. Na hora dele chegar em casa ele viu o netinho gritar para o outro: ‘Cuidado porque o Pisca-pisca já está vindo!…”

Ele volta ao médico. O médico diz: “Não, não, isso é um efeito colateral da osteoporose. A injeção que eu dou ao senhor é muito boa para conter a osteoporose. Mas os efeitos colaterais têm certa autonomia nessa doença”. Dentro de dois, três anos, o homem está no cemitério.

O homem não é avaro apenas de dinheiro, é avaro principalmente de dinheiro, principalmente em nosso século, mas há avareza em toda espécie de coisas. O que é que essa avareza tem de ruim? Um apego exagerado que leva a pessoa a não confiar em Deus, não confiar na Providência, querer confiar apenas em si. Então sente a fraqueza da sua situação. E quer resolver a coisa abarcando cada vez mais.

O resultado: ele é o carrasco de si próprio e morre – ele riquíssimo – morre na pobreza. E ele que procura acumular saúde mais do que o razoável, morre morto pelos médicos. É todo mundo que se volta contra a ordem racional das coisas.

Agora, por que é que Nosso Senhor Jesus Cristo mencionou sobretudo Mamon? [Lucas 16:13; Mateus 6:19–24] Porque desses desregramentos é aquele a que a natureza do homem é mais sujeita. Por quê? Porque o dinheiro é uma espécie de cheque com direito para tirar o que quiser no banco da felicidade. Eu não sei se ainda existe hoje uma loteria que há muitos anos atrás existia, com uma popularidade imensa, chamada “Grande Prêmio da Espanha”, não sei se existe ainda isso hoje. Loteria da Espanha existe?

(Existe sim.)

Bem, o prêmio antigamente era um prêmio enorme, era uma fortuna fabulosa o primeiro prêmio. Como eram muitos bilhetes, era muito raro tirar o primeiro prêmio.

Mas os senhores imaginem que “bem” espiritual faria para os senhores se os senhores recebessem uma carta… Eu abri a carta: era dirigida para mim. Eu sou uma alma simples… de maneira que… na simplicidade de minha alma eu abri e encontrei uma carta do meu padrinho”.

“Meu querido Totó… até hoje seu padrinho lhe tem feito poucos presentes. Porque eu queria na imensidade do meu afeto por você, eu queria lhe dar um presente muito bom. E não sabia o que, porque tudo que eu pensava era insuficiente na proporção do que eu desejo para você…”

Eu não sei se muitos dos senhores tem padrinhos assim, mas vamos imaginar um padrinho de conto de fadas.

“… E como eu hoje ia passando em frente àquela cada que vende bilhetes de loteria, e como você se lembra fica a uma esquina da minha casa, eu de repente lembrei-me – estava um anúncio da loteria de Espanha – eu disse: eu vou fazer uma despesa grande, mas eu vou comprar para o meu afilhado Zezé um bilhete da Loteria de Espanha. Ao menos se ele tirar essa loteria ele fica riquíssimo, e recebe um dom do tamanho do que eu queria lhe dar. Apenas, Zezé, não se esqueça nessa ocasião de que seu padrinho existe, e espera um belo presente de sua parte.

Assinado, bençãos – o Padrinho”.

Imaginem-se concretamente nesse caso. Primeiro, emoção. Primeira emoção não é: “como é bom meu padrinho”, não é isso não. Primeira emoção é: “imagine se eu tiro esse prêmio! O próprio padrinho está dizendo que são tantos milhões de pesetas. Deixa ir correndo verificar quanto isso vale em dólares, depois em cruzeiros. Folheio o jornal… pega uma maquinazinha dessas de fazer cálculo, que gente assim sempre tem no bolso…” Só tem Padrinho Totó quem por instinto não sabe viver sem aquela máquina. É gente marcada.

Ele vai, faz os cálculos, faz logo, porque ele manobra muito melhor aquele aparelho do que ele recita os dez Mandamentos da Lei Deus! E chega a uma quantia fabulosa. Vamos supor, por exemplo, vinte milhões de dólares. Bem, ele sente o coração bater: pam-pam-pam! Daí por diante a vida do Zezé mudou. Ele está fazendo o cálculo, se ele tirar o bilhete, o que é que ele vai fazer. Começa pensando que vai comprar uma lancha. Mas daqui a pouco essa lancha virou um transatlântico…

“Ontem eu vi dois indivíduos conversarem sobre automóvel. E fiquei com a idéia de que os dois iam fazer mal negócio. E que se eu tivesse dinheiro, eu fazia muito mais dinheiro com esse dinheiro do que eles iam fazer. Quem sabe se eu arranjasse, por exemplo, uma Compra e Venda de automóvel… Isso é ridículo. Com o dinheiro da loteria da Espanha eu precisaria ter algumas indústrias. Quem sabe se eu arranjo umas indústrias?”

Bom, daí a pouco ele está industrial, está banqueiro, está viajando, está se divertindo, está grã-fino… quede [onde] o membro da TFP?

No dia em que deve correr a loteria, ele acorda cedo, e amanhece na porta da casa de loteria da cidade dele, que deve receber o telegrama do que é que essa loteria da Espanha deu. Chega o aviso, ele já sabe de cor o número. O homem começa a cantar o número: 8432535889 – o coração está por arrebentar, porque tudo coincide com o dele, falta só um número… – o sujeito canta: cinco!

É o dele! A alma está perdida!…

Mas, há um outro modo… é claro que, portanto, dinheiro significa uma porta aberta para tudo quanto o mundo pode oferecer. É claro, com dinheiro se compra qualquer coisa. E por causa disso o dinheiro é equivalente ao mundo, é equivalente ao que se chama: “Satanás, suas pompas e suas obras”, as quais o homem renuncia no Batismo. E o resultado é que a mania do dinheiro perde a alma completamente. Mamon destrói a alma.

Mas o exemplo da loteria da Espanha é um exemplo muito exagerado. Todo mundo sabe que é dificílimo a loteria da Espanha sair para alguém. Em primeiro lugar é que são só bilhetes caríssimos. E em segundo lugar porque é tanto risco do bilhete sair em branco, porque o número de bilhetes são muito grandes para justificar um prêmio tão grande assim, é tão arriscado o bilhete sair em branco, que o indivíduo pensa: “Não, eu não vou arriscar tanto. Se eu ficar apenas com um décimo de bilhete da loteria da Espanha, já eu fico rico. Eu fico com um milhão de dólares, vamos dizer. Já eu fico bem. Vou comprar isso”. E começa a fazer os seus sonhos etc., etc.

Outro diz: “Eu não vou arriscar nada. Eu tenho jeito para fazer negocinhos. Eu sei comprar, eu sei vender, eu sei avaliar os preços… eu sei como me conduzir diante do dinheiro. É uma coisa instintiva, uso o talento que eu tenho. E por causa disso eu vou usar esse talento, vamos ver como sai a coisa”.

Eu numa ocasião entrei numa casa velha em Santos, casa meio em ruína, porque eu passei perto da casa, e vi que tinha uma parede toda de pé ainda, e revestida de um azulejo lindo, do tempo colonial. E eu tinha um conhecido que estava precisando muito, um conhecido que eu queria obsequiar, e que estava construindo ou reformando a casa dele. E que tinha grande vantagem em ladrilhar com verdadeiros azulejos do tempo colonial uma parede da casa dele. Então, conversando com ele eu disse: Fulano, em tal lugar assim, em Santos, eu vi tal e tal azulejos etc., etc., mas eu não me lembro o nome da rua. Eu sei ir lá, mas não sei o nome da rua. E é um azulejo maravilhoso, você gostaria muito de ter. Os olhos dele se acenderam. Era um homem de negócio muito voraz. Os olhos dele se acenderam. Ele me disse: “Mas onde é?” – Eu não sei dizer a você. Ele me disse: – Você não vai a Santos com frequência? Eu tinha uma ocupação em Santos, disse: – Vou. – Me avise, que da próxima vez que você for eu vou com você.

Fomos, chegamos lá. E o azulejo lindo e eu… isso era no pátio interno de uma casa velha, desses pátios como havia no estilo colonial, e como na Espanha ainda há pátios assim. Eu disse — tinha gente trabalhando ali, mas gente fazendo serviço de lo último, um lugar arruinado. Eu disse alto, tinha voz naturalmente alta, eu disse alto, sem maior preocupação: – veja você que ladrilho lindo esses aqui, maravilhoso!…

Ele: – Hummm. Eu pensei: que descortês! Se ele não gostou desse ladrilho, ele deveria pelo menos concordar comigo por amabilidade. Depois dar um pretexto e não comprar. E fiquei aborrecido com o negócio. Com surpresa para mim, ele chegou perto e começou uma análise meticulosa do ladrilho.

Eu disse: não, ele não… Aí cai em mim: como tinha gente perto, ele não queria dizer que o ladrilho era bonito,  porque ele queria levar por um preço miserável. Idéia de justo preço nem passava pela cabeça dele. Ele queria levar pelo preço mais barato que fosse. Daí a pouco sai a pergunta dele: – esses ladrilhos velhos aqui vocês acham que vale alguma coisa? – Hãããã…

– Alguém já ofereceu algo a vocês por esses ladrilhos? – Não… – Meu cunhado aqui está achando tão bonito, talvez a minha senhora também ache bonito. Eu vou descrever um pouco para ela como é, e depois eu venho aqui, vejo se vale a pena comprar. Por enquanto deixe tirar umas fotografias… plom-plom; Bem, agora deixa eu bater na parede para ver se estão bem firmes na parede”.

Tinha uma taipa portuguesa, dessas que não desgarram do ladrilho nunca! E ele que entendia um pouco de obras concluiu que não se podia tirar da parede, e que, portanto, não adiantava de nada. Foi embora, e me disse depois: “O ladrilho é lindo”, mas explicou que não podia servir. Foi embora”. E ele estava, por instinto, nunca ninguém ensinou nada a ele, ele estava armado para tirar aquilo, por um preço miserável. É um talento que certas pessoas têm de oferecer para vender, ou oferecer para comprar, que vendem mesmo e compram mesmo. E compram por preço barato e vendem por preço caro. É um talento, uma sugestão, uma coisa que existe mesmo.

O próprio dessas pessoas assim, é que elas não acham bonito ser assim. Elas acham útil ser assim. E por isso elas nunca se gabam que elas tem jeito de comprar e vender. E nunca se gabam de que tem jeito para fazer negócio. Elas fazem o negócio sem contar para ninguém. A gente percebe que eles ficaram ricos pelo que estão gastando. Assim mesmo tenha certeza que essa gente assim é agarrada hem? Tenha certeza de que eles ainda estão gastando muito menos do que por exemplo, eu gastaria se estivesse no lugar deles. Não tem dúvida nenhuma.

Bem, o sujeito que é assim começa a fazer um negocinho a toa. Vamos dizer que ele sabe que em Santa Catarina se fabrica cerveja muito boa. E ele vai começar a vender para o vendeiro em frente da casa dele, cerveja de Santa Catarina que ele manda vir, e que não existe a não ser em condições que não vale a pena vender ou mandar vir. Mas que compra se puserem na porta da casa dele. Mas ele vende por três vezes o preço para o vendeiro, porque ele percebe que o vendeiro aumentou a encomenda para ele, ele percebe que então a coisa está tendo saída. Ele cobra do vendeiro um preço ainda mais alto. O vendeiro continua a comprar.

O pobre coitado de Santa Catarina está vendendo pelo mesmo preço. E ele com esse dinheiro já encontra outra possibilidade de comprar outra coisa e de vender outra coisa. Daqui a pouco monta uma indústria. Na indústria é a mesma coisa. E a coisa lá vai, lá vai… esse gênero de gente faz dinheiro facílimo.

Em pouco tempo o sujeito aí começa a achar bonito vender e comprar, porque ele começa a achar que é o verdadeiro homem. O homem que compra e vende e tem jeito para negócio, é o que tem o perfil do homem. Ele é esperto, ele é forte, ele sabe driblar os outros, ele sabe vencer na vida. E começa a só compreender como bonito, fazer dinheiro. E quem não faz dinheiro, e faz alguma outra coisa bonita, é um bonito de quinta classe. Não se aprecia. É mais ou menos como hoje em dia, nós descemos até lá, fazer poesia. O sujeito é um poeta… um grande poeta! – “ah, é, é?…”

– Olha, esse tem uma fabriqueta que vai indo para frente.

– Oh! Você tem uma fabriqueta que vai indo p’ra adiante?

O poeta fica no chão. Mas o homem que fabrica rolhas, que colosso, que homem formidável! Fenomenal.

Bem, qual é o mal que isso tem? O homem começa a valorizar uma tabela de valores que não é a que a Igreja Católica ensina. A Igreja Católica ensina que o homem deve destacar-se por aquilo por onde ele é mais homem. E ele é mais homem pela sua fé e pela sua força de vontade! É claro! Ele é mais homem por sua virtude do que por qualquer outra coisa. É melhor ser um burro muito virtuoso, do que ser um muito inteligente que não tem virtude. É muito melhor.

Depois do valor da vontade vem o valor da inteligência. O sujeito é muito inteligente. Não é o que o distingue do bicho? É. Logo, quanto mais nós temos, mais nós estamos longe do bicho. O anjo não é mais inteligente do que nós? É. Quanto mais nós somos inteligentes, mais nós nos aproximamos, por algum lado, da inteligência angélica. Se a posse de uma grande inteligência, com virtude, nos distancia do bicho e nos levanta até o anjo, é por aí que o homem sobe.

Mas isso é uma coisa que não se sente quando a gente mexe com as coisas de dinheiro. Quando mexe com as coisas de dinheiro perde-se completamente o apreço por essas coisas, porque o que fica valendo é apenas o dinheiro. E os que têm jeito para ganhar dinheiro – eu volto a dizer, é uma forma de talento especial – eles se perdem até no negocinho. Começa a comprar uma lapiseira, vende a lapiseira um pouco mais cara; compra três lapiseiras, vende as três ainda mais caras. Dentro de algum de algum tempo ele está na testa de dinheirinho. E aí ele se perde completamente.

Mesmo porque, os que fazem dinheiro só gostam de conversar com quem der dinheiro. E só falam sobre o dinheiro que fizeram ou não fizeram. No tempo que eu era pequeno – eu nasci em 1908, os senhores calculem – na mesa, no almoço, no jantar, quando estava a família toda reunida, era uma falta de educação falar de negócios. Falar de dinheiro era uma falta de educação. Em outras famílias mais exigentes, era falta de educação falar de saúde também. Saúde cada um trata com seus próprios pais trancados no quarto. E dinheiro a gente só trata no escritório da casa, quando tem algum negócio a tratar.

Mas essa conversa: sabe que fulano deu uma tacada de dinheiro, outra fez não sei o que, não sei o que… Isso o sujeito não fazia… não era prosa. Era uma caceteação mortal, a pessoa só tratava quando era indispensável tratar. O resto era falando sobre outras coisas.

Uma vez um rapaz da geração de Dom Bertrand, Gregório, sentou-se numa mesa de restaurante comigo e começou a conversar. Eu comecei a conversar uma coisa e outra, ele me disse: “Me diga uma coisa. Nós devemos conversar sobre o que?” Eu disse – Não sei… não estamos conversando?  – Não, não! O senhor não tem negócio para falar comigo? Não tem um caso concreto para tratar comigo?

Eu disse: – não. Nós estamos apreciando coisas…

– Não, não, não! Na minha família não se faz isso! Quando chega a reunião de família, vão as senhoras para um lado, os homens de outro. E os homens entre si começam a falar de dinheiro. Só falam de dinheiro, não sai outra coisa. O senhor não tem nada para falar comigo?

Eu fiquei com vontade de dizer: – Não. Olhe aqui, vá sentar naquela mesa porque eu não sei falar de dinheiro!

Bem, mas a questão é que depois, essas coisas tomam uma impregnação. Por exemplo, jogar futebol, pode se transformar numa mania. Quando o sujeito vai ao estádio de futebol, entra um estado de espírito como que uma respiração, e entra uma mania na mentalidade do sujeito. E ele fica que só cuida daquilo, e o que não for esporte não interessa a ele.

Então vem uma notícia qualquer, por exemplo, da beatificação do Cardeal Ferrara: “Absolutamente não me interessa!” Agora, se tal clube ganhou de tal outro clube, de maneira a poder ganhar o campeonato, ele é capaz de sair do auditório para ver o que é. Mas a fortiori quando é de negócios. Porque basta entrar num banco para descontar um cheque, que aquela atmosfera entra.

Uma espécie de “tabernáculo”…

Eu moro a dois passos de um Banco, e vejo as pessoas que vão entrando. Pela cara da pessoa sei se a pessoa vai para o banco ou está vindo do banco, ou se não tem nada com o banco, está passando lá por outra coisa…

E isto faz parte da grande mania contemporânea. Grande mania contemporânea. Quem não quiser perder sua alma, mantenha-se longe dessa mania, porque essa mania arrasta um número incalculável de pessoas, para o desinteresse por tudo quanto é sobrenatural.

Aqui está sumariamente exposta alguma coisa. Meus caros, isso é um almoço, não é uma conferência. Há tempos o almoço acabou!

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