Auditório São Miguel, sexta-feira, 15 de agosto de 1980, Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Fra Angelico – A Dormição e Assunção de Nossa Senhora (pormenor), 1424-1434 – Isabella Stewart Gardner Museum
Bem, meu caros, hoje é a festa da Assunção de Nossa Senhora, a festa de todos os gáudios e todas as alegrias, a festa do dia em que Nossa Senhora ressurrecta, tendo abandonado a condição de mortal, sobe aos Céus levada pelos Anjos. A isso se chama Assunção, e não Ascenção. Nosso Senhor subiu aos Céus por sua própria força, por seu próprio poder. Ela subiu ao Céu carregada por revoadas inenarráveis de Anjos, o Céu inteiro participou desta alegria de levar Nossa Senhora ao Céu. E nesse dia eu falo do inferno…
Eu tinha intenção de encerrar com a Assunção, para que esta fique no dia de hoje a nota tônica que marque o dia com suas alegrias, inclusive em contraste com o horror que eu acabei de falar.
Que reflexão convém, depois de uma tal meditação, fazer a respeito da Assunção de Nossa Senhora?
Eu procurarei ser breve, mas cabe muita coisa dentro dessa brevidade. Nós imaginamos a noite de Natal, e todas as noites de Natal que até hoje houve – exceto deste Natal laico e comercializado de hoje em dia, mas que já quase não é Natal, exceto isto – todas as noites de Natal participavam da noite de Natal: “Stille Nacht, heilige Nacht! etc. etc., os Srs. conhecem.
A noite de Natal tinha um néctar, uma poesia, um encanto, um discernimento de espíritos por onde todo mundo como que sentia e conhecia a graça de Deus e de Cristo que desce como um orvalho do mais alto do Céu, ou seja, do claustro sacratíssimo de Nossa Senhora, e sem transgredir a virgindade intacta e ilibada da Mãe, entra nesta terra. A Virgem teve um Filho e a terra se extasia. É realmente uma maravilha.
* A obra-prima do mero criado vai entrar no Céu: “onde está o lugar para minha Mãe?”
Mas agora vai se dar outra coisa: é a obra-prima do reino do mero criado que vai entrar no Céu. O que houve no reino do criado de mais alto foi a Humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, que foi ao Céu antes dEla. O cortejo das almas que iam para o Céu foi aberto por Ele. Ele foi o primeiro. E no sulco dEle provavelmente terão ido as miríades de almas que estavam no limbo e os justos que morreram naqueles dias etc. etc., foram em seguida. E nunca nós teremos uma ideia suficiente nesta terra do que foi a glória inimaginável que foi a entrada de Nosso Senhor no Céu.
Para lhes dar uma noção pálida, nós não somos capazes já não digo de descrever, mas de imaginar o Tabor, onde Nosso Senhor foi glorificado. Agora, quando Ele entrou no Céu, a glória dEle era incomparavelmente maior que a do Tabor, e a alegria dos habitantes do Céu era incomparavelmente maior do que dos pobres terráqueos que estavam olhando eternamente, e que depois ainda fariam o que fizeram.
Bem, no esplendor do Céu entra Nosso Senhor Jesus Cristo com uma glória incomparável! Por assim dizer, depois de ter festejado na sua humanidade o encontro com a Trindade, depois de tomar assento gloriosamente no Céu – a sua natureza divina nunca deixou o Céu – depois disso, por assim dizer, o seu pensamento qual foi? Onde está o lugar para Minha Mãe? E começou a preparar tudo para o dia da Assunção.
Porque, depois da Ascensão, a maior festa do Céu é inegavelmente a Assunção. E então a gente poderia dizer que todo o universo estava numa alegria especial. Aquilo que foi uma morte, mas que a Igreja, que é mestra de todas as delicadezas, chama “dormitio Beatae Mariae Virgine”, a dormição de Nossa Senhora, em português a palavra “dormição” não existe a não ser para a morte de Nossa Senhora, leve como um sono. Assim foi a morte da Virgem das virgens.
Depois da dormição, os Apóstolos, ainda desolados, veem Nossa Senhora que ressurge. A Assunção se prepara. Eles vão até o monte, infelizmente não me lembro qual é, talvez seja o próprio Tabor, e começa a Assunção.
Começa como? Eu tenho a impressão de que era um maravilhamento de todos, e Nossa Senhora ia tendo Ela mesma seu Tabor. Quer dizer, todas as glórias que havia nEla começavam a se mostrar, como se mostrara a de Nosso Senhor no alto do Tabor.
Todas as bondades, toda a suavidade, toda a soberania, todo o domínio, todo atrativo, a virginal intransigência, a virginal firmeza nEla se afirmavam de um modo esplêndido e isso ia misteriosamente reluzindo, reluzindo, acentuando-se de maneira tal, que tenho a impressão que, quando começou, os que estavam presentes lançaram exclamações, depois começaram a cantar e depois o canto foi morrendo e começou – se eu pudesse dizer isso – a zumbir, mas zumbir celestialmente, o silêncio de quem já não ousava dizer nada…
Até certo momento as pessoas ainda se entreolhavam, depois deixavam de se entreolhar porque como que esqueciam que estavam outros perto, só olhavam para Ela, mas Ela não parava de manifestar quintessências por si mesma. Mas sucessivamente, sucessivamente! Olhando para o Céu e tendo-se a impressão de que não era Ela que ia subir, mas que o Céu ia baixar até Ela, e que se diria que a cúpula celeste estava se tornando cada vez mais baixa e que, se a gente estendesse a mão, batia com o dedo no azul.
Certamente a isto correspondeu em determinado momento, uma sensação de tal veneração, de tal inferioridade, mas ao mesmo tempo de tal intimidade, e cada um A sentia tão próxima dentro da própria alma, e tão meiga e tão afagante, e tão recomponente, e tão tonificante, tão reparadora, e tão Mãe, que eu tenho a impressão de que cada um se ajoelhava diante dEla à espera de encontrá-la sentada e poder pôr a cabeça sobre os joelhos sagrados dEla e ficar ali.
Os Apóstolos quiseram passar a eternidade olhando Cristo de pé. Eu acho que depois eles queriam ter passado a eternidade com a cabeça repousando sobre os joelhos celestes de Nossa Senhora. E de vez em quando olhando-A um pouco, e sentindo de vez em quando a mão dEla como uma carícia passando pela cabeça.
* Todos se sentiam como que embebidos de Nossa Senhora como o papel se sente embebido com azeite perfumado
Mas isso fisicamente não se podia ter realizado, realizou-se no fundo das almas, naquela região misteriosa que São Paulo chama “a junção da alma com o espírito”, essa região misteriosa do ser que é a junção da alma com o espírito, e onde ele diz que entra a palavra de Deus como um gládio de dois gumes. Se entra a palavra de Deus, não entra o afeto da Mãe de Deus? Até lá chega! E então todos se sentiam como que embebidos de Nossa Senhora. Como o papel se sente embebido com azeite perfumado, assim eles se sentiam, como que embebidos de Nossa Senhora, e já não sabiam mais o que dizer…
Quando começam os ares a se mover e os ventos como que a tomar forma, e a flutuar de um modo singular, definem-se figuras angélicas e o Céu se revela sucessivamente cheio de Anjos que cantam, que cantam… E Nossa Senhora está toda rodeada de Anjos. Pensa-se que os Anjos são mais esplendorosos do que Ela. Quando aparecem os Anjos, Ela, que tinha chegado ao auge de Seu esplendor para mostrar que supera todos os Anjos, aumenta ainda o Seu esplendor até o indizível, de maneira aos próprios Anjos ficarem pálidos em comparação com Ela.
Os homens acompanham, como os Srs. acompanharam há pouco, dizendo Oh! ou ficando quietos. Eles não percebem uma coisa que se deu. Aí Ela perdeu toda a proporção com a terra, é a hora da despedida. Ela começa a mover-se, a olhar com um afeto que procura transpor uma distância cada vez maior, e eles sentem que o irreparável está acontecendo. E ao mesmo tempo, se alegram e se dilaceram, choram e se extasiam, se sentem no Céu e se sentem na terra do exílio. Os Anjos cantam cada vez mais indizivelmente e eles vão prestando atenção nos Anjos.
* Ela começa a mover-se, a olhar com um afeto que procura transpor uma distância cada vez maior, e eles sentem que o irreparável está acontecendo
Em certo momento, quando eles olham – eles não tinham percebido – Nossa Senhora tinha desaparecido no vértice dos Anjos, levada por eles. Os Anjos revoam e cantam mais algum tanto, para consolar os homens, depois vão desaparecendo gradualmente, e é noite. De repente eles percebem que estavam juntos, uns ao lado de outros, e então começam a se olhar e ficam quietos. De repente, um diz: “Vamos para casa?” E outro responde com voz completamente assim: “É, já é tarde, não? – É mesmo!” E começam a descer o Tabor…
Ao descer, de repente algum se lembra de alguma coisa e diz: “Lembra-se de tal coisa?” E outro diz: “Lembra aquele?” Depois: “Lembra tal outra coisa assim, tal outra cena, tal outra beleza?” Quando dão acordo de si, estão todos cantando. E no fim da descida do Tabor, quando eles se despedem, eles se perguntam: “Quando é que nós nos reencontramos para continuar aquilo? Quando nós estivermos juntos, Ela estará no meio de nós. Há um modo de nos encontrarmos: é sermos todos consoantes com Ela. Ela estará conosco, e onde está Ela está Ele…”
Os srs. estão vendo bem, não descrevi Nossa Senhora, não ousei. Eu descrevi Nossa Senhora na reação daqueles que olhavam para Ela, porque eu não acredito que alguém tenha – eu pelo menos não sinto em mim – talento nem capacidade para descrever Nossa Senhora. Quem pensa, se engana.
Lembra-me do expediente de Dante Alighieri no último canto [da “Divina Comedia”], quando, depois de ter percorrido todo o Céu, ele se apresenta perto de Deus: não ousa olhar para o Lumen Incriado que está brilhando… Ele então olha para a vista de Nossa Senhora e nos olhos de Nossa Senhora ele vê o lumen de Deus, e ele tem o famoso soneto final a Nossa Senhora com que termina a Divina Comédia.
Assim também é justo que nós olhemos para as almas dos que a viram subir ao Céu, para assim vermos o reflexo dEla.
É um expediente perfeitamente legítimo. Acusou-se a Divina Comédia de ser linda, mas intérmina. Eu fui intérmino, chegou a hora de nós encerrarmos.
Nota: Para outras considerações do Prof. Plinio sobre a festa da Assunção, clique aqui.