Análise de um quadro de Luís XVII de França: fragilidade, dignidade e mando

Reunião de 1974, sem data especificada

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Louis-Charles de France (Versailles, 27-3-1785 – Paris, Torre do Templo, 8-6-1795), segundo filho de Luis XVI e de Maria Antonieta. Após a decapitação de seu pai, foi reconhecido como titular da coroa da França pelas potências coligadas e por seu tio, o futuro Luís XVIII. Morreu nas garras da Revolução Francesa, na prisão do Templo. Quadro de Alexandre Kucharski (1792)

Descrevo da seguinte forma a impressão que senti ao ver esse quadro com a figura de Luís XVII: fragilidade, dignidade e mando.

Percebem bem as três coisas?

Não é o mando concebido de um modo abrutalhado e prepotente, como quem dissesse: “Me traga um copo d’água!” É um mando noutro sentido, de quem diz: “Quereria me trazer um copo d’água?”

 Não passa pela cabeça de quem recebe o pedido de responder-lhe que “não”. Porque a amabilidade e dignidade são tantas, que o indivíduo sente que deve trazer um copo d’água, muito menos pelo medo do que pela noção de superioridade que está incutida nesse estilo aqui.

Esta noção de mando veio com uma conotação confusa de contraste. É o contraste com a revolucionária falta de dignidade e de superioridade.

Não estou fazendo um elogio incondicional dessa gravura. Depois farei as críticas. Agora estou justificando a primeira impressão.

Esse “creme” (requinte) de civilização nem sempre fica claro para nós, por causa dos preconceitos revolucionários, e sobretudo porque no primeiro contato com uma coisa se procura o por onde desprezá-la, sob pretexto de que tem grandeza.

Os senhores olham – não sei se percebem – que é uma pessoa muito consciente de que tem o direito de ser servido, que é normal que assim o seja. E um tanto da debilidade censurável que está aqui representada resulta de algo que não é censurável: a idéia de que é tão normal ser servido, que não se precisa fazer esforço para tal. Não há dúvida que é uma posição eminentemente aristocrática. Não se pode negar uma das razões pelas quais essa figura é inegavelmente aristocrática.

Os senhores viram, então, o contraste com a brutalidade, com a falta de dignidade, que produz essa impressão muito grande.

Então, a pessoa olha, tem uma sensação e procura analisar esta última. Analisar como? Esse quadro produziu um certo comprazimento que me fez sorrir, prestar atenção e me deteve o pensamento. Ao mesmo tempo sou levado a sorrir e a deter o pensamento. Se eu sorri, é porque tem algo de delicado; se detive o pensamento, tem algo de sério.

Ao mesmo tempo vem uma outra impressão que a figura me dá: uma espécie de massa mole, onde existe mais carne do que osso. Há nas maçãs do rosto dele qualquer coisa de mole, que se tem a impressão de que nunca se contraíram numa atenção, num sofrimento, numa oração.

Os senhores observem o jogo das sobrancelhas… Como seria interessante se, um dia, se pudesse só falar sobre as sobrancelhas, seu desenho e movimentos! Porque a sobrancelha é o comentário do olhar. Os movimentos que os olhos fazem –  dilatando-se, contraindo-se, movendo-se – são um tanto explicitados pela sobrancelha. De maneira que – se quiserem ver uma coisa horrível – imaginem que qualquer um dos senhores cobrisse a sobrancelha com um cartão e a pessoa continuasse a falar: os senhores teriam dificuldade de interpretar o olhar dela.

Há sobrancelhas nas quais se percebe, por um imponderável qualquer, que houve o hábito de cerrá-las, que é o produto da reflexão. E há umas sobrancelhas despreocupadas que são do outro mundo!…

Então, essas sobrancelhas (retratadas nesse quadro) que não fizeram outra coisa senão ver jardim bonito, com fontes jorrando, mármore, cristal, gente fazendo reverência, e ele olhando sem entender muito… Pelo menos para mim, essa impressão de algo de mole, de inconsistente vem logo depois da primeira.

Como nasceu essa impressão? É fruto de uma estranheza também. É uma fisionomia que não apresenta obstáculos a quem a olha. Ora, toda fisionomia apresenta obstáculos para quem a vê. Uma fisionomia na qual se entra como numa casa comercial é uma fisionomia mole, que confirma com certa impressão de moleza que os olhos têm dentro dessa carne mole, donde se deduz algo a respeito de sua mentalidade.

Os Srs. percebem que os olhos são grandes e tomam uma boa parte da área da face, ocupando um espaço maior do que é o habitual. Nenhum de nós tem os olhos desse tamanho.

Prestem atenção nesse olhar. Ininteligente, não é. Onde está esse olhar tão plácido? As reações comuns dos homens não estão presentes. Ora, devem estar presentes porque homem ele é. Estão disfarçadas!

Está claro como foi feita a diagnose? Está claro como ela nasceu da observação do olhar?

Depois, olhar aparentemente desanuviado, mas crítico. Ora, todo olho tem que ser “anuviado” em algo. Logo, ele disfarçou. Isso faz parte da educação: saber disfarçar as impressões.

 

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Por exemplo, Elisabeth II da Inglaterra. Ela tem um olhar que é absolutamente imóvel e não exprime nada do que pensa. E tem que ser diplomacia. Vamos ao ponto original: isso é categoria!

Poderíamos dizer muitas outras coisas, mas não podemos passar a noite inteira analisando Luís XVII.

O que há nessa figura de Revolução e Contra-Revolução? Tudo que tem de aristocrático, dignidade e essa forma de mando: Contra-Revolução.

De Revolução: debilidade, molezas, tendências para o igualitarismo, por incrível que seja.

 

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Luís XIV

Onde está a tendência para o igualitarismo? Comparem com o grande Luis XIV, de quem é descendente: ele é um gatinho, um ratinho. É o igualitarismo que foi amesquinhando, amesquinhando, amesquinhando…

Ele, em relação ao avô, é um plebeu. Em relação a nós é um príncipe, porque estamos numa época de proletarismo debandado.

O fato de ele não ser capaz de se impor pela força, também é Revolução, porque nenhum homem pode pretender impor-se apenas por sua superioridade, pois  muitas vezes os outros não a atendem, então é preciso saber berrar e ir para a frente. Ele precisava ser um homem que soubesse pegar uma espada ou um chicote ou – muito melhor que isso – tivesse o olhar de Luís XIV! Pois vale mais que a espada e o chicote! Parafusa o sujeito no lugar: ali!

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