Evidentemente, sem concordar com toda a impostação que Eça dá ao assunto, desejamos apenas realçar o relevo que o tema “ambientes e costumes” possui. No mesmo sentido, sugerimos a leitura dos comentários do Prof. Plinio à “carta ao alfaiate Sturmm”, do mesmo autor luso (Eça de Queiroz: importância dos ambientes e costumes – 2).
Transcrevemos alguns trechos da obra “Imagens do Portugal queirosiano”, Campos Matos, Ed. Terra Livre, Lisboa, 1976, pags. 17, 18, 19 e 20:
“Alguns críticos, quer em Portugal quer no Brasil, têm assinalado no universo queirosiano a ausência de personalidades fortes e complexas, de tipo heróico, capazes de drama e paixão que provoquem e orientem o seu próprio destino. Todos, ou quase todos, são seres instintivos, de vontade tíbia e medida vulgar, determinados por acasos, por acontecimentos e encontros fortuitos, onde se enredam, experimentando os infortúnios de uma sorte adversa e onde acabam por se perder. Amélia, Amaro, Luísa, Jorge, Maria Eduarda, Carlos, todos se revelam vítimas de educações frustrantes, caracteres débeis, destinos infelizes. (…)
Toda a galeria queirosiana da fase realista vai assim evolucionando num lugar determinado, dentro de um quadro preciso que a emoldura, lhe dá significado e a determina. (…)
Compreende-se por outro lado a importância fundamental de que se revestia para Eça de Queiroz uma perfeita caracterização dos ambientes em que se movimentam as suas personagens, já que o seu comportamento, como pretendia o conhecido princípio da escola realista, seria determinado por uma totalidade de condicionamentos, entre os quais avultava, naturalmente, a influência do meio. (…)
A novelística queirosiana de feição realista, tão implicada em propósitos de reforma social e cívica através da exposição crítica dos costumes e dos comportamentos, deveria fundamentar-se, para o nosso autor, numa disciplina rigorosa, de declaradas preocupações científicas: “a análise com o fito na verdade absoluta”. O Realismo, como única expressão autêntica da arte, colocar-se-ia, assim, por inteiro, ao serviço da Revolução, ao serviço da transformação da sociedade e da reforma da mentalidade. Eis o objectivo basilar que se propusera Eça de Queiroz, ainda nos primórdios da sua carreira literária, por altura das Conferências Democráticas do Casino, em 1871.
Sete anos depois, já cônsul em Newcastle, diria em carta a Rodrigues de Freitas a propósito d’O Primo Basílio: «Os meus romances importam pouco; está claro que são medíocres; o que importa é o triunfo do Realismo – que ainda hoje méconnu e caluniado, é todavia a grande evolução literária do século, e destinado a ter na sociedade e nos costumes uma influência profunda. O que queremos nós com o Realismo? Fazer o quadro do mundo moderno, nas feições em que ele é mau, por persistir em se educar segundo o passado; queremos fazer a fotografia, ia quase a dizer a caricatura do velho mundo burguês, sentimental, devoto, católico, explorador, aristocrático, etc.; e apontando-o ao escárnio, à gargalhada, ao desprezo do mundo moderno e democrático – preparar a sua ruína. Uma arte que tem este fim não é uma arte à Feuillet ou à Sandeau. É um auxiliar poderoso da ciência revolucionária (Cartas de Eça de Queiroz, Ed. Aviz, 1945, pag. 49)”.