As Lamentações do Profeta Jeremias aplicadas à atual paixão da Santa Igreja – “Devemos ser os cortesãos do infortúnio”

Santo do Dia, 11 de agosto de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Profeta Jeremias, catedral de Chartres, França (Wikipedia CC)

 

O coro vai cantar hoje um texto das lamentações de Jeremias. Como os senhores sabem, o profeta Jeremias foi aquele que chorou mais a queda de Jerusalém, mas que ao mesmo tempo, chorou mais a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Nesse sentido, digamos que é um dos profetas mais cheios de tristeza e de lamentações. A tal ponto que numa deturpação péssima, os filhos das trevas quando querem dizer que alguém é “chorão” qualificam-no como “um Jeremias”, ou quando algo é uma lamúria, chamam de “Jeremiada” ou “Jeremíada”. Porque ele foi o profeta das lágrimas e que profetizou melhor o pranto e a dor de Nosso Senhor e Nossa Senhora. E então vem aqui o texto que vai ser cantado pelo coro.

Começa:

“Como está solitária esta cidade, antes cheia de povo!” – é a cidade de Jerusalém que foi destruída. “Tornou-se como viúva a Senhora das nações, a princesa das províncias ficou sujeita a tributos”.

Quer dizer, dominava várias províncias e agora ela, que fora soberana, está sujeita a pagar imposto, a pagar tributo ao poder estrangeiro. Ela perdeu a soberania que a adornava, portanto, o melhor de sua glória e está numa situação de humilhação. Então, continua:

“A princesa das províncias chorou sem cessar durante a noite e suas lágrimas correm pelas suas faces. Não há quem a console entre todos os seus amados. Todos os seus amigos a desprezaram e tornaram-se os inimigos”.

Então esta princesa está prostrada completamente. Aqueles que a amavam, deixaram-na de lado, os que eram seus amigos a desprezaram. E ela durante a noite chora na escuridão e no isolamento. E este pranto que é a respeito da cidade de Jerusalém abandonada porque entraram os adversários, porque reduziram o povo ao cativeiro, ninguém mais a procura, não há sacrifícios, não há lei, não há comércio, não há vida. A cidade é um monte de ruínas.

Este pranto que é sobre a cidade de Jerusalém, evidentemente, se aplica também ao sofrimento da Igreja Católica ao longo dos séculos e – sobretudo – ao mais pungente de todos os sofrimentos da Igreja Católica desde o Pentecostes até nossos dias: é a dor tremenda pela qual Ela está passando e que vai se acentuar cada vez mais.

Então poderíamos, palavra por palavra, aplicar à dor da Santa Igreja o que está escrito aqui. Então diz aí: “Como está solitária esta cidade, antes cheia de povo”.

* Hoje a Igreja está abandonada pelos povos, pelas nações, e quantos pastores levam o povo numa direção oposta a Ela…

Realmente a Igreja Católica antes fora cheia de povo, era frequentada por todo mundo, todo mundo A adorava, A reverenciava, A homenageava. Hoje [em 1967, quando foi feita esta reunião, n.d.c.] as igrejas continuam cheias, mas a Igreja está vazia. O edifício material do templo, está com cada vez mais gente e o número de comunhões é cada vez maior. Quando chega a hora da comunhão, em algumas igrejas, quase que a igreja inteira se aproxima da mesa de comunhão. Dir-se-ia um florescimento religioso, admirável, mas quanto esse florescimento é vão e como são poucos dentro da Igreja os seus verdadeiros filhos…

O que é um verdadeiro filho da Igreja Católica?

É aquele que crê em tudo quanto a Igreja crê, ama tudo aquilo que a Igreja ama e, portanto, não duvida de nada do que a Igreja crê e detesta tudo o que é oposto à Igreja. É, portanto, um indivíduo completamente ultramontano, que não dá seu coração a nada daquilo onde não esteja o Coração da Igreja Católica. Este é o verdadeiro católico.

Agora, eu pergunto: os senhores vão a estas igrejas cheias, e quantos são os verdadeiros católicos? Quantos são os que, em geral – não digo em cada caso, mas em geral -, antes mesmo de saber qual é o pensamento da Igreja já pensam como Ela e já estão cheios do espírito dEla?

Os senhores procurem numa cidade de cinco milhões de habitantes como São Paulo, quantos são assim e verão quão poucos o são… Outrora, as igrejas regurgitavam de gente assim; outrora a Igreja tinha Seus templos materiais cheios de verdadeiros filhos, dos quais cada um era um verdadeiro templo do Espírito Santo. Ela vivia na alma dos fiéis que ali frequentavam. Mas agora a Igreja perdeu esse domínio, e está abandonada pelos povos, está abandonada pelas nações. E quantos pastores levam o povo numa direção oposta a Ela…

Então, Ela está completamente solitária. Ela que fora Senhora das nações porque dominou sobre todo mundo! Ela que era a Princesa das províncias, porque cada grande nação da terra era como que uma província que estava sujeita amorosamente, deslumbradamente, ao domínio da Igreja.

Pois bem, esta Princesa das províncias está abandonada…

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Representação da coroação de Luís I da França pelo Papa Adriano I, em 781, na presença de Carlos Magno (iluminura ilustrando manuscrito das “Grandes Crônicas da França”, Museu Goya – Wikipedia)

Lembro-me de uma iluminura da Idade Média que vi, que apresentava uma Missa celebrada por um papa. Então os coroinhas eram o Imperador do Sacro Império Romano e o Rei da França. O rei da Espanha acolitava não sei que outra coisa e o rei da Inglaterra fazia não sei que outra coisa… Isto era a Igreja como Senhora das províncias. O Sacro Império, a França, a Espanha, a Inglaterra, as nações nórdicas, todas elas confluíam para junto da Igreja para A venerar e para A servir.

* Hoje a Igreja chora sozinha. Devemos ser os cortesãos do infortúnio!

Como tudo isto está diferente! Então a Igreja chora, como afirma aqui, e chora durante a noite, chora só.

O que é essa noite? É a noite da incompreensão: ninguém A compreende, ninguém A entende.

E qual é o pranto dEla? É o pranto de Nossa Senhora que chora em Siracusa, de Nossa Senhora que chora em Rocca Corneta, de Nossa Senhora que aparece desde La Salette até hoje em várias manifestações, ou chorando ou dizendo de outras maneira a Sua tristeza. É o mesmo pranto da Igreja Católica, chora sozinha na noite. E nesta noite, nesta soledade, deve haver almas que procurem na sua tristeza, a Princesa das nações.

Para usar uma linda expressão, de um homem que não foi bom: Chateaubriand. Ele, ao contar que cortejava os príncipes destituídos, escreveu: “Eu sou um cortesão do infortúnio“.

Nós devemos ser os cortesãos do infortúnio. Nós devemos nesta noite onde ninguém entende a Igreja Católica, em que Ela chora só e abandonada, onde, na incompreensão, Ela está relegada de lado – apesar de aparências humanas de prestígio que nada dizem –, devemos ser essas almas que chegam a Ela, passo a passo, com veneração, ternura e enlevo, “dizem” à Igreja Católica aquilo que Ela quereria ouvir.

Antes de tudo, toda nossa fé, que cremos na Igreja até o fundo de nossas almas, totalmente, completamente, que não queremos senão pensar como Ela pensa, sentir como Ela sente, querer o que Ela quer, e embriagarmo-nos – a expressão literal é essa – embriagarmo-nos de amor por Ela, com a casta embriaguez do Espírito Santo. Os Apóstolos quando receberam o Espírito Santo em Pentecostes, saíram do Templo e as pessoas diziam que eles estavam como ébrios. Era o entusiasmo do Divino Espírito Santo.

Embriagarmo-nos com o espirito dEla e dizer à Igreja Católica que queremos ser fiéis; que procuramos conservar a antiga lição; que conservamos a doutrina que não muda; que conservamos o apego a tudo quanto é perene em que se reflete o espírito dEla com uma autenticidade inteira; que conservamos a certeza que Ela está viva; que conservamos a certeza que Ela vencerá; que temos os olhos postos na Igreja Católica, nos Seus triunfos no dia de amanhã, no Reino de Maria que deve implantar; que vai tão longe nosso enlevo, nossa veneração, nossa ternura por Ela, que fazemos este ato de suprema obediência.

No momento em que todos parecem abandoná-La, queremos nos curvar diante dEla e dizer que obedecemos inclusive e, em toda medida do razoável, do necessário, do conforme à instituição divina dEla, nós obedecemos à hierarquia dEla e os pastores dEla.

Quer dizer, este é o trabalho, esta é a atitude, esta é a ação que tem que ser feita neste momento.

Então diz o profeta Jeremias:

“A Igreja chorou sem cessar durante a noite e as suas lágrimas correm pelas suas faces. Não há quem a console entre todos os seus amados. Todos os seus amigos a desprezaram e tornaram-se seus inimigos”.

* Palavras de amor e ternura com que Nosso Senhor e Nossa Senhora receberão no Céu

Mas se algum de nós morresse com tais disposições nesse momento, veria uma coisa maravilhosa: no raiar da outra vida, ao considerar Deus face a face, e ao ver Nossa Senhora, sermos recebidos com uma ternura inefável, com um amor sem nome e nos seriam ditas aquelas palavras que Nosso Senhor pronunciará no Juízo Final: “Eu estava nu e vós me cobristes, Eu estava preso e vós me visitastes, Eu estava faminto e vós Me deste o que comer”.

A Santa Igreja Católica, que é o Corpo Místico de Cristo, em certo sentido está nu. Nós cobrimos com o nosso amor hipotecando a favor dEla nosso prestígio, comprometendo todos os valores terrenos que possamos representar, para exaltar a glória dEla aos olhos dos homens.

Ela estava com fome […], presa, Sua voz já não se fazia levantar, nós rompemos o silêncio fazendo ouvir a verdadeira e imutável doutrina. E se de um modo tão magnífico Deus retribuirá no Juízo Final qualquer esmola feita a qualquer mendigo, como não pagará Ele a esmola feita a esta sublime, a esta régia, a esta maravilhosa, a esta incomparável “Mendiga”! A nossa Mãe, cheia de dores, cheia de golpes, mas Rainha como nunca, e mais bela do que nunca, a Santa Madre Igreja, Católica, Apostólica, Romana!

Assim, quando o coro cantar estas palavras, devemos fazer com que as melodias que forem entoadas, sejam como que uma expressão de nossa alma apresentando à Igreja Católica, apresentando a Nossa Senhora, e por meio de Nossa Senhora a Nosso Senhor Jesus Cristo, e dizendo isto: que temos a dor que o coro vai exprimir em música, que temos a tristeza que aquelas notas musicais vão significar. Que nossa alma chora desse pranto que vai ser cantado agora e que fazemos isso intencionalmente, com todo amor para reparar todo o mal e todo o ódio que está sendo lançado contra a Igreja Católica neste momento.

Devemos recordar uma coisa: quando a Igreja é mais perseguida e alguém se aproxima dEla para, na Sua soledade maravilhosa, participar do opróbrio dEla, de Sua solidão, do abandono em que Ela está, cobrir-se da vergonha de que Ela está coberta, quando alguém faz isto, os milagres, as graças, esfuziam de todos os lados. Nosso Senhor estava na última agonia, Ele estava no fim, no auge da derrota e começam os milagres…

Dimas que se converte e passa a ser de um ladrão culpado e sentenciado a ser um santo e Nosso Senhor que do alto da Cruz enuncia Sua primeira canonização: “Tu hoje estarás comigo no paraíso”!

Quer dizer, o primeiro santo canonizado, o foi do alto da Cruz. Quem pode ter ideia de todas as graças que foram derramadas do alto da Cruz?… Conta o Evangelho que quando a terra começou a tremer, muitos batiam no peito e diziam: “Verdadeiramente, Ele era o Justo”.

Eram as graças que começavam a sair, a brotar do alto da Cruz e quando Longinus atingiu o flanco de Nosso Senhor com sua lança mortífera, que daria para matá-Lo se morto ainda não estivesse, também ele se curou, porque aquela linfa que saiu do flanco de Nosso Senhor caiu sobre seus olhos e ele, que era quase cego, se tornou instantaneamente bom.

Quando Verônica limpou a face cheia de escarros, de pancadas, de poeira, de sujeira de Nosso Senhor Jesus Cristo, esta face se impregnou no pano dela.

Pedir que cada um de nós passe a ser inteiramente aquilo para o que foi criado

Então, devemos pedir isto: que esta solidariedade com a Igreja Católica obtenha o milagre da conversão individual de cada um de nós; que cada um de nós se converta para ser um Apóstolo dos Últimos Tempos, como São Luís Maria Grignion de Montfort descreve na sua “Oração Abrasada”; que cada um de nós passe a ser inteiramente aquilo para o que foi criado, aquele santo que deveria ser e que quereria ser e que, entretanto, por sua própria fraqueza não o é.

Que este sudário moral com que nos aproximamos de Nosso Senhor sirva para que a verdadeira face de Nosso Senhor se grave como no sudário da Verônica; que tenhamos a face sacrossanta de Nosso Senhor Jesus Cristo, quer dizer, o espírito de Cristo, porque a face é o símbolo do espírito e quem tem a face tem o espírito.

É isto que devemos pedir a Nossa Senhora no dia de Santa Clara, cuja ficha não vou comentar, porque me estendi demais sobre essa canção, por intercessão dessa grande Santa, cuja festa é amanhã, fundadora das franciscanas, que proteja contra os golpes duríssimos que estão sendo dados à Igreja, com a tendência para eliminar o estado contemplativo e o próprio estado religioso. E com estas disposições, invocando o patrocínio do profeta Jeremias, vamos então ouvir o cântico do coro.

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